RESUMO: A superlotação carcerária é um problema estrutural, como afirmado pelo Supremo Tribunal Federal ao declarar o Estado de Coisas Inconstitucional do sistema penitenciário. Os tribunais vêm tentando encontrar soluções para o enfrentamento do hiperencarceramento. No entanto, as pesquisas demonstram o aumento substancial de pessoas presas. Para isso, a doutrina defende a aplicação do princípio do numerus clausus, visando a diminuição da população carcerária e a garantia da dignidade da pessoa humana.
PALAVRAS-CHAVE: Superlotação; Numerus Clausus; Dignidade da pessoa humana.
ABSTRACT: Overcrowding is a structural problem, as stated by the Federal Supreme Court when declaring the State of Things Unconstitutional of the penitentiary system. Courts have been trying to find solutions for coping with hyper-embarrassment. However, surveys show the substantial increase in prisoners. For this, the doctrine defends the application of the principle of numerus clausus, aiming at the reduction of the prison population and the guarantee of the dignity of the human person.
KEYWORDS: Overcrowded; Numerus Clausus; Dignity of human person.
SUMÁRIO: 1 INTRODUÇÃO. 2 O TRATAMENTO DADO PELA JURISPRUDÊNCIA NA SOLUÇÃO DA SUPERLOTAÇÃO CARCERÁRIA. 3 O PRINCÍPIO DO NUMERUS CLAUSUS. 4 CONCLUSÃO. 5 REFERÊNCIAS.
1 INTRODUÇÃO
O índice de superlotação carcerária no Brasil não para de crescer.
É o que demonstra os dados do levantamento realizado pelo Conselho Nacional do Ministério Público, no projeto "Sistema Prisional em números", que reúne dados, mapas e gráficos sobre as prisões brasileiras com base nas visitas de membros do MP. [1]
Segundo o relatório, o aumento do número de presos e a falta de novas vagas fez crescer o índice de ocupação nas unidades no país.
A taxa em 2017 foi de 172,7%, ante 161,9% no ano passado e 160,7% em 2015.
São mais de 700 mil pessoas atrás das grades para cerca de 410 mil vagas.
A região Norte, proporcionalmente, é a mais afetada pela superlotação carcerária. A região possui capacidade para 30.725 pessoas, porém o número de presos alcança lamentáveis 62.170, obtendo uma taxa de ocupação de 202,34%.
2 O TRATAMENTO DADO PELA JURISPRUDÊNCIA NA SOLUÇÃO DA SUPERLOTAÇÃO CARCERÁRIA
Em razão desse problema estrutural e sistêmico, o Supremo reconheceu, no julgamento da ADPF 347, o Estado de Coisas Inconstitucional do sistema penitenciário brasileiro.
Conforme voto do Exmo. Min. Marco Aurélio:
“Diante de tais relatos, a conclusão deve ser única: no sistema prisional brasileiro, ocorre violação generalizada de direitos fundamentais dos presos no tocante à dignidade, higidez física e integridade psíquica. A superlotação carcerária e a precariedade das instalações das delegacias e presídios, mais do que inobservância, pelo Estado, da ordem jurídica correspondente, configuram tratamento degradante, ultrajante e indigno a pessoas que se encontram sob custódia. As penas privativas de liberdade aplicadas em nossos presídios convertem-se em penas cruéis e desumanas. Os presos tornam-se “lixo digno do pior tratamento possível”, sendo-lhes negado todo e qualquer direito à existência minimamente segura e salubre. Daí o acerto do Ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, na comparação com as “masmorras medievais”. Nesse contexto, diversos dispositivos, contendo normas nucleares do programa objetivo de direitos fundamentais da Constituição Federal, são ofendidos: o princípio da dignidade da pessoa humana (artigo 1º, inciso III); a proibição de tortura e tratamento desumano ou degradante de seres humanos (artigo 5º, inciso III); a vedação da aplicação de penas cruéis (artigo 5º, inciso XLVII, alínea “e”); o dever estatal de viabilizar o cumprimento da pena em estabelecimentos distintos, de acordo com a natureza do delito, a idade e sexo do apenado (artigo 5º, inciso XLVIII); a segurança dos presos à integridade física e moral (artigo 5º, inciso XLIX); e os direitos à saúde, educação, alimentação, trabalho, previdência e assistência social (artigo 6º) e à assistência judiciária (artigo 5º, inciso LXXIV). (ADPF 347, rel. Min. Marco Aurélio. J. 09/09/2015)” [2]
Para enfrentar esse problema estrutural, o STF, através de um ativismo judicial, visando garantir a efetividade dos direitos fundamentais, editou a Súmula Vinculante nº 56 em que “A falta de estabelecimento penal adequado não autoriza a manutenção do condenado em regime prisional mais gravoso, devendo-se observar, nessa hipótese, os parâmetros fixados no RE 641.320/RS.”. [3]
Segundo o entendimento fixado no RE 641.320, havendo viabilidade, ao invés da prisão domiciliar, deve ser observada (i) a saída antecipada de sentenciado no regime com falta de vagas; (ii) a liberdade eletronicamente monitorada do recorrido, enquanto em regime semiaberto; (iii) o cumprimento de penas restritivas de direito e/ou estudo ao recorrido após progressão ao regime aberto.
