SIBELE LETÍCIA RODRIGUES
DE OLIVEIRA BIAZOTTO[1]
(Orientadora)
RESUMO: O presente artigo pretende demonstrar a ineficácia das medidas protetivas de urgência previstas na Lei n. 11.340/2006 – Lei Maria da Penha. São abordadas questões a respeito das origens da lei e seus dispositivos, bem como dos tipos de violência contra a mulher, além das espécies de medidas protetivas. Ademais, busca-se entender cada um dos fatores que mais contribui para a ineficácia das referidas medidas, destacando-se os mais relevantes. Ressalta-se, ainda, a ineficiência da fiscalização estatal no que se refere ao cumprimento das medidas protetivas de urgência, tal qual suas causas e consequências. O estudo foi feito por meio de uma pesquisa bibliográfica de compilação que reuniu uma série de informações destinadas a gerar uma discussão objetiva acerca do tema e, assim, construir um panorama que possibilite a reflexão e, consequentemente, o surgimento de ideias e sugestões para remediar o problema apresentado.
PALAVRAS CHAVE: medidas protetivas; violência; mulher; ineficácia.
ABSTRACT: This article seeks to demonstrate the ineffectiveness of the protective measures of emergency established in law nº 11,340/2006 – Maria da Penha Law. Through a literature search that build up and compiled a series of information to generate a frank and objective discussion about the topic. Nevertheless, are addressed questions about the origins of the law and it`s devices, as well as the types of violence against women. In addition to the kinds of protective measures. Furthermore, it seeks to discuss and understand each one of the factors that most contributes to the ineffectiveness of the measures. Highlighting the most relevants. It should be noted the inefficiency of State supervision as regards protective measures of emergency, as well as its causes and consequences, addressing each one in a different way in order to have a better understanding of the theme and so build a panorama and realistic view, enabling the reflection about ideas and suggestions to remedy the problem presented.
KEY WORDS: Protective Measures; violence; woman; ineffectiveness.
INTRODUÇÃO
A Lei n. 11.340/2006, conhecida como Lei Maria da Penha, é um dos maiores avanços no que se refere à proteção da mulher em face da violência doméstica e familiar. Essa lei introduziu uma série de ferramentas que visam a proteger os aspectos físicos, psicológicos e patrimoniais das vítimas de violência. Dentre elas se destacam as medidas protetivas de urgência que, mesmo tendo reconhecidas suas necessidades, têm a sua eficácia questionada.
A discussão do tema se justifica devido a questionamentos sistematicamente levantados em prol da aplicação das medidas protetivas de urgência. Desse modo, o problema que se apresenta é a necessidade de se discutir a eficácia ou não das medidas protetivas da maneira como atualmente são aplicadas e seus desdobramentos.
Levanta-se a hipótese de que as medidas protetivas como um todo não condizem inteiramente com a conjuntura atual, uma vez que os casos de violência em sua grande maioria carecem de soluções urgentes.
Conquanto, o objetivo do presente estudo é demonstrar que as medidas protetivas de urgência não atingem o propósito para o qual foram elaboradas de maneira eficaz. Para tanto, pretende-se expor a história e os principais pontos da Lei Maria da Penha, bem como discutir os tipos de violência contra a mulher, além de discorrer sobre as distintas medidas protetivas e sua aplicação.
Para que os objetivos fossem alcançados, utilizou-se técnica de pesquisa teórico-bibliográfica, que visa a analisar doutrinas, artigos científicos, revistas, periódicos e outros com o intuito de obter informações que contribuam para uma melhor discussão do tema.
Em relação à estrutura da pesquisa, tem-se esta introdução, com a especificação do problema, hipótese, objetivos e metodologia, seguida do primeiro capítulo, que traz o referencial teórico com a abordagem histórica da Lei n. 11.340/2006 – Lei Maria da Penha. O segundo capítulo contém os tipos de violência, classificação das medidas protetivas, a (in)eficácia da Lei Maria da Penha e a falha na sua aplicabilidade. Por fim, as considerações finais, que surgiram das informações obtidas por meio dos estudos bibliográficos.
1 APRESENTAÇÃO HISTÓRICA DA LEI N. 11.340/2006 – LEI MARIA DA PENHA – E PRINCIPAIS CARACTERÍSTICAS
As origens da violência contra a mulher no Brasil se confundem com as próprias origens da nação e estão diretamente relacionadas à antiga família patriarcal, que tinha a mulher como cidadã de segunda classe (TRINDADE, 2016).
