RESUMO: Diante da relevante função constitucional desempenhada pelos Tribunais de Contas, o controle de constitucionalidade passou a ser instrumento essencial ao seu mister. O controle externo dos Poderes da República exige mecanismos para defender o erário da depredação. O controle de constitucionalidade frente à CRFB/88 na via concentrada, analisada em abstrato, é reservado ao Supremo Tribunal Federal. As Cortes de Contas foi reservado o controle difuso, exercido no caso concreto, como exceção, pressuposto lógico antes da análise do mérito. Em que pese alguma divergência, a possibilidade de controle pelos Tribunais de Contas é reconhecida a bastante tempo pelo STF, culminando na edição da Súmula 347. Ademais, deve ser respeitada a cláusula de reserva de plenário e a teoria dos poderes implícitos para possibilitar a eficácia do art. 71 da CRFB/88.
PALAVRAS-CHAVE: Tribunal de Contas. Controle de Constitucionalidade. Via difusa e concreta. Reserva de Plenário. Princípio dos Poderes Implícitos.
SUMÁRIO: 1 – INTRODUÇÃO. 2 – TEORIA DA CONSTITUIÇÃO 2 – 1. Jurisdição Constitucional e o Fenômeno da Inconstitucionalidade. 2 – 2. A Supremacia Hierárquica das Normas e a Jurisdição Constitucional. 3 – CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE NO ÂMBITO DOS TRIBUNAIS DE CONTAS. 3 – 1. Controle Difuso, Concreto, por via de exceção. 3 – 2. SÚMULA 347/STF. Cláusula de Reserva de Plenário e Teoria dos Poderes Implícitos. 4 – CONCLUSÃO. 5 – REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.
1 – INTRODUÇÃO
O presente trabalho tem por função precípua analisar o controle de constitucionalidade exercido no âmbito dos Tribunais de Contas, no exercício da nobre função estabelecida no advento da Constituição da República de 1988.
Insta destacar que, para o exercício deste mister, é fundamental um procedimento diferenciado para possibilitar a eficácia das decisões oriundas das Cortes de Contas, naquilo que toca a adequação dos atos analisados a Carta Maior do país, como forma de garantir a manutenção do patrimônio público.
Nesse sentido enfatiza a possibilidade de exercício do controle de constitucionalidade, de maneira difusa, em caráter incidental, quando da análise dos atos praticados com relação a verbas públicas, cuja competência de análise cabe ao Tribunal de Contas. Por seu caráter excepcional, deve ser analisado preliminarmente, antes do exame de mérito, respeitando um procedimento próprio e a cláusula de reserva de plenário, inserida o art. 97 da CRFB/88.
Apesar de não exercer jurisdição no seu sentido puro, restrito ao Poder Judiciário, os Tribunais de Contas exercem uma importante atuação no controle externo dos Poderes da República, em sintonia com o sistema de freios e contrapesos adotas no sistema republicano, onde a coisa pública ganha protagonismo.
No tocante ao procedimento, o CPC/15 inovou ao trazer regras expressas e claras sobre o incidente de arguição de inconstitucionalidade. Ainda aqui, as Cortes de Contas devem oportunizar as partes envolvidas nos atos em que se analisa a possível inconstitucionalidade, a defesa prévia, alegando a forma como aquele ato estaria adequado ao Texto Constitucional.
Lado outro, para entender o papel das Cortes de Conte no controle da adequação dos atos administrativos a Constituição da República, é fundamental inteirar-se das formas, procedimentos e consequências dos diferentes modelos de verificação de constitucionalidade.
Como utilizamos o sistema da legalidade estrita para a atuação da administração pública, os atos administrativos ou normativos infralegais devem respeitar tanto a legislação ordinária quanto a Constitucional.
Em arremate, destaco que a própria Constituição da República de 1988, em seu art. 71, estabeleceu uma gama de competência aos Tribunais de Contas, dentre as quais, adotar as providencias necessárias ao cumprimento da Lei, constitucional e infra.
2 – TEORIA DA CONSTITUIÇÃO
2 – 1. Jurisdição Constitucional e o Fenômeno da Inconstitucionalidade.
A jurisdição, palavra advinda do latim, ‘jurisdictio’, dizer o direito é o meio pelo qual o Estado cumpre sua função de prestar a justiça aos que solicitarem sua intervenção, sendo esta uma forma de exercício da soberania estatal[1]. Passa a ser, desse modo, uma função do Estado, na medida em que proibiu a defesa individual e privada, feita pelos próprios cidadãos, por afrontar a paz social, reconhecendo-se que: “nenhum outro poder se encontra em melhores condições de dirimir os litígios do que o Estado, não só pela força de que dispõe, como por ele presumir-se interesse em assegurar a ordem jurídica estabelecida.”[2].
Adentrando, de fato, nesta seara especializada, da Jurisdição Constitucional, é necessário definir, de início, o conceito de Constituição, que, nos ensinamentos de Hans Kelsen[3], quer significar:
Através das múltiplas transformações por que passou, a noção de Constituição conservou um núcleo permanente: a ideia de um princípio supremo determinando a ordem estatal inteira e a essência da comunidade constituída por essa ordem. Como quer que se defina a Constituição, ela é sempre o fundamento do Estado, a base da ordem jurídica que se quer apreender. (grifo do autor)
Dessa forma, a Constituição, por sua rigidez e supremacia em relação a legislação ordinária, que lhe é posterior e subordinada, serve de parâmetro para a verificação da validade destas últimas, sendo inconstitucionais quando estiverem em “desconformidade com o regramento superior, por desatender os requisitos impostos pela lei maior.”[4], materializada estará o Controle de Constitucionalidade das Leis, através da Jurisdição Constitucional.