No acórdão, o plenário decidiu que:
“Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os ministros do Supremo Tribunal Federal, em sessão plenária, sob a presidência do ministro Ricardo Lewandowski, na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por maioria e nos termos do voto do Relator, dar parcial provimento ao extraordinário, apenas para determinar que, havendo viabilidade, ao invés da prisão domiciliar, observe-se: (i) a saída antecipada de sentenciado no regime com falta de vagas; (ii) a liberdade eletronicamente monitorada do recorrido, enquanto em regime semiaberto; (iii) o cumprimento de penas restritivas de direito e/ou estudo ao recorrido após progressão ao regime aberto; vencido Marco Aurélio, que o desprovia. Em seguida, apreciando o Tema 423 da repercussão geral, fixar tese nos seguintes termos: a) a falta de estabelecimento penal adequado não autoriza a manutenção do condenado em regime prisional mais gravoso; b) os juízes da execução penal poderão avaliar os estabelecimentos destinados aos regimes semiaberto e aberto, para qualificação como adequados a tais regimes. São aceitáveis estabelecimentos que não se qualifiquem como “colônia agrícola, industrial” (regime semiaberto) ou “casa de albergado ou estabelecimento adequado” (regime aberto; art. 33, § 1º, alíneas “b” e “c”); c) havendo déficit de vagas, deverá determinar-se: (i) a saída antecipada de sentenciado no regime com falta de vagas; (ii) a liberdade eletronicamente monitorada ao sentenciado que sai antecipadamente ou é posto em prisão domiciliar por falta de vagas; (iii) o cumprimento de penas restritivas de direito e/ou estudo ao sentenciado que progride ao regime aberto. Até que sejam estruturadas as medidas alternativas propostas, poderá ser deferida prisão domiciliar ao sentenciado. (RE 641.320, rel. Min. Gilmar Mendes. J. 11/05/2016)” [4]
Recentemente, o ministro Luiz Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal, ao conceder liminar em Habeas Corpus Coletivo, mandou uma unidade de internação para menores do Espírito Santo reduzir a superlotação para 119%, aplicando o princípio do numerus clausus.
Segundo o Ministro:
“7. Para consecução do escopo almejado neste writ coletivo, a impetrante pede a aplicação do princípio do numerus clausus, limitando o número de socioeducandos que cumprem a medida socioeducativa de internação à capacidade máxima da UNINORTE, próxima a 119%. Conforme sustentado na inicial, o princípio do numerus clausus possui recente aplicação em âmbito internacional, e na ação civil pública envolvendo outra unidade de internação (UNAI), a decisão do juízo singular que estabeleceu, dentre outras medidas, a observância do número máximo de internos, num total de 68 adolescentes, sob pena de multa diária, fora mantida no STF, na Suspensão de Liminar 823/ES, Relator Min. Lewandowski. Com efeito, não há como desconsiderar a questão de fundo, socioeducandos internos da UNINORTE de Linhares/ES, ou seja, grupo de pessoas determinadas ou determináveis, que estão a sofrer constrangimento ilegal, porque convivem em ambiente degradante de superlotação. A solução apontada, qual seja, aplicação do princípio do numerus clausus, para o momento, é a que melhor se ajusta para minimizar e estabilizar o quadro preocupante. O percentual de 119% é extraído da taxa média de ocupação dos internos de 16 estados, aferido pelo CNMP em 2013. Por ora, por ausência de outros parâmetros, compreendo razoável o índice informado na exordial como a fixação de limite de internos que cumprem a medida socioeducativa de internação na UNINORTE de Linhares/ES. (HC 143.988, rel. Min. Luiz Edson Fachin. J. 16/08/2018)” [5]
3 O PRINCÍPIO DO NUMERUS CLAUSUS
O princípio do numerus clausus é um importante instrumento normativo de combate à superlotação carcerária, que possui origem histórica na França. Em 1989, Gilbert Bonnemaison, deputado do Partido Socialista Francês, encaminhou relatório de modernização do sistema penitenciário ao Ministro da Justiça.
