ANDRÉIA AYRES GABARDO DA ROSA[1]
RESUMO: A Educação é um Direito de todos, sem distinção, prevista na Constituição Federal e normas infraconstitucionais. Assim, o presente artigo tem o objetivo de analisar as normas que garantem a educação e inclusão das crianças portadoras do Transtorno do Espectro Autista (TEA) na sala de aula. No entanto, sabe-se que garantir uma educação inclusiva e de qualidade aos portadores de TEA é ainda tarefa difícil no Brasil, considerando que as barreiras para sua efetividade são grandes e somente com protagonismo dos familiares em busca desse Direito é que se torna possível sua garantia. A garantia da lei à igualdade e à inclusão escolar não é suficiente, é essencial compreender o transtorno do espectro autista e as necessidades especiais que a criança acometida por esse transtorno reclama, para que haja a obtenção deste direito, é isto que se pretende mostrar no desenvolver dos capítulos. O procedimento metodológico utilizado foi de pesquisas bibliográficas, tais como jurisprudências, livros, artigos científicos, teses, dissertações, sites e decisões dos tribunais, a fim de esclarecer conceitos e confirma-los pela incidência de casos práticos.
PALAVRAS-CHAVE: Direito à Educação Especial; Inclusão; Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional; Transtorno do Espectro Autista.
Nos últimos anos, a conscientização acerca dos direitos da pessoa autista tem ganhado o espaço na sociedade. As Políticas Públicas Educacionais Inclusivas para a criança com Transtorno do Espectro do Autismo são ações políticas educacionais articuladas entre o Estado e a sociedade civil que visam promover a cidadania dessas crianças, diminuindo o processo de exclusão escolar.
O presente artigo tem como assunto principal a análise das garantias constitucionais e a serventia do direito de inserção de alunos com transtorno do espectro autista na educação regular, advertindo as obrigações educativas especiais que as escolas inclusivas devem atentar-se. Infelizmente, ainda vivenciamos violações das garantias da proteção às pessoas com deficiência. O estudo sobre os aspectos normativos que contemplam o direito de inclusão escolar das pessoas com deficiência e ou transtornos globais do desenvolvimento, em especial, pessoas com transtorno do espectro autista, pauta-se nos princípios da dignidade da pessoa humana e da igualdade, os quais norteiam o respeito à diversidade humana e os direitos das minorias de serem tratadas de forma igualitária em todos os ramos da sociedade. Os conceitos fundamentais sobre o transtorno do espectro autista é de alta complexidade e não se tem a intenção de esgotar o tema em apenas um artigo, no entanto será abordado o suficiente para se ter uma visão mais extensa da realidade dos autistas e da necessidade efetiva da inclusão social destes na educação. A garantia da lei à igualdade e à inclusão escolar não é suficiente, é essencial compreender o transtorno do espectro autista e as necessidades especiais que a criança acometida por esse transtorno reclama, para que haja a obtenção deste direito. Outrossim, o artigo visa à apreciação das prerrogativas constitucionais acerca da educação especializada. As normas de escolarização dos alunos com transtorno do espectro autista devem ser avaliadas, considerando a importância e a necessidade de um processo de ensino - aprendizagem, diferenciado e peculiar aos portadores do (TEA). A inclusão do espectro autista na educação se revela fundamentalmente importante para o desenvolvimento como um todo.
A responsabilidade em inserir a pessoa com autismo na sociedade, não é só da família, mas estende-se ao educador, bem como à instituição de ensino. Para tanto, necessário se faz o preparo do educador a fim de que possa receber da forma adequada essa demanda e sua necessidade. De fato, não há que se falar em inclusão social, sem pensar em um ambiente inclusivo. Contudo, avalia Cunha (2012), que esse ambiente inclusivo não se faz somente em razão de seus recursos pedagógicos, mas também pelas qualidades humanas de seus operadores. Em outras palavras, o educador deve preparar-se para os recursos disponíveis, sua sala de recurso e o conhecimento adquirido em capacitação, para realizar a educação do indivíduo de forma que ele atinja o desiderato estabelecido.