Assim, para se efetivar o controle de constitucionalidade da legislação infra se faz essencial observar a existência de rigidez do Texto Constitucional, ou seja, sua maior estabilidade jurídica, sendo assim, hierarquicamente superior a legislação ordinária, sendo sua fonte de validade e legitimidade. Nessa toada, pela relação intrínseca entre a rigidez e a supremacia constitucional, se posiciona Adolfo Mamoru NISHIYAMA[5]:
A idéia de controle de constitucionalidade das leis e dos atos normativos está ligada a dois aspectos: a) a supremacia da Constituição sobre as demais normas do ordenamento jurídico e b) a rigidez constitucional. Em relação ao primeiro aspecto, há Estados em que o ordenamento jurídico está baseado em um sistema piramidal, a produção de uma norma depende de outra que lhe é superior hierarquicamente. (...) Podemos dizer que a CF/88 é norma superior em relação às demais normas infraconstitucionais e, portanto, a interpretação do sistema jurídico-normativo vigente deve ser feita de cima para baixo, visto que a CF/88 é norma-origem, não existindo outra acima dela. O segundo aspecto está ligado diretamente ao primeiro. As Constituições rígidas são aquelas que prevêem para a sua alteração um procedimento especial, qualificado e mais dificultoso do que a elaboração de uma lei ordinária. Se a legislação ordinária pudesse alterar o texto constitucional estaríamos diante de uma Constituição flexível, não havendo hierarquia entre as normas. Desta forma, a rigidez constitucional cria uma relação piramidal entre a Carta Magna e as outras normas do mesmo ordenamento jurídico.
O controle de constitucionalidade da lei, nestes termos, tem por finalidade a manutenção da força normativa da Constituição, em observância ao princípio da supremacia constitucional, seja a norma formal ou materialmente constitucional, mesmo integrante do Ato de Disposições Constitucionais Transitórias. Para tal finalidade, exige-se que a norma seja interpretada, trazendo-se os dois métodos prevalentes, a interpretação conforme a Constituição e a declaração de inconstitucionalidade sem redução do texto, previstos expressamente no art. 28, da Lei Federal nº 9.868/99, que dispõe sobre o julgamento da ADI e ADC perante o STF.
De toda a sorte, as normas jurídicas possuem hierarquia entre si, tendo a legislação inferior de buscar legitimidade na norma que lhe é hierarquicamente superior, no feito de se retirar do sistema jurídico à norma que não se encontre respaldada na legislação de hierarquia superior, que deverá ser sua fonte de validade, sem a qual será inválida e, por fim, inconstitucional, conforme entende KELSEN[6]:
A ordem jurídica não é um sistema de normas jurídicas ordenadas no mesmo plano, situadas umas ao lado das outras, mas é uma construção escalonada de diferentes camadas ou níveis de normas jurídicas. A sua unidade é produto da relação de dependência que resulta do fato de a validade de uma norma, se apoiar sobre essa outra norma, cuja produção, por seu turno, é determinada por outra, e assim por diante, até abicar finalmente na norma fundamental–pressuposta. A norma fundamental hipotética, nestes termos – é, portanto, o fundamento de validade último que constitui a unidade desta interconexão criadora.
Na teoria da inconstitucionalidade, três são as ideias prevalentes, quanto à legislação ordinária colidente com a Constituição, que poderia ser: nula, anulável ou, até mesmo, inexistente, como será adiante explanado. Para se ater ao objeto do presente trabalho, irá analisar-se a inconstitucionalidade, formal (vício de forma, pela inobservância de uma regra de competência legislativa) ou material (incompatibilidade de conteúdo, entre a lei municipal e o Texto Constitucional Estadual), por via de exceção (restringindo, aqui, aos atos sujeitos ao controle de legalidade realizado pelos Tribunais de Contas, em sua função típica de defesa do erário), no Controle Difuso de Constitucionalidade.
Nessa toada, tem-se a supremacia das Normas Constitucionais frente a Legislação Ordinária, que encontra nessa primeira sua fonte de legitimidade, aplicação e eficácia jurídica, reclamando controle de seus textos para que não seja colidente com a Carta Maior, que lhe é anterior, e a qual está subordinada.
2 – 2. A Supremacia Hierárquica das Normas e a Jurisdição Constitucional.
Importante, nesta seara, trazermos a diferença entre a Constituição, como norma superior, que garante à validade e dá legitimidade as normas ordinárias que lhe sucedem, com os Atos Administrativos ou as Leis Ordinárias, que lhes são posteriores e hierarquicamente inferiores, bem como lhes devem observar a continência temática, sob pena de serem expurgadas do ordenamento jurídico, pelo fenômeno da inconstitucionalidade, conforme ensina Ferdinand Lassale[7]:
Esta diferença é tão inegável, que existem, até constituições que dispõem taxativamente que a Constituição não poderá ser alterada de modo algum; noutras, consta que para reformá-la não é bastante que uma simples maioria assim o deseje, mas que será necessária obter dois terços dos votos do Parlamento; existem ainda algumas onde se declara que não é da competência dos corpos legislativos sua modificação, nem mesmo unidos ao Poder Executivo, senão que para reformá-la deverá ser nomeada uma nova Assembleia Legislativa, ad hoc, criada expressa e exclusivamente para esse fim, para que a mesma se manifeste acerca da oportunidade ou conveniência de ser a Constituição modificada.
É nesse aspecto que o Texto Constitucional passa a ser parâmetro balizador para a Atuação Administrativa e a Legislação Infraconstitucional, não só nos aspectos da legitimidade ou da aplicação, mas, também, quanto a interpretação dispensada para a sua utilização de acordo com a “vontade da constituição”[8], que passa a balizar a hermenêutica na antinomia entre preceito constitucional e norma infraconstitucional federal, estadual ou municipal. Nesses termos, a garantia Jurisdicional dada a Constituição é assim definida por Kelsen[9]:
A garantia jurisdicional da Constituição – a jurisdição constitucional – é um elemento do sistema de medidas técnicas que tem por fim garantir o exercício regular das funções estatais. Essas funções também têm um caráter jurídico: elas consistem em atos jurídicos. São atos de criação de direito, isto é, de normas jurídicas, ou atos de execução de direito criado, isto é, de normas jurídicas já estabelecidas. Por conseguinte, costumam-se distinguir as funções estatais em legislação e execução, que se opõem assim como a criação ou a produção do direito considerado como simples reprodução. (grifos nossos)
Pelo exposto, é perceptível que a Jurisdição faz parte do rol das funções típicas estatais. E que, na sua expansão especializada, para atingir e possibilitar a utilização da Constituição como forma de parâmetro para o expurgo ou legitimação da legislação ordinária no ordenamento jurídico pátrio, utiliza-se a Lei maior como fundamento de validade para as normas infraconstitucionais subsequentes.
