Resumo: O presente artigo pretende analisar a concessão de benefício assistencial, expondo a problemática estabelecida a partir da edição da Lei nº 8.742/93, a Lei Orgânica da Assistência Social, que instituiu critérios puramente objetivos para a constatação de fenômenos complexos como a miserabilidade e incapacidade. O método utilizado foi o histórico-crítico, através de uma pesquisa bibliográfica. Para alcançar uma conclusão acerca do tema, foi realizada uma análise do fundamento do benefício, dos requisitos legais para adquiri-lo e refletir sobre a objetividade dos critérios de incapacidade e miserabilidade. A partir desse trabalho foi possível concluir que apenas critérios objetivos se mostram insuficientes para aferição de fenômenos complexos como a incapacidade e a miserabilidade, argumentou-se assim que a constatação deve ser feita com base em todo contexto social, buscando-se em cada caso analisar de maneira eficiente a real necessidade da concessão do benefício.
Palavras-chave: Critérios. Direitos Fundamentais. Supremacia Constitucional.
1 – Introdução
A Constituição Federal de 1988 inaugura dentre tantos direitos e garantias o instituto jurídico da Assistência Social, que é o auxílio às pessoas necessitadas. A Assistência Social independe de contribuição à seguridade social, por objetivar o aparo estatal para as pessoas mais vulneráveis socialmente, das mais diversas formas, como a garantia do salário mínimo mensalmente cedido à pessoa portadora de deficiência e ao idoso, desde que seja comprovada a impossibilidade de prover a própria subsistênciaprodução, mais comerciais.
É justamente nesse ponto que surge a previsão do benefício assistencial ou de prestação continuada, ou ainda, a prestação pecuniária assistencial tradicional, previsto no inciso V que se tornou autoaplicável, logrando eficácia plena a partir da Lei nº 8.742, de 7 de dezembro de 1993. Esta, visando dar efetividade à garantia prevista constitucionalmente, estabeleceu os conceitos de incapacidade e de hipossuficiência necessários à verificação do preenchimentos dos requisitos para o gozo do benefício de prestação continuada.
O presente trabalho visa, portanto, analisar a eficácia do estabelecimento de critérios meramente objetivos para constatação das condições de hipossuficiência e incapacidade considerando que tais critérios por sua complexidade exigem um estudo mais acurado da realidade e do contexto social da pessoa para poderem ser mais seguramente identificados, na medida em que a sua concessão busca a efetivação dos direitos fundamentais e a concretização da justiça social, tendo por base a dignidade da pessoa humana. Para isso, pretende-se fazer uma análise sobre o fundamento do benefício, como também descrever criticamente os requisitos legais para adquiri-lo, assim como refletir sobre a objetividade nos critérios da incapacidade e miserabilidade.
Para tanto foi utilizada o método de procedimento histórico-crítico, tendo como procedimento uma pesquisa bibliográfica qualitativa.
2 – Fundamento do Benefício de Assistência Social
A Seguridade Social se encontra disciplinada no título VIII da Constituição Federal de 1988 que foi reservado pelo legislador constituinte para tratar da Ordem Social, que compreende um conjunto de normas sobre a seguridade social (saúde, previdência social e assistência social); a educação, cultura e desporto; a ciência e tecnologia; a comunicação social; ao meio ambiente; a família, criança, adolescente e idoso; e ao índio.
Constitui-se como uma das vertentes da ordem social e tem como princípios constitucionais a universalidade da cobertura e do atendimento; a uniformidade e equivalência dos benefícios e serviços às populações urbanas e rurais; a seletividade e distributividade na prestação dos benefícios e serviços; a irredutibilidade do valor dos benefícios; a equidade na forma de participação no custeio; a diversidade da base de financiamento; e o caráter democrático e descentralizado da administração, mediante gestão quadripartite, com participação dos trabalhadores, dos empregadores, dos aposentados e do Governo nos órgãos colegiados.
Na visão de Hugo Goes (2016) a Seguridade Social engloba um conceito amplo, abrangente, universal, destinado a todos que dela necessitem desde que haja previsão na lei sobre determinado evento a ser coberto. É na verdade, o gênero do qual são espécies a Previdência Social, a Assistência Social e a Saúde.
Tendo como base a Carta Maior, percebe-se que os serviços públicos de saúde serão prestados gratuitamente, ou seja, para gozar de tais serviços não é necessário que a pessoa contribua para a seguridade social. Por ser considerado um direito de todos, o Estado não pode negar a prestação do serviço de saúde a quem quer que seja, pelo que qualquer pessoa, rica ou pobre, pode dirigir-se a um hospital público e ser prontamente atendida. Frise-se que tais serviços serão prestados pelo Estado de forma direta ou através de convênios ou contratos com instituições privadas, preferencialmente com entidades filantrópicas e as sem fins lucrativos.
O benefício de prestação continuada, como é comumente denominado, possui além desta, outras denominações, quais sejam amparo social, benefício assistencial ou ainda renda mensal vitalícia, sendo que não há consenso com relação à nomenclatura mais correta para definir o referido benefício. Uma análise da evolução histórica do benefício esclarece e explica a existências de tantas denominações.
Inicialmente, a Lei nº 6.179, de 12 de dezembro de 1974, chamou o benefício de renda mensal vitalícia, em que, previu-se a concessão de uma renda mensal vitalícia aos idosos acima de 70 anos e aos inválidos que não possuíssem meios de subsistência e que necessariamente fossem filiados ao sistema previdenciário, ou seja, já tivessem exercido atividade laboral remunerada.
A Constituição Federal de 1988, baseada nos direitos fundamentais da pessoa humana previu, em seu artigo 203, inciso V, a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovassem não possuir meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispusesse a lei. Com a Lei nº 8.742/93, essa garantia constitucional foi efetivamente instituída.
