IRANILTON TRAJANO DA SILVA
(Orientador)
RESUMO: É sabido que, para manter sua sobrevivência, o ser humano necessita dos recursos ofertados pela natureza, sendo esta interação de fundamental importância para conservação das espécies e das futuras gerações. Nessa perspectiva, em virtude das constantes violações perpetradas contra a natureza, os países passaram a adotar em suas legislações mecanismos para coibir a prática de condutas lesivas ao meio ambiente, instituindo mecanismos para penalizar não apenas pessoas físicas, mas também pessoas jurídicas pelos crimes ambientais. No Brasil, a Constituição Federal de 1988 estabeleceu o meio ambiente como bem de uso comum do povo, determinando a responsabilização das pessoas físicas e jurídicas pela degradação ao meio ambiente, sendo tal responsabilização especificada na Lei nº 9.605/98, conhecida como Lei dos Crimes Ambientais. Ocorre que a responsabilidade penal das pessoas jurídicas pelas condutas lesivas ao meio ambiente ainda é um tema controverso e que gera divergências doutrinárias e jurisprudenciais acerca da temática. Sob esse enfoque, o presente trabalho parte da seguinte problemática: é possível a responsabilização penal da pessoa jurídica pelos danos causados ao meio ambiente? Diante disso, a presente pesquisa tem como objetivo geral analisar a responsabilização penal da pessoa jurídica pelos danos causados ao meio ambiente, fazendo uma análise da tragédia ocasionada pelo rompimento da barragem da empresa Samarco em Mariana-MG como forma de ilustrar a responsabilização por meio da análise de um caso concreto. Para tanto, como aspectos metodológicos, utiliza-se o método dedutivo para compreender a responsabilidade penal da pessoa jurídica pelo dano ambiental, os métodos de procedimento histórico e interpretativo para analisar a proteção ao meio ambiente no Brasil, utilizando-se ainda as revisões bibliográfica e documental como técnicas de pesquisa para construir o referencial teórico.
Palavras-chave: Crimes ambientais. Meio ambiente. Pessoa jurídica. Responsabilidade penal.
ABSTRACT: It is known that in order to maintain its survival, the human being needs the resources offered by nature, and this interaction is of fundamental importance for the conservation of species and future generations. In this perspective, due to the constant violations against nature, countries have adopted in their legislation mechanisms to curb the practice of harmful practices to the environment, establishing mechanisms to penalize not only physical persons but also legal persons for environmental crimes. In Brazil, the Federal Constitution of 1988 established the environment as a common use property of the people, determining the liability of natural and legal persons for environmental degradation, such liability being specified in Law No. 9,605 / 98, known as the Law of Crimes Environmental It occurs that the criminal responsibility of legal entities for conducts harmful to the environment is still a controversial issue and that generates doctrinal and jurisprudential divergences on the subject. Under this approach, the present work is based on the following problematic: is it possible to criminalize the legal person for damages caused to the environment? In view of this, the present research has as general objective to analyze the criminal liability of the juridical person for damages caused to the environment, making an analysis of the tragedy caused by the rupture of the Samarco dam in Mariana-MG as a way of illustrating accountability through analysis of a concrete case. For this, as methodological aspects, the deductive method is used to understand the criminal responsibility of the legal person for environmental damage, the methods of historical and interpretative procedure to analyze the protection of the environment in Brazil, using bibliographical and documentary as research techniques to construct the theoretical reference.
Keywords: Environmental crime. Environment. Legal person. Criminal responsibility.
SUMÁRIO: 1 INTRODUÇÃO. 2 CONSIDERAÇÕES DO DIREITO AMBIENTAL E DO MEIO AMBIENTE COMO BEM JURÍDICO. 2.1 EVOLUÇÃO DO DIREITO AMBIENTAL NO BRASIL. 2.2 O MEIO AMBIENTE COMO BEM JURÍDICO E SUA PROTEÇÃO CONSTITUCIONAL. 3 O MEIO AMBIENTE EQUILIBRADO COMO DIREITO FUNDAMENTAL. 3.1 O MEIO AMBIENTE COMO BEM DE USO COMUM DO POVO. 3.2 PRINCÍPIOS DO DIREITO AMBIENTAL. 3.2.1 Princípio do Desenvolvimento Sustentável. 3.2.2 Princípio da Ubiquidade. 3.2.3 Princípio da Participação Comunitária. 3.2.4 Princípio do Poluidor-pagador. 3.2.5 Princípios da Prevenção e da Precaução. 3.2.6 Princípio da Responsabilidade. 4 O DANO AMBIENTAL E A RESPONSABILIDADE PENAL DA PESSOA JURÍDICA. 4.1 CONCEITO DE DANO AMBIENTAL. 4.2 RESPONSABILIDADE CIVIL E ADMINISTRATIVA PELO DANO AMBIENTAL. 4.3 RESPONSABILIDADE PENAL DA PESSOA JURÍDICA PELOS DANOS AMBIENTAIS. 4.4 CASO DO ROMPIMENTO DA BARRAGEM DE FUNDÃO EM MARIANA-MG. 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.
1 INTRODUÇÃO
Sabe-se que a preocupação da humanidade com a preservação do meio ambiente é antiga, mas foi apenas nas últimas décadas, após grandes tragédias ambientais, que os países passaram a desenvolver uma maior consciência ecológica e a buscar alternativas para frear a degradação ambiental.
No entanto, o rápido e crescente processo de industrialização trouxe consigo diversas práticas de degradação ambiental, fato este que levou a comunidade internacional a buscar estabelecer em suas legislações diversas medidas voltadas a inibir as condutas lesivas ao meio ambiente, como a poluição, desmatamento, exploração desenfreada de recursos minerais, entre outras.
No Brasil, segundo dos ditames da Constituição Federal de 1988, o meio ambiente foi estabelecido com um bem coletivo, de uso comum do povo e essencial para uma qualidade de vida saudável. Desse modo, a Carta Magna brasileira conferiu a titularidade do meio ambiente a todos os cidadãos.
O meio ambiente, conforme dispõe a Constituição vigente, trata-se de um bem coletivo, um patrimônio nacional que pertence ao povo. A Carga Magna, portanto, conferiu titularidade do meio ambiente a todos os cidadãos brasileiros de forma indiscriminada, sendo papel do Estado e da sociedade defender e preservar os recursos ecológicos com vistas a garantir a sobrevivência das futuras gerações.
