RESUMO: O artigo discorre acerca da temática Direitos Fundamentais, sobre o viés da proteção ambiental, enfatizando que a Constituição Federal, visando preservar o meio ambiente, faz remissão expressa à sadia qualidade de vida, impondo ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações. Para tanto, adentra na análise do Código Florestal, já que para viabilizar o atingimento daquele desiderato constitucional, demais normas infraconstitucionais vieram servir-lhe de ferramentas, como ocorre com a exigência do art. 29 do Código Florestal, que obriga a realização do CAR – Cadastro Ambiental Rural, o qual se traduz numa espécie de instrumento empregado pelo governo, para realização da fiscalização, trazendo uma série de benefícios para aqueles que se enquadram ao conceito de proprietários rurais ou posseiros e em contrapartida, pode originar uma gama de restrições para os que não realizarem o cadastramento. Conclui que não apenas para o território brasileiro, mas também para o proprietário rural, sobretudo o pequeno proprietário rural, a exigência do cadastro ambiental rural denota grandiosa ferramenta ambiental, para o País porque subsume mais uma ferramenta de fiscalização e para os proprietários rurais porque viabilizou oportunidades de obtenção de diversos benefícios, que são verdadeiros incentivadores para que se proceda o cadastramento da área rural.
Palavras-Chave: Meio Ambiente; Código Florestal; Cadastro Ambiental Rural.
SUMÁRIO: 1. INTRODUÇÃO; 2. A PROTEÇÃO AMBIENTAL – SINGELO ESCORÇO HISTÓRICO; 2.1- O DIREITO AMBIENTAL COMO ESPEQUE DE DIREITO FUNDAMENTAL À VIDA; 3. RESERVA LEGAL: CONSIDERAÇÕES PONTUAIS; 4. CAR – CADASTRO AMBIENTAL RURAL E SUA IMPORTÂNCIA; 4.1 ASPECTOS CONTROVERTIDOS DO ART. 67 DO CÓDIGO FLORESTAL; 5. CONCLUSÕES; REFERÊNCIAS
ABSTRACT: The article aims to discuss the theme of Fundamental Rights, on the bias of environmental protection, emphasizing that the Federal Constitution, aiming to preserve the environment, expressly refers to the healthy quality of life, imposing on the Public Power and the community the duty to defend it, and preserve it for present and future generations. In the sequence, it intends to enter into the analysis of the Forest Code, since to enable the achievement of this constitutional desiderato, other infraconstitutional norms came to serve as tools, as occurs with the requirement of art. 29 of the Forest Code, which requires the implementation of the CAR - Rural Environmental Cadastre, which translates into a kind of instrument used by the government to carry out the inspection, bringing a series of benefits to those who fall under the concept of rural owners or squatters and on the other hand, it may give rise to a range of restrictions for those who do not register. It concludes that not only for the Brazilian territory, but also for the rural owner, especially the small rural owner, the requirement of the rural environmental register denotes a great environmental tool, for the Country because it subsumes another tool of inspection and for the landowners because it made possible opportunities to obtain several benefits, which are real incentive for the registration of the rural area.
Key words: Environment; Forest Code; Rural Environmental Registry.
1. INTRODUÇÃO
O direito ao meio ambiente reconhecido como Direito Fundamental, compõe o art. 225 da Constituição Federal e muito antes da sua entrada em vigor, em 1988, já encampava diversos movimentos ambientalistas além das fronteiras do País, tal a grandeza e importância que se lhe atribuiu.
Com o intento de fazer cumprir aquele preceito, assegurando uma sadia qualidade de vida para as presentes e futuras gerações não são poucas as legislações infraconstitucionais que se ocupam do tema, sendo o que ocorreu com o Código Florestal, o qual entrou em vigor em 25 de maio de 2012, através da Lei 12.651.
Para conferir seguimento a estas intenções, a autora propõe-se em discorrer sobre o trajeto histórico da proteção ambiental, no Brasil e no mundo, bem como elucidar de forma precisa a localização do direito ambiental na seara dos Direitos Fundamentais e suas gerações, isto com o intuito de vir pontuar o conceito de reserva legal, desde o Código Florestal de 1934 até a recente definição atribuída por ocasião do julgamento pelo Supremo Tribunal Federal, da Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC) 42 e das Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) 4901, 4902, 4903 e 4937 sobre o novo Código Florestal, a fim de que se possa identificar quem são os proprietários rurais ou posseiros que são obrigados a realizar o cadastramento ambiental rural, imposto pelo art. 29 do Código Florestal.
2. A PROTEÇÃO AMBIENTAL – SINGELO ESCORÇO HISTÓRICO
O direito ambiental veio ganhar nuances protetivas que estão muito além do preconizado no art. 225 e seguintes da Constituição Federal, isto porque, no decorrer dos anos a população mundial passou a compreender a responsabilidade e a importância ambiental, de modo que a preservação do meio ambiente veio subsumir uma significância muito mais abrangente, já que diretamente correlacionada com a proteção à própria vida.
Com isso, ao se fazer referência à atuação estatal, que se revista do intuito de proteger o meio ambiente, está-se concomitantemente fazendo menção à concessão de meios aptos a viabilizar uma existência digna a todas as pessoas indistintamente, isto porque o processo de deterioração do planeta, no dizer de Welber Barral e Gustavo Assed Ferreira (2006, p. 13) pode resultar o esgotamento dos recursos naturais, o que denota com solar clareza situação alarmante para a sociedade.
O desenvolvimento econômico do nosso País é incentivado no art. 3º., inciso II c/c 174, §1º. da Constituição Federal, não obstante, este fenômeno não pode representar o comprometimento do bem estar social, eis a ponderação necessária, justamente neste viés de análise a compreensão do desenvolvimento sustentável deve fazer-se presente, e uma vez constituindo-se adequada a averiguação de seu alcance, reproduz-se adiante o seu significado: “como o desenvolvimento que responde às necessidades do presente sem comprometer as possibilidades das gerações futuras de satisfazer suas próprias necessidades." [1]
No momento em que restou verificado que o planeta Terra não dispunha efetivamente de condições para suportar a desmesurada ação humana, iniciaram os movimentos protecionistas ambientais, sendo certo que até meados do século XIX inexistia maciça preocupação a este respeito (SOARES, 2003, p. 15), mas em virtude do desenvolvimento tecnológico experimentado no último quartel do século XIX, demonstrando-se poderosa contribuição do setor financeiro na área industrial que acabou por resultar o aumento da produção, desencadeando a popularização do consumo e ainda, face o crescimento populacional sobretudo nos países subdesenvolvidos e, em contrapartida, a oferta dos recursos naturais permanecia em dimensão, o mesmo.