Apenas nesse momento, portanto, verificou-se a implementação de um benefício puramente assistencial, tendo em vista o fato de sua concessão independer de qualquer tipo de contribuição à seguridade social, nos termos do que apregoa o caput do artigo 203 da Constituição Federal vigente, que assim assevera: “Art. 203. A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição à seguridade social, e tem por objetivos:” (BRASIL, CF 1988, p. 77)
Com isso, percebe-se, a intenção clara do legislador constituinte de instituir um benefício de cunho eminentemente assistencialista, homenageando, assim, a nova ordem jurídica, fundamentada na dignidade da pessoa humana e implantada a partir da promulgação da Constituição Cidadã. A previsão constitucional do benefício assistencial, portanto, passou a compor um dos direitos previstos no título VIII, da Constituição Federal, qual seja da Ordem Social, a qual tem como base o primado do trabalho, e como objetivo o bem-estar e a justiça sociais.
A Constituição Federal de 1988 estabeleceu em seu artigo 203, inciso V, o benefício assistencial como um direito que garante uma série de outros direitos ao cidadão, nos seguintes termos:
Art. 203. A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição à seguridade social, e tem por objetivos:
V - a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei.
(BRASIL, CF 1988, p. 77)
Nesse contexto, ao instituir a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, o legislador constituinte, simultaneamente, deu efetividade a direitos fundamentais como o direito à vida, à sobrevivência digna, à saúde, a velhice, entre outros tantos.
Nesse diapasão, pode-se afirmar que a previsão constitucional do benefício assistencial, tem o condão de elevar o instituto à categoria de direito fundamental e como tal deve atender a uns dos maiores fundamentos da ordem jurídica vigente que é a dignidade da pessoa humana. Ocorre que o texto constitucional que prevê a concessão do benefício não é autoaplicável, deixando a sua aplicabilidade condicionada a edição de legislação complementar.
A Lei nº 8.742/93 que dispõe sobre a organização da Assistência Social, foi criada visando emprestar efetividade ao dispositivo constitucional mencionado, trazendo em seu artigo 20 as regras aplicáveis na concessão do benefício de prestação continuada, nos termos que seguem:
Art. 20. O benefício de prestação continuada é a garantia de um salário-mínimo mensal à pessoa com deficiência e ao idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família. (Redação dada pela Lei nº 12.435, de 2011)
§ 1º Para os efeitos do disposto no caput, a família é composta pelo requerente, o cônjuge ou companheiro, os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto. (Redação dada pela Lei nº 12.435, de 2011)
§ 2º Para efeito de concessão do benefício de prestação continuada, considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas. (Redação dada pela Lei nº 13.146, de 2015) (Vigência)
§ 3º Considera-se incapaz de prover a manutenção da pessoa com deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário-mínimo. (Redação dada pela Lei nº 12.435, de 2011)
§ 4º O benefício de que trata este artigo não pode ser acumulado pelo beneficiário com qualquer outro no âmbito da seguridade social ou de outro regime, salvo os da assistência médica e da pensão especial de natureza indenizatória. (Redação dada pela Lei nº 12.435, de 2011)
§ 5º A condição de acolhimento em instituições de longa permanência não prejudica o direito do idoso ou da pessoa com deficiência ao benefício de prestação continuada. (Redação dada pela Lei nº 12.435, de 2011)
§ 6º A concessão do benefício ficará sujeita à avaliação da deficiência e do grau de impedimento de que trata o § 2o, composta por avaliação médica e avaliação social realizadas por médicos peritos e por assistentes sociais do Instituto Nacional de Seguro Social - INSS. (Redação dada pela Lei nº 12.470, de 2011)
§ 7º Na hipótese de não existirem serviços no município de residência do beneficiário, fica assegurado, na forma prevista em regulamento, o seu encaminhamento o município mais próximo que contar com tal estrutura. (Incluído pela Lei nº 9.720, de 30.11.1998)
§ 8º A renda familiar mensal a que se refere o § 3o deverá ser declarada pelo requerente ou seu representante legal, sujeitando-se aos demais procedimentos previstos no regulamento para o deferimento do pedido. (Incluído pela Lei nº 9.720, de 30.11.1998)
§ 9º Os rendimentos decorrentes de estágio supervisionado e de aprendizagem não serão computados para os fins de cálculo da renda familiar per capita a que se refere o § 3o deste artigo. (Redação dada pela Lei nº 13.146, de 2015) (Vigência)
§ 10. Considera-se impedimento de longo prazo, para os fins do § 2o deste artigo, aquele que produza efeitos pelo prazo mínimo de 2 (dois) anos. (Incluído pela Lei nº 12.470, de 2011)
§ 11. Para concessão do benefício de que trata o caput deste artigo, poderão ser utilizados outros elementos probatórios da condição de miserabilidade do grupo familiar e da situação de vulnerabilidade, conforme regulamento. (Incluído pela Lei nº 13.146, de 2015) (Vigência). (BRASIL, Lei 8.742/93, art. 20)
De acordo com o exposto até aqui, verifica-se que a legislação pertinente acerca das normas aplicáveis à concessão do benefício assistencial, estabelecem critérios puramente objetivos para aferição dos requisitos necessários à sua concessão, quais sejam a miserabilidade e a incapacidade.
O fato é que os direitos fundamentais elencados na Carta Magna de 1988 foram instituídos pelo legislador constituinte com o fim de garantir, ainda que de maneira mediata, a dignidade da pessoa humana, na medida em que esta constitui o fundamento de toda a ordem constitucional, sendo considerada um valor moral e espiritual inerente à pessoa. A dignidade da pessoa humana representa um conjunto de valores civilizatórios incorporados ao homem, de maneira que todo ser humano é dotado desde o ventre materno até sua morte.