Nesse sentido, pode-se dizer que o modelo patriarcal acabou por introduzir a ideia de que a mulher deveria se recolher ao lugar imposto pela sociedade e se calar em face de toda e qualquer violência praticada. Essy (2017, p. 5-10) assevera que violência
É um ato de brutalidade, abuso, constrangimento, desrespeito, discriminação, impedimento, imposição, invasão, ofensa, proibição, sevícia, agressão física, psíquica, moral ou patrimonial contra alguém e caracteriza relações intersubjetivas e sociais definidas pela ofensa e intimidação pelo medo e terror.
Tal sistema se perpetuou ao longo de todo o Brasil colônia, influenciado também pelo controle do Estado Português, que não apenas o praticava como atuava de modo que qualquer tentativa de rebeldia ou mesmo pensamento contrário fosse combatido de modo contundente (SOUZA; BARACHO, 2015).
Somente a partir do século XIX esse comportamento começa a se modificar por meio de alterações na maneira de pensar, bem como na atitude de mulheres corajosas. Estas, já cansadas, insatisfeitas e revoltadas com a maneira pela qual eram tratadas, com a violência a que eram submetidas e o descaso da sociedade, deram início a uma revolução silenciosa, que foi tomando forma e ganhado força à medida que se buscavam garantias devido á violação dos direitos da mulher (BARROS, 2018).
Apesar de os abusos persistirem, direitos foram conquistados aos poucos. O voto feminino, por exemplo, só foi instituído durante os anos trinta. A luta não parou e outros direitos finalmente foram reconhecidos e transformados em leis que pudessem não somente garanti-los, mas, principalmente, protegê-los (TRINDADE, 2016).
Porém pode-se argumentar que medidas efetivas em relação ao combate da violência contra a mulher só foram realmente adotadas a partir da segunda metade do século XIX e tiveram maior respaldo com a promulgação da Constituição de 1988 e da Lei n. 11.340/2006, que ficou conhecida como Lei Maria da Penha (ESSY, 2017).
A Lei n. 11.340/2006 é fruto da luta incessante da senhora Maria da Penha Maia Fernandes, vítima de uma tentativa de homicídio praticada no ano de 1983, que teve como autor o seu marido. Depois de um grande embate jurídico, tanto nos tribunais Brasileiros quanto em várias cortes internacionais, a batalha por justiça dessa cidadã indignada foi transforma em lei no dia 22 de março de 2006 (TRINDADE, 2016).
O objetivo principal da Lei Maria da Penha é coibir e prevenir toda e qualquer violência doméstica praticada contra a mulher. Conforme Barros (2018), para atingir tal finalidade, a lei introduziu importantes mecanismos de prevenção e combate à violência contra a mulher.
Ressalta-se que a Lei se aplica a toda violência doméstica que gere morte, lesão corporal, violência sexual, violência psicológica e/ou dano moral ou patrimonial. A Lei também estabeleceu a criação dos juizados de violência doméstica e familiar contra a mulher, que têm por objetivo oferecer atendimento mais ágil a mulher que ingresse com ações cíveis e criminais na mesma vara (SOUZA; BARACHO, 2015).
Aplica-se também ao âmbito da unidade doméstica, onde se dê o convívio de indivíduos, que tenham ou não vínculo familiar, e que se reúnam eventualmente, bem como ao âmbito familiar composto por pessoas que são ou se consideram aparentados, quer sejam unidos por laços naturais, afinidades ou mesmo vontade declarada. Aplica-se ainda a qualquer relação íntima de afeto, em que haja ou tenha havido a convivência entre agressor e ofendida, mesmo sem que tenha existido coabitação (ESSY, 2017).
Ademais, a lei introduziu as medidas protetivas de urgência, que têm por objetivo proteger a vítima de qualquer ato de violência. Todavia o crime de lesão corporal leve se tornou objeto de investigação e consequente processo, mesmo contra a vontade da ofendida. A vítima adquiriu o direito à assistência psicológica, social, médica e jurídica, dentre outras (BARROS, 2018).
Fica vedado que a vítima possa entregar intimação ou notificação ao acusado. Caso a agressão tenha sido praticada por indivíduo estranho à ofendida, como um vizinho ou prestador de serviço, os termos a serem seguidos são os termos circunstanciados (SOUZA; BARACHO, 2015).
Tornou-se obrigatória a garantia de proteção policial, quando necessária, bem como a comunicação imediata do Ministério Público e do Poder Judiciário. Além disso, deve-se também informar à vítima os seus direitos (TRINDADE, 2016).