Tal premissa está disposta no artigo 225 da referida Carta, que dispõe ainda em seu parágrafo 3º, a possibilidade de penalização das pessoas físicas e jurídicas pelas condutas lesivas ao meio ambiente, responsabilização esta que ocorrerá tanto na esfera penal como na administrativa, além da obrigação de reparar os danos causados.
A promulgação da Lei nº 9.605/98, conhecida como Lei dos Crimes Ambientais, veio reforçar a previsão do artigo 225, § 3º, da Constituição, na qual o texto da referida lei trata expressamente da responsabilização das pessoas jurídicas quando da ocorrência de crimes ambientais, elencando as sanções a serem aplicadas diante das condutas lesivas praticadas.
Registra-se, portanto, que a responsabilidade penal das pessoas jurídicas pela prática de crimes ambientais é considerada um tema polêmico e controverso, visto que a Lei nº 9.605/98, em muitos casos, não é aplicada em sua totalidade, causando dúvidas quanto aos seus fundamentos e alcances, o que gera divergência doutrinária e jurisprudencial acerca da temática.
Nessa perspectiva, o presente trabalho parte da seguinte problemática: é possível a responsabilização penal da pessoa jurídica pelos danos causados ao meio ambiente? Fazendo uma análise do alcance e limite dessa responsabilidade.
Sob esse enfoque, a presente pesquisa tem como objetivo geral analisar a possibilidade de responsabilizar penalmente a pessoa jurídica pelos danos que cause ao meio ambiente, e como forma de ilustrar a temática, busca fazer uma análise da tragédia ocorrida no município de Mariana-MG, ocasionada pelo rompimento de uma barragem da empresa Samarco.
No primeiro capítulo, serão traçadas considerações acerca do Direito Ambiental e do meio ambiente enquanto bem jurídico, apresentando a evolução da proteção ao meio ambiente no Brasil até ao que fora estabelecido na Carta Magna de 1988.
No segundo capítulo analisar-se-á o direito ao meio ambiente equilibrado como direito fundamental, buscando compreender o meio ambiente como bem de uso comum do povo e apresentando os princípios que regem o Direito Ambiental no país.
Por fim, no terceiro capítulo, far-se-á uma análise da responsabilidade penal da pessoa jurídica quando da ocorrência de danos ambientais, expondo os aspectos do ilícito penal ambiental, analisando o caso do rompimento da barragem de Mariana em Minas Gerais, bem como a responsabilização da empresa Samarco pelo dano causado.
Para tanto, utilizar-se-á o método dedutivo para compreender a responsabilização penal da pessoa jurídica pelo dano ambiental. Enquanto procedimento empregar-se-á o método histórico e o método interpretativo. A revisão bibliográfica e documental serão as técnicas de pesquisa utilizadas, de modo a construir o referencial teórico a partir de doutrinas, jurisprudências, revistas e artigos especializados na temática.
2 CONSIDERAÇÕES ACERCA DO DIREITO AMBIENTAL E DO MEIO AMBIENTE COMO BEM JURÍDICO
Em um passado não muito distante, soaria como absurda a afirmação de que crescimento econômico, preservação ambiental e equidade social deveriam caminhar juntas, visto que o ideal de progresso que embasava a modernização e o crescimento econômico no decorrer do século XIX e grande parte do século XX desprezava as noções básicas de preservação do meio ambiente.
Isso porque não havia a preocupação por parte da maioria dos países com os recursos naturais, por existir o entendimento de que tais recursos seriam inesgotáveis, e por serem importantes fontes de energia, suportariam toda e qualquer atividade econômica exercida pelo ser humano.
Em decorrência disso, o meio ambiente passou a ser cada vez mais assolado, tendo que suportar o ônus do desenvolvimento industrial, no qual as empresas continuavam a utilizar dos recursos naturais de forma desenfreada, sem ter a preocupação com o futuro das próximas gerações.
A natureza passou a dar sinais da fragilidade de sua estrutura e da necessidade de conscientização do ser humano em adotar estratégias para manutenção dos recursos necessários à sobrevivência das espécies, sinais estes como mudanças climáticas, o aumento da temperatura média da Terra, a escassez de água em diversas regiões do mundo e o aumento do rombo na camada de Ozônio.
Por ocasião desses alertas da natureza, a comunidade internacional passou a se mobilizar no sentido de adotar estratégias para continuar promovendo o desenvolvimento das nações, mas que tal desenvolvimento fosse procedido de forma consciente e responsável, com vistas a preservar a biodiversidade e os recursos naturais, o que se convencionou a chamar de “desenvolvimento sustentável”.
Sob esse enfoque, no contexto atual das sociedades, a coexistência entre preservação do meio ambiente, desenvolvimento econômico e equidade social se constitui como fundamento de um Estado Socioambiental de Direito. No entanto, em que pese a mobilização de grande parte dos países em proteger os recursos naturais, não são raros os casos de violações e desastres ambientais, o que fere as normas do Direito Ambiental e impõe a responsabilização pelo dano tanto na esfera cível quanto nas esferas administrativa e penal.
Nessa perspectiva, para tratar da responsabilização penal das pessoas jurídicas quando da ocorrência de danos ambientais – objeto central do presente estudo –, necessário se faz, de início, apresentar e discorrer acerca de alguns conceitos importantes do Direito Ambiental, como o desenvolvimento das normas de proteção ambiental no Brasil, a própria definição de meio ambiente como bem jurídico, sua proteção constitucional e os princípios do Direito Ambiental, conforme será feito no presente capítulo.
2.1 EVOLUÇÃO DO DIREITO AMBIENTAL NO BRASIL
O Direito Ambiental no Brasil, como ciência autônoma, vem passando por constante evolução e aprimoramento nos últimos anos, em virtude da maior reflexão acerca da necessidade de se respeitar a interação do ser humano com o meio ambiente. Nas últimas décadas, a preocupação no país com a questão ambiental passou a ganhar cada vez mais força, seguindo a tendência da comunidade internacional em editar normas voltadas à preservação dos recursos naturais.
No entanto, o Direito Ambiental no Brasil não é novo. Isto porque embora a proteção ambiental só tenha ganhado espaço de destaque no ordenamento jurídico brasileiro a partir da Constituição de 1988, diversas legislações esparsas anteriores já tratavam sobre a temática, como o Código de Águas (Decreto 24.643) de 1934; o Código de Minas (Decreto-Lei 227), de 1967; o Código de Caça (Lei 5.197) e o Código de Pesca (Decreto-Lei 221), ambos de 1967; a Política Nacional do Meio Ambiente (Lei 6.938) de 1981 e a efetiva defesa do meio ambiente a partir de 1985 com a Lei da Ação Civil Pública (Lei 7.347) (MEDEIROS e ROCHA, 2014).