O objetivo do presente trabalho é identificar as Políticas Públicas Educacionais Inclusivas para a criança com Transtorno do Espectro Autista estabelecendo pontos e contrapontos com a legislação nacional a fim de averiguar se o direito contido na Lei está sendo efetivado com todos os direitos e garantias contidos em seu texto. Analisará ainda como estas leis estão sendo efetivadas na realidade educacional do país.
A escolha deste tema se deu devido a importância do cumprimento do direito à educação aos portadores do Transtorno do Espectro Autista. Ainda que o ordenamento jurídico pátrio possua inúmeras normas jurídicas sobre a inclusão do portador de TEA nas escolas de ensino regular, o que ocorre, na grande maioria dos casos, são alunos frequentando escolas especiais. Destarte, torna-se importantíssima a discussão nos meios acadêmicos, jurídicos e psicopedagógicos a fim de que o direito à educação inclusiva seja efetivo.
Neste artigo científico foi utilizado o método analítico descritivo dos dispositivos constitucionais e infraconstitucionais por meio da pesquisa de materiais já elaborados e publicados sobre o tema em epígrafe.
O procedimento utilizado foi de pesquisas bibliográficas, tais como jurisprudências, livros, artigos científicos, teses, dissertações, sites e decisões dos tribunais, a fim de esclarecer conceitos e confirmá-los pela incidência de casos práticos.
As pesquisas científicas têm mostrado que os transtornos do autismo estão associados a alterações no desenvolvimento do cérebro, causado por uma combinação de fatores genéticos, ambientais e biológicos. Essas alterações geralmente são percebidas antes da fase adulta e suas principais manifestações ocorrem principalmente antes dos primeiros três anos de idade.
A partir do momento em que a criança passa a ser vista como criança e não mais como um adulto em miniatura, seu mundo infantil torna-se de interesse coletivo e a criança começa a ser compreendida como pessoa distinta do adulto, com interesses próprios, peculiaridades e necessidades inerentes à sua fase de desenvolvimento. Nesse contexto surgem as anomalias infantis, o que desencadeia a curiosidade e necessidade da ciência em pesquisar sobre o assunto (GISELE, 2016, p. 47).
Kanner, psiquiatra austríaco, em sua obra “Distúrbios Autísticos do Contato Afetivo” descreve características comuns a onze crianças por ele estudadas, “um isolamento extremo desde o início da vida e um desejo obsessivo pela preservação da mesmice, denominando-as autistas”, ao observar o grupo de crianças que atendia, constatou nelas uma incapacidade de interação social, característica essa que as diferenciava de outras patologias, como por exemplo, a esquizofrenia. As crianças desde cedo possuíam inabilidade de manter relações com as outras pessoas de maneira normal, para ele era, “[...] o distúrbio fundamental mais surpreendente [...]”. (KANNER, 1943 apud BOSA, 2012, p. 23, apud GISELE, 2016, p.48).
Dois importantes manuais de diagnósticos surgem em 1965 para a classificação das doenças mentais. São eles o ICD (International Statistical Classification of Diseases and Related Health Problems), que traduzido para o português é chamado de CID (Classificação Internacional dos Transtornos Mentais e de Comportamento) publicado pela Organização Mundial da Saúde (OMS); o segundo, o DSM (Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders) que traduzido para o português significa Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais publicado pela Associação Psiquiátrica Americana (APA). O autismo não aparece nas primeiras edições do CID (CID-1 a CID-7). Somente a partir da 8ª edição (CID-8), que o mesmo passa a ser mencionado e incluído no grupo denominado esquizofrenia. Na 9ª edição (CID-9), em 1 de maio de 1976, o autismo passa a pertencer ao grupo das psicoses infantis (ARAÚJO, 2014).