Uma vez efetuado o registro da ocorrência, a autoridade deve ouvir a ofendida; imediatamente em seguida, deverá lavrar o termo circunstanciado e levar a representação a termo, caso apresentada. Deve ainda colher todas as provas inerentes ao fato. Remete-se, então, expediente apartado ao juiz no prazo de 48 horas com o pedido da vítima para que se conceda as medidas protetivas cabíveis. Cabe também à autoridade a expedição de guia do exame de corpo de delito e periciais. Toma-se o depoimento do agressor e testemunhas, se houverem, além de ordenar-se a identificação do agressor juntando aos autos seus antecedentes.
Constata-se, então, que a Lei Maria da Penha introduziu uma gama de instrumentos que contribuem para o combate mais eficiente da violência praticada contra as mulheres (ESSY, 2017), que podem ocorrer de diversas formas, conforme exposto na seção a seguir.
1.1 Os tipos de violência praticados contra a mulher
Deve-se ter sempre em mente, como expõe Barros (2018), que toda e qualquer abordagem sobre a violência contra a mulher não pode ser feita sem que se reconheça que tais atos de violência não são unos e homogêneos, mas sim distintos entre si, o que torna possível a classificação da violência praticada contra a mulher em diferentes modalidades.
De acordo com o que prevê a Lei Maria da Penha, são reconhecidas e tipificadas as seguintes modalidades de violência contra a mulher: física, psicológica, moral, sexual e patrimonial (GUEDES; GOMES, 2013).
Vale ressaltar que tanto a violência psicológica como a física, via de regra, são praticadas em âmbito público ou privado (VIANA et al., 2018).
A violência física se caracteriza por qualquer forma de violência corporal, ou seja, qualquer conduta ou atitude que ofenda a integridade da vítima e cause dano ao seu corpo, como, tentativa de homicídio, lesão corporal, tortura e outras (OLIVEIRA; PAES, 2014).
Já a violência psicológica pode ser descrita como qualquer conduta que cause dano emocional, diminua a autoestima, prejudique ou mesmo perturbe o pleno desenvolvimento. Também, qualquer conduta que vise a degradar ou controlar as ações, o comportamento, as crenças e decisões, em face de ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem, ridicularização, exploração e limitação do direito de ir e vir ou qualquer outra ação cause prejuízo à saúde psicológica e/ou a autodeterminação da mulher (VIANA et al., 2018).
A violência moral se caracteriza por qualquer ação que dê origem a calúnia, injúria ou difamação. Consequentemente, a prática se dá quando o agressor afirma falsamente que a ofendida cometeu crime, quando a mesma não o praticou. A difamação caracteriza-se pela atribuição de fatos que maculem a reputação da vítima, desde que tais fatos sejam espalhados pelo agressor. Já a injúria ocorre quando o agressor ofende a dignidade da ofendida, por meio de opiniões contra a sua reputação moral, críticas mentirosas, xingamentos e outros. Ademais, vale ressaltar que atualmente esse tipo de violência também pode ocorrer por meio da internet (BARROS, 2018).
Além das já abordadas, existem ainda a violência sexual e a violência patrimonial. Violência sexual é toda e qualquer conduta que constranja a ofendida, que a mantenha ou a faça tomar parte de relação sexual não desejada, ou seja, quando não existe consentimento expresso. A conduta se caracteriza uma vez que haja ameaça, coação, intimidação ou uso de força. Além disso, a conduta também se configura mediante a indução, a comercialização ou a utilização de qualquer modo da sexualidade da ofendida que a proíba de usar qualquer método contraceptivo, que a obrigue ao casamento, a engravidar, praticar aborto ou a prostituir-se, em face de qualquer modo de chantagem, coação, manipulação, suborno ou mesmo que venha a anular ou limitar o exercício dos direitos sexuais e reprodutivos da mulher ofendida (GUEDES; GOMES, 2013).
Outrossim, deve-se tratar da violência patrimonial, que se materializa pela prática de qualquer conduta que implique subtração, retenção ou destruição parcial ou total dos objetos, dos instrumentos de trabalho, dos documentos pessoais, dos bens, dos valores e direitos ou dos recursos econômicos da mulher que tenham por finalidade a satisfação das necessidades dela (OLIVEIRA; PAES, 2014).