Partindo dessa concepção, a Jurisdição em matéria Constitucional possui o viés de mantenedora dos Preceitos e Normas Fundamentais do Estado, trazidos em sua Lei Maior, que devem ser respeitados pela legislação posterior, que lhe é subordinada e hierarquicamente inferior. Doutra monta, não se vê aqui um legislador negativo, que retira atos normativos do ordenamento jurídico, por colidentes com a Constituição; tampouco poderíamos considera-lo como um simples mantenedor de questões ético-culturais da sociedade; mas verdadeiramente como uma força cogente, que visa a pacificação de conflitos através de princípios e normas, processuais e materiais, que estão garantidos no Texto Constitucional, garantindo-se a supremacia de seu Texto frente uma norma hierarquicamente inferior que lhe seja colidente.
Com isso, além da hierarquia normativa, existente entre a norma infra e a formalmente constitucional, é necessário haver a rigidez desta, como forma de ser passível de controle, até para a manutenção do sistema jurídico hierarquizado e definido de acordo com a norma legitimadora, a Constituição, conforme ensina Luiz Roberto BARROSO[10]:
A rigidez constitucional é igualmente pressuposto do controle. Para que possa figurar como parâmetro, como paradigma de validade de outros atos normativos, a norma constitucional precisa ter um processo de elaboração diverso e mais complexo do que aquele apto a gerar normas infra constitucionais. Se assim não fosse, inexistiria distinção formal entre a espécie normativa objeto de controle e aquela em face da qual se dá o controle. Se as leis infraconstitucionais fossem criadas da mesma maneira que as normas constitucionais, em caso de contrariedade ocorreria revogação do ato anterior e não a inconstitucionalidade.
A rigidez constitucional trás, com isso, uma imutabilidade relativa de seu Texto, que prevalece sobre a legislação que lhe é hierarquicamente inferior, além de ter um procedimento de alteração mais complexo que o da legislação ordinária, possuindo, como na Constituição da República de 1988, partes imutáveis, que não poderão ser violadas por lei ordinária ou atos administrativos. Da mesma forma, também o magistério de José Afonso da SILVA[11]:
O conceito de rigidez, consubstanciado na imutabilidade relativa da constituição, é de fundamental importância na teoria do direito constitucional contemporâneo. Funciona como pressuposto: a) da distinção do próprio conceito de constituição em sentido formal; b) da distinção entre normas constitucionais e normas complementares e ordinárias; c) da supremacia formal das normas constitucionais. Constitui, também, suporte da própria eficácia jurídica das normas constitucionais. Se estas pudessem ser modificadas pela legislação ordinária, sua eficácia ficaria irremediavelmente comprometida.
Nessa toada, percebe-se que as normas são hierarquicamente superiores entre si, distinguindo, basicamente, a norma Constitucional das demais normas infraconstitucionais. Somente o Texto Constitucional, incluindo o Ato das Disposições Constitucionais Transitórias e excluindo o Preâmbulo, poderá servir de base paradigma para a declaração da inconstitucionalidade de uma norma colidente com suas prescrições, devendo expurgá-la do ordenamento jurídico.
Esse entendimento, lastreado no Princípio da Superioridade Hierárquica das Normas Constitucionais, há muito foi pensado e exposto na Teoria Pura do Direito, do austríaco Hans Kelsen, ensinando que:
O fundamento de validade de uma norma apenas pode ser a validade de uma outra norma. Uma norma que representa o fundamento de validade de uma outra norma é figurativamente designada como norma superior, por confronto com uma norma que é, em relação a ela, a norma inferior.[12] (grifos)
Não há de se falar, portanto, em colisão de normas de hierarquia distintas, até porque, a norma inferior busca seu fundamento de validade na norma hierarquicamente superior, ou seja, a legislação infraconstitucional busca sua validade na Constituição, tida como superior hierarquicamente e fonte de legitimidade para a legislação que lhe é subsequente. A esse respeito, quanto a inexistência de colisão entre normas de hierarquias distintas, já que a antinomia é resolvida pelo critério hierárquico, continua Kelsen:
Entre uma norma de escalão superior e uma norma de escalão inferior, quer dizer, entre uma norma que determina a criação de uma outra e essa outra, não pode existir qualquer conflito, pois a norma do escalão inferior tem o seu fundamento de validade na norma do escalão superior. Se uma norma do escalão inferior é considerada como válida, tem de considerar-se como estando de harmonia com a norma do escalão superior.[13] (grifos nossos)
Não obstante, é de bom alvitre advertir que a supremacia constitucional apenas poderá ser identificada, do ponto de vista jurídico-formal, com a constatação da rigidez constitucional, de se destacar, nas lições de JOSÉ AFONSO DA SILVA, que há: “imutabilidade da constituição por processos ordinários de elaboração legislativa. Sob este aspecto, trata-se de problema de natureza puramente formal, jurídica: só as constituições escritas entram neste conceito”.[14] Assim, a Constituição deve ser de natureza rígida, quanto a mudança de seu Texto, tendo um modo de alteração e construção diferenciados em relação a legislação infraconstitucional, o que consiste admitir, até mesmo, núcleos constitucionais imutáveis, nas Constituições superrígidas, como a Carta Democrática de 1988, em seu art. 60, § 4º, proibindo a alteração daquelas normas, mesmo que se utilizasse procedimento diferenciado.
De se concluir que, a partir do Princípio da Supremacia da Constituição emerge-se a rigidez constitucional, significando um processo mais complexo e com maior grau de dificuldade para a alteração do Texto Constitucional em comparação com as normas infraconstitucionais, servindo de parâmetro para a retirada de normas que contrariem suas disposições, sendo, por óbvio, a Constituição obrigatoriamente escrita. A esse respeito, o magistério de Luís Roberto BARROSO:
A dicotomia entre Constituição rígida e Constituição flexível, por sua vez, não se confunde, mas se superpõe em larga medida, com a distinção entre Constituição escrita e não escrita. Diz-se flexível a Constituição cujo processo de reforma coincide com o modo de produção da legislação ordinária, inexistindo diferença formal entre norma constitucional e norma infraconstitucional (...).
Já a rigidez constitucional traduz a necessidade de um processo especial para a reforma da Constituição, distinto e mais complexo do que o necessário para a edição das leis infraconstitucionais, e que no caso brasileiro incluem quórum e procedimento diversos, além de limitações materiais e circunstanciais.[15]
Ressalte-se, ainda, as limitações circunstanciais, de momento, para emendar a Constituição Federal de 1988, como a proibição de proposta de emendada “na vigência de intervenção federal, de estado de defesa ou de estado de sítio” (art. 60, § 1º), bem como a proposta rejeitada ou prejudicada não poderá ser levada novamente na mesma sessão legislativa (art. 60, § 5º).