Não se torna necessário tecer profundas reflexões no atinente à atuação humana, a solução foi a busca de utilização em maior escala dos recursos naturais, para a produção de alimentos e para a obtenção de energia, além da utilização em maior intensidade da água para a irrigação e insumos agrícolas que passaram a ser aplicados, como agrotóxicos e adubos solúveis (WELBER; FERREIRA, 2006, p. 15), com o intuito de incrementar a produção.
Na contramão, tais atitudes vieram paulatinamente comprometer a existência dos seres vivos que habitavam a Terra, daí originando o nominado ambientalismo, que pode ser compreendido como todas as formas de comportamento coletivo que, tanto em seus discursos como em sua prática, visam corrigir formas destrutivas de relacionamento entre o ser humano e o meio ambiente, contrariando a lógica estrutural e institucional atualmente predominante.” (CASTELLS, 1999, p.156).
Assim, constatou-se que se tratava de um problema que comprometia o cenário mundial, razão pela qual dentre diversos encontros, a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano, realizada em Estocolmo em 1972 resultou numa convergência de ideais que tendem para a proteção do meio ambiente de forma geral e não setorizada, como houveram demonstrações, que a própria história pode confirmar.
Advinda da Conferência de Estocolmo, a declaração de 26 princípios e também um plano de ação, contendo 109 recomendações, com o objetivo de enumerar as normas internacionais afetas ao tema desenvolvimento sustentável, ou seja, o incentivo ao desenvolvimento econômico dos países, jungido à plena observância ao bem estar ambiental da população mundial, podendo ser traduzidos como principais resultados da aludida Conferência, a Declaração das Nações Unidas sobre Meio Ambiente Humano; um plano de ação do PNUMA, que nada mais é que um organismo voltado para a preocupação com os programas ambientais no mundo.
Em 1987 o Relatório Brundtland, elaborado pelos membros da Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento da ONU veio definir o desenvolvimento sustentável como sendo aquele que responde às necessidades do presente sem comprometer as possibilidades das gerações futuras de satisfazer as suas próprias necessidades. (BEBBINGTON, 2000, p. 8).
Recorrendo ao escólio de Welber Barral e Gustavo Assed Ferreira (2006, p. 27) é possível afirmar que o desenvolvimento sustentável tem como objetivo a promoção de convivência harmônica entre os seres humanos, a humanidade e a natureza.
Para que este desiderato seja alcançado, diversos momentos históricos serviram de contribuição, para que o panorama hoje existente se tornasse possível, pois é inconteste que desde os anos 80 a liderança ambientalista propugna em síntese por: um sistema político que assegure a democracia representativa, um sistema econômico que possa gerar excedentes e desenvolvimento técnico em base constante, um sistema social apto a solucionar as tensões ocasionadas pela opção de crescimento a qualquer custo e finalmente, um sistema de produção que respeite a obrigação de preservar a base ecológica do desenvolvimento, evitando o agravamento do processo de entropia global[2].
Como vem sendo explanando, diversas ocorrências denotam a atenção mundial que se voltou para este tema, tendo em 1992 se realizado a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, conhecida como RIO-92, e que concentrou em suas discussões, as questões alusivas ao meio ambiente, coletando o posicionamento dos Estados desenvolvidos e em desenvolvimento, já que na Conferência de Estocolmo o cerne da abordagem recaiu sobre a conscientização dos representante dos Estados em desenvolvimento para darem início à proteção ambiental, enquanto, em paralelo os Estados desenvolvidos aceitaram incluir a questão do desenvolvimento no campo do Direito Ambiental.
Dotada de maiores proporções, porque de influência mundial mais representativa, os preceitos definidos pelo Relatório Brundtland, foram internacionalmente aceitos por ocasião da RIO-92, tendo sido pontuados a inarredável observância aos princípios que adiante seguem esmiuçados:
a) Princípio da Prevenção, que tem como significado a atuação preventiva, autorizando-se a adoção de medidas que, embora despidas de comprovação científica, tendam a preservar o meio ambiente, eis o princípio do in dubio pro ambiente.[3]
b) Princípio do Desenvolvimento Sustentável, o qual foca a necessidade de empregar-se meios racionais de desenvolvimento, a fim de que as gerações futuras não venham ressentir-se da degradação ambiental que ora sejam-lhe dada causa.[4]
c) Princípio da Responsabilidade Intergeracional, cujo propósito visa ressaltar a noção de solidariedade da vida humana, dada a necessidade de se compreender o meio ambiente como sendo um bem para a humanidade.[5]
d) Princípio da Cooperação Internacional entre os Povos, que requer a compreensão do fato que, ao considerar que o Direito Internacional busca a cooperação internacional, clama pela solidariedade entre os povos e a cooperação entre os Estados para repassar os conhecimentos de tecnologia limpa e de proteção ambiental para os Estados mais pobres.[6]
e) Princípio do Poluidor Pagador, que consiste em compelir aquele que ocasionou a degradação ambiental, ao pagamento pelo dano, significando o ônus pela sua atuação danosa ao meio ambiente.[7]
Convergiu-se, tencionando conferir eficácia às medidas de proteção ambiental, a divulgação das informações ambientais, aliás compreende o Princípio 10 da Declaração RIO-92, enfim são tópicos que vêm corroborar nosso entendimento acerca do alerta lançado em âmbito mundial.
Os norteamentos invocados durante a RIO-92 repercutiram na produção da Declaração do Rio sobre Meio Ambiente (nesta, é que encontram-se dentre outros, consignados os princípios), a Agenda 21, a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC, em inglês), a Convenção sobre Diversidade Biológica, a Comissão de Desenvolvimento Sustentável, um acordo para negociar uma convenção mundial sobre a desertificação e a Declaração de Princípios para Manejo Sustentável das Florestas.
Neste ínterim, é que se abre um parêntese, a fim de ressaltar que na seara do direito brasileiro, indo ao encontro dos retro citados norteamentos lançados durante a RIO-92 (de 03 de junho de 1992 a 14 de junho de 1992), tendo sido sancionada a Lei nº. 8.490, de 19 de novembro de 1992, que criou, no inciso XVII, o Ministério do Meio Ambiente e da Amazônia Legal.