O numerus clausus pode ser definido como um princípio ou sistema organizacional o qual a cada nova entrada de uma pessoa no sistema penitenciário deve necessariamente corresponder a uma saída. [6]
O princípio fundamenta-se principalmente na dignidade da pessoa humana e na proibição da tortura. Além disso, os artigos 85, caput, 185 e 66, VI, todos da Lei de Execução Penal, justificam a aceitação do princípio do numerus clausus.
O numerus clausus possui três modalidades, segundo o professor Rodrigo Roig: [7]
a) Numerus clausus preventivo: vedação de novos ingressos no sistema, com a consequente transformação do encarceramento em prisão domiciliar.
b) Numerus clausus direto: deferimento de indulto ou prisão domiciliar àqueles mais próximos de atingir o prazo legal para a liberdade.
c) Numerus clausus progressivo: sistema de transferências em cascata, com a ida de um preso do regime fechado para o semiaberto, ou do semiaberto para o aberto (ou domiciliar), ou ainda para o livramento condicional.
4 CONCLUSÃO
O problema da superlotação carcerária deve ser enfrentado com seriedade. Os dados demonstram um flagrante estado de violência sistêmica e estrutural do sistema penitenciário brasileiro.
Apesar das tentativas do Supremo Tribunal Federal em reduzir o número de encarcerados, os dados do CNMP só demonstram o crescimento da população carcerária.
Assim, a solução mais viável é a adoção e concretização do princípio do numerus clausus, afim de cessar as violações aos direitos fundamentais das pessoas presas.
Por fim, vale transcrever a lição de Rodrigo Roig sobre o tema:
“De fato, o País não pode mais prescindir da adoção do princípio ou sistema do numerus clausus (número fechado), em que cada nova entrada no âmbito do sistema penitenciário deve necessariamente corresponder à saída de outra pessoa presa, de modo que a proporção se mantenha sempre idêntica, ou preferencialmente em redução.
Na atual conjuntura penitenciária, a doção do desse princípio ou sistema aparece como instrumento de recondução da execução penal a um status de conformidade constitucional, sempre que estiver caracterizada a imposição de encarceramento em condições contrárias ao senso de humanidade. Isso porque não se pode admitir que o interesse do Estado em satisfazer sua pretensão punitiva ou executória justifique a ruptura de direitos fundamentais. E mais, é impensável que o Estado esconda sua ineficiência com o sacrifício dos direitos fundamentais.” [8]
5 REFERÊNCIAS
1 http://www.cnmp.mp.br/portal/relatoriosbi/sistema-prisional-em-numeros
2 http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=10300665
3 http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/menuSumario.asp?sumula=3352
4 http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=11436372
5 https://www.conjur.com.br/dl/liminar-fachin-hc-coletivo-espirito.pdf
6 (ROIG, Rodrigo Duque Estrada, Execução Penal – Teoria Crítica, São Paulo: Saraiva, 2014. p. 87)
7 (ROIG, Rodrigo Duque Estrada, Execução Penal – Teoria Crítica, São Paulo: Saraiva, 2014. p. 97)
8 (ROIG, Rodrigo Duque Estrada, Execução Penal – Teoria Crítica, São Paulo: Saraiva, 2014. p. 101)
Advogado. Graduado em Direito pela Universidade Cândido Mendes - Centro/RJ.<br>
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: CAMPOS, Bernardo Mello Portella. A superlotação carcerária no Brasil Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 20 set 2018, 04:45. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/52249/a-superlotacao-carceraria-no-brasil. Acesso em: 22 nov 2024.
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