Desse modo, verifica-se a rigidez constitucional como uma condição sine qua non para a aplicabilidade, legitimação e eficácia do princípio da supremacia da constituição, principal fundamento para do Controle de Constitucionalidade das Leis e atos normativos. Nessa toada, afirma KELSEN, que o fundamento de validade de uma norma apenas pode ser a validade de uma outra norma, que em último grau hierárquico é denominada norma fundamental hipotética, a Constituição Federal, completando seu pensamento:
Se por Constituição de uma comunidade se entende a norma ou as normas que determinam como, isto é, por que órgãos e através de que processos – através de uma criação consciente do Direito, especialmente o processo legislativo, ou através do costume – devem ser produzidas as normas gerais da ordem jurídica que constitui a comunidade, a norma fundamental é aquela norma que é pressuposta quando o costume, através do qual a Constituição surgiu, ou quando o ato constituinte (produtor da Constituição) posto conscientemente por determinados indivíduos são objetivamente interpretados como fatos produtores de normas; quando – no último caso – o indivíduo ou a assembléia de indivíduos que instituíram a Constituição sobre a qual a ordem jurídica assenta são considerados como autoridade legislativa. Neste sentido, a norma fundamental é a instauração do fato fundamental da criação jurídica e pode, nestes termos, ser designada como constituição em sentido lógico-jurídico, para a distinguir da Constituição em sentido lógico-positivo.[16] (grifo do autor)
Não obstante, o fundamento de validade dos atos normativos/administrativos que são objetos de controle pelos Tribunais de Contas devem respeito a Constituição da República, por ser a Lei Maior, detentora de um modelo de alteração qualificado por quórum diferenciado, representando a rigidez de seu Texto, bem como advêm do Poder Constituinte Originário, ilimitado juridicamente, que inaugura uma nova ordem jurídica no país. Em análise do tema, Gilmar MENDES[17], portando-se a Ernst Friesenhahn, discorre sobre a temática da seguinte forma:
Constitui tarefa da jurisdição constitucional garantir, nos diferentes processos, uma defesa institucional autônoma da Constituição. A jurisdição constitucional distingue-se de outros tipos de jurisdição mediante uma peculiar relação com o texto constitucional. E, por isso, ocupa lugar de destaque na organização estatal concebida pela Constituição. Os Tribunais constitucionais são considerados entre os chamados 'órgãos constitucionais'(Verfassungsorgane).
No estado federal, somente pode existir jurisdição constitucional no âmbito do Estado-membro se a Constituição Federal assegura às unidades federadas não só a liberdade para criar, por sua própria deliberação, constituições autônomas, mas também o poder para regular, especificamente, a defesa judicial de sua Constituição.
Dessa maneira, a Constituição da República apenas obriga o voto da maioria absoluta dos membros do Tribunal, ou do seu Órgão Especial, para se reconhecer a inconstitucionalidade do ato normativo do poder público (art. 97, CRFB/88), em atenção ao princípio da reserva de plenário, excepcionado caso o próprio Tribunal de Contas ou o STF tenham entendimento consolidado pela inconstitucionalidade daquele ato normativo.
Assim, a jurisdição constitucional, como forma de possibilitar a otimização do Texto Constitucional, no intuito de traçar um parâmetro para a retirada do ordenamento jurídico de atos normativos, submetidos ao controle das Cortes de Contas, que afrontem sua fonte legitimadora, que é a própria Constituição, não havendo de se falar em conflito, já que se encontra em patamares hierárquicos distintos, mas sim, em Controle da Constitucionalidade da legislação inferior. Para isso, a Constituição necessita ser, no mínimo, rígida, possuir uma forma diferente, mais complexa, de alteração, em atenção ao Princípio da Supremacia hierárquica das Normas Constitucionais.
3 – CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE NO ÂMBITO DOS TRIBUNAIS DE CONTAS.
3 – 1. Controle Difuso, Concreto, por via de exceção.
Perpassada esta fase introdutória de explicação e contextualização do controle de constitucionalidade difuso e concreto, feito por via de exceção, passa-se a análise da função desempenhada pelos Tribunais de Contas. Por tratar-se da aplicação de normas jurídicas, a hermenêutica deve ser utilizada sempre como uma técnica de decisão, para resolver os possíveis conflitos entre a Constituição e a legislação infra, que lhe é posterior e nela busca sua fonte de legitimidade, utilizando-se da interpretação como um modo de manter os atos normativos compatíveis com sua fonte legitimadora, prevalecendo a presunção de constitucionalidade dos atos emanados pelo Poder Público, bem como o expurgo do ordenamento jurídico como última medida.Pelos pressupostos iniciais, delineia-se uma teoria da inconstitucionalidade, decorrente da supremacia da Constituição, por certo, de normas rígidas, que se encontra em patamar hierárquico superior em relação a legislação ordinária, que nela busca seu fundamento de validade, além de ter sua produção por ela orientada. Em suma, quer se entender por inconstitucional a norma que está em conflito, material ou formal, por ação ou omissão, com a Constituição, ou seja, um ato infraconstitucional inferior contrariando seu pressuposto de validade, pelo que a norma inconstitucional já nasce inválida, apesar de existente e de produzir efeitos enquanto não reconhecido seu vício.Assim, uma norma que surgiu em colisão material com o Texto Constitucional é inválida por violação aos preceitos balizadores de determinado Estado. Em síntese didática, entende Luiz Roberto BARROSO[18] que a:Norma inconstitucional é norma inválida, por desconformidade com regramento superior, por desatender os requisitos impostos pela norma maior. Atente-se que validade, no sentido aqui empregado, não se confunde com validade técnico-formal, que designa a vigência de uma norma, isto é, sua existência jurídica e aplicabilidade.De toda a sorte, a ideia da colisão entre espécies normativas advêm, inexoravelmente, da diferença hierárquica entre os atos infralegais e a Ordem Constitucional, que baliza toda atuação da Administração Pública, devendo ser observada e garantida sua eficácia pelos Órgão de