Assim, apesar de diversas outras demonstrações de interesse mundial na melhoria das condições ambientais, objeto de abordagem em muitas reuniões, merecendo destaque a UNFCCC, realizada em 1997 a Terceira Conferência das Partes, em que foi assinado o Protocolo de Kyoto (cujos termos entraram em vigor em 16 de fevereiro de 2005)[8], para o Estado brasileiro pode-se apontar como tendo sido a mola propulsora inicial, a própria RIO-92, por ter desencadeado normatização que veio recair mais tarde sobre aspectos genéricos envoltos ao manejo sustentável das florestas.
Pois bem, os objetivos traçados podem ser sintetizados como sendo a atenção ao bem estar social, em sede de direito fundamental à existência humana.
2.1- O DIREITO AMBIENTAL COMO ESPEQUE DE DIREITO FUNDAMENTAL À VIDA
Depreende-se do que fora discorrido, que hodiernamente o direito ao meio ambiente ocupa uma posição muito superior àquela originariamente almejada e por isso, releva destacar em breves linhas, a significância do direito ao meio ambiente equilibrado como sendo fundamental aos seres vivos, não sendo diferente obviamente, para com a espécie humana.
Para o sistema jurídico brasileiro, verbi gratia, o meio ambiente possui uma composição oriunda de modificações históricas, as quais vieram requisitar exigências legais, capazes de acompanhar os avanços surgidos, aliás esta é a razão de ser do Direito Positivo, segundo Paulo Nader (2001, p. ) que assevera que:
A árvore jurídica a cada dia que passa, torna-se mais densa, com o surgimento de novos ramos que, em permanente adequação às transformações sociais, especializam-se em sub ramos.
Exatamente isso, a necessidade social exige a evolução/modificação da normatização jurídica, já que o direito existe para regular o convívio social, quando a sociedade requisita, mediante demonstração de necessidade de intervenção estatal, em certos temas, sendo o que ocorreu com o direito ambiental, que se transformou num sub ramo do direito.
Presente de forma expressa no texto constitucional, como indicado alhures, o direito ambiental veio consagrar-se como verdadeiro direito fundamental e com a pretensão de esclarecer a abrangência da temática,discorrerá em breves linhas, a este respeito.
Com o surgimento do moderno Estado constitucional começaram os primeiros comentários versando sobre direitos fundamentais, e foi nesta mesma ocasião em que foi reconhecida a proteção da dignidade da pessoa humana e dos direitos fundamentais do homem, marcado historicamente pelo século XVIII.
Assim, por questão metodológica e em respeito ao emprego doutrinário adotado, vem subdividir os direitos fundamentais em três gerações, ocupando a primeira geração dos direitos fundamentais a posição do reconhecimento de “status” constitucional material e formal dos direitos fundamentais.
Não obstante, é de se gizar que embora as declarações inglesas do século XVII correspondam a significativas evoluções das liberdades e privilégios dos estamentos medievais e corporativos para liberdades genéricas no plano do direito público, aludida positivação de direitos e liberdades civis na Inglaterra, ampliando-se a liberdade individual, em detrimento do poder real, ainda não pode ser considerada o ponto inicial para o nascimento dos direitos fundamentais, isto porque tal fundamentalização dos direitos e liberdades individuais fundamentais, marcada na Inglaterra, naquela ocasião, não se confunde com a fundamentalidade em sentido formal, inerente à condição de direitos consagrados nas Constituições escritas (SARLET, 1998, p. 44).
O que marca definitivamente o nascimento dos direitos fundamentais é a Declaração de Direitos do Bom Povo da Virgínia, de 12 de junho de 1776, a qual expressava em seu Art. 1º, que:
Art. 1º: Que todos os homens são, por natureza, igualmente livres e independentes, e têm certos direitos inatos, dos quais, quando entram em estado de sociedade, não podem por qualquer acordo privar ou despojar seus pósteros e que são: o gozo da vida e da liberdade com os meios a adquirir e de possuir a propriedade e de buscar e obter felicidade e segurança.
Com a Declaração mencionada,implementou-se a transição dos direitos de liberdade legais inglesa para os direitos fundamentais constitucionais, momento histórico em que direitos e liberdades foram incorporados pelas declarações americanas, destacando-se pela supremacia normativa e a posterior garantia de sua justicialidade.
Os direitos naturais do homem foram recepcionados como direitos fundamentais constitucionais e isto se deu por intermédio da Suprema Corte e do controle judicial da constitucionalidade, dimanando em 1791, a supremacia normativa da Suprema Corte.
De igual modo, a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, merece destaque, eis que, tal qual a declaração americana, a francesa tinha como características o reconhecimento ao ser humano dos direitos naturais, inalienáveis, invioláveis e imprescritíveis, encontrando-se consagrados na Constituição Americana de 1789 o princípio democrático e a teoria da separação dos poderes, marcados por influências iluministas, assim como outros documentos de lavra de Rousseau e Montesquieu, que denotam grandiosa influência nesta fase histórica.
Pode-se asseverar convictamente, que os direitos fundamentais originaram-se de diversas ocorrências marcadas pela história, não nasceram de uma única vez (FIGUEIREDO, 2003, p. 63).
As transformações dos direitos fundamentais deram guarida à atribuição de nomenclatura diversa, qual seja: dimensões (BONAVIDES, 2003, p. 563), vindo a ser considerada mais adequada que geração, vez que esta enseja a equivocada impressão de substituição gradativa de uma geração por outra, não obstante seja adotada na doutrina brasileira, o renomado jurista adota aquela, eis que resulta de reivindicações concretas, geradas por situações de injustiça e/ou de agressão a bens fundamentais e elementares do ser humano.
Destarte, os direitos de primeira geração, destacados no século XVIII correspondem a três princípios: liberdade, igualdade (formal) e fraternidade, sendo que Paulo Bonavides (2003, p. 563) identifica-os da seguinte maneira:
Os direitos de primeira geração são os direitos da liberdade, os primeiros a constarem do instrumento normativo constitucional, a saber, os direitos civis e políticos, que em grande parte correspondem, por um prisma histórico, àquela fase inaugural do constitucionalismo do Ocidente.