A partir da década de 80, houve mudança nos manuais de classificação e o autismo sai da categoria de psicose e começa a fazer parte do grupo de transtornos globais desenvolvidos, isso acontece tanto no DMS-III, continuando no DSM-III-R (revisado), e na CID-10 (BOSA 2010). O grupo dos Transtornos Globais do Desenvolvimento (TGD) é descrito como:
Grupo de transtornos caracterizados por alterações qualitativas das interações sociais recíprocas e modalidades de comunicação e por um repertório de interesses e atividades restrito, estereotipado e repetitivo. Estas anomalias qualitativas constituem uma característica global do funcionamento do sujeito, em todas as ocasiões. Usar código adicional, se necessário, para identificar uma afecção médica associada e o retardo mental (ASSUMPÇÃO JR.; KUCZYNSKI, 2011, p.44 citado por GISELE, 2016, p. 57).
Percebe-se uma evolução teórica a respeito da concepção do autismo, por suposição, concebido como doença mental, enquadrado no grupo das esquizofrenias e psicoses infantis. No entanto, a CID-10 e o DSM-IV enquadram o autismo no grupo dos Transtornos Globais do Desenvolvimento, concebido como uma síndrome, que remete à um conjunto de sintomas. Desta forma, quando se fala em transtornos e síndromes autísticas, quer-se designar a “tríade de comprometimentos independentemente de sua associação com aspectos ergonômicos” (BOSA, 2002, p.31).
O termo TEA só foi incorporado oficialmente a partir do DSM-5, última versão do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais da Associação Psiquiátrica Americana, publicado em 18 de maio de 2013. Nesta versão, o transtorno autista que pertencia ao grupo dos Transtornos Geralmente Diagnosticados pela primeira vez na Infância ou na Adolescência passa a fazer parte do Grupo dos Transtornos do Neurodesenvolvimento.
No DSM-5, o Transtorno do Espectro Autista é visto como um novo grupo de transtornos e sob o conceito do TEA - estão os subgrupos, (o transtorno autista, o transtorno de Asperger, o transtorno desintegrativo na infância, o transtorno de Rett, e o transtorno global de desenvolvimento sem outra especificação) sendo diferenciado apenas pelos níveis de comprometimento como leve, moderado ou grave (GEORGEM, 2013).
O DSM-5, (APA, 2014) salienta que as pessoas portadoras do TEA podem apresentar outros transtornos do neurodesenvolvimento, como a deficiência intelectual; no entanto, a deficiência intelectual não é vista como parte integrante do TEA e sim como outro transtorno que pode afetar também os indivíduos como TEA, o que não ocorreria no DSM-IV, o qual associava o déficit cognitivo e a deficiência intelectual ao autismo.
Em dezembro de 2007, a ONU estipulou o dia 02 de abril como o Dia Mundial de Conscientização do Autismo. Pessoas com TEA, pais, familiares, amigos, profissionais e instituições ligados à causa fazem campanhas de conscientização sobre o TEA, levando conhecimento à sociedade e estimulando as pessoas a refletirem sobre o tema.
Como sabido, o Direito à Educação é um direito social de todos consagrado pelo texto constitucional em seu artigo 6º. A Constituição, no que tange a Educação, contém em seção específica os direitos, deveres e princípios norteadores para a aplicação efetiva da Educação contidas no Capítulo III, Seção I, artigos 205 ao 2014.
Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.
A previsão deste importantíssimo direito não se restringe apenas à Constituição Federal de 1988, mas em outros documentos, tratados, convenções e leis, em âmbito nacional e internacional, tais como: Convenção das Pessoas com Deficiência de 2006, Convenção de Guatemala de 1999, Convenção de Nova York de 2007, do Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, da Convenção Relativa à Luta contra a Discriminação no Campo do Ensino, da Convenção sobre os Direitos da Criança, dentre outras não menos importantes.
Em âmbito internacional a Educação é reconhecida como Direito Humano, antes mesmo de estar presente na Constituição já estava inserida na Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 em seu artigo 26.