Controle, incumbidos da defesa do patrimônio comum.Com esse viés, o controle de constitucionalidade, em relação a sua forma de inconstitucionalidade, poderá ser classificado em formal (quando o vício está no procedimento de formação da lei ou ato normativo) ou material (quando o texto infra é colidente com o Texto Constitucional); podendo ser arguida pela via principal (por via de ação) ou incidental (via de exceção, feita no âmbito dos Tribunais de Contas); quanto à forma de controle, poderá ser repressivo (depois de publicado o ato administrativo) ou preventivo (tendo por objeto o projeto de lei); quanto ao órgão responsável divide-se em político (veto ou sanção do chefe do poder executivo) ou judicial (qualquer órgão componente do Poder Judiciário); e em relação aos critérios de controle será difuso ou concentrado. Estas são, portanto, as principais formas de classificação do controle de constitucionalidade, enfoque necessário para o entendimento do instituto e sua aplicabilidade na esfera dos Tribunais de Contas. Também, a inconstitucionalidade poderá ser perpetrada de duas formas, por ação ou por omissão.No modo difuso de controle constitucional, tem-se o seu exercício no processo em curso, que trás a alegada inconstitucionalidade com mero fundamento processual, não como o cerne da lide posta em juízo, incidindo num processo inter partes, em vias de incidente, como ensina o Professor Walber de Moura AGRA[19]:Esse tipo de controle é exercido em um processo inter partes, com o objetivo de dirimir uma controvérsia jurídica exposta em uma lide, em defesa de direitos subjetivos pertencentes às partes interessadas. Ele se configura como uma prejudicial de mérito, determinada matéria que desempenha a função de pressuposto para se discutir o mérito, sendo concretizada de forma incidental, o que significa que a questão meritória apenas pode ser decidida se for ultrapassada a apreciação da prejudicial; ou como fundamento ou causa de pedir, sendo o pedido almejado diverso da solicitação de declaração da inconstitucionalidade. Pode ainda ser efetivado através de recurso extraordinário, recurso ordinário, mandado de segurança ou habeas corpus.Diz-se concentrado o controle feito a partir das ações específicas que visam o expurgo do ordenamento jurídico de normas que, por si, afrontam, material ou formalmente, a Constituição, como ordenamento jurídico superior, com regras rígidas de mutabilidade e hierarquia normativa, fazendo valer suas prescrições quando em confronto com a legislação infraconstitucional, com legitimados restritos, e importância para a efetivação democrática, pelos ensinamentos do já citado Professor Walber AGRA[20]Em uma releitura do sistema concentrado de controle de constitucionalidade, o elemento essencial é a democratização do processo de decisões proferidas pelo Supremo Tribunal Federal, permitindo maior intervenção dos setores organizados da sociedade, dentro da perspectiva de um relacionamento aberto com os setores da sociedade, um dos fatores densificadores da legitimação do controle de constitucionalidade.Por fim, o controle incidental incide quando a questão constitucional se acha como uma prejudicial de mérito, como um verdadeiro itinerário lógico, do ponto de vista jurídico, para se chegar a pacificação do conflito, resolvendo a questão da inconstitucionalidade ou não da norma de início, antes de adentrar no mérito, como pressuposto lógico a ser observado no rito processual, conforme magistério de BARBOSA MOREIRA[21]:O segundo critério (critério formal) permite distinguir: um sistema de controle por via incidental, em que a questão da constitucionalidade é apreciada no curso de processo relativo a caso concreto, como questão prejudicial, que se resolve para assentar uma das premissas lógicas da decisão da lide; e um sistema de controle por via principal, no qual essa questão vem a constituir o objeto autônomo e exclusivo da atividade cognitiva do órgão judicial, sem nexo de dependência para com outro litígio.Já em relação o controle principal, ou por via de ação, é aquele que cuida da invalidade da norma em si, como colidente com o Texto Constitucional, independe de haver lide em algum processo. Aqui, não há partes, simplesmente se questiona a invalidade da lei por ser colidente com a Carta Maior, nesse sentido expõe Luiz Roberto BARROSO[22]:Ao contrário do controle incidental, que segue a tradição americana, o controle por via principal é decorrente do modelo instituído na Europa, com os tribunais constitucionais. Trata-se de controle exercido fora de um caso concreto, independente de uma nova disputa entre partes, tendo por objeto a discussão acerca da validade da lei em si. Não se cuida de mecanismo de tutela de direitos subjetivos, mas de preservação da harmonia do sistema jurídica, do qual deverá ser eliminada qualquer norma incompatível com a Constituição.Neste trabalho, depois de uma visão rápida nas formas de inconstitucionalidade e de controle, foca-se o seu objeto, que é o controle de constitucionalidade realizado no âmbito dos Tribunais de Contas Estaduais e da União, como forma de expurgar os efeitos de ato ou contrato administrativo inconstitucional.3 – 2. SÚMULA 347/STF. Cláusula de Reserva de Plenário e Teoria dos Poderes Implícitos.
Conforme restou delineado, o controle de constitucionalidade realizado pelos Tribunais de Contas é de natureza difusa, por via de exceção, não sendo atribuído a Corte um julgamento direto da inconstitucionalidade do ato em tese, sob pena de violar a própria competência atribuída ao STF de guardião-mor da Constituição.
O Supremo, há várias décadas, editou a Súmula de jurisprudência n° 347, estabelecendo que: “O Tribunal de Contas, no exercício de suas atribuições, pode apreciar a constitucionalidade das leis e dos atos do Poder Público.”. Aprovada na Sessão Plenária de 13.12.1963, o entendimento restou consolidado no época em que o controle concentrado de constitucionalidade por parte do STF ainda não havia sido implementado, o que gera algumas controvérsias quanto a sua aplicação nos dias atuais. Levantando o debate, o Ministro Gilmar Mendes, na análise do MS 25.888, de 22 de março de 2006, lembrou que o controle concentrado de constitucionalidade foi implementado no Brasil pela EC 16/65, ampliando os poderes e a vinculação da decisão proferida pela Suprema Corte.