São assim, os ditos direitos oponíveis ao Estado, a sociedade age em busca da independência da intervenção estatal, sobressaindo sobretudo, neste momento histórico, os direitos de liberdade de expressão, imprensa, manifestação, reunião, participação política e outros.
Os direitos de segunda geração, localizados no decorrer de todo o século XX integra-se pelos direitos sociais, culturais e econômicos bem como os direitos coletivos ou de coletividades (BONAVIDES, 2003, p. 564). Para Manoel Gonçalves Ferreira Filho resumem-se nos direitos de solidariedade, o direito à paz, ao desenvolvimento, ao meio ambiente e ao patrimônio comum da humanidade (2000, p. 58).
A transmutação dos direitos fundamentais é marcada pelas reivindicações de classes menos favorecidas, tendo sido alcançados vários direitos, como: liberdade de sindicalização, direito de greve, reconhecimento do direito a férias e descanso semanal remunerado e garantia de salário mínimo, que foram conclamados em reuniões da ONU – Organização das Nações Unidas e da UNESCO – United Nations Education Science and Culture Organization, sedimentando-se estes direitos no plano internacional.
Oportuno ressalvar que são poucas as Constituições que abordam em seu texto, limitando-se a destacar a Carta Africana dos Direitos do Homem e dos Povos, de 1981 e a Carta de Paris para uma nova Europa, de 1990.
Por fim, os direitos de terceira geração, são definidos (BONAVIDES, 2003, p. 569), como sendo:
Dotados de altíssimo teor de humanismo e universalidade, os direitos da terceira geração tendem a cristalizar-se no fim do século XX enquanto direitos que não se destinam especificamente à proteção dos interesses de um indivíduo, de um grupo ou de um determinado Estado. Têm por destinatário o gênero humano mesmo [...].
Presente está nesta geração de direitos fundamentais, o reconhecimento dos direitos fundamentais reconhece direitos de fraternidade ou de solidariedade, por se destinarem à proteção de grupos humanos, tendo a titularidade coletiva ou difusa, tendo sido neste destacado momento histórico em que se conferiu atenção aos direitos de paz, à autodeterminação dos povos e ao meio ambiente.
Portanto, os direitos de terceira geração completam a tríade emblemática que completa o lema da Revolução Francesa.
Pietro de Jesús Lora Alarcón (2004, p. 83) tece precioso comentário a respeito do tema:
[...] em suma: as dimensões, ou como prefere Norberto Bobbio, as gerações de direitos fundamentais, são apenas modalidades novas de amparo da vida humana, por isso são a essência do movimento constitucionalista de hoje e de sempre.
Colocadas tais ponderações e ensinamentos, verifica-se com solar clareza que o meio ambiente foi erigido à compreensão com espeque de direito fundamental e assim sendo, o que se encontra sacramentado no decorrer de todo o texto constitucional vigente vem abarcar uma interpretação muito mais densa, porque estudiosos renderam-se ao fato de que a preservação ambiental abrange a luta por proteger a existência humana, em condições favoráveis.
Nesta linha de raciocínio, é de convir que uma vez enquadrado o meio ambiente, como sendo direito fundamental de terceira geração, segundo o momento histórico em que se frizava anseios de solidariedade e fraternidade e mais, por ter sido diagnosticado em âmbito mundial que a tarefa protetiva ambiental direciona-se à preservação da humanidade, deve-se render à inferência de que esta luta tende a busca de algo muito mais grandioso, que a singela proteção das reservas ambientais, mas sim ao alcance da consagração da vida, sob o seu mais sublime significado.
Em sendo direito fundamental é portanto, pelo comentado alhures, essencial à existência.
3. RESERVA LEGAL: CONSIDERAÇÕES PONTUAIS
Reserva legal é o trecho do terreno que o proprietário obriga-se a não dar destinação alguma, exceto aquela voltada para a preservação do meio ambiente.
No Brasil, a Constituição Federal garante a todos o direito tanto a um meio ambiente diverso e sustentável, como o direito ao desenvolvimento econômico.
Historicamente verifica-se que este conceito de Reserva Legal surgiu em 1934, com o primeiro Código Florestal, o qual foi atualizado em 1965 (pela Lei Federal nº 4.771), este, por sua vez, dividia as áreas a serem protegidas de acordo com as regiões[9], e não pelo tipo de vegetação como ocorre no Código Florestal vigente.
O Código Florestal que ora vigora estabeleceu um conceito mais restritivo à Reserva Legal, eis que junto com as Áreas de Preservação Permanente tem o objetivo de garantir a preservação da biodiversidade local; sendo que o percentual da propriedade que deve ser registrado como Reserva Legal oscila de acordo com o bioma e a região em questão, sendo: 80% em propriedades rurais localizadas em área de floresta na Amazônia Legal; 35% em propriedades situadas em áreas de Cerrado na Amazônia Legal, sendo no mínimo 20% na propriedade e 15% na forma de compensação ambiental em outra área, porém na mesma microbacia; 20% na propriedade situada em área de floresta, outras formas de vegetação nativa nas demais regiões do país; e 20% na propriedade em área de campos gerais em qualquer região do país (art. 12).
O art. 3º. do Código Florestal dispõe que:
Art. 3º Para os efeitos desta Lei, entende-se por:
(...)
III - Reserva Legal: área localizada no interior de uma propriedade ou posse rural, delimitada nos termos do art. 12, com a função de assegurar o uso econômico de modo sustentável dos recursos naturais do imóvel rural, auxiliar a conservação e a reabilitação dos processos ecológicos e promover a conservação da biodiversidade, bem como o abrigo e a proteção de fauna silvestre e da flora nativa;
Infere-se daí, que a reserva legal é a área do imóvel rural que, coberta por vegetação natural, pode ser explorada com o manejo florestal sustentável, nos limites estabelecidos em lei para o bioma em que está a propriedade. Por abrigar parcela representativa do ambiente natural da região onde está inserida e, que por isso, se torna necessária à manutenção da biodiversidade local.
Corresponde à área do imóvel rural que deve ser coberta por vegetação natural e que pode ser explorada com o manejo florestal sustentável. Ela varia de acordo com o bioma em que está a propriedade. O texto inicial do Código Florestal de 1965 tinha uma redação bastante diferente da atual (muito modificada por uma medida provisória de 2001). Dividia as áreas a serem protegidas de acordo com as regiões, e não pelo tipo de vegetação. Fixava um mínimo de 20% a ser mantido nas “florestas de domínio privado” na maior parte do país, ressalvando uma proibição de corte de 50% nas propriedades “na região Norte e na parte Norte da região Centro-Oeste”.