Nesse sentido, tem-se que o benefício assistencial por se tratar de garantia constitucionalmente prevista, possuindo verdadeiro status de direito fundamental sua concessão deve se atentar à preservação de tais direitos, objetivando a prevalência da dignidade da pessoa idosa ou deficiente. A garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, prevista constitucionalmente, constitui-se como um direito fundamental de segunda geração (preconiza uma prestação positiva por parte do Estado em favor do cidadão) que visa incontroversamente a preservação da dignidade da pessoa incapacitada ou idosa.
Nesse contexto, vê-se que o benefício de prestação continuada se classifica como verdadeiro direito fundamental constitucionalmente previsto e como tal deve ser interpretado de maneira a garantir ao cidadão a concretização dos direitos e garantias fundamentais a fim de efetivar a dignidade humana.
3 – Requisitos Legais para Concessão do Benefício Assistencial
Os artigos 20 e 21 da Lei nº 8.742/93 regulamentam o benefício assistencial de prestação continuada, que parece ser o benefício mais importante da assistência social. Estabelecem os requisitos necessários à concessão do benefício assistencial ao idoso e ao deficiente. Certo é que o dito benefício deve ser requerido junto às agencias da Previdência Social ou aos órgãos autorizados para este fim.
Embora não seja classificado como um benefício previdenciário e sim assistencial o benefício de prestação continuada é concedido e mantido pelo INSS, em atenção ao princípio da eficiência administrativa.
Nesse sentido, explica Hugo Goes:
Isso ocorre devido a preceitos práticos: se o INSS já possui estrutura própria espalhada por todo o país, em condições de atender à clientela assistida, não haveria necessidade da manutenção em paralelo de outra estrutura. (GOES, 2016, p. 787)
Há discussão sobre a quem compete a concessão e manutenção dos benefícios de prestação continuada, certo é que o INSS segue à risca os critérios objetivos fixados pelos artigos 20 e 21 da Lei nº 8.742/93, pelo que há uma infinidade de processos judiciais em face da Autarquia Previdenciária visando a concessão judicial do citado benefício, tendo em vista a análise superficial e apenas objetiva realizada pelo INSS para indeferir os requerimentos administrativos.
Criticando os requisitos objetivos presentes na LOAS, assim dissertou Luciana Meneguetti Pereira:
O que se infere é que toda a legislação infraconstitucional destinada a disciplinar os direitos sociais deverá estar sempre voltada para proteção dos seus destinatários, sem qualquer discriminação, bem como para o bem-estar e a justiça sociais. Infelizmente não é isso que se verificou inicialmente pela forma como o BPC foi regulamentado, não sendo desarrazoado afirmar que esse benefício constitucional foi regulado de forma tardia, seletiva, transmutada, restritiva, frágil e arbitrária. (PEREIRA, 2013, p. 33)
Os critérios objetivos estabelecidos pela LOAS, embora sejam alvo de constantes críticas e celeumas judiciais continuam vigorando e ainda são usados indiscriminadamente como justificativa para impedir o acesso ao benefício.
O artigo 20, parágrafo 2º, da Lei nº 8.742/93, assegura que para efeito de concessão do benefício de prestação continuada, considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas. O parágrafo 10, do mesmo dispositivo, por sua vez, esclarece que, considera-se impedimento de longo prazo, aquele que produza efeitos pelo prazo mínimo de 2 (dois) anos.
Uma análise mais atenta acerca de tais dispositivos faz surgir diversos questionamentos a respeito do requisito da incapacidade. Em primeiro lugar, a lei afirma que a deficiência/incapacidade precisa ser de logo prazo, deixando a dúvida quanto ao impedimento temporário que vitima a pessoa hipossuficiente. Ademais, ao estabelecer um prazo mínimo de 2 anos para a incapacidade, a lei exclui do seu alcance todos os impedimentos que não atinjam esse lapso temporal, restando o questionamento acerca da validade de tal dispositivo. Há ainda o questionamento com relação à incapacidade total e parcial, uma vez que a lei estabelece que somente o impedimento para todos os tipos de atividade seria suscetível de gerar direito ao benefício de prestação continuada.
Com base em todas essas questões é que se entende que o requisito da incapacidade não pode ser aferido pura e simplesmente por critério objetivo, uma vez que exclui do alcance da norma pessoas que dela necessitam, ferindo, destarte, sua dignidade. Isso porque, na prática surgem uma série de demandas em que apenas critérios objetivos não serão capazes de aferir a necessidade ou não da concessão do benefício em apreço. Fatores como a idade do requerente, nível de escolaridade, possibilidade ou não de tratamento da doença pelo sistema único de saúde, atividade profissional, valor e efeitos colaterais da medicação, devem ser considerados juntamente com o laudo médico, a fim de se constatar a necessidade ou não da concessão do benefício de prestação continuada.
Nos termos do artigo 20, parágrafo 3º Lei 8.742/93, considera-se família incapacitada de prover a manutenção da pessoa portadora de deficiência ou idosa aquela cujo cálculo da renda mensal per capita, que corresponde à soma da renda mensal bruta de todos os seus integrantes, dividida pelo número total de membros que compõem o grupo familiar, seja inferior a um quarto do salário mínimo. A renda mensal familiar é declarada pelo requerente ou seu representante legal por ocasião do requerimento do benefício. Caso a renda mensal ultrapasse o mínimo previsto em lei o benefício é sumariamente indeferido pelo INSS, ainda que se trate de um valor ínfimo. Há, entretanto, inúmeros julgados do Superior Tribunal de Justiça sustentando entendimento de que o valor da renda familiar per capita não deve ser considerada a única forma de prova para constatação da miserabilidade do beneficiário. Conforme se denota a partir da leitura do julgado cuja ementa se transcreve:
PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSOESPECIAL BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. RECURSO ESPECIAL REPETITIVO1.112.557/MG. POSSIBILIDADE DE DEMONSTRAÇÃO DA CONDIÇÃO DEMISERABILIDADE DO BENEFICIÁRIO POR OUTROS MEIOS DE PROVA, QUANDO ARENDA PER CAPITA DO NÚCLEO FAMILIAR FOR SUPERIOR A 1/4 DO SALÁRIOMÍNIMO. EXCLUSÃO DE BENEFÍCIO DE VALOR MÍNIMO PERCEBIDO POR MAIOR DE65 ANOS. ART. 34, PARÁGRAFO ÚNICO, LEI Nº 10.741/2003. APLICAÇÃO PORANALOGIA. JURISPRUDÊNCIA FIRMADA. PET 7.203/PE. AGRAVO REGIMENTAL AQUE SE NEGA PROVIMENTO.