No entanto, em se tratando de violência, faz-se necessário entender a definição de violência de gênero, que também é considerada violência contra a mulher. Nesse sentido, Maria Amélia de Almeida Teles, citada por Essy (2017, p. 25,30), assevera que
A sociologia, a antropologia e outras ciências humanas lançaram mão da categoria gênero para demonstrar e sistematizar as desigualdades socioculturais existentes entre homens e mulheres, que repercutem na esfera da vida pública e privada de ambos os sexos, impondo a eles papéis sociais diferenciados que foram construídos historicamente, e criaram polos de dominação e submissão. Impõe-se o poder masculino em detrimento dos direitos das mulheres, subordinando-as às necessidades pessoais e políticas dos homens, tornando-as dependentes.
Portanto, percebe-se que as modalidades de violência praticadas contra a mulher têm raízes profundas na maneira pela qual a sociedade enxerga homens e mulheres e ao papel que atribui a cada um, resultando em uma visão predominantemente machista, que espera, mesmo que de maneira velada, a submissão da mulher (VIANA et al., 2018).
Pode-se recorrer ao que dizem Guedes e Gomes (2013), ao argumentarem que a compreensão das modalidades de violência contra a mulher e suas peculiaridades é imprescindível, uma vez que aumenta a possibilidade de preveni-las, bem como a capacidade e a eficiência para combatê-las de modo mais eficaz e justo, ao passo que se ofereça um atendimento mais digno, que não cause constrangimento à vítima, a qual, por vezes, sente-se envergonhada ou mesmo responsável pela violência a que foi submetida, como tem ocorrido ao longo dos anos.
Com a consciência dos tipos de violência a que são submetidas as mulheres, pode-se agora expor as medidas protetivas utilizadas em defesa de sua integridade física e moral.
1.2 Das medidas protetivas
Uma das maiores contribuições da Lei n. 11.340/2006 foi a introdução das medidas protetivas de urgência, com o intuito não somente de proteger a mulher como também de lhe garantir o direito a viver sem violência. Vale dizer ainda que tais medidas possibilitam aos magistrados melhores condições de aplicação da Lei. Do mesmo modo, para que se entenda melhor do que tratam essas medidas, recorre-se ao que relata Dias citado por Jara (2014, p. 145), segundo o qual as medidas protetivas de urgência
[...] visam não apenas deter o agressor, mas garantir a segurança pessoal e patrimonial da ofendida e de sua prole, não sendo mais uma atribuição da polícia somente, mas do juiz e do Ministério Público também. Assevera, igualmente, que as providências trazidas pela Lei, chamadas de medidas protetivas de urgência, não se limitam àquelas previstas nos artigos 22 ao 24, mas há aquelas que se encontram esparsas na legislação, também denominadas de protetivas, cujo objetivo é a proteção da ofendida.
Assim sendo, constata-se que as medidas protetivas de urgência são de extrema importância no que se refere a garantir os direitos e a própria vida da mulher, não apenas em sentido físico e psicológico, mas também em referência às suas condições de sobrevivência (SILVA, 2013).
As medidas protetivas de urgência previstas na Lei Maria da Penha estão elencadas nos artigos 22, 23 e 24 da referida lei e se dividem entre as medidas que obrigam o agressor, as medidas protetivas à ofendida e as medidas de proteção patrimonial (BRANDÃO, 2012).
Todavia, para que se possa aplicar uma medida protetiva, é necessário que o pedido pretendido pela ofendida seja encaminhado a um dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher. A ofendida tem o direito de opção no que se refere à competência do foro onde deseja que os autos tramitem, desse modo, os mesmos poderão tramitar no domicílio da ofendida, no domicílio do agressor ou mesmo onde se deu a conduta violenta, como dispõe o art. 15 da Lei n. 11.340/2006 (BIAGI, 2014).
Entretanto, importa esclarecer que, nos casos onde não exista um Juizado específico de repressão à violência contra a mulher, os autos referentes ao processo deverão ser encaminhados ao Juízo Criminal (SILVA, 2013).
Feitos os devidos esclarecimentos acerca do pedido, pode-se, então, tratar das diferentes medidas protetivas de urgência, de aplicação imediata ao agressor, que são: suspensão da posse ou restrição do porte de armas, com comunicação ao órgão competente, nos termos da Lei n. 10.826/2003; afastamento do lar, domicílio ou local de convivência com a ofendida; proibição de determinadas condutas, entre as quais a) aproximação da ofendida, de seus familiares e das testemunhas, fixando o limite mínimo de distância entre estes e o agressor; b) contato com a ofendida, seus familiares e testemunhas por qualquer meio de comunicação; c) frequentação de determinados lugares a fim de preservar a integridade física e psicológica da ofendida; restrição ou suspensão de visitas aos dependentes menores, ouvida a equipe de atendimento multidisciplinar ou serviço similar; prestação de alimentos provisionais ou provisórios.