Seguindo o exemplo da comunidade internacional, foi se tornando imperiosa no Brasil a necessidade de se repensar conceitos desenvolvimentistas clássicos, os quais desprezavam a preocupação com o meio ambiente diante do processo de desenvolvimento do país. Sob esse enfoque, uma nova visão ético-ambiental passou a ser implantada no país, diante da constatação que a escassez de recursos naturais poderia atingir de forma irremediável os próprios seres humanos.
Nessa perspectiva, o Direito Ambiental no país surgiu no contexto da necessidade de regulação da interação do ser humano com o meio ambiente, de modo a frear o uso desmedido de recursos naturais com vistas a preservar a vida no planeta.
Acerca da definição do Direito Ambiental, Sirvinskas (2008, p. 35) leciona que trata-se da “ciência jurídica que estuda, analisa e discute as questões e os problemas ambientais e sua relação com o ser humano, tendo por finalidade a proteção do meio ambiente e a melhoria das condições de vida no planeta”.
Complementando esse entendimento, Milaré (2004, p. 134) define a ciência ambiental como:
[...] o complexo de princípios e normas coercitivas reguladoras das atividades humanas que, direta ou indiretamente, possam afetar a sanidade do ambiente em sua dimensão global, visando à sua sustentabilidade para as presentes e futuras gerações.
Trata-se, portanto, de um ramo do direito que estuda as relações jurídicas ambientais, e que além de regular a interação do homem com os elementos que compõe o ambiente, busca a proteção, a preservação e a conservação dos recursos naturais para garantir uma melhor condição de vida e o futuro da vida no planeta.
No entanto, o Direito Ambiental vai além disso, como afirma Gomes Canotilho (2002 apud MEDEIROS e ROCHA, 2014, p. 16):
[...] pois é um espaço de diálogo que surge entre os diferentes cultores das ciências jurídicas, obrigando a conjugar esforços e métodos no sentido de conseguir realizar uma mais adequada tutela ambiental. O Direito Ambiental convida o jurista a um “ambiente” de humildade, de multidisciplinaridade, de interdisciplinaridade e de transdisciplinaridade.
Dessa forma, em virtude de sua natureza interdisciplinar, o Direito Ambiental se comunica com outros ramos da ciência jurídica, em alguns casos por meio de suas peculiaridades próprias e distintas, e em outros valendo-se de noções e conceitos clássicos de outros ramos jurídicos, como o direito constitucional, administrativo, civil e penal.
Ocorre que da mesma forma como ocorreu com os direitos fundamentais em geral, a proteção legislativa do meio ambiente no Brasil também foi evoluindo no decorrer da história, podendo ser dividida didaticamente em três principais fases, quais sejam: tutela econômica do meio ambiente; tutela sanitária do meio ambiente; e tutela autônoma do meio ambiente (RODRIGUES, 2016).
Durante muito tempo no Brasil, os componentes ambientais possuíam um papel secundário e de subserviência aos seres humanos, os quais se colocavam no eixo central do universo, como se fossem o senhorio de tudo. Sob essa concepção é que surgem as primeiras normas ambientais no ordenamento jurídico pátrio.
Tal período pode ser identificado aproximadamente como o que abrange da época do descobrimento até a segunda metade do século XX. Trata-se assim da primeira fase de proteção ao meio ambiente, como “tutela econômica do meio ambiente”, também conhecida como fase fragmentária (RODRIGUES, 2016).
Nessa primeira fase, a proteção que era dispensada ao meio ambiente possuía uma preocupação meramente econômica. O meio ambiente não era tutelado como um bem autônomo, mas apenas como um bem privado que pertencia aos indivíduos. A tutela do meio ambiente, então, estava relacionada às próprias preocupações egoísticas dos seres humanos.
Tal afirmação pode ser constatada a partir de uma simples e aleatória leitura do Código Civil de 1916, o qual revela de forma clara que a preocupação com os recursos ambientais possuía um viés exclusivamente individualista, sob o crivo do direito de propriedade e em virtude do interesse econômico que tais bens representavam para os homens (RODRIGUES, 2016).
Nessa época, os recursos naturais eram percebidos como recursos econômicos a serem explorados, em virtude de sua abundância, não havia a preocupação com a necessidade de algum tipo de proteção.
É importante destacar, no entanto, que embora nessa fase a tutela do meio ambiente fosse dirigida para uma finalidade utilitarista ou econômica, não se pode negar o fato de que os bens ambientais receberam uma proteção ainda que mínima do legislador, o qual já passava a ter certa sensibilidade no sentido de compreender que os recursos naturais só possuíam valor econômico porque seu estado de abundância não era eterno (RODRIGUES, 2016).
Isso porque a valorização econômica de um bem está diretamente ligada à sua oferta e essencialidade, e em virtude dos bens naturais serem essenciais e limitados ou limitáveis, o legislador certamente vislumbrou que futuramente tais bens poderiam se esgotar, o que afetaria a própria existência dos indivíduos.
A segunda fase da evolução legislativa do Direito Ambiental no Brasil é denominada como “tutela sanitária do meio ambiente”, sendo tal momento também marcado pela visão egoística dos homens em relação aos recursos naturais. O que difere esta segunda fase da fase anterior é que agora a legislação ambiental não era mais balizada pela preocupação econômica, mas sim pela preponderância da tutela da saúde e da qualidade de vida humana (RODRIGUES, 2016).
Esse período, também conhecido como fase setorial, foi caracterizado pelo início da regulação legal da exploração dos recursos naturais. Contudo, esse controle era exercido de maneira incipiente, visto que, por um lado, era regido pelo utilitarismo dos recursos ambientais, no qual apenas era tutelado o bem ambiental que possuísse valor econômico, e por outro lado, em virtude da inexistência de identidade própria do meio ambiente, que não era compreendido em si como um todo (MILARÉ, 2004).
Nessa fase, o legislador reconheceu de forma clara a insustentabilidade e a incapacidade do meio ambiente em assimilar a poluição produzida pelos homens, passando a tutelar a saúde como o grande exemplo de que os homens deveriam repensar sua relação com o ambiente em que habitam, deixando também cada vez mais claro que o desenvolvimento econômico desenfreado traria sérias consequências à existência sadia.