1.Conforme entendimento firmado no julgamento do REsp n.º 1.112.557/MG, de Relatoria do Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, o critério previsto no artigo 20, § 3.º, da Lei n. 8.742/1993, deve ser interpretado como limite mínimo, não sendo suficiente, desse modo, por si só, para impedir a concessão do benefício assistencial. Permite-se a concessão do benefício aos requerentes que comprovem, a despeito da renda, outros meios caracterizados da condição de hipossuficiência.
2. O benefício previdenciário de valor mínimo, recebido por pessoa acima de 65 anos, não deve ser considerado na composição na renda familiar, conforme preconiza o art. 34, parágrafo único, da Lei10.741/2003 (Estatuto do Idoso). Precedente: Pet n. 7.203/PE, Relatora Ministra Maria Thereza de Assis Moura.
3. Agravo regimental a que se nega provimento.
(STJ AgRg no REsp 1351525 SP 2012/0231296-5, SEGUNDA TURMA, DJe 12/12/2012, Relator Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES).
Nesse contexto, o tribunal entendeu que o requisito da renda per capita previsto na Lei 8.742/93 é considerado apenas como um mínimo legal, ou seja, a família que se encontra dentro desse mínimo é inexoravelmente considerada impossibilitada de prover sua manutenção. Enquanto que o contrário não se pode afirmar, tendo em vista que a miserabilidade, caso a família possua renda acima de ¼ do salário mínimo por pessoa, é fenômeno complexo que não se pode aferir sem considerar os demais elementos sociais envolvidos.
Com relação ao benefício de prestação continuada devido ao idoso, o Estatuto do Idoso (BRASIL, Lei nº 10.741/03) em seu artigo 34, parágrafo único, estabelece que o valor do benefício assistencial concedido ao idoso não será computado no cálculo da renda mensal bruta familiar, para fins de concessão deste benefício a outro idoso da mesma família. Frise-se que o Superior Tribunal de Justiça tem entendido que o benefício previdenciário no valor de um salário mínimo recebido por maior de 65 anos também deve ser afastado para fins de apuração da renda mensal per capita objetivando a concessão do benefício de prestação continuada.
Recentemente, diante da inovação legislativa trazida pelo Estatuto do Idoso, há também a discussão de que é plausível e possível a exclusão do cálculo da renda mensal per capita do benefício assistencial já percebido por pessoa com deficiência e exclusão de benefício assistencial de idoso quando o postulante ao benefício é pessoa com deficiência. A discussão baseia-se na ideia de que a benesse trazida pelo Estatuto do Idoso deve-se estender também às pessoas com deficiência, não havendo justificativa para tratar essas categorias de maneira diferente, tendo em vista que a intenção do dispositivo legal é de justamente concretizar a igualdade material, tratando os desiguais de forma desigual.
Nesse sentido, transcreve-se entendimento da eminente Juíza Federal Jacqueline M. Bilhalva:
Quanto à primeira lacuna, forçoso é reconhecer que, embora o idoso não se identifique socialmente, culturalmente e fisicamente com o deficiente, tanto o idoso quanto o deficiente que buscam a concessão de benefício assistencial são dotados da mesma dignidade enquanto beneficiários de um mesmo benefício de mesmo valor por força de expressa disposição constitucional (art. 203, inc. V, da CF/88) e de expressas disposições legais [no que diz respeito ao princípio da igualdade de direitos no acesso ao atendimento (art. 4º, inc. IV, primeira parte, Lei nº 8.742/93) e quanto à previsão de um mesmo benefício de mesmo valor (art. 20 da Lei nº 8.742/93)]. Portanto, nada justifica que se lhes dispense tratamento normativo diferenciado, não havendo justificativa para a proteção do idoso ser mais ampla do que a proteção do deficiente(...) Ante o exposto, voto por conhecer do pedido apenas em relação ao primeiro paradigma invocado (2005.70.51.002552-3) e por dar parcial provimento ao pedido para uniformizar o entendimento de que ‘para fins de concessão de benefício assistencial a deficiente, o disposto no parágrafo único do art. 34 do Estatuto do Idoso (Lei nº 10.741/2003) se aplica por analogia para a exclusão de um benefício previdenciário de valor mínimo recebido por membro idoso do grupo familiar, o qual também fica excluído do grupo para fins de cálculo da renda familiar per capita’.
(PEDILEF nº 2008.70.95.002492-3/PR, Rel. Juíza Fed. Jacqueline M.Bilhalva, D.J. 04/09/2009).
Conforme previsão expressa da lei, só serão considerados membros da família para fins de cálculo da renda mensal per capita, requerente, o cônjuge ou companheiro, os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados. Diante da evolução do conceito de família, percebe-se que o citado dispositivo não atende à realidade das famílias que hodiernamente se observam. Isso porque, hoje em dia não é difícil perceber núcleos familiares distintos daquele previsto na legislação, compostos não só por pais e irmãos. Desse modo, a lei exclui do cálculo da renda mensal per capita pessoas que fazem parte do núcleo familiar, causando verdadeiras injustiças.