Porém, em 1996, diante das estatísticas que indicavam recorde no desmatamento na Floresta Amazônica, foi editada a Medida Provisória 1.511, que ampliou para 80% a reserva legal naquela região.
Em 2001, uma nova MP (2.166-67) alterou o texto, definindo reserva legal como “área localizada no interior de uma propriedade ou posse rural, excetuada a de preservação permanente, necessária ao uso sustentável dos recursos naturais, à conservação e reabilitação dos processos ecológicos, à conservação da biodiversidade e ao abrigo e proteção de fauna e flora nativas”, restringindo ainda mais as possibilidades de uso dessas áreas.
É deste ano a definição em vigor acerca da reserva legal. Nas propriedades na Amazônia Legal, 80% em área de floresta, 35% no Cerrado e 20% nas demais vegetações e no restante do país, 20%.
4. CAR – CADASTRO AMBIENTAL RURAL E SUA IMPORTÂNCIA
De origem recente, imposto pela Lei 12.651, de 25 de maio de 2012, determinou-se que todos os proprietários de terrenos rurais devem realizar um cadastramento de sua propriedade, informando assim, a extensão, localização, área construída, área preservada, existência de nascentes d´água, etc.
Desta forma, facilita-se a fiscalização quanto à preservação ambiental, já que o CAR – Cadastro Ambiental Rural repercute, num segundo momento, na necessidade de se realizar o plantio de determinada quantidade de plantas nativas, condicionando-se às especificações de cada terreno.
O CAR - Cadastro Ambiental Rural em âmbito nacional (foi instituído pela Lei nº 12.651, de 25 de maio de 2012) e sua regulamentação, por meio do Decreto nº 7.830, de 17 de outubro de 2012, foi criado o Sistema de Cadastro Ambiental Rural - SICAR, que integrará o CAR de todas as Unidades da Federação. O CAR é um instrumento fundamental para auxiliar no processo de regularização ambiental de propriedades e posses rurais, consistindo no levantamento de informações georreferenciadas do imóvel, com delimitação das Áreas de Proteção Permanente (APP), Reserva Legal (RL), remanescentes de vegetação nativa, área rural consolidada, áreas de interesse social e de utilidade pública.
Especificamente no art. 29 do Código Florestal é estabelecido que:
Art. 29. É criado o Cadastro Ambiental Rural - CAR, no âmbito do Sistema Nacional de Informação sobre Meio Ambiente - SINIMA, registro público eletrônico de âmbito nacional, obrigatório para todos os imóveis rurais, com a finalidade de integrar as informações ambientais das propriedades e posses rurais, compondo base de dados para controle, monitoramento, planejamento ambiental e econômico e combate ao desmatamento.
O CAR é um registro eletrônico obrigatório feito a partir de imagens georreferenciadas, devendo indicar-se a situação ambiental de todas as propriedades rurais, com a reunião de informações sobre as APP´s, reserva legal, remanescentes de vegetação nativa e áreas consolidadas.
A aludida regularização objetiva traçar um mapa digital a partir do qual são calculados os valores das áreas para diagnóstico ambiental, constituindo-se ferramenta importante para auxiliar no planejamento do imóvel rural e na recuperação de áreas degradadas, o CAR fomenta a formação de corredores ecológicos e a conservação dos demais recursos naturais, contribuindo para a melhoria da qualidade ambiental, sendo atualmente utilizado pelos governos estaduais e federal.
Na Amazônia, o CAR já foi implantado em vários Estados, constituindo-se em instrumento de múltiplos usos pelas políticas públicas ambientais e contribuindo para o fortalecimento da gestão ambiental e o planejamento municipal.
Inolvidável, que tal medida visa ampliar o espectro protetivo ambiental, já que visa até mesmo, via satélite efetuar uma conferência sobre os dados informados e a situação real do imóvel rural.
A exigência do cadastramento recai tanto sobre o proprietário, quanto sobre o posseiro (art. 1.196 do Código Civil), correspondendo a um intento governamental para disponibilidade de controle da extensão de mata nativa, área reflorestada e ainda, área desmatada.
Incumbe a todo proprietário rural o registro no órgão ambiental competente (estadual ou municipal) por meio de inscrição no Cadastro Ambiental Rural - CAR. As especificidades para o registro da reserva legal vão depender da legislação de cada Estado. Uma vez realizado o registro fica proibida a alteração de sua destinação, nos casos de transmissão ou de desmembramento, com exceção das hipóteses previstas na Lei (art. 18 do Código Florestal).
Em geral, nas áreas de reserva legal é proibida a extração de recursos naturais, o corte raso, a alteração do uso do solo e a exploração comercial, exceto nos casos autorizados pelo órgão ambiental, via Plano de Manejo ou, em casos de sistemas agroflorestais e ecoturismo.
A inscrição do Cadastro Ambiental Rural[10] deve ser feita junto ao órgão ambiental estadual ou municipal competente, que disponibilizará na internet programa destinado à inscrição no CAR, bem como à consulta e acompanhamento da situação de regularização ambiental dos imóveis rurais.
No caso dos Estados que não possuem sistemas eletrônicos, estes poderão utilizar o Módulo de Cadastro, para fins de atendimento ao que dispõe a Lei 12.651/12 e acesso a seus benefícios. Desta forma, antes de acessar o Módulo CAR para realizar inscrição, deve-se verificar se o imóvel rural para o qual se pretende fazer o cadastro se localiza em unidade da federação no qual o órgão ambiental responsável por recepcionar as inscrições no CAR possui sistema eletrônico próprio e página específica para tal finalidade, em tais casos, não será possível inscrever o imóvel rural no CAR por meio do Módulo de Cadastro disponibilizado naquela página.
Para a realização da inscrição, deve-se acessar o sítio eletrônico e/ou entrar em contato com o órgão ambiental competente do Estado da federação em que se localiza o imóvel rural para obtenção de informações acerca dos procedimentos a serem adotados.