As medidas elencadas no art. 22 são direcionadas a impedir ou diminuir o contato do agressor com a ofendida ou demais membros da família, bem com da prestação de alimentos provisionais, se isso se fizer necessário. Ademais, o art. 22 ainda trata da suspensão, posse ou restrição do porte de armas, nos termos da Lei n. 10.826/2003, que, combinada com a Lei n. 11.340/2006, garante a execução da medida mediante a comunicação à autoridade competente (BALZ, 2015).
No que se refere às medidas protetivas de urgência à ofendida, o art. 23 da Lei n 11.340/2006 dispõe:
Poderá o juiz, quando necessário, sem prejuízo de outras medidas:
I - encaminhar à ofendida e seus dependentes a programa oficial ou comunitário de proteção ou de atendimento;
II - determinar a recondução da ofendida e a de seus dependentes ao respectivo domicílio, após afastamento do agressor;
III - determinar o afastamento da ofendida do lar, sem prejuízo dos direitos relativos a bens, guarda dos filhos e alimentos;
IV - determinar a separação de corpos.
Essas medidas são referentes à ofendida e também visam a garantir a sua proteção e bem estar, mesmo que isso determine o seu afastamento do convívio familiar. Outrossim, tais medidas são tomada sem prejuízo para a ofendida (BIAGI, 2014).
Já no que se refere às medidas protetivas de urgência destinadas à proteção patrimonial, o art. 24 da Lei Maria da Penha determina:
Art. 24. Para a proteção patrimonial dos bens da sociedade conjugal ou daqueles de propriedade particular da mulher, o juiz poderá determinar, liminarmente, as seguintes medidas, entre outras:
I - restituição de bens indevidamente subtraídos pelo agressor à ofendida;
II - proibição temporária para a celebração de atos e contratos de compra venda e locação de propriedade em comum, salvo expressa autorização judicial;
III - suspensão das procurações conferidas pela ofendida ao agressor;
IV - prestação de caução provisória, mediante depósito judicial, por perdas e danos materiais decorrentes da prática de violência doméstica e familiar contra a ofendida.
As medidas do artigo 24 são direcionadas à proteção patrimonial e à garantia dos bens da mulher para que ela não seja prejudicada em uma futura separação que venha a gerar a partilha do patrimônio acumulado pelos cônjuges (SILVA, 2013).
Porém nem sempre as medidas protetivas são cumpridas conforme determinação judicial e, quando isso acontece, o juiz tem a faculdade de solicitar o auxílio das autoridades competentes para garantir que sejam efetivamente cumpridas. O juiz pode ainda decretar a prisão preventiva do acusado, de acordo com o que prevê o artigo 20 da Lei Maria da Penha. Isso porque a Lei introduziu a possibilidade desse tipo de prisão, se o crime estiver relacionado com violência doméstica e familiar contra a mulher, como disposto no inciso IV do artigo 313 do Código de Processo Penal Brasileiro (BIAGI, 2014).
Ademais, nota-se que mesmo estando elencadas nos artigos 22, 23 e 24 da Lei n. 11.340/2006, as medidas protetivas de urgência encontram respaldo em outros instrumentos do ordenamento jurídico brasileiro, dentre os quais se destacam os artigos 226 e 125 da Constituição Federal de 1988, bem como o artigo 313, inciso IV do Código de Processo Penal, na Lei n. 10.826/2003. Há também a Lei n. 13.641/2018, que altera a Lei n. 11.340/2006, incluindo o artigo 24-A, ao definir a tipificação da conduta de descumprimento de decisão judicial que defere medidas protetivas de urgência, e, não menos importante, o Decreto n. 4377/2002, que trata da eliminação de toda e qualquer forma de discriminação contra a mulher (BALZ, 2015).
De acordo com Laste (2018), a nova alteração decorreu no intuito de que as medidas protetivas sejam rigorosamente cumpridas, tendo em vista que o número de ineficácia no cumprimento elevou-se nos últimos anos.