Foi apenas a partir do final da década de 1920 que passaram a surgir leis ambientais mais completas, embora o meio ambiente ainda continuasse a ser compreendido de forma restrita. Desse modo, a saúde pública foi regida pelo Regulamento de Saúde Pública (Decreto nº 16.300/23), os recursos hídricos passaram a ser protegidos pelo Código das Águas (Decreto-Lei nº 852/38), a pesca foi regulada pelo Código de Pesca (Decreto-Lei nº 794/38), a fauna pelo Código de Caça (Decreto-Lei nº 5.894/43), o solo e o subsolo foram protegidos pelo Código de Minas (Decreto-Lei nº 1.985/40) e a flora pelo Código Florestal (Decreto nº 23.793/34).
A partir da década de 1960 a fase setorial entra em um segundo momento, o qual é marcado pelo surgimento de normas que fizeram maiores referências às questões ambientais propriamente ditas. Podem ser destacados como textos legais mais importantes desse segundo momento o Estatuto da Terra (Lei nº 4.504/64), o Código Florestal (Lei nº 4.771/65), a Lei de Proteção à Fauna (Lei nº 5.197/67), o Código de Pesca (Decreto-Lei nº 221/67) e o Código de Mineração (Decreto-Lei nº 227/67).
É importante ressaltar que nessas duas primeiras fases – fase fragmentária e fase setorial – a legislação ambiental do Brasil era reflexo do contexto internacional, que se caracterizava pela evidente ausência de conscientização ambiental. Após a Segunda Guerra Mundial, com o aumento desenfreado da produção agrícola e principalmente da produção industrial, tornou-se cada vez mais evidente a esgotabilidade dos recursos naturais.
A concepção utilitarista dos recursos naturais prevaleceu em todo o mundo até meados da década de 70, quando uma série de fatores contribuíram para que os seres humanos passassem a se conscientizar sobre a necessidade de preservação do meio ambiente. De acordo com Thomé (2016, p. 111):
[...] descobertas científicas acenderam as discussões internacionais acerca da proteção ambiental. Movimentos populares resistentes às tragédias ambientais causadas pelo homem e em defesa de melhor qualidade de vida eclodiram, sobretudo no Japão, na Europa e nos Estados Unidos. Tais acontecimentos, estopins da crise ambiental, foram fundamentais para elaboração dos primeiros princípios de proteção ambiental.
Verifica-se, portanto, que o Brasil, assim como grande parte da comunidade internacional, passou a dispensar maior preocupação com a questão ambiental a partir da década de 70, quando estudo e tragédias ambientais ocorridas passaram a dar sinais de que o meio ambiente já sofria grande impacto em virtude do desenvolvimento econômico desenfreado.
No mês de junho de 1972, a Organização das Nações Unidas (ONU) organizou em Estocolmo, na Suécia, a 1ª Conferência das Nações Unidas Sobre o Meio Ambiente, que ao final aprovou a Declaração Universal do Meio Ambiente, a qual declarava que os recursos naturais, como a água, o ar, o solo, a flora e a fauna, necessitam de conservação para benefício das futuras gerações, sendo papel de cada país aplicar esse princípio em suas legislações com vistas à tutela efetiva dos recursos ambientais.
A Declaração Universal do Meio Ambiente abriu caminho para que as legislações de todo o mundo estabelecessem a doutrina protetiva a partir da promulgação de normas ambientais mais amplas e efetivas. Nesse sentido, foi somente a partir da década de 1980 que a legislação brasileira passou a dispensar uma preocupação global e integrada com a questão ambiental (MILARÉ, 2004).
Até os anos 1970 existia uma visão de que o crescimento econômico deveria ser procedido a qualquer custo. Foi só a partir da década de 1980 que houve uma mudança de concepção na formulação de políticas públicas voltados ao meio ambiente, quando se passou a buscar alternativas para o crescimento econômico através de tecnologias e modelos de desenvolvimento que fossem mais adequados e menos lesivos ao meio ambiente.
A partir da década de 1980, o que se constatou foi uma verdadeira mudança de paradigma na legislação ambiental brasileira: a partir de então, o homem não seria mais o centro das atenções, passando o meio ambiente a ser considerado em si mesmo. Desse modo, tem início a terceira fase da evolução legislativa ambiental, conhecida como “tutela autônoma do meio ambiente” (RODRIGUES, 2016).
Esse terceiro momento, também conhecido como fase holística, é caracterizado pela concepção do meio ambiente como um todo integrado, no qual cada uma de suas partes estão ligadas entre si, sendo interdependentes. A partir dessa compreensão é que o ordenamento jurídico pátrio passou a dispensar proteção ao meio ambiente de forma integrada.
O primeiro marco dessa terceira fase se deu com a Lei nº 6.938/81, que dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, visto que tal legislação trouxe a definição legal de meio ambiente, conforme será visto adiante, estabelecendo também os objetivos e instrumentos voltados à proteção ambiental bem como os princípios ambientais a serem observados para a preservação, melhoria e recuperação da qualidade ambiental necessária para a vida.
A citada Lei nº 6.938/81 inaugurou um novo tratamento normativo para o meio ambiente no ordenamento jurídico pátrio, visto que o considerou como um objeto autônomo de tutela jurídica, quando este deixou de ser visto como mero objeto de benefício particular do homem e passou a ser protegido independentemente dos benefícios imediatos que poderia trazer para o ser humano. Desse modo, é apenas a partir da Lei nº 6.938/81 que se pode falar verdadeiramente em um Direito Ambiental como ramo autônomo da ciência jurídica brasileira (RODRIGUES, 2016).
Posteriormente, como outro destaque dessa fase holística, a Ação Civil Pública, instituída pela Lei nº 7.347/85, surgiu como importante instrumento de defesa do meio ambiente e dos demais direitos difusos e coletivos, permitindo que os responsáveis por danos ambientais sofressem as sanções legais impostas pelo Poder Judiciário.
Mas foi apenas com a Constituição Federal que o meio ambiente passou a ser tutelado como bem jurídico constitucional. Nesse sentido, conforme destaca Rodrigues (2016, p. 62):
Se a Lei n. 6.938/81 representou um marco inicial, o advento da Constituição de 1988 trouxe o arcabouço jurídico que faltava para que o Direito Ambiental fosse içado à categoria de ciência autônoma. Isso porque é no Texto Maior que se encontram insculpidos os princípios do Direito Ambiental (art. 225). A CF/88 deu, além do status constitucional de ciência autônoma, o complemento de tutela material necessário à proteção sistemática do meio ambiente.