O desafio da Educação no Brasil é cada vez maior. As peculiaridades de cada aluno podem dificultar ainda mais a efetivação deste direito/instituto. Cumpre diferenciar a educação inclusiva e a educação especial, pois, enquanto a primeira refere-se à inserção do aluno, a segunda diz respeito à forma e o procedimento desse ensino para com os alunos portadores de algum tipo de deficiência, seja física ou cognitiva (VIEIRA, 2015).
Para Sônia de Jesus “a educação especial é um tipo de ensino que visa desenvolver todas as potencialidades de pessoas portadoras de necessidades especiais, condutas típicas ou altas habilidades…” oferecidas por meio de recursos e estratégias educacionais (2005, p. 1).
Podemos definir a educação inclusiva nas palavras de Tavares como um direito de acesso à educação concedido a todos, sem distinção, para os níveis básicos de ensino, que deve oferecer o conhecimento necessário (2013).
O objetivo da educação é o desenvolvimento do cidadão para exercício da cidadania, promovendo o conhecimento amplo e eficaz norteado pela Constituição e base curricular definida em lei, objetivando ainda, futuramente, o desenvolvimento social, cultural e econômico da nação através de profissionais qualificados (BENTO, NAKAMURA, 2016).
A maior dificuldade encontrada atualmente é a da inserção efetiva na educação do aluno portador do Transtorno do Espectro Autista (TEA) na sala de aula, uma vez que as instituições de ensino, os professores, colaboradores, pais e alunos não estão preparados para essa inclusão, muitas das vezes não sabendo como lidar com a situação. A consequência desse despreparado é exclusão ou ainda, a violação deste direito fundamental indisponível de todos.
O problema se inicia com a instituição, que deveria ser inclusiva, acolhedora e adaptável aos alunos, possuir infraestrutura e equipamentos para auxiliar o desenvolvimento das habilidades do cidadão. No entanto, sabe-se que nem sempre o que está no papel é realidade, pois, o interesse dos governantes se contrapõe ao das necessidades da população.
Neste sentido Romeu Kazumi Sassaki afirma que “no caso de alunos com deficiência (intelectual, auditiva, visual, física ou múltipla), a escola comum condicionava a matrícula a uma certa prontidão que somente as escolas especiais (e, em alguns casos, as classes especiais) conseguiriam produzir” (2008, s.p.).
A inclusão dos autistas e de outros portadores de deficiência não se restringe apenas à matrícula no ensino regular, mas à sua permanência e qualidade de ensino dentro da sala de aula. Além do ensino regular, faz-se necessário a matrícula no Atendimento Educacional Especial, previsto no art. 208, III, da Constituição Federal de 1988.
Art. 208. O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de: (…)
III - Atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino.
A Professora Sônia Aranha define o Atendimento Educacional Especializado (AEE) como:
o conjunto de atividades e recursos de acessibilidade e pedagógicos organizados institucional e continuamente para atender exclusivamente alunos com algum tipo de necessidade especial, no contra turno escolar. Pode ser realizado em salas de recursos especiais na escola regular ou em instituições especializadas. (2015, s.p)
O Atendimento Educacional Especial deve ser ofertado em contraturno ao autista, de preferência na própria rede regular de ensino, em ambiente propício a este atendimento especial, como em sala multifuncional com equipamentos, professores e materiais didáticos que proporcionaram o desenvolvimento específico necessário que o aluno precisa (Silva, 2011).
Quando a instituição de ensino não quer abraçar o aluno e incluí-lo, o meio judicial cabível é o Mandado de Segurança, ferramenta jurídica usada para a proteção de direitos que são garantidos na Constituição Federal, também chamado no meio jurídico de remédio constitucional. E está previsto no art. 5º, inciso LXIX para proteger e legitimar o direito à educação.