Conforme menciona o dispositivo supracitado, quando há descumprimento das medidas protetivas da Lei Maria da Penha, o agressor que as infringiu poderá ser penalizado pelo crime de desobediência, com detenção de três meses a dois anos. Assim, se o agressor for preso em flagrante pelo delito cometido, somente o judiciário tem autonomia para conceder fiança (REVISTA CONSULTOR JURIDICO, 2018).
Desse modo, pode-se perceber a importância das medidas protetivas de urgência no que se refere à garantia dos direitos e da própria vida da mulher que é vítima de violência doméstica ou familiar (ALVEZ, 2017).
1.3 Da ineficácia das medidas protetivas
A introdução das medidas protetivas de urgência constitui um dos pontos mais importantes da Lei Maria da Penha, uma vez que garante o aumento na proteção das mulheres vítimas de violência doméstica e familiar. Contudo se há de notar que nem sempre tais medidas são cumpridas de acordo com a determinação judicial ou simplesmente não são cumpridas (CARVALHO, 2017).
Nesse sentido, pode-se argumentar que, mesmo sendo um instrumento de extrema valia, a Lei Maria da Penha, especialmente em relação às medidas protetivas, não vem alcançando o efeito esperado. Isso se deve muito à morosidade dos procedimentos legais que tratam da implementação das medidas. Jara (2014, p. 64), citando a Freitas, afirma que
Grande parte desta ineficácia se dá pela falta de aparato às polícias e ao judiciário, onde o baixo número de agentes, servidores, juízes e promotores não conseguem suportar o número de procedimentos e processos que a cada dia avoluma-se nas delegacias e judiciário, não só decorrentes desta lei, promovendo um sentimento de impunidade aos agressores que possuem contra si medidas protetivas em favor de seus cônjuges, companheiras e namoradas, pois ora há demora na emissão de tais medidas, ora, quando são emitidas, sua efetividade é minguada pela falta de punição aos agressores que as descumpre.
Consequente, conforme escreve Melo (2011), percebe-se que a falta de aparato e a estrutura ineficiente do Estado contribuem diretamente para que as medidas protetivas sejam descumpridas ou mesmo ignoradas pelos agressores que, munidos do sentimento de impunidade, simplesmente não demonstram preocupação com as possíveis consequências de seus atos (BALZ, 2015).
Tendo em vista a importância e a necessidade da aplicação de medidas protetivas de urgência, também é necessário que estas sejam devidamente cumpridas, uma vez que não serão efetivas, caso isso não venha a ocorrer, trazendo graves prejuízos não apenas para a garantia dos diretos da vítima, como principalmente para o seu bem estar (BALZ, 2015).
Nesse sentido, a morosidade do poder judiciário no que diz respeito à análise e concessão das medidas protetivas de urgência está diretamente relaciona a sua posterior ineficácia. Isso se deve em grande parte à falta de pessoal, que implica acúmulo de processos e, em muitos casos, a resposta simplesmente não chega ou chega tarde demais. Segundo o que escreve Jara (2014, p. 59),
Não há necessidade de juntada de prova robusta, bastando boletim de ocorrência em que consta a narrativa sucinta do fato delituoso, o pedido da vítima relacionando as medidas protetivas solicitadas, uma breve justificativa dos motivos e o depoimento de duas testemunhas que tenham conhecimento da prática do fato delituoso. Apesar de a lei não exigir a juntada de depoimentos testemunhais nesta fase inicial, por medida de cautela, deverá a autoridade policial juntá-los ao pedido de aplicação de medida protetiva de urgência, possibilitando, assim, que o juiz competente decida com mais segurança.
Isso implica dizer que se pode flexibilizar o procedimento de análise e concessão da medida protetiva, desde que reconhecida a sua inerente necessidade, produzindo uma resposta mais rápida e eficaz à vítima que, por vezes, encontra-se em real estado de perigo (ALVEZ, 2017).
Além disso, a autoridade policial, por muitos motivos, não é capaz de acompanhar o cumprimento das medidas e atender a todas as queixas que se acumulam em todo território brasileiro, desde a promulgação da Lei Maria da Penha (CARVALHO, 2017).
Não obstante, é evidente a falta de cooperação entre os diversos órgãos estatais envolvidos na concessão das medidas protetivas, quer seja pelo não compartilhamento de informações necessárias, quer seja pela demora em atender pedidos feitos ou mesmo por não dispor de equipamentos e tecnologia que viabilizem o processamento mais rápido dos pedidos de concessão e dos deferimentos das medidas. Além disso, existe ainda a dificuldade do poder judiciário em atender as reclamações feitas no que diz respeito a descumprimento das medidas (MELO, 2011).