No contexto histórico anterior à Constituição Federal de 1988, os recursos naturais eram concebidos apenas como recursos econômicos a serem explorados. A Constituição brasileira de 1824 não fazia qualquer referência ao meio ambiente e tampouco à proteção dos recursos naturais, sendo tal ausência de disciplinamento constitucional verificada nas cinco Constituições brasileiras seguintes.
Foi só a partir da atual Carta Magna brasileira que o meio ambiente foi alçado à categoria de bem constitucionalmente protegido, tendo o referido texto constitucional dedicado um capítulo inteiro ao meio ambiente, além de tratar sobre a temática em diversos outros artigos.
2.2 O MEIO AMBIENTE COMO BEM JURÍDICO E SUA PROTEÇÃO CONSTITUCIONAL
A partir da promulgação da atual Constituição brasileira, as normas ambientais foram alçadas à categoria de normas constitucionais com a elaboração de um capítulo dedicado especialmente à proteção ao meio ambiente. Essa constitucionalização do meio ambiente representou um avanço significativo no ordenamento jurídico-ambiental brasileiro, visto que, anteriormente à Carta Magna atual, o meio ambiente era concebido sob um enfoque utilitarista, e não protecionista.
É importante destacar, no entanto, que antes da promulgação da Constituição Federal, a Lei nº 6.938/1981, que instituiu a Política Nacional do Meio Ambiente, introduziu um novo tratamento normativo para a questão ambiental no país, visto que passou a considerar o meio ambiente como um bem único, imaterial e indivisível, digno de tutela autônoma (RODRIGUES, 2016).
A referida Lei nº 6.938/81, em seu artigo 3º, I, trouxe a definição legal de meio ambiente, caracterizando-o como o “o conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas”.
A partir dessa definição legal, conforme destaca Melo (2017, p. 39), pode-se verificar que “o conceito jurídico de meio ambiente é totalizante, com abrangência dos elementos bióticos (seres vivos) e abióticos (não vivos) que permitem a vida em todas as suas formas (não exclusivamente a vida humana)”.
Desse modo, verifica-se que a partir da Lei nº 6.938/81 o legislador buscou colocar a proteção da vida, em todas as suas formas, como plano primário das normas ambientais, e foi a partir desse diploma legal que se deu a proteção do meio ambiente e de seus componentes bióticos e abióticos (recursos ambientais) compreendidos de uma forma unívoca e globalizada.
Acerca da definição de meio ambiente, Silva (2008, p. 20) destaca que este se trata de uma
[...] interação do conjunto de elementos naturais, artificiais e culturais que propiciem o desenvolvimento equilibrado da vida em todas as suas formas. A integração busca assumir uma concepção unitária do ambiente, compreensiva dos recursos naturais e culturais.
Nessa perspectiva, a partir da definição trazida pelo autor, pode-se extrair que o meio ambiente é um conceito mais amplo que o de “natureza”, pois compreende tanto o patrimônio natural e suas relações com e entre os seres vivos como a natureza original e artificial e os bens culturais correlatos.
Conforme anteriormente visto, a Constituição Federal elevou o meio ambiente ao status de bem jurídico constitucionalmente protegido, estabelecendo-o como um direito e garantia fundamental. O texto constitucional refletiu a concepção em torno da questão ambiental, estabelecendo mecanismos voltados à preservação, proteção e manutenção do meio ambiente ecologicamente equilibrado, com vistas a garantir a vida saudável tanto das presentes quanto das futuras gerações.
A Constituição Federal inovou em relação às anteriores, pois destinou um capítulo próprio ao meio ambiente (Título VIII, Capítulo VI), contemplando uma série de comandos, obrigações e instrumentos voltados à efetivação do meio ambiente ecologicamente equilibrado, os quais se constituem como deveres do Poder Público e da coletividade.
Apesar do referido capítulo constitucional destinado ao meio ambiente ser constituído apenas pelo artigo 225 e seus parágrafos e incisos, o referido artigo contempla as principais diretrizes do Direito Ambiental que devem ser tratadas na legislação infraconstitucional, visto que se trata de uma norma fundamental.
Contudo, a expressão “meio ambiente” é encontrada no texto constitucional de forma expressa em dez outras oportunidades fora do seu capítulo específico, a começar pelo artigo 5º, LXXIII, que está contido no rol dos direitos e garantias fundamentais. Nessa perspectiva, a proteção ambiental se constitui como um direito e um dever fundamental, sendo garantida constitucionalmente (MEDEIROS e ROCHA, 2014).
No capítulo VI do Título VIII da Carta Magna brasileira, o caput do artigo 225 estabelece que:
Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.
Pode-se extrair, a partir do caput do artigo 225, que o legislador constitucional teve a preocupação de estabelecer uma série de aspectos fundamentais para a tutela do meio ambiente assim como para o direito ambiental enquanto ciência autônoma, começando pela definição do objeto de tutela do referido ramo do direito, que é o equilíbrio ecológico do meio ambiente, tratando-se de um meio ambiente não poluído, com higidez e salubridade (MELO, 2017).
No caput do artigo 225, o legislador estabeleceu, ainda, a titularidade direta do Direito Ambiental (o povo das presentes e futuras gerações) e também o regime jurídico (bem público de uso comum, essencial à qualidade de vida). Determinou, ainda, que a obrigação de defender e preservar o meio ambiente é tarefa não apenas do Poder Público, mas de toda a coletividade, de forma solidária e participativa (RODRIGUES, 2016).
Não é o objetivo do presente trabalho esgotar o estudo do artigo 225 da Carta Magna, visto que tal dispositivo contempla as normas fundamentais de direito ambiental, que orientam a legislação infraconstitucional, mas apenas os principais dispositivos relacionados ao objeto central do presente estudo.
No parágrafo 1º do artigo 225 da Constituição brasileira, o legislador enumerou, em cada um dos sete incisos que o compõem, algumas atribuições que são específicas do Poder Público, destinadas a assegurar a efetividade do direito prescrito no caput do mesmo artigo.