4 – A Objetividade nos Critérios de Incapacidade e Miserabilidade
A Constituição Federal ao prever o benefício de prestação continuada deixou a responsabilidade de regulamentá-lo à lei ordinária. Nesse contexto, o dispositivo constitucional, qual seja artigo 203, inciso V, da Carta da República possui eficácia apenas limitada tendo em vista que só passou a produzir efeitos a partir da interferência do legislador ordinário, com a entrada em vigor da Lei nº 8.742/93. Não se pode negar, assim, que a citada lei deve obedecer e ser interpretada conforme os valores, os princípios e as normas fundamentais estabelecidas na Constituição da Federal.
Isso porque, todo o ordenamento jurídico deve obediência à Lei Suprema, sobre tal supremacia assevera Gilmar Mendes:
O conflito de leis com a Constituição encontrará solução na prevalência desta, justamente por ser a Carta Magna produto do poder constituinte originário, ela própria elevando -se à condição de obra suprema, que inicia o ordenamento jurídico, impondo -se, por isso, ao diploma inferior com ela inconciliável. De acordo com a doutrina clássica, por isso mesmo, o ato contrário à Constituição sofre de nulidade absoluta. (MENDES, 2012, p. 116)
Diante disso, percebe-se que a Lei nº 8.742/93 deve obediência à Constituição Federal, devendo sua aplicação moldar-se aos fundamentos e pressupostos constitucionais.
Ocorre que muitas vezes os critérios objetivos para aferição dos requisitos necessários à concessão do benefício assistencial estabelecidos pela legislação ordinária tornam o acesso ao benefício muito difícil, uma vez que os requisitos mostram-se rigorosos e rígidos, frustrando o direito de milhares de pessoas que mesmo necessitam da garantia constitucional não conseguem acessá-la.
Hodiernamente, decisões judiciais no sentido de interpretar a Lei Orgânica da Assistência Social com base nos fundamentos e princípios constitucionais têm se multiplicado, pelo que, cita-se, a título de exemplo, trecho de decisão monocrática, exarada pelo ministro do Superior Tribunal de Justiça, Napoleão Nunes Maia Filho, na qual o eminente julgador sem declarar a inconstitucionalidade da lei a interpreta de maneira a resguardar os direitos fundamentais e a dignidade da pessoa humana:
1. A CF/88 prevê em seu art. 203, caput e inciso V a garantia de um salário mínimo de benefício mensal, independente de contribuição à Seguridade Social, à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei. 2. Regulamentando o comando constitucional, a Lei 8.742/93, alterada pela Lei 9.720/98, dispõe que será devida a concessão de benefício assistencial aos idosos e às pessoas portadoras de deficiência que não possuam meios de prover à própria manutenção, ou cuja família possua renda mensal per capita inferior a 1/4 (um quarto) do salário mínimo. 3. O egrégio Supremo Tribunal Federal, já declarou, por maioria de votos, a constitucionalidade dessa limitação legal relativa ao requisito econômico, no julgamento da ADI 1.232/DF (Rel. para o acórdão Min. NELSON JOBIM, DJU 1.6.2001). 4. Entretanto, diante do compromisso constitucional com a dignidade da pessoa humana, especialmente no que se refere à garantia das condições básicas de subsistência física, esse dispositivo deve ser interpretado de modo a amparar irrestritamente a o cidadão social e economicamente vulnerável. 5. A limitação do valor da renda per capita familiar não deve ser considerada a única forma de se comprovar que a pessoa não possui outros meios para prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, pois é apenas um elemento objetivo para se aferir a necessidade, ou seja, presume-se absolutamente a miserabilidade quando comprovada a renda per capita inferior a 1/4 do salário mínimo. 6. Além disso, em âmbito judicial vige o princípio do livre convencimento motivado do Juiz (art. 131 do CPC) e não o sistema de tarifação legal de provas, motivo pelo qual essa delimitação do valor da renda familiar per capita não deve ser tida como único meio de prova da condição de miserabilidade do beneficiado. De fato, não se pode admitir a vinculação do Magistrado a determinado elemento probatório, sob pena de cercear o seu direito de julgar.
(STJ - Recurso Especial: REsp 1393172 SP 2013/0253962-3, DJ 26/04/2017, Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO).
Assim, fica demostrada a tendência atual das decisões judicias de interpretar o artigo 20 da LOAS conforme à Constituição, atentando-se para os seus fundamentos, princípios e direitos.
A tentativa frustrada de muitos necessitados de acessar o benefício de prestação continuada em virtude de critérios puramente objetivos sem se atentar para a realidade de cada caso concreto vai de encontro à vontade da Constituição Federal, qual seja a garantia do mínimo de dignidade à pessoa idosa e deficiente. Nesse diapasão entra em cena o Judiciário como protagonista dessa história. Isso se dá porque a cada dia multiplicam-se as demandas judiciais visando a concessão do dito benefício, como única alternativa de corrigir as injustiças causadas pela má interpretação e má aplicação da Lei nº 8.742/93. As decisões judiciais ao analisar os critérios objetivos para concessão do benefício presentes na LOAS alargam o alcance desta na intenção de emprestar-lhe constitucionalidade, atentando-se aos princípios e direitos fundamentais.