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
LXIX - conceder-se-á mandado de segurança para proteger direito líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data, quando o responsável pela ilegalidade ou abuso de poder for autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público;
Aos poucos, os Tribunais estão cada vez mais reconhecendo o abuso diante das instituições de ensino em não efetivar o direito à educação especial e inclusiva, conforme julgados abaixo:
EMENTA: MANDADO DE SEGURANÇA. ENSINO MÉDIO. NECESSIDADE DE ACOMPANHAMENTO DE ALUNA POR INTÉRPRETE DE LINGUAGEM DE SINAIS. A impetrante é adolescente portadora de deficiência auditiva e está impossibilitada de cursar o ensino médio, em razão da falta de professores habilitados. Nesse contexto, cabe ao Estado disponibilizá-los imediatamente de modo a cumprir os ditames legais, assegurando o direito à educação sem qualquer discriminação. CONCEDERAM A SEGURANÇA, POR MAIORIA. (SEGREDO DE JUSTIÇA) (Mandado de Segurança Nº 70033604216, Quarto Grupo de Câmaras Cíveis, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Rui Portanova, Julgado em 12/03/2010).
AGRAVO DE INSTRUMENTO - MENOR PORTADOR DE TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA - INCLUSÃO NA REDE REGULAR DE ENSINO - DEVER CONSTITUCIONAL - ACOMPANHAMENTO POR PROFISSIONAL ESPECIALIZADO - MEDIDA QUE VISA GARANTIR A MELHORA NO RENDIMENTO ESCOLAR E PROMOVER A INCLUSÃO SOCIAL - PREVISÃO NA LEI FEDERAL Nº 12.764/2012 - ACOMPANHAMENTO POR PROFISSIONAL DE MANEIRA EXCLUSIVA - FORMA DE ORGANIZAÇÃO E FORNECIMENTO DO SERVIÇO PROFISSIONAL - FACULDADE CONFERIDA AO MUNICÍPIO - RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. 1. No que tange ao acesso à educação especificamente dos portadores de deficiência física, o inciso III do art. 208 da CR/88 estabeleceu que é dever do Estado fornecer atendimento especializado aos portadores de deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino. 2. Em relação especificamente àqueles que apresentam Transtorno do Espectro Autista a Lei Federal nº 12.764/2012 que instituiu a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista, assegurou em seu art. 3º que nas hipóteses em que, comprovada a necessidade do portador de Transtorno do Espectro Autista, lhe será assegurado o acompanhamento especializado visando facilitar o seu acesso à educação. 3. Respeitada a organização do serviço próprio do Município, não se vê justificativa para que o serviço solicitado seja exclusivo ao agravante. 4. Recurso parcialmente provido. (TJ-MG - AI: 10607150054536001 MG, Relator: Sandra Fonseca, Data de Julgamento: 20/09/2016, Câmaras Cíveis / 6ª CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 30/09/2016)
EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO - AÇÃO CIVIL PÚBLICA - MENOR COM TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA - PROFESSOR DE APOIO - POSSIBILIDADE - PRINCÍPIO DO MELHOR INTERESSE DO MENOR - EDUCAÇÃO - DIREITO CONSTITUCIONAL - POLÍTICA NACIONAL DE EDUCAÇÃO ESPECIAL - SISTEMA EDUCACIONAL INCLUSIVO - LIMINAR - PRESENÇA DOS PRESSUPOSTOS ATINENTES À MEDIDA - MULTA COMINATÓRIA - CABIMENTO - RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE - INOBSERVÂNCIA - ADEQUAÇÃO - PROVIMENTO PARCIAL. - A educação especial passou a ser oferecida como um serviço complementar à escolarização regular e não mais em caráter substitutivo - Deve o Estado adotar as medidas cabíveis a viabilizar o acompanhamento da menor, por profissional de apoio à inclusão pelo tempo integral que permanecer no ambiente escolar, verificando-se que sua negativa poderá ocasionar graves danos à educação escolar da menor, além de perigo à sua integridade física, moral e mental, ocorrendo, pois, o denominado perigo de dano inverso. (TJ-MG - AI: 10460170030726001 MG, Relator: Carlos Levenhagen Data de Julgamento: 12/04/2018, Data de Publicação: 18/04/2018).