Este cadastramento além de possibilitar o planejamento ambiental e econômico do uso e ocupação do imóvel rural, é acompanhada do compromisso de regularização ambiental quando for o caso, por ser pré-requisito para acesso à emissão das Cotas de Reserva Ambiental e aos benefícios previstos nos Programas de Regularização Ambiental – PRA e de Apoio e Incentivo à Preservação e Recuperação do Meio Ambiente, ambos definidos pela Lei 12.651/12. Dentre os benefícios desses programas pode-se citar:
•Possibilidade de regularização das APP e/ou Reserva Legal vegetação natural suprimida ou alterada até 22/07/2008 no imóvel rural, sem autuação por infração administrativa ou crime ambiental;
•Suspensão de sanções em função de infrações administrativas por supressão irregular de vegetação em áreas de APP, Reserva Legal e de uso restrito, cometidas até 22/07/2008.
•Obtenção de crédito agrícola, em todas as suas modalidades, com taxas de juros menores, bem como limites e prazos maiores que o praticado no mercado;
•Contratação do seguro agrícola em condições melhores que as praticadas no mercado;
•Dedução das Áreas de Preservação Permanente, de Reserva Legal e de uso restrito base de cálculo do Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural-ITR, gerando créditos tributários;
•Linhas de financiamento atender iniciativas de preservação voluntária de vegetação nativa, proteção de espécies da flora nativa ameaçadas de extinção, manejo florestal e agroflorestal sustentável realizados na propriedade ou posse rural, ou recuperação de áreas degradadas; e
•Isenção de impostos para os principais insumos e equipamentos, tais como: fio de arame, postes de madeira tratada, bombas d’água, trado de perfuração do solo, dentre outros utilizados para os processos de recuperação e manutenção das Áreas de Preservação Permanente, de Reserva Legal e de uso restrito.
Desde a entrada em vigor do Código Florestal (25/05/2012), é exigida a realização de acesso ao banco de dados e cadastramento por parte daqueles que se enquadrassem aos requisitos, tendo o prazo que venceria no último dia em 31 de maio, sido novamente prorrogado, pelo Decreto Presidencial nº. 9.395, de 30 de maio de 2018, constando vencimento para 31/12/2018.
DECRETO Nº 9.395, DE 30 DE MAIO DE 2018
Prorroga o prazo de inscrição ao Cadastro Ambiental Rural - CAR. |
O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, no uso da atribuição que lhe confere o art. 84, caput, inciso IV, da Constituição, e tendo em vista o disposto no art. 29, § 3º, da Lei nº 12.651, de 25 de maio de 2012,
DECRETA:
Art. 1º Fica prorrogado até 31 de dezembro de 2018 o prazo para requerer a inscrição no Cadastro Ambiental Rural - CAR, conforme previsto no § 3º do art. 29 da Lei nº 12.651, de 25 de maio de 2012.
Art. 2º Este Decreto entra em vigor na data de sua publicação.
Brasília, 30 de maio de 2018; 197º da Independência e 130º da República.
MICHEL TEMER
Edson Gonçalves Duarte
Frise-se que o não cadastramento da propriedade no referido sistema poderá implicar penalidades jurídicas e administrativas para seus proprietários, consistindo em restrições junto às instituições financeiras de crédito rural e perda de diversos benefícios, já que o cadastro é condição obrigatória para a adesão do Programa de Regularização Ambiental (PRA).
Assim, caso o proprietário não esteja cadastrado, ele perderá o direito a benefícios como: não ser autuado por infrações cometidas antes de 22 de julho de 2008; conclusão da recomposição da Reserva Legal poderá no prazo máximo de 20 anos; exploração econômica, mediante manejo florestal, com a introdução de espécies exóticas nas Reservas Legais; admissão, nas áreas rurais consolidadas dentro de Área de Preservação Permanente (APP), de atividades agrosilvipastoris, ecoturismo ou de turismo rural, sendo obrigatória a recomposição mínima conforme o módulo fiscal.
Além disso, para o produtor que fizer o cadastro dentro do prazo, na eventualidade de ter algum passivo ambiental, as multas serão convertidas em serviços de preservação, melhoria e recuperação da qualidade do meio ambiente. O proprietário ou posseiro de imóvel rural garante todos os benefícios proporcionados pelo PRA, e inclusive a Segurança Jurídica.
4.1 ASPECTOS CONTROVERTIDOS DO ART. 67 DO CÓDIGO FLORESTAL
O Código Florestal sofreu algumas alterações e com relação às áreas destinadas à reserva legal, pode-se verificar que a redação dada pela Lei 12.727/2012, especificamente no que pertine ao constante no 67, veio conferir caráter controverso. Por influenciar diretamente quem deve fazer o CAR e a forma de sua efetivação, mister discorrer a respeito.
O art. 67 dispõe, “ipsis litteris”:
Art. 67. Nos imóveis rurais que detinham, em 22 de julho de 2008, área de até 4 (quatro) módulos fiscais e que possuam remanescente de vegetação nativa em percentuais inferiores ao previsto no art. 12, a Reserva Legal será constituída com a área ocupada com a vegetação nativa existente em 22 de julho de 2008, vedadas novas conversões para uso alternativo do solo.
Notório que o critério consignado, quando da entrada em vigor do Código Florestal ficava evidenciado que o art. 67 permitiu a redução das APP´s de rios a irrisórios 05 metros em imóveis de até quatro módulos fiscais (escalonando tamanho maior em outros), bem como dispensou estes de qualquer recuperação de Reserva Legal naquelas áreas ocupadas até 22 de julho de 2008.
Desta forma, se um imóvel abaixo de quatro módulos fiscais – que, em algumas regiões do Brasil pode atingir até quatrocentos hectares – não possuísse sequer 1% de vegetação nativa para compor a Reserva Legal, poderia ele ser dispensado de cumprir com tal obrigação.
Questionada a constitucionalidade de diversos artigos do Código Florestal, inclusive a do art. 67, restou consolidado pelo Supremo Tribunal Federal, ao julgar, em data de 28/02/2018, conjuntamente a Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC) 42 e as Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) 4901, 4902, 4903 e 4937 sobre o novo Código Florestal, reconhecendo a validade de vários dispositivos, declarando alguns trechos inconstitucionais e atribuindo interpretação conforme a outros itens.
Dos 38 itens postos em julgamento, a maioria foi considerada constitucional, sendo que o mais importante, do ponto de vista social, foi a manutenção pela constitucionalidade do artigo 67, que tratava da exigência de se reconstituir as reservas legais também para os pequenos produtores. Em resumo, em sua quase totalidade, foi mantido o Novo Código Florestal.