Delineando melhor o tema, vejamos trecho da decisão monocrática:
Não me impressiona o teor da Súmula n° 347 desta Corte, segundo o qual “o Tribunal de Contas, no exercício de suas atribuições, pode apreciar a constitucionalidade das leis e dos atos do Poder Público”. A referida regra sumular foi aprovada na Sessão Plenária de 13.12.1963, num contexto constitucional totalmente diferente do atual. Até o advento da Emenda Constitucional n° 16, de 1965, que introduziu em nosso sistema o controle abstrato de normas, admitia-se como legítima a recusa, por parte de órgãos nãojurisdicionais, à aplicação da lei considerada inconstitucional. No entanto, é preciso levar em conta que o texto constitucional de 1988 introduziu uma mudança radical no nosso sistema de controle de constitucionalidade. Em escritos doutrinários, tenho enfatizado que a ampla legitimação conferida ao controle abstrato, com a inevitável possibilidade de se submeter qualquer questão constitucional ao Supremo Tribunal Federal, operou uma mudança substancial no modelo de controle de constitucionalidade até então vigente no Brasil. Parece quase intuitivo que, ao ampliar, de forma significativa, o círculo de entes e órgãos legitimados a provocar o Supremo Tribunal Federal, no processo de controle abstrato de normas, acabou o constituinte por restringir, de maneira radical, a amplitude do controle difuso de constitucionalidade. A amplitude do direito de propositura faz com que até mesmo pleitos tipicamente individuais sejam submetidos ao Supremo Tribunal Federal mediante ação direta de inconstitucionalidade. Assim, o processo de controle abstrato de normas cumpre entre nós uma dupla função: atua tanto como instrumento de defesa da ordem objetiva, quanto como instrumento de defesa de posições subjetivas. Assim, a própria evolução do sistema de controle de constitucionalidade no Brasil, verificada desde então, está a demonstrar a necessidade de se reavaliar a subsistência da Súmula 347 em face da ordem constitucional instaurada com a Constituição de 1988. (BRASIL, 2006)[23]
Não obstante, em entendimento vinculante, o STF já pacificou o tema, decidindo que os atos e decisão que declarem a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo ou administrativo, deve ser analisada pelo Tribunal Pleno ou seu órgão Especial, por maioria absoluta, conforme estabelece a Súmula Vinculante n° 10:
“Viola a cláusula de reserva de plenário (CF, artigo 97) a decisão de órgão fracionário de tribunal que, embora não declare expressamente a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do Poder Público, afasta sua incidência, no todo ou em parte.”
Ademais, é garantido o respeito ao contraditório e a ampla defesa, no âmbito do Tribunal de Contas, sempre que sua decisão puder resultar anulação ou revogação de ato administrativo que beneficie o interessado, conforme Súmula Vinculante n° 3[24].
Nessa toada, o TCE/RO, em voto fundamentado pelo Conselheiro Wilber Carlos dos Santos Coimbra, na análise do PROCESSO: 3883/2012 – TCE/RO[25], publicado no Diário Oficial de 17 de novembro de 2017, teve a oportunidade de se manifestar no seguinte sentido:
II.1.1.1. Da alegação de incompetência do Tribunal de Contas do Estado de Rondônia para apreciar a inconstitucionalidade de ato normativo (...) 35. De fato, o Ministro Gilmar Mendes tem o entendimento pessoal de que o Tribunal de Contas não possui legitimidade para aferir a constitucionalidade de leis e atos normativos. 36. Nada obstante, esta Unidade Técnica entende que o melhor entendimento a ser dado ao caso sub examine é que o Tribunal de Contas pode apreciar a constitucionalidade de leis e atos normativos, desde que não seja de forma abstrata, ou seja, que a apreciação da constitucionalidade seja de forma incidental (no caso concreto) e que decisão gere efeitos inter partes. (...)
39. Noutro ponto, a ementa da Medida Cautelar da ADI 221 dispôs que os Poderes Executivo e Legislativo podem determinar aos seus órgãos subordinados que deixem de aplicar administrativamente as leis ou atos que afrontem a Constituição Federal. (...)
40. Essa determinação de não aplicação de lei ou ato normativo inconstitucional ontologicamente, na essência, é uma espécie de controle difuso. 41. Na sequência, destaca-se que o último intérprete da Constituição da República Federativa do Brasil é o Supremo Tribunal Federal, consoante previsão normativa contida na alínea “a” do inc. I do art. 102 da Constituição Federal. 42. Trata-se de densificação da Sociedade Fechada de Intérpretes. 43. Entretanto, a Suprema Corte Constitucional não é a única que interpreta a Constituição Federal, vez que vige no ordenamento jurídico pátrio o controle de Constitucionalidade Difuso, porquanto todos os juízes podem fazer o mencionado controle de forma incidental nos julgamentos que realizar. 44. Os Tribunais de Contas fazem parte da Sociedade Aberta de Intérpretes, eis que faz a apreciação da constitucionalidade de leis e atos normativos no julgamento das contas dos administradores e demais responsáveis por dinheiros, bens e valores públicos da administração direta e indireta e das contas daqueles que derem causa a perda, extravio ou outra irregularidade de que resulte prejuízo ao erário público, na forma do inc. II do art. 71 da Constituição Federal. (...) 46. Em que pese à falta de norma constitucional expressa, é cediço que os Magistrados possuem a competência para fazer o controle de constitucionalidade de forma difusa. 47. Essa competência para apreciar a constitucionalidade de forma difusa tem sua raiz no direito norte-americano, no caso Marbury v. Madson, em que, entre outros pontos, a Suprema Corte dos Estados Unidos previu a possibilidade jurídica de que qualquer juiz poderá fazer a apreciação da compatibilidade das leis em face da constituição. 48. No Brasil, o mencionado mecanismo de controle foi introduzido por meio do art. 3º do Decreto n. 848 de 1890, ao assim preceituar: “Art. 3º Na guarda e applicação da Constituição e das leis nacionaes a magistratura federal só intervirá em especie e por provocação de parte”, bem como pela alínea “b” do § 1º do art. 59 da Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil de 1891, in verbis: Art 59 - Ao Supremo Tribunal Federal compete: (...) § 1º - Das sentenças das Justiças dos Estados, em última instância, haverá recurso para o Supremo Tribunal Federal: a) quando se questionar sobre a validade, ou a aplicação de tratados e leis federais, e a decisão do Tribunal do Estado for contra ela; b) quando se contestar a validade de leis ou de atos dos Governos dos Estados em face da Constituição, ou das leis federais, e a decisão do Tribunal do Estado considerar válidos esses atos, ou essas leis impugnadas. 49. A partir de então se criou o Constitucionalidade de forma difusa no Brasil. 