No inciso I do §1º do referido artigo 225, ficou estabelecido que é tarefa do Poder Público a preservação e restauração dos processos ecológicos essenciais e promoção do manejo ecológico das espécies e ecossistemas. Já o inciso V do §1º do artigo 225 determina que deve haver por Parte do Poder Público o controle da produção, da comercialização e do emprego de técnicas, métodos e substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente.
O citado dispositivo trata do controle dos riscos ambientais, o qual é exercido pelo poder de polícia que possui o Estado, cabendo ao Poder Público, por exemplo, controlar a produção, comercialização e destinação de agrotóxicos, resíduos e rejeitos, gases e efluentes oriundos das atividades econômicas, públicas ou privadas.
Desse modo, levando em consideração a atuação do Poder Público no combate às condutas lesivas ao meio, Sampaio (2015, p. 26-27) destaca que:
[...] o poder-dever de atuar positivamente no policiamento de condutas potencial e efetivamente lesivas ao ambiente, independentemente da provocação por parte de qualquer cidadão e de ordem judicial, mediante processos de licenciamento ambiental, de investigação e imposição de sanções aos responsáveis por infrações à legislação de proteção ambiental.
A partir do referido inciso V do §1º do artigo 225 da CF/88 o legislador reconhece que a atividade econômica utiliza técnicas, métodos e substâncias que são lesivos ao meio ambiente e à qualidade de vida, tendo como exemplos os defensivos agrícolas, pesticidas, adubos químicos, entre outros utilizados na atividade agrícola, bem como as técnicas e os métodos de produção da indústria siderúrgica, mineral, etc. (RODRIGUES, 2016).
Nessa perspectiva, conforme determina o §2º do artigo 225 da Constituição Federal, “Aquele que explorar recursos minerais fica obrigado a recuperar o meio ambiente degradado, de acordo com solução técnica exigida pelo órgão público competente, na forma da lei”.
A partir desse dispositivo, nota-se que, ao exigir a reparação do meio ambiente degradado, o legislador constituinte reconheceu que as atividades de exploração dos recursos minerais se apresentam como uma das mais significativas intervenções humanas no meio ambiente. Em decorrência disso, para evitar o passivo ambiental, determinou que o ambiente degradado pelas atividades de mineração fosse recuperado de acordo com a solução técnica exigida pelo órgão público competente (MELO, 2017).
E caso haja algum tipo de dano ao meio ambiente, o § 3º do artigo 225 determina que “as condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados”.
Sob esse enfoque, verifica-se que o referido dispositivo consagrou a independência das sanções ambientais nas esferas cível, penal e administrativa, ou seja, estabeleceu que um mesmo fato lesivo pode dar origem a processos tanto administrativos quanto judiciais, que poderão culminar com a aplicação das sanções nas três esferas: administrativa, penal e cível.
Não são raros os casos os casos de empresas que cometem crimes ambientais, desrespeitando as normas de Direito Ambiental no seu processo industrial, ignorando a esgotabilidade dos recursos naturais, poluindo o ar, rios, mares, causando desmatamentos, enchentes, mortes de animais e até de seres humanos nesse processo de busca incessante pelo lucro.
Sabe-se que conforme prescreve o texto constitucional de 1988, os recursos naturais podem ser utilizados por particulares para fins econômicos e científicos, no entanto, esta apropriação seja revertida em favor da coletividade e que não haja redução da qualidade ambiental.
Pelo fato de que os danos ambientais são praticamente irreversíveis, a proteção ambiental deve ser essencialmente preventiva, prevenção esta que muitas vezes é negligenciada pelas empresas exploradoras de recursos naturais, podendo gerar diversos danos e até desencadear verdadeiras tragédias ambientais.
Mesmo que sejam observadas as medidas preventivas, caso haja a ocorrência de um dano ambiental, o responsável, seja ele pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado, será responsabilizado, tanto na esfera cível quanto na esfera administrativa e na penal.
No que se refere especificamente à responsabilidade penal, objeto central do presente estudo, a Lei nº 9.605/1998 regulamentou o §2º do artigo 225 da Constituição de 1988, trazendo a tipificação dos crimes ambientais, a ação e o processo penal, e inovando ao estabelecer a possibilidade de responsabilização penal da pessoa jurídica, sendo tal inovação considerada como uma clara mudança da visão do legislador em relação aos bens ambientais.
O estabelecimento da responsabilização penal das pessoas jurídicas pelos danos ambientais representou uma clara mudança de visão do legislador na busca pela proteção ambiental, apesar dessa temática ser alvo de constantes debates doutrinários e jurisprudenciais acerca de seu alcance.
O que se percebe, no entanto, é que o legislador buscou, a partir da penalização das pessoas jurídicas por crimes ambientais, proteger o meio ambiente equilibrado por ser este um direito fundamental e um bem de uso comum de todos os indivíduos, seguindo os princípios norteadores do Direito Ambiental, como será visto no próximo capítulo.
3 O MEIO AMBIENTE EQUILIBRADO COMO DIREITO FUNDAMENTAL
A consolidação teórica dos direitos fundamentais a partir da década de setenta coincidiu com a emergência temática do direito ambiental, face às exigências da complexidade social aliada à crescente crise ambiental, derivada, principalmente, das ações antrópicas sobre o meio ambiente.
Tendo em vista esses fatores, na última metade do século XX, influenciadas pelas convenções internacionais e declarações sobre o meio ambiente, várias constituições internalizaram o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado como um autêntico direito fundamental, reconhecendo a importância da manutenção e preservação da qualidade ambiental para o desenvolvimento humano, nas suas mais variadas dimensões.
Foi principalmente a partir da segunda metade do século XX, em decorrência do surgimento dos fenômenos de massa, quando se observou a formação da denominada “sociedade de massa”, que os bens de natureza difusa passaram a ser objeto de maior preocupação do aplicador do direito e mesmo dos cientistas e legisladores como um todo (FIORILLO, 2013).
Nessa perspectiva, a Constituição Federal de 1988 (CF/88) foi a primeira carta política brasileira a destinar um capítulo próprio ao meio ambiente (Título VIII, Capítulo VI). Contemplou um conjunto de comandos, obrigações e instrumentos para a efetivação do meio ambiente ecologicamente equilibrado, como dever do Poder Público e da coletividade.
Em decorrência da tradicional contraposição entre o Estado e os cidadãos, entre o público e o privado, iniciou-se no Brasil, a partir do advento da Carta Magna de 1988, uma nova categoria de bens de uso comum do povo e essenciais à sadia qualidade de vida. Referidos bens, como se nota, não se confundem com os denominados bens privados (ou particulares) nem com os chamados bens públicos.