Nesse contexto, após muitas discussões e amadurecimento da tese, nos autos da Reclamação nº 43/74 PE, a Suprema Corte, confirmou o entendimento da possibilidade jurídica da declaração de inconstitucionalidade de uma norma já julgada constitucional anteriormente, tendo como fundamento a mudança do contexto social, político e econômico, julgando improcedente a reclamação e inconstitucional o dispositivo de lei em questão. Na ocasião, o Ministro assim justificou a possibilidade da declaração de inconstitucionalidade de dispositivo já julgado constitucional anteriormente, nos seguintes termos:
Em síntese, declarada a constitucionalidade de uma lei, ter-se-á de concluir pela inadmissibilidade de que o Tribunal se ocupe uma vez mais da aferição de sua legitimidade, salvo no caso de significativa mudança das circunstâncias fáticas ou de relevante alteração das concepções jurídicas dominantes. (BRASIL, STF, ADIN nº 232-1/DF)
Assim, o STF baseou sua mudança de entendimento em exceção à regra de ser inadmissível analisar a constitucionalidade do mesmo dispositivo mais de uma vez, alegando a mudança do cenário socioeconômico para rever a matéria. o STF por maioria de votos julgou improcedente a Reclamação, declarando a inconstitucionalidade do disposto sem pronúncia de nulidade.
Com relação ao critério da incapacidade previsto no artigo 20, parágrafo 2º, da LOAS, ao prever que para efeito de concessão do benefício de prestação continuada, considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas, também tem gerado ao longo dos anos verdadeiros embates judiciais.
Isso porque, mesmo atendendo ao critério da renda mensal per capita muitas pessoas por serem portadoras de impedimento de curto e médio prazo tinham seus benefícios negados com base no dispositivo de lei citado.
Destarte, tratando-se de casos em que flagrantemente não se aplicava à justiça ao caso concreto, tendo em vista que a negativa do benefício, significava a retirada de direitos fundamentais básicos da pessoa, bem como da sua própria dignidade, muitas demandas judiciais surgiram e surgem na tentativa de reverter o descompasso existente entre a LOAS e o ordenamento constitucional pátrio.
Diante disso, o Judiciário vem cumprindo na condição de protagonista seu papel nas controvérsias oriundas da má interpretação e aplicação da LOAS.
Nessa toada, a Turma Nacional de Uniformização em recente julgado reforçou entendimento de que a incapacidade ensejadora da concessão do benefício assistencial deve ser analisada em concreto, não podendo o limite mínimo de 2 (dois) anos estabelecido na legislação por si só constituir óbice a sua concessão, conforme se depreende da leitura da ementa do julgado que segue:
INCIDENTE DE UNIFORMIZAÇÃO – BENEFÍCIO ASSISTENCIAL - LOAS - INCAPACIDADE TEMPORÁRIA - SÚMULA 48 DA TNU - QUESTÃO DE ORDEM 38 - SENTENÇA RESTABELECIDA – RECURSO PROVIDO VOTO Trata-se de Incidente de Uniformização Nacional, suscitado pela parte autora, em face de acórdão proferido pela Turma Recursal do Juizado Especial Federal da Seção Judiciária do Paraná que deu provimento ao recurso do INSS para reformar a sentença para cancelar a concessão do benefício assistencial de LOAS. O presente Incidente invoca a jurisprudência desta Corte para comprovar que a temporariedade da incapacidade não afasta a concessão do benefício assistencial de LOAS. É o relatório. A questão a ser dirimida nesses autos diz respeito ao caráter permanente da incapacidade para concessão do LOAS. O acórdão proferido pela Turma Recursal do Paraná julgou improcedente o pedido de concessão do LOAS em razão da temporariedade da incapacidade da parte autora. A parte recorrente esclarece que a Turma diverge do atual posicionamento a respeito da matéria pois a temporariedade da incapacidade não afasta a concessão do benefício assistencial. Com razão a parte recorrente, pois a lei não exige que para a concessão de LOAS a incapacidade seja necessariamente permanente. Inclusive o art. 21 da lei do benefício assistencial corrobora tal situação por estatuir que esse benefício "deve ser revisto a cada 2 (dois) anos para avaliação da continuidade das condições que lhe deram origem" Esta Turma Nacional já sumulou esse posicionamento: Súmula 48 – A incapacidade não precisa ser permanente para fins de concessão do benefício assistencial de prestação continuada. Nesse sentido, total acerto para a sentença proferida nos autos, pois, analisando o laudo pericial, a temporariedade da incapacidade e o mandado de verificação dos autos julgou procedente o pedido autoral. Por tais razões, em observância à Questão de Ordem 38 desta Turma Nacional, que diz: "Em decorrência de julgamento em pedido de uniformização, poderá a Turma Nacional aplicar o direito ao caso concreto decidindo o litígio de modo definitivo, desde que a matéria seja de direito apenas, ou, sendo de fato e de direito, não necessite reexaminar o quadro probatório definido pelas instâncias anteriores, podendo para tanto, restabelecer a sentença desconstituída por Turma Recursal ou Regional." Assim, VOTO por CONHECER e DAR PROVIMENTO ao PEDILEF, restabelecendo, assim, a sentença de procedência. (PEDILEF 50024803120124047004, JUIZ FEDERAL WILSON JOSÉ WITZEL, TNU, DOU 13/09/2016).
Frise-se que nesse sentido a Turma Nacional de Uniformização editou a Súmula 48 a qual afirma que a incapacidade não precisa ser permanente para fins de concessão do benefício assistencial de prestação continuada.
A incapacidade parcial também já foi objeto de inúmeras demandas judicias ficando demostrado que a tendência atual é a prevalência do entendimento de que o impedimento que acomete a pessoa apenas parcialmente é sim suscetível de gerar direito ao benefício assistencial de prestação continuada.
Percebe-se assim que há uma evolução jurisprudencial acerca da interpretação e aplicação da Lei nº 8.742/93 no sentido de emprestar à norma eficácia constitucional, quando os requisitos objetivos por ela estabelecidos mostram-se insuficientes para demonstrar a presença das condições de miserabilidade e incapacidade. Flagra-se, nesse sentido, o protagonismo judicial ou ativismo judicial, fenômeno verificado hodiernamente, caracterizado pela atuação do Judiciário na concretização dos direitos e garantias previstos na Constituição de 1988 quando estes não são observados pelos outros dois poderes da República.