51. Esse Costume Constitucional também se aplica aos Tribunais de Contas, senão vejamos: 52. O enunciado da súmula da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal n. 347 prevê a possibilidade jurídica do Tribunal de Contas fazer a apreciação de constitucionalidade de leis e atos normativos do poder público, in litteris: O Tribunal de Contas, no exercício de suas atribuições, PODE APRECIAR A CONSTITUCIONALIDADE das leis e dos atos do poder público. 53. Essa súmula foi aprovada em 1963, época em que somente existia no Brasil o controle difuso, vez que o controle abstrato de constitucionalidade somente foi instituído por meio da emenda constitucional n. 16/1965. 54. Assim é que existe o Costume Constitucional consistente na possibilidade jurídica de que os Tribunais de Contas podem fazer a apreciação da compatibilidade das leis e atos normativos em face da Constituição Federal, desde que seja de forma difusa e incidental, não podendo fazer, portanto, o controle abstrato de constitucionalidade, o qual compete exclusivamente ao Supremo Tribunal Federal. 55. Ademais, registre-se que o ato de julgar do juiz singular e dos Conselheiros do Tribunal de Contas são ontologicamente, na essência, iguais. 56. A única diferença, por decisão do Poder Constituinte Originário, é que as decisões do Tribunal Contas tem natureza jurídica de ato administrativo e dos juízes de ato jurisdicional. (...) 58. Salienta-se que o comando constitucional previsto no inciso II do art. 71 da Constituição Federal estabeleceu que compete ao Tribunal de Contas julgar as contas dos administradores e demais responsáveis por dinheiros, bens e valores públicos da administração direta e indireta e as contas daqueles que derem causa a perda, extravio ou outra irregularidade de que resulte prejuízo ao erário público. 59. Ressalta-se que se a Constituição Federal atribui de forma categórica e expressa a competência ao Tribunal de Contas para efetuar o mencionado julgamento, assim estaria igualmente atribuindo, NA FORMA DE PODERES IMPLÍCITOS, a essa Corte de Contas, os meios necessários à integral densificação do julgamento das contas dos administradores e demais responsáveis por recursos públicos da administração direta e indireta e das contas daqueles que derem causa a prejuízo ao erário público. 60. Esses meios necessários à integral densificação do julgamento das contas, inclui a aplicação da Constituição Federal, o que inegavelmente consubstancia a concretização do controle difuso e incidental por parte desta Corte de Contas. 61. Relativamente a essa teoria dos poderes implícitos, o Supremo Tribunal Federal, por meio do MS 26.547/DF, já teve a oportunidade de densificar a mencionada teoria quando reconheceu a possibilidade jurídica do Tribunal de Contas decretar cautelarmente a indisponibilidade de bens. (...) 62. Veja-se o voto do Ministro Celso de Melo no mencionado MS 26.547/DF: "(...) a atribuição de poderes explícitos, ao Tribunal de Contas, tais como enunciados no art. 71 da Lei Fundamental da República, supõe que se lhe reconheça, ainda que por implicitude, a titularidade de meios destinados a viabilizar a adoção de medidas cautelares vocacionadas a conferir real efetividade às suas deliberações finais, permitindo, assim, que se neutralizem situações de lesividade, atual ou iminente, ao erário público. Impende considerar, no ponto, em ordem a legitimar esse entendimento, a formulação que se fez em torno dos poderes implícitos, cuja doutrina, construída pela Suprema Corte dos Estados Unidos da América, no célebre caso McCulloch v. Maryland (1819), enfatiza que a outorga de competência expressa a determinado órgão estatal importa em deferimento implícito, a esse mesmo órgão, dos meios necessários à integral realização dos fins que lhe foram atribuídos. (...) É por isso que entendo revestir-se de integral legitimidade constitucional a atribuição de índole cautelar, que, reconhecida com apoio na teoria dos poderes implícitos, permite, ao TCU, adotar as medidas necessárias ao fiel cumprimento de suas funções institucionais e ao pleno exercício das competências que lhe foram outorgadas, diretamente, pela própria CR." (MS 24.510, rel. min. Ellen Gracie, voto do min. Celso de Mello, julgamento em 19-11-2003, Plenário, DJ de 19-3-2004.) (...) 64. Deve-se sim superar a lógica formal para a lógica do razoável e considerar o contexto fático, jurídico, político e social para dar a interpretação que os Tribunais de Contas façam o controle difuso e incidental de constitucionalidade, fazendo densificar os comandos Constitucionais. De mais a mais negar a legitimidade do Tribunal de Contas para fazer o controle difuso em tela é ferir de morte o Princípio da Proibição da Proteção de Deficiente, consectário do princípio da proporcionalidade. (...)72. Dessa forma, é desarrazoado o entendimento que o Tribunal de Contas seja considerado “a boca da lei”, como outrora a magistratura era considerada. 73. Assim o Poder Judiciário e o Tribunal de Contas serem considerados “a boca da lei” é uma linha de pensamento retrogrado e ultrapassado, já que vige no ordenamento jurídico pátrio a Supremacia da Constituição e todas as leis infraconstitucionais devem serem interpretadas normativos editados pelos poderes públicos é conferir real efetividade as suas atribuições, que são vocacionadas a neutralizar situações lesivas ao erário público. (...) 93. Urge destacar que o Tribunal de Contas não pode realizar o Controle Concentrado e Abstrato de Constitucionalidade. 94. Entrementes, a Corte de Contas somente pode realizar de forma difusa e incidental e com efeitos inter partes o Controle de Constitucionalidade, respeitando-se a cláusula de Reserva de Plenário (Art. 97, caput, CF6 c/c Súmula Vinculante n. 10 do STF). (grifos)
Assim, deve-se observar a cláusula de reserva de plenário que, como já se disse, nos termos da Súmula Vinculante n° 10 e art. 97 da CRFB/88, estabelece o quórum qualificado de maioria absoluta para a declaração de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo. Tal regra é importante para a estabilidade do sistema jurídico, pois, mesmo no controle difuso de constitucionalidade, a lei só será declarada inconstitucional se for reconhecida pelo Tribunal Pleno ou Órgão Especial, por maioria absoluta.
Desse modo, atento a ideia dos poderes implícitos, nos ensinamentos perfilhados no caso no famoso caso McCulloch v. Maryland (1819), para o exercício de sua competência constitucional é inevitável que os Tribunais de Contas tenham de fazer a adequação dos atos apreciados ao Texto da Lei Maior.
Concluindo, o controle de constitucionalidade no âmbito dos Tribunais de Contas será exercido na via difusa e concreta, analisando a aplicação de determinada lei para o caso posto em análise, sendo a hermenêutica constitucional essencial para a atuação da corte de Contas.
4 – CONCLUSÃO
A ideia de constitucionalidade advém da tentativa de regrar o poder absoluto concentrado nas mãos de um superior que não possuía limites ao respeito a regras pré-estabelecidas.