Grandiosa importância resultou da decisão do Colendo STF, por ter reconhecido a constitucionalidade do artigo 67, que tratava da regularização da reserva legal para os pequenos produtores com propriedades abaixo de quatro módulos fiscais, vez que à título ilustrativo, somente em Goiás afetaria mais de 103.000 (cento e três mil) propriedade rurais.
Dentre outros tópicos decididos, atribuiu-se interpretação conforme ao art. 225, § 1º. da Constituição Federal para o art. 59, § 4º. do Código Florestal, de modo a afastar o risco de decade?ncia ou prescric?a?o dos ili?citos ambientais praticados antes de 22 de julho de 2008 no decurso de execuc?a?o dos termos de compromisso escritos no a?mbito dos Programas de Regularizac?a?o Ambiental.
O art. 225, §1º. da Constituição Federal (que atribuiu o embasamento da interpretação pelo Supremo Tribunal Federal) estabelece que:
Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá- lo para as presentes e futuras gerações.
§ 1º Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público:
I - preservar e restaurar os processos ecológicos essenciais e prover o manejo ecológico das espécies e ecossistemas;
II - preservar a diversidade e a integridade do patrimônio genético do País e fiscalizar as entidades dedicadas à pesquisa e manipulação de material genético;
III - definir, em todas as unidades da Federação, espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos, sendo a alteração e a supressão permitidas somente através de lei, vedada qualquer utilização que comprometa a integridade dos atributos que justifiquem sua proteção;
IV - exigir, na forma da lei, para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente, estudo prévio de impacto ambiental, a que se dará publicidade;
V - controlar a produção, a comercialização e o emprego de técnicas, métodos e substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente;
VI - promover a educação ambiental em todos os níveis de ensino e a conscientização pública para a preservação do meio ambiente;
VII - proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade.
Já, o art. 59, §4º. do Código Florestal (ao qual aplicou-se a interpretação com base no texto constitucional antes mencionado) dispõe que:
Art. 59. A União, os Estados e o Distrito Federal deverão, no prazo de 1 (um) ano, contado a partir da data da publicação desta Lei, prorrogável por uma única vez, por igual período, por ato do Chefe do Poder Executivo, implantar Programas de Regularização Ambiental - PRAs de posses e propriedades rurais, com o objetivo de adequá-las aos termos deste Capítulo
§ 1o Na regulamentação dos PRAs, a União estabelecerá, em até 180 (cento e oitenta) dias a partir da data da publicação desta Lei, sem prejuízo do prazo definido no caput, normas de caráter geral, incumbindo-se aos Estados e ao Distrito Federal o detalhamento por meio da edição de normas de caráter específico, em razão de suas peculiaridades territoriais, climáticas, históricas, culturais, econômicas e sociais, conforme preceitua o art. 24 da Constituição Federal.
§ 2o A inscrição do imóvel rural no CAR é condição obrigatória para a adesão ao PRA, devendo essa adesão ser requerida no prazo estipulado no § 3o do art. 29 desta Lei§ 3o Com base no requerimento de adesão ao PRA, o órgão competente integrante do Sisnama convocará o proprietário ou possuidor para assinar o termo de compromisso, que constituirá título executivo extrajudicial.
§ 4o No período entre a publicação desta Lei e a implantação do PRA em cada Estado e no Distrito Federal, bem como após a adesão do interessado ao PRA e enquanto estiver sendo cumprido o termo de compromisso, o proprietário ou possuidor não poderá ser autuado por infrações cometidas antes de 22 de julho de 2008, relativas à supressão irregular de vegetação em Áreas de Preservação Permanente, de Reserva Legal e de uso restrito.
Por versar este trecho do julgamento do Supremo Tribunal Federal, de assunto que influencia consideravelmente a conceituação da reserva legal e esta por sua vez por repercutir sobre a definição de quais seriam os proprietários rurais, sobre os quais a obrigatoriedade da realização do CAR incidiria, careceu proceder-se a abordagem anteriormente explicitada, tendo permanecido incidente a norma também sobre os pequenos produtores rurais.
5. CONCLUSÕES
O direito à usufruição de um meio ambiente saudável e equilibrado inolvidavelmente integra a relação de Direitos Fundamentais, previstos na Constituição Federal.
Na seara mundial, desde os anos 80 a liderança ambientalista vem implantando fortes mecanismos destinados à efetiva preservação ambiental, conclamada na nossa Carta Magna.
Em âmbito infraconstitucional, o 1º. Código Florestal brasileiro, datado do ano de 1934, representa legislação de grandiosa importância para a questão da preservação ambiental, contemplando ao longo de seus 110 artigos, diversas menções que têm como sustentáculo a proteção ao meio ambiente, tendo definido Reserva Legal, como sendo o trecho do terreno que o proprietário obriga-se a não dar destinação alguma, que não seja a própria preservação ambiental, já o Código Florestal ora vigente estabeleceu certa restrição a este conceito, pois no art. 3º. definiu juntamente à previsão referente às áreas de preservação permanente, como objetivo de garantia da biodiversidade local.
Importante para o tema, foi a manifestação do Supremo Tribunal Federal, por ocasião do julgamento conjunto, em 28/02/2018, da Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC) 42 e as Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) 4901, 4902, 4903 e 4937 sobre o novo Código Florestal, quando além de outros tópicos, reconheceu a manutenção da constitucionalidade do artigo 67, que tratava da exigência de se reconstituir as reservas legais também para os pequenos produtores.
Indo ao encontro das premissas de salvaguarda constitucional aos Direitos Fundamentais porque o meio ambiente sadio deságua diretamente na proteção à existência das espécies, inclusive a humana, também no Código Florestal vigente foi imposta a obrigatoriedade da realização do cadastramento ambiental rural (o conhecido CAR), ferramenta através da qual, ampliou-se a forma de fiscalização ambiental, por parte dos governantes.
A definição da Reserva Legal incide sobre a definição das pessoas que obrigam-se a realizar o CAR – Cadastro Ambiental Rural, implantado como procedimento obrigatório, no art. 29 do Código Florestal, desde a entrada em vigor do mesmo, ou seja, 25/05/2012 e que sofreu sucessivas prorrogações, constando como prazo final a expirar-se em 31/12/2018.