Nesse passo, assim consignou Luciana Meneguetti Pereira, ao analisar o benefício de prestação continuada e a atuação do Poder Judiciário:
O protagonismo/ativismo judicial em determinadas searas e em algumas situações será fundamental para que os idosos possam ao menos tocar os seus direitos fundamentais antes de se depararem com o fatídico evento ao qual todos estão destinados, sem qualquer exceção; bem como para que as pessoas com deficiência possam alcançar a inclusão social e o gozo de direitos que, pelo princípio constitucional da igualdade (CRFB, art. 5º), são conferidos a todos, indistintamente. Essa atuação judicial, conforme se verá a seguir, tem sido fundamental para a realização e efetivação do BPC em favor dos idosos e das pessoas com deficiência. (PEREIRA, 2013, p. 31)
A proliferação de demandas judicias, buscando a concessão de benefício assistencial, em quase sua totalidade visam a correção da aferição dos requisitos de miserabilidade e incapacidade. Isso porque a Lei nº 8.742/93 estabelece que tais situações devem ser aferidas de maneira puramente objetiva de maneira que exclui do alcance da norma realidades passíveis de serem favorecidas com a concessão do dito benefício. Fala-se, assim, que os fenômenos da incapacidade, bem como da miserabilidade, são multidimensionais, uma vez que sua aferição depende de um estudo complexo de uma série de fatores que vão além de um simples cálculo de renda per capita ou de um mero laudo médico. Assim, a transitoriedade da incapacidade e a renda mensal per capita acima de ¼ do salário mínimo não podem constituir óbice à concessão do amparo social quando presentes circunstâncias socioeconômicas absolutamente desfavoráveis ao postulante a ponto de circunscrevê-lo à vulnerabilidade social.
Nesse sentido, ementa de julgado do Tribunal Regional Federal da 5ª Região:
PREVIDENCIÁRIO. APELAÇÃO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL DE PRESTAÇÃO CONTINUADA. INCAPACIDADE PARCIAL E TEMPORÁRIA. REQUISITOS ATENDIDOS. TERMO INICIAL. DATA DO REQUERIMENTO ADMINISTRATIVO. JUROS MORATÓRIOS. CORREÇÃO MONETÁRIA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. SUMULA 111 DO STJ.
1. No caso, o pedido de benefício de prestação continuada (LOAS) foi indeferido administrativamente, porque a perícia médica do INSS concluiu inexistir incapacidade para o trabalho ou para atividade habitual da parte autora.
2. Na perícia judicial, o expert atestou: 1) que a autora padece de cardiopatia congênita do tipo interatrial e interventricular; 2) que "suas doenças apresentam dispneia (cansaço) e cianose aos esforços e quando complicadas por infecções, principalmente respiratórias, com comprometimento pulmonar (hipertensão pulmonar por hiperfluxo)"; 3) e que "essas doenças pioram com esforços e infecções, principalmente respiratórias como gripe, bronquite e pneumonia", concluindo que há incapacidade parcial e temporária, estando a autora apta para qualquer atividade após uma cirurgia.
3. Quando o laudo pericial não tenha concluído pela incapacidade total para o trabalho, devem ser considerados os aspectos socioeconômicos. Considerando o contexto social em que a autora se encontra inserida, resta claro que suas chances de reintegração ao mercado de trabalho são ínfimas, tendo em conta a natureza do trabalho que está qualificada a realizar, tanto em face de suas limitações físicas, assim também por se tratar de pessoa de pouca instrução.
4. Caso a apelada venha a fazer cirurgia e cesse sua incapacidade, poderá o INSS interromper o pagamento do benefício.
5. Termo inicial fixado na data do requerimento administrativo, vez que já eram presentes os requisitos para a concessão do benefício previdenciário.
6. Juros moratórios devem ser calculados com base no índice oficial de remuneração básica e juros aplicados à caderneta de poupança, nos termos da regra do art. 1º-F da Lei nº 9.494/97, com redação da Lei nº 11.960/09.
7. No que se refere à correção monetária, deve-se afastar o artigo 1º-F da Lei 9.494/1997, com a redação dada pela Lei 11.960/2009, por força da declaração de inconstitucionalidade parcial do art. 5º da Lei nº 11.960/09 (ADI nº 4.357-DF e ADI nº 4.425-DF). Tratando-se de benefício previdenciário, havendo lei específica, impõe-se a observância do artigo 41-A da Lei 8.213/1991, que determina a aplicação do INPC.
8. Manutenção da verba honorária em 10% sobre a condenação, nos termos do art. 20, parágrafo 4º, do CPC, devendo-se observar a Súmula nº 111 do Superior Tribunal de Justiça.
9. Apelação parcialmente provida.
(AC 00031128320144059999, Desembargador Federal Roberto Machado, TRF5 - Primeira Turma, DJE - Data: 20/11/2014 - Página:230.).
Pelo expendido, verifica-se que a incapacidade e a miserabilidade devem ser ponderadas não apenas com relação ao laudo médico e ao cálculo da renda mensal per capita, uma vez que fenômenos subjetivos não podem ser aferidos de maneira objetiva, devendo as condições pessoais ser consideradas a fim de garantir uma conclusão correta acerca de quem deve beneficiar-se do benefício.
3 – Conclusão
O avançar da história, as lutas e o desenvolvimento do pensamento do homem frente os seus direitos propiciou a concepção e a introdução da ideia acerca dos direitos e garantias fundamentais do ser humano, os quais passaram a balizar as relações interpessoais na maioria das civilizações modernas. A dignidade da pessoa humana constitui o mais importante fundamento do Estado Democrático de Direito, o que a torna em alicerce balizador de todo o Ordenamento Jurídico Brasileiro.