Conquanto, nota-se que existem vários fatores que contribuem para tornar a aplicabilidade das medidas protetivas de urgência ineficazes que demandam aperfeiçoamento dos mecanismos e instituições para garantir que não se perca essa ferramenta tão importante para a proteção da vida das mulheres vítimas de violência doméstica e familiar (ALVEZ, 2017). É o que se discutirá na próxima seção.
1.4 Da ausência de uma rede de proteção as vítimas e do silêncio destas
Um grande entrave à eficácia das medidas protetivas de urgência é a falta de uma rede de proteção estatal que esteja apta a receber mulheres vítimas de violência que não querem voltar ao lar por medo. Aliado a isso, soma-se o fato de que muitas mulheres ainda preferem o silencio a denunciar o agressor por medo, vergonha ou mesmo por se sentirem culpadas (SILVA, 2013).
Assim sendo, nota-se que o próprio projeto da Lei Maria da Penha previa a criação de uma extensa rede de acolhimento a vítimas de violência doméstica composta por abrigos, casas de apoio e outras facilidades que pudessem oferecer tratamento e aconselhamento, bem com um porto seguro para as ofendidas (BRANDÃO, 2012). Conquanto, tal rede nunca foi implementada e apenas uns poucos centros de apoios e alguns abrigos foram disponibilizados e encontram-se apenas nos grandes centros (BALZ, 2015).
Caracteriza-se, portanto, a total omissão do Estado no que se refere a oferecer uma rede de proteção ampla e bem estruturada, dotada de aparato, infraestrutura e profissionais devidamente qualificados, prontos a atender as necessidades das mulheres que se encontram em situação de risco (CARVALHO, 2017).
Ressalta-se que, como já foi mencionado, o silêncio ou a omissão das mulheres acaba por contribuir também para a ineficiência da atuação estatal, uma vez que, em muitos casos, mesmo comprovada a violência, a vítima insiste em não denunciar o agressor. Argumenta-se que a falta da rede de proteção pode ser um dos motivos, uma vez que muitas mulheres têm receio de voltar para casa, se prestarem queixa (SILVA, 2013).
Desse modo, ambos os fatores estão intimamente relacionados, e a resolução do primeiro pode contribuir significativamente para que o segundo deixe de existir gradativamente (BRANDÃO, 2012). Dessa forma, importante a atuação dos órgãos estatais para que as medidas sejam cumpridas.
1.5 Da ineficácia estatal sob o ponto de vista da fiscalização do cumprimento das medidas protetivas
O Estado tem se mostrado ineficiente no que se refere à fiscalização do cumprimento das medidas protetivas de urgência, mesmo tendo em vista que a legislação foi muito bem elaborada. Isto posto, fica evidente que a falta de estrutura acarreta prejuízos à implementação das medidas e acaba por gerar enorme descaso em relação aos direitos das vítimas (BRANDÃO, 2012).
À vista disso, a falta clara de pessoal, aliada ao seu mau preparo, em muitas localidades, bem com equipamentos obsoletos também atuam para que não exista uma fiscalização concisa e atuante, afrouxando as regras e permitindo que agressores continuem agindo impunemente, mesmo sendo objeto de medidas determinadas pela justiça (MELO, 2011).
Ademais, em detrimento do tamanho do País, seria de suma importância a troca de informações entre os diferentes órgãos judiciais, o que não acontece com frequência. Nota-se, ainda, que a tecnologia pode ser de fundamental importância para facilitar a fiscalização do cumprimento das medidas. Além do que, por vezes, o agressor simplesmente não é encontrado para receber a intimação que determina o deferimento da medida protetiva. Nesse sentido, Carneiro (2010, p. 16), referindo-se ao que afirmam Martiello e Tibola, assevera que,
Nesta linha, é válido destacar que são inúmeros os casos em que o oficial de justiça não consegue encontrar o agressor ou ainda cientificá-lo em tempo hábil. Aliás, existem casos em que o agressor está em local desconhecido, e sequer é encontrado para ser cientificado acerca das medidas. Ou na maioria esmagadora das vezes o agressor somente é cientificado após uma ou duas semanas da decisão e a vítima continua a sofrer reiteradas agressões e ameaças, estando todo o tempo vulnerável a algum atentado a sua integridade física ou psicológica.
Constata-se que a ineficácia do Estado em fiscalizar a aplicação das medidas contribui diretamente para que a vítima continue a correr perigo e, por vezes, vê-se deixada à mercê de um agressor que sequer foi notificado de que tem a obrigação de manter-se longe daquela (CARVALHO, 2017).