Em uma pesquisa realizada pela União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime) informou que as pessoas portadoras de algum tipo de deficiência são as que mais podem sofrer algum tipo de exclusão escolar (IBGE, 2010).
Segundo dados do INEP (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira) e Censo Escolar durante uma década, entre 2005 e 2015 a quantidade de alunos portadores de algum tipo de deficiência em escolas de nível regular saltou 6,5 vezes. O aumento da inserção dos alunos portadores de deficiência na escola regular se dá graças às mudanças legislativas, fazendo com que o número chegue a ser satisfatório, subindo de 111.834 para 750.983 estudantes especiais convivendo com os demais alunos (Censo Escolar, 2015).
Em 2016, o Supremo Tribunal Federal - STF negou o recurso em que a Confederação Nacional dos Estabelecimentos de Ensinos interpôs a fim de retirar a proibição da cobrança de taxa para alunos com deficiência. O Relator Edson Fachin, votou dizendo sobre a obrigatoriedade das escolas se adequarem e sobre o dever da escola, "à escola não é dado escolher, segregar, separar, mas seu dever é ensinar, incluir e conviver. Ademais, o enclausuramento em face do deficiente furta o colorido da vivência cotidiana" (CALDEIRA, 2016).
Além das políticas públicas implementadas e a legislação, outro fato que corroborou para o avanço da inclusão escolar dos portadores de deficiência é a mudança da mentalidade da população, isso inclui os familiares, amigos, a comunidade em geral. O psicólogo educacional Figueira é muito otimista quanto à educação inclusiva:
Sou bastante otimista com relação a ela. Fico muito bravo quando alguém diz que nada mudou com relação às pessoas com deficiência. Mudou sim, e para melhor. [...] muita coisa precisa ser melhorada, aperfeiçoada. Temos relatos de casos que deram errados. Mas também temos muitos relatos de sucesso. Tudo é uma questão de processo. E processos precisam respeitar etapas. Assim como as questões que envolvem pessoas com deficiência são culturais, precisam de tempo para mudanças de mentalidades!” (FIGUEIRA, 2014, s.p).
Além da aceitação, dentro da escola o portador de TEA pode encontrar dificuldade quanto ao ensino, pois, o corpo pedagógico não possui qualificação adequada nem experiência para lidar com os alunos, haja vista que necessitam de mais atenção, paciência e técnicas de ensino aperfeiçoadas.
Mittler entende que é necessário analisar a demanda e definir estratégias, e isso inclui:
O currículo corrente, a avaliação, os registros e os relatórios de aquisições acadêmicas dos alunos, as decisões que estão sendo tomadas sobre o agrupamento dos alunos nas escolas ou nas salas de aula, a pedagogia e as práticas de sala de aula, bem como as oportunidades de esporte, lazer e recreação. O objetivo de tal reforma é garantir o acesso e a participação de todas as crianças em todas as possibilidades de oportunidades oferecidas pela escola e impedir a segregação e o isolamento.” Reestruturar o plano político pedagógico curricular da escola implica na valorização, capacitação e apoio aos profissionais. Aceitar o desafio de reformular e adaptar padrões educacionais é um dos grandes desafios na jornada da educação inclusiva (2003, p. 25).
A professora Maria Teresa Mantoan, explica que além do avanço das políticas públicas e de uma nova percepção da sociedade, relata a importância da aproximação e convívio entre as crianças com alguma deficiência junto das crianças que não possuem:
O que vemos é a grande força dos pais, no sentido de terem entendido a importância de os filhos serem educados junto com os outros, na mesma escola”, explica a professora. “As famílias de crianças sem deficiência também acharam boa essa convivência com a diferença. (Mantoan citada por Tenente, 2018, n.p).