O CAR traz uma série de benefícios para aqueles que se enquadram ao conceito de proprietários rurais ou posseiros e para quem deixar de realizá-lo precisa estar ciente de que as instituições financeiras só concederão crédito agrícola, em qualquer de suas modalidades, para proprietários de imóveis rurais que estejam inscritos no CAR, além desta restrição que afeta o exercício da atividade rural em si, com outras podem se deparar os descumpridores da exigência legal.
REFERÊNCIAS
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BARRAL, Welber; FERREIRA, Gustavo Assed. Direito Ambiental e Desenvolvimento. In: BARRAL, Welber; PIMENTEL, Luiz Otávio (orgs.). Direito Ambiental e Desenvolvimento. Florianópolis: Boiteux, 2006.
BEBBINGTON, Jan; GREY, Rob. Accounts of sustainable development: the construction of meaning with inenvironmental report. University of Aberdee, Aberdeen papers in accountancy, finance and mangement, workingpaper, 2000.
BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 12ª ed. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 563.
CASTELLS, Manuel. O Poder da Identidade. (Trad. Roneide Brandini Gerhardt). São Paulo: Paz e Terra, 1999.
FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Direitos humanos fundamentais. 4ª ed. rev. São Paulo: Saraiva, 2000, p. 58.
FIGUEIREDO, Igor Nery. Deficientes físicos: a tutela dos direitos fundamentais. In: Revista Jurídica Consulex, ano VII, nº 145:63-65. Brasília: Consulex LTDA, 2003, p. 63.
NADER, Paulo. Introdução ao Estudo do Direito. Rio de Janeiro: Forense, 2001.
ROSTELATO, Telma Aparecida; SIQUEIRA, Dirceu Pereira. Inclusão, meio ambiente e dignidade humana: o meio ambiente equilibrado, como premissa necessária para a efetividade da dignidade da pessoa humana. Revista Jurídica CESUMAR. Mestrado, v. 10, p. 413-429, 2010.
SARLET, Ingo Wolfgang. Trad. Pedro Scherer de Mello Aleixo; Rita Dostal Zanini. Dimensões da Dignidade – Ensaios de Filosofia do Direito e Direito Constitucional. Porto Alegre:Livraria do Advogado, 2005.
SOARES, Guido Fernando Silva. A Proteção Internacional do Meio Ambiente. São Paulo: Manole, 2003.
[1] Relatório Brundtland, da Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento da ONU. Disponível em: www.un.org. Acesso em 09 mar.2018.
[2] Entropia global – a tendência que o planeta tem de caminhar em direção a um contínuo processo de deterioração.
[3] Corresponde ao Princípio 15 da RIO-92, encontrando-se formalmente definido da seguinte maneira: “Com a finalidade de proteger o meio ambiente, os Estados deverão aplicar amplamente o critério de precaução conforme suas capacidades. Quando houver perigo de dano grave ou irreversível, a falta de certeza científica absoluta não deverá ser utilizada como razão para que seja adiada a adoção de medidas eficazes em função dos custos para impedir a degradação ambiental.”
[4]Corresponde ao Princípio 27 da RIO-92, e seu texto dispõe: “Os Estados e povos deveriam cooperar, de boa fé e com espírito de solidariedade, na aplicação dos princípios consagrados nesta declaração e no posterior desenvolvimento do direito internacional na esfera do desenvolvimento sustentável.”
[5]Corresponde aos Princípios3e 4 da RIO-92 e contém em seu texto, a seguinte assertiva: “O direito ao desenvolvimento deve ser exercido de tal forma que responda equitativamente às necessidades de desenvolvimento e ambientais das gerações presentes e futuras.” E, “A fim de alcançar o estágio do desenvolvimento sustentável, a proteção do meio ambiente deve constituir parte integrante do processo de desenvolvimento e não poderá ser considerada de forma isolada.”
[6]Corresponde ao Princípio 7 da RIO-92, que preconiza: “Os Estados deverão cooperar com o espírito de solidariedade mundial para conservar, proteger e restabelecer a saúde e a integridade do ecossistema da Terra. Tendo em vista que tenham contribuído notadamente para a degradação do ambiente mundial, os Estados têm responsabilidades comuns, mas diferenciadas. Os Estados desenvolvidos reconhecem a responsabilidade que lhes cabe na busca internacional do desenvolvimento sustentável, em vista das pressões que suas sociedades exercem sobre o meio ambiente mundial e das tecnologias e dos recursos financeiros de que dispõem.”
[7]Corresponde ao Princípio 16 da RIO-92, que dispõe, “in verbis”: “As autoridades nacionais deveriam procurar fomentar a internalização dos custos ambientais e o uso de instrumentos econômicos, tendo em conta o critério de que o causador da contaminação deveria, por princípio, arcar com os seus respectivos custos de reabilitação, considerando o interesse público, e sem distorcer o comércio e as inversões internacionais.”
[8] Nos termos do Art. 25 do Protocolo de Kyoto, sua entrada em vigor estava vinculada a que pelo menos 55 Partes da UNFCCC, englobando os Estados industrializados no Anexo I que contabilizassem o total de pelo menos 55% das emissões totais de dióxido de carbono em 1990, depositassem seus instrumentos de ratificação, aceitação, aprovação ou adesão.
[9] Fixava um mínimo de 20% a ser mantido nas "florestas de domínio privado" na maior parte do país, ressalvando uma proibição de corte de 50% nas propriedades "na região Norte e na parte Norte da região Centro-Oeste".
[10] Disponível em: http://www.car.gov.br/. Acesso em 05 jun. 2018
Mestre em Direito Constitucional pela Instituição Toledo de Ensino - ITE - Bauru/SP. Especialista em Direito Constitucional pela Escola Superior de Direito Constitucional de Sorocaba/SP. Professora da Faculdade de Ciências Sociais e Agrárias de Itapeva/SP. Procuradora Jurídica Municipal.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: ROSTELATO, Telma Aparecida. Proteção ambiental - breve abordagem constitucional acerca do CAR (Cadastro Ambiental Rural) Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 04 set 2018, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/52201/protecao-ambiental-breve-abordagem-constitucional-acerca-do-car-cadastro-ambiental-rural. Acesso em: 22 nov 2024.
Por: gabriel de moraes sousa
Por: Thaina Santos de Jesus
Por: Magalice Cruz de Oliveira
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