O direito à assistência social previsto na Constituição Federal de 1988 caracteriza-se como fruto de grandes conquistas e encontram nos direitos fundamentais e na dignidade da pessoa humana sua justificativa.
Diante disso, entende-se que a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, previsto no artigo 203, inciso V, da Constituição Federal, por constituir direito fundamental, deve pautar-se com base nos princípios norteadores do sistema constitucional sob pena de ferir a supremacia da Lei Maior.
A citada garantia prevista pelo legislador constituinte não gozava de eficácia plena, uma vez, por previsão do próprio texto constitucional, sua eficácia se condicionou à edição de lei ordinária.
Apenas no ano de 1993 com a edição da Lei nº 8.742 – Lei Orgânica da Assistência Social, o benefício assistencial ganhou eficácia e aplicabilidade, tornando-se possível a sua concessão.
Com o passar dos anos observou-se que os requisitos estabelecidos pela LOAS para concessão do benefício assistencial à pessoa com deficiência e ao idoso por conter eram demasiadamente rígidos o que resultava em indeferimentos do benefício a pessoas que dele necessitavam.
A legislação ordinária, nesse passo, andava na contramão do que apregoava a Constituição Federal, uma vez que atentando-se apenas para requisitos objetivos, os direitos e garantias fundamentais da pessoa humana muitas vezes não eram observados nem respeitados.
O deferimento do pedido de benefício assistencial depende da comprovação de dois requisitos no caso dos portadores de deficiência, quais sejam a miserabilidade e incapacidade, e no caso dos idosos, a idade de 65 anos e a miserabilidade.
Na aferição de tais requisitos é que reside a problemática, uma vez que a legislação ordinária estabeleceu que a miserabilidade só se caracteriza no caso de famílias que possuam renda mensal per capita abaixo de ¼ (um quarto) do salário mínimo, e a incapacidade só seria passível de concessão do benefício nos casos de impedimento de longo prazo acima de 2 (dois) anos.
Nesse contexto, percebeu-se a insuficiência de tais requisitos para constatação dos fenômenos da miserabilidade e da incapacidade por tratarem-se de situações complexas dificilmente aferidas apenas a partir de critérios objetivos.
Diante das muitas celeumas judiciais oriundas da citada controvérsia, o Judiciário na condição de protagonista, passou a contornar os critérios objetivos estabelecidos na LOAS, passando a avaliar o real estado de necessidade dos deficientes e idosos que requeriam o benefício.
A nova interpretação da Lei 8.742/93 pelos tribunais pátrios justifica-se através do entendimento de que a legislação ordinária deve obediência ao texto constitucional e a partir do momento que aquela põe em risco os direitos e garantias fundamentais deve-se optar, caso seja possível, por uma interpretação que resguarde tais direitos de modo que também a lei seja resguardada do mal da inconstitucionalidade.
Destarte, o Judiciário tem adotado a tese de que os critérios objetivos presentes na LOAS tratam-se de presunção absoluta de miserabilidade e incapacidade, pelo que as outras situações que nela não se subsumam-se devem ser analisadas detidamente para constatação da necessidade ou não da concessão do benefício.
Esse entendimento, porém, nem sempre se verificou. Além do mais, há juízes que insistem em julgar as demandas com base apenas nos critérios objetivos presentes na LOAS.
A mudança de entendimento por parte do Poder Judiciário vem sendo justificada também a partir da edição de leis que estabeleceram critérios mais elásticos para concessão de outros benefícios assistenciais, tais como: a Lei 10.836/2004, que criou o Bolsa Família; a Lei 10.689/2003, que instituiu o Programa Nacional de Acesso à Alimentação; a Lei 10.219/01, que criou o Bolsa Escola; a Lei 9.533/97, que autoriza o Poder Executivo a conceder apoio financeiro a municípios que instituírem programas de garantia de renda mínima associados a ações socioeducativas.
A condição de indivíduo é formada por elementos mais complexos, como a cultura em que está inserido, seu contexto emocional, familiar e, também, o econômico, com características próprias sem a generalização excludente, sendo assim, leva consigo a necessidade de ser olhado para além da objetividade.
Nessa toada, com base em todo o exposto, verifica-se que os critérios objetivos presentes na LOAS não se mostram suficientes para aferir fenômenos complexos como a miserabilidade e a incapacidade, devendo tais situações serem aferidas com base em todos os elementos formadores da condição do indivíduo, como forma de efetivamente se constatar a necessidade ou não da concessão do benefício assistencial para somente assim se garantir a observância do fundamento maior da norma que é a dignidade da pessoa humana.
7 – Referências bibliográficas
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Emendas constitucionais nº 95/2016. 51ed. – Brasília: Câmara dos Deputados, Edições Câmara, 2017.
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goes, Hugo. Manual de Direito Previdenciário. 11ed. Rio de Janeiro: Ferreira, 2016.
MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. 7ed. São Paulo: Saraiva, 2012.
PEREIRA, Luciano Meneguetti. Políticas públicas, direitos fundamentais e poder judiciário: uma análise crítica do benefício de prestação continuada (BPC). Revista Brasileira de Políticas Públicas – Brasília: v.3, n.1, p. 25-50. 2013.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: GALVAO, Amanda Maria Bezerra. Concessão do benefício assistencial: possibilidade de constatação de requisitos subjetivos apenas a partir de critérios objetivos Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 25 out 2018, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/52344/concessao-do-beneficio-assistencial-possibilidade-de-constatacao-de-requisitos-subjetivos-apenas-a-partir-de-criterios-objetivos. Acesso em: 22 nov 2024.
Por: Maurício Sousa da Silva
Por: Maurício Sousa da Silva
Por: Maurício Sousa da Silva
Por: DESIREE EVANGELISTA DA SILVA
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