Nesse sentido, a constituição funciona como uma lei rígida por ter um procedimento de alteração mais complexa, e hierarquicamente superior, por ser a fonte legitimadora das demais leis do ordenamento infra legal.
Daí não falarmos em antinomia de normas, mas sim em inconstitucionalidade, quando há colisão entre uma norma constitucional e uma infra. Os métodos para assegurar a rigidez e hierarquia da Lei Maior é o controle exercido sobre o caso concreto ou sobre uma lei em abstrato, função esta exercida pelo STF. Ainda poderá ser de maneira difusa ou concentrada, quando caberia a um órgão específico executar o julgamento.
No âmbito dos Tribunais de Contas o controle é realizado de forma difusa, no caso concreto, por via de exceção, em atenção a Súmula 347/STF e a teoria dos poderes implícitos, já que a hermenêutica constitucional é fundamental para que o exercício de suas funções constitucionais.
Além do mais, considerando a sociedade aberta de interpretes da Constituição, temos que quanto mais analistas capacitados vocacionados em interpretar o texto da Magna Carta, melhores resultados teremos em direção a uma constituição normativa.
Pelo que foi dito, o exercício do controle difuso, analisando a constitucionalidade aplicável ao caso concreto é uma função constitucional dos Tribunais de Contas, derivada das atribuições estabelecidas no art. 71 da CRFB/88, não sendo uma faculdade, mas um dever-fazer dos seus membros no bom desempenho de suas funções.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das Normas Constitucionais. 6ª ed., 3ª triagem. São Paulo: Malheiros Editores, 2004.
[1] BERMUDES, Sergio. Introdução ao Processo Civil. 4º ed. Forense: 2006.
[2] AMARAL SANTOS, Moacyr. Primeiras linhas de Direito Processual Civil. vol. 1. São Paulo: Saraiva, 1980.
[3]KELSEN, Hans. Jurisdição Constitucional. Introdução, Revisão e Técnica de Sergio Sérvulo da Cunha. São Paulo: Martins Fontes, 2003. p. 130.
[4]BARROSO, Luiz Roberto. O controle de constitucionalidade no direito brasileiro: exposição sistemática da doutrina e análise crítica da jurisprudência. 4º ed. ver. atual. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 13.
[5] NISHIYAMA, Adolfo Mamoru. Aspectos Básicos do Controle de Constitucionalidade de Leis e de Atos Normativos e Breve Análise da Lei n.º 9868, de 10.11.1999, e da Lei n.º 9882/99, de 03.12.1999.RT/fasc. Civ. v. 788, n.º 90, jun. 2001.
[6]KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. São Paulo: Martins Fontes, 1998. p. 246.
[7] Informações proferidas numa Conferência, em 1863, pelo autor, para os intelectuais e operários da antiga Prússia. Em: LASSALE, Ferdinand; A Essência da Constituição; traduzido por: Walter Stönner. 6º Ed.. Editora Lumen Juris, 2001. p. 8.
[8] Citado por Gilmar Ferreira Mendes em: Apresentação ao trabalho de Konrad Hesse, A força normativa da Constituição, que serviu de base para a aula inaugural na Universidade de Freiburg-RFA, em 1959.
[9]KELSEN, Hans; Jurisdição Constitucional; Introdução, Revisão e Técnica de Sergio Sérvulo da Cunha. São Paulo: Martins Fontes, 2003. p. 124.
[10]BARROSO, Luís Roberto. O direito constitucional e a efetividade de suas normas – limites e possibilidades da Constituição brasileira.8. ed.. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p. 65.
[11]SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das Normas Constitucionais. 6ª ed., 3ª triagem. São Paulo: Malheiros Editores, 2004, p. 40.
[12] KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. São Paulo: Martins Fontes, 1998. p. 215.
[13]KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. São Paulo: Martins Fontes, 1998. p. 217.
[14] SILVA, José Afonso. Aplicabilidade das normas constitucionais. São Paulo: Malheiros, 2000. p. 41.
[15]BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e Aplicação da Constituição. São Paulo: Saraiva, 1998.p. 152.
[16]KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. São Paulo: Martins Fontes, 2000. p. 221/222.
[17] MENDES, Gilmar Ferreira. O Controle de Constitucionalidade do Direito Estadual e Municipal na Constituição Federal de 1988. Vol. I. Brasília: Revista Jurídica Virtual, 1999.
[18]BARROSO, Luiz Roberto. O controle de Constitucionalidade no Direito Brasileiro: exposição sistemática da doutrina e análise crítica da jurisprudência, 4º Ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2009.
[19] AGRA, Walber de Moura. Aspectos Controvertidos do Controle de Constitucionalidade. Salvador: Jus Podium Edições, 2008. p. 52.
[20]AGRA, Walber de Moura. Aspectos Controvertidos do Controle de Constitucionalidade. Salvador: Jus Podium Edições, 2008. p. 77.
[21]BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Comentários ao Código de Processo Civil. v. 5. 11 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2003.
[22]BARROSO, Luiz Roberto. O controle de constitucionalidade no direito brasileiro: exposição sistemática da doutrina e análise crítica da jurisprudência. 4º ed. ver. atual. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 50.
[23] Decisão monocrática disponível em: . Acesso em: 20.mar.2018
[24] Súmula Vinculante 3: Nos processos perante o Tribunal de Contas da União asseguram-se o contraditório e a ampla defesa quando da decisão puder resultar anulação ou revogação de ato administrativo que beneficie o interessado, excetuada a apreciação da legalidade do ato de concessão inicial de aposentadoria, reforma e pensão.
[25] Disponível em: http://www.tce.ro.gov.br/arquivos/Diario/Diario_01515_2017-11-17-12-45-47.pdf. Acesso em: 21/03/2018.
Procurador da Fazenda Nacional. Pós-graduado em Direito Tributário e em Direito Processual Civil. Bacharel em direito pela Universidade Católica de Pernambuco.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: VICENTE FéRRER DE ALBUQUERQUE JúNIOR, . Controle de Constitucionalidade no âmbito dos Tribunais de Contas: Controle Difuso e Concreto; Cláusula de Reserva de Plenário e a Teoria dos Poderes Implícitos Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 21 dez 2018, 05:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/52523/controle-de-constitucionalidade-no-ambito-dos-tribunais-de-contas-controle-difuso-e-concreto-clausula-de-reserva-de-plenario-e-a-teoria-dos-poderes-implicitos. Acesso em: 22 nov 2024.
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