O estabelecimento de um dever constitucional genérico de não degradar, aliado à ecologização da propriedade privada e da ampliação da participação pública na gestão das questões ambientais, alçou o meio ambiente ecologicamente equilibrado, previsto como direito no caput do artigo 225 da CF/88, como autêntico direito fundamental, aliado que está à própria dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, da CF/88).
3.1 O MEIO AMBIENTE COMO BEM DE USO COMUM DO POVO
Com o advento da atual Constituição brasileira, o sistema de direito positivo traduziu a necessidade de prescrever um novo subsistema jurídico orientado para a realidade do século XXI, tendo como pressuposto a moderna sociedade de massas dentro de um contexto de tutela de direitos e interesses adaptados às necessidades principalmente metaindividuais (FIORILLO, 2013).
Definidos como transindividuais e tendo como titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato, os denominados interesses ou direitos difusos pressupõem, sob a ótica normativa, a existência de um bem “de natureza indivisível”. Criado pela Carta Política, conforme estabelece o artigo 129, III, o direito difuso passou, a partir de 1990, a possuir definição legal, com evidente reflexo na própria Carta Magna, configurando nova realidade para o intérprete do direito positivo.
Ao estabelecer a existência de um bem que tem duas características específicas, a saber, ser essencial à sadia qualidade de vida e de uso comum do povo, a Constituição formulou inovação verdadeiramente revolucionária, no sentido de criar um terceiro gênero de bem que, em face de sua natureza jurídica, não se confunde com os bens públicos e muito menos com os bens privados.
Sob esse enfoque, conforme Fiorillo (2013, p. 173):
O bem ambiental é, portanto, um bem de uso comum do povo, podendo ser desfrutado por toda e qualquer pessoa dentro dos limites constitucionais, e, ainda, um bem essencial à qualidade de vida. Devemos frisar que uma vida saudável reclama a satisfação dos fundamentos democráticos de nossa Constituição Federal, entre eles, o da dignidade da pessoa humana, conforme dispõe o art. 1º, III. É, portanto, da somatória dos dois aspectos — bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida — que se estrutura constitucionalmente o bem ambiental.
Desta feita, verifica-se que o Documento Superior, de forma paradigmática, não só define o que é bem ambiental como possibilita que seja verificada sua natureza jurídica. O artigo 225 da referido Documento estabelece, como já mencionado, que o meio ambiente ecologicamente equilibrado é bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida.
A partir do disposto no citado artigo, o legislador constituinte estabeleceu a natureza jurídica do meio ambiente ecologicamente equilibrado, caracterizando-o como bem de uso comum do povo, sendo este considerado um bem de interesse da coletividade.
O constituinte expôs que o direito de todos recai sobre um meio ambiente ecologicamente equilibrado. Portanto, o equilíbrio ecológico é exatamente o bem jurídico (imaterial) que constitui o objeto de direito a que alude o texto constitucional (RODRIGUES, 2016).
Ao enunciar o meio ambiente como essencial à qualidade de vida, o dispositivo recepcionou o conceito de meio ambiente estabelecido na Política Nacional do Meio Ambiente (Lei nº 6.938/81), qual seja, “o conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas” (art. 3º, I), dentro de uma concepção que determina uma estreita e correta ligação entre a tutela do meio ambiente e a defesa da pessoa humana (FIORILLO, 2013).
Conjugando o mandamento constitucional com a definição de meio ambiente constante do artigo 3º, I, da Lei nº 6.938/81 — no sentido de que é formado pela interação de diversos fatores bióticos e abióticos, tem-se que o direito ambiental visa proteger exatamente o equilíbrio nessa interação.
Além disso, a proteção a cada um desses elementos justifica-se na medida em que serve à manutenção desse equilíbrio. Numa escalada, pode-se dizer que se protegem os elementos bióticos e abióticos e sua respectiva interação, para se alcançar a proteção do meio ambiente ecologicamente equilibrado, haja vista que este bem é responsável pela conservação de todas as formas de vida.
Essa identificação do meio ambiente ecologicamente equilibrado como o bem a ser protegido pelo direito ambiental é de suma importância, desse modo, em última análise, qualquer dano ao meio ambiente agride o equilíbrio ecológico, e, assim, uma eventual reparação deve ter em conta a recuperação, exatamente, desse mesmo equilíbrio (RODRIGUES, 2016).
Importante destacar que, no que se refere à expressão bem de uso comum, o meio ambiente é um bem jurídico autônomo, de titularidade difusa, indisponível e insuscetível de apropriação. Embora se interprete o meio ambiente como um patrimônio público, conforme dispõe o artigo 2º, I, da Lei nº 6.938/1981, a expressão bem de uso comum do povo não converge para a leitura tradicional de dominialidade prevista no Código Civil brasileiro. O Estado, em verdade, é um gestor do meio ambiente, e não o seu proprietário – como na visão civilista (MELO, 2017).
Ao falar, no artigo 225, que é um bem de uso comum do povo, não produziu simples coincidência com o artigo 99, inciso I, do Código Civil. Pelo contrário, a intenção do constituinte, ao repetir a expressão constante no diploma civil, foi a de que tal bem teria regime jurídico de bem público e como tal deveria ser tratado (RODRIGUES, 2016).
Pelo fato do meio ambiente se tratar de um tipo de bem cuja titularidade pertence ao povo, estando atado em um liame que une cada cidadão, pelo simples fato de que todos são “donos” — e ao mesmo tempo responsáveis — do mesmo bem, jamais será possível identificar cada um dos componentes do povo que é titular desse bem. Seus titulares são, assim, indetermináveis (RODRIGUES, 2016).
Nessa perspectiva, o estabelecimento de um dever constitucional genérico de não degradar, aliado à ecologização da propriedade privada e da ampliação da participação pública na gestão das questões ambientais, alçou o meio ambiente ecologicamente equilibrado, previsto como direito no caput do artigo 225 da CF/88, como autêntico direito fundamental, aliado que está à própria dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, da CF/88).
A Carta Magna de 1988, além de autorizar a tutela de direitos individuais, o que tradicionalmente já era feito, passou a admitir a tutela de direitos coletivos, por compreender a existência de uma terceira espécie de bem: o bem ambiental. Tal fato pode ser verificado em razão do disposto no artigo 225, que consagrou a existência de um bem que não é público nem, tampouco, particular, mas sim de uso comum do povo.