Pode-se dizer que, mesmo com todos os avanços, muito tem a ser feito, e o aperfeiçoamento do sistema estatal de fiscalização do cumprimento das medidas protetivas de urgência se faz necessário a curto prazo. A consequência da ineficiência dessa fiscalização tem se revelado desastrosa para as mulheres que são diariamente agredidas e mesmo mortas por um número de agressores que, em muitos casos, acabam simplesmente ludibriando o sistema (ALVEZ, 2017).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Houve contribuição positiva da Lei n. 11.340/2006 no que se refere ao combate à violência contra a mulher, especialmente por especificar os tipos de violência e suas consequentes punições, assegurando maior segurança jurídica e novos mecanismos de garantia.
Verificou-se um aumento considerável no número de denúncias e processos abertos contra agressores, que há pouco tempo mantinham-se impunes ou se valiam de uma infinidade de recursos e outros artifícios legais para postergar possíveis condenações.
Dessa maneira, pode-se dizer que tal sistema garantia a continuidade do ciclo de ameaças e agressões a mulheres que, em face da impunidade, acabavam por se calar e por vezes terminavam transformando-se em apenas mais uma estatística, ou submetiam-se aos abusos, dando continuidade a uma sequência de violência que ofusca qualquer possibilidade de melhora.
Os esforços de muitos acabaram por surtir efeitos práticos e, dentre estes, a introdução da Lei Maria da Penha, que trouxe uma série de avanços, dentre os quais se destaca a criação das medidas protetivas de urgência previstas nos artigo 22, 23 e 24 da referida lei, e se convertem em um mecanismo de suma importância no que se refere à proteção da integridade física e mental da mulher.
Apesar disso, o que se percebe é o fato de que, em muitos casos, as medidas protetivas de urgência, especialmente pela demora na análise do pedido, chegam muito tarde ou às vezes simplesmente não chegam. Isso as torna ineficazes e, dessa forma, não alcançam a sua finalidade, que é proteger a integridade física, psicológica, moral, sexual e patrimonial da vítima de violência doméstica e familiar.
A ineficácia das medidas contribui para que o agressor continue não apenas livre, como em várias ocasiões agredindo ou ameaçando a ofendida. Isso conduz para a propagação de um sentimento cada vez maior de impunidade, que têm como efeito mais perverso a desconfiança das ofendidas em face da aparente inércia do estado frente a um problema que afeta diretamente todos os âmbitos da sociedade.
Consequentemente, pode-se argumentar que as medidas protetivas de urgência são instrumentos imprescindíveis para garantir a preservação da integridade da vítima, bem como para garantir os seus direitos. Contudo, para que sejam realmente eficazes, é necessário que exista um esforço conjunto de todas as partes envolvidas, desde as vítimas, que são as maiores interessadas, até os membros do Poder Judiciário e agentes do Estado.
Assim, constata-se que as medidas protetivas de urgência são ineficazes no sentido de que a morosidade da justiça em analisá-las e concedê-las, ou não, implica diretamente não manutenção da situação que a tanto se tenta combater e joga por terra séculos de luta das mulheres em prol da garantia dos seus direitos e da proteção da sua integridade física, psicológica, moral, sexual e patrimonial. Pode-se argumentar que a Lei Maria da Penha só será de fato efetiva se todos seus dispositivos forem aplicados e implementados de maneira efetiva e eficaz. Dentre estes, destaca-se a eficácia das medidas protetivas de urgência, que se faz fator determinante para que a violência contra a mulher seja combatida de maneira contundente, afastando de uma vez por todas os questionamentos e a sensação de impunidade que são tão presentes no cenário atual.
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[1] Sibele Letícia Rodrigues de Oliveira Biazotto. Professora Mestre do curso de Direito da Faculdade Serra do Carmo. Palmas/TO. Advogada Criminalista. Email: [email protected]
Bacharel em Direito da faculdade Serra do Carmo. Acadêmica de pós graduação do Instituto Júlio Cesar Sanchez.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: LOPES, Jaynara Cirqueira. A ineficácia das medidas protetivas de urgência para as mulheres vítimas de violência doméstica Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 15 nov 2018, 04:45. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/52405/a-ineficacia-das-medidas-protetivas-de-urgencia-para-as-mulheres-vitimas-de-violencia-domestica. Acesso em: 22 nov 2024.
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