Sem sombra de dúvidas terão alunos portadores do TEA que irão requerer atenção redobrada e cuidados mais específicos, porém, isso não quer dizer que as crianças necessitem estar presas dentro de uma sala de aula auxiliada por uma “babá”, isso não condiz com a normas e iria contra a filosofia da educação inclusiva (Fávero, 2004, p. 33).
O autismo não é uma questão de escolha, mas sim uma condição, e sem a ajuda de profissionais qualificados e preparados, as chances de sucesso e vida adulta independente são baixas. Com apoio, orientação e paciência as possibilidades de um melhor desenvolvimento são maiores. Deve-se enxergar o autismo mais como uma habilidade diferente do que uma deficiência. Por isso torna-se tão importante o cumprimento da legislação, que exige que a escola e o corpo docente estejam preparados para receber os alunos portadores do TEA, e ajudar no desenvolvimento, sabendo lidar com as particularidades e níveis de dificuldades de cada um.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
O Direito à Educação é um direito de todos, sem distinção ou restrição, além da Constituição Federal de 1988, outras normas como a Lei 12.764 de 2012 trata sobre os portadores do Transtorno do Espectro Autista, em que estes passaram a ter os mesmos direitos que os demais portadores de outras deficiências têm. A Lei não só promove a igualdade, como também vem resgatar a dignidade da pessoa humana, tão difícil de ser efetivada no país, onde a desigualdade toma conta. No ramo da Educação, a Lei 9.394/96, Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, dedica um capítulo inteiro à educação especial, determinando que na escola regular, quando necessário, deve ser oferecido atendimento diferenciado para o aluno da educação especial.
A maior dificuldade encontrada atualmente é a inserção efetiva na educação do aluno portador do Transtorno do Espectro Autista (TEA) na sala de aula, uma vez que as instituições de ensino, os professores, colaboradores, pais e alunos não estão preparadas para essa inclusão, muitas das vezes não sabendo como lidar com a situação. A consequência desse despreparado é exclusão ou ainda, a violação deste direito fundamental e indisponível de todos.
A mudança de paradigma, pensamentos e processos leva anos para acontecer, mas aos poucos parece estar caminhando para um país mais inclusivo e receptivo. No Brasil, o processo da educação inclusiva ocorre a passos curtos, mas muito satisfatórios graças ao trabalho constante realizado pelo Estado com as políticas públicas, legislação, normas e também pela sociedade na figura da família, do professor, dos colegas e da comunidade.
O cenário é otimista, mas ainda se sabe que há muitas barreiras a serem quebradas para efetivação plena da educação inclusiva e a garantia da dignidade da pessoa humana, dentre tais fatos está a efetivação das normas e políticas públicas. A inclusão não deve ser papel apenas da escola, em receber o aluno; a comunidade escolar também deve estar aberta a receber estes alunos, os professores precisam ser qualificados, há a necessidade de estrutura, equipamentos, dentre outros fatos.
O Judiciário é inerte, ou seja, deve ser provocado. Quando esgotados os meios administrativos possíveis, os pais, responsáveis pelos portadores do transtorno espectro autista, devem procurar a Justiça para buscarem e efetivarem o direito à educação de qualidade e de forma inclusiva a fim de que as crianças nos primeiros anos possam desenvolver suas habilidades sociais e intelectuais. Quanto mais cedo estimulada, mais fácil torna-se a inclusão e aprendizado da criança com TEA.
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[1] Andréia Ayres Gabardo da Rosa. Psicóloga. Mestre em Psicologia.
Bacharelanda em Direito pela Faculdade Serra do Carmo- FASEC.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: ARAUJO, Marcilene Dos Santos. O transtorno do espectro autista: em busca do direito à garantia de uma educação inclusiva de qualidade. Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 20 nov 2018, 04:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/52419/o-transtorno-do-espectro-autista-em-busca-do-direito-a-garantia-de-uma-educacao-inclusiva-de-qualidade. Acesso em: 22 nov 2024.
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