Nessa perspectiva, afirma Mancuso (2010 apud SAMPAIO, 2015, p. 25):
Na evolução dos direitos fundamentais também se fala em gerações de direitos humanos, ou, atualmente, em dimensões de direitos fundamentais (...). Os de primeira dimensão dizem respeito às liberdades públicas e aos direitos políticos, ou seja, direitos civis e políticos a traduzir o valor da liberdade; os de segunda dimensão tratam dos direitos sociais, culturais e econômicos, bem como dos direitos coletivos ou de coletividade, correspondendo aos direitos de igualdade (substancial, real, material e não meramente formal); já os de terceira dimensão alcançariam patamares ainda mais elevados, tais como a necessária noção de preservacionismo ambiental e as dificuldades para proteção dos consumidores, só para lembrar aqui dois candentes temas. O ser humano é inserido em uma coletividade e passa a ter direitos de solidariedade ou fraternidade.
Sob esse enfoque, pode-se constatar que o meio ambiente, na qualidade de direito fundamental de terceira geração, cumula as características dos direitos de primeira e de segunda geração, na medida em que: encerra, por um lado, uma expectativa de abstenção por parte do Estado e de terceiros, quanto a condutas nocivas ao ambiente; ao mesmo tempo em que também conta com a legítima expectativa de atuações positivas do Estado na defesa e policiamento de tais condutas.
Verifica-se, portanto, que a proteção ao meio ambiente em todos os seus elementos essenciais à vida humana e à manutenção do equilíbrio ecológico visa a proteger à qualidade ambiental em função da qualidade de vida, como forma de direito fundamental da pessoa humana. Ao reconhecer o meio ambiente como direito fundamental e dever do Estado, surge para os cidadãos a prerrogativa de atuar em face de lesões praticadas ao meio ambiente.
O direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado se configura um direito difuso, dado que pertence a coletividade de maneira geral e deve ser garantido com instrumentos que disciplinam essa categoria de direitos, como a Ação Popular e a Ação Civil Pública. Trata-se, portanto de tutela coletiva que visa concretizar os interesses sociais na proteção ao meio ambiente e ao uso racional dos recursos naturais, bem como, preservar o patrimônio ambiental brasileiro.
Por outro lado, do reconhecimento do meio ambiente como dever do Estado surge para o Poder Público, o poder-dever de atuar positivamente no policiamento de condutas potenciais e efetivamente lesivas ao ambiente, independentemente da provocação por parte de qualquer cidadão e de ordem judicial, mediante processos de licenciamento ambiental, de investigação e imposição de sanções aos responsáveis por infrações à legislação de proteção ambiental.
Ao estabelecer o dever de defender e preservar o meio ambiente para as presentes e futuras gerações, a Constituição inseriu uma das concepções mais inovadoras e significativas em um texto constitucional em nível mundial: a responsabilidade entre as gerações (MELO, 2017).
Desta feita, os titulares do bem ambiental têm a tarefa de protegê-lo e preservá-lo em solidariedade ao poder público. É o que resulta do claríssimo texto do art. 225 da CF/88. Segundo o texto constitucional, o direito a um meio ambiente ecologicamente equilibrado é de todos.
Nesse sentido o meio ambiente ecologicamente equilibrado consubstancia um direito de todos. Desse modo, o legislador constituinte originário esclareceu que o meio ambiente se trata de um interesse de caráter transindividual, por extrapolar o caráter particular e individual, assim, todos os cidadãos, de forma indistinta, são interessados na preservação do meio ambiente saudável, por ser este um direito fundamental intrinsecamente ligado ao direito à vida.
Conforme destaca Fiorillo (2013, p. 167):
O art. 225 estabelece, por via de consequência, a existência de uma norma constitucional vinculada ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, assim como reafirma que todos, e não tão somente as pessoas naturais, as pessoas jurídicas de direito privado ou mesmo as pessoas jurídicas de direito público interno, são titulares desse direito, não se reportando, por conseguinte, a uma pessoa individualmente concebida, mas sim a uma coletividade de pessoas indefinidas, no sentido de destacar uma posição para além da visão individual, demarcando critério nitidamente transindividual, em que não se pretende determinar, de forma rigorosa, seus titulares.
O conceito de todos, portanto, é indefinido justamente porque a titularidade deste direito é difusa e supera a noção individualista de direito. A palavra vem demonstrar que não se pode fazer qualquer limitação quanto à identificação de seus titulares. O direito a um meio ambiente ecologicamente equilibrado e saudável é de titularidade metaindividual e recai sobre bens que possuem natureza indivisível (RODRIGUES, 2016).
Nessa perspectiva, a constitucionalização da proteção ambiental representou um avanço bastante significativo no ordenamento jurídico brasileiro, inaugurando uma ordem pública ambiental constitucionalizada, que repercute diretamente na atuação do Poder Público e de toda a coletividade, pois foi dirigida ao Estado e à sociedade como um todo a obrigação de implementar o princípio do desenvolvimento sustentável (THOMÉ, 2016).
Mas deve-se ressaltar que o bem ambiental, na qualidade de ser um bem de uso comum do povo, consiste naquilo que pode ser desfrutado por toda e qualquer pessoa, devendo ser observado os limites fixados pela própria Constituição Federal. É justamente pelo fato de ser um bem de uso comum do povo, ou seja, pertencer à toda a coletividade e estar à disposição de todos, que o meio ambiente sofre diversos tipos de agressões.
Sabe-se que a maioria dessas agressões são perpetradas por pessoas jurídicas, que em virtude do capitalismo desenfreado, ignoram a proteção ao meio ambiente e o desenvolvimento sustentável, ocasionando desde problemas climáticos em longo prazo, como o efeito estufa e aquecimento global, como tragédias ambientais, com degradação da fauna, flora, de recursos hídricos e até mortes de pessoas, como ocorreu em 2015 no caso da tragédia ambiental pelo rompimento da barragem de Fundão da mineradora Samarco, em Mariana-MG.
O rompimento da barragem da Samarco evidenciou no Brasil a questão da responsabilização das pessoas jurídicas pelos danos ambientais causados, tendo em vista que os laudos preliminares apontaram diversas irregularidades nas atividades da mineradora, que contribuíram diretamente para a tragédia ambiental, conforme será visto no capítulo seguinte.
Em que pese a Constituição Federal e a Lei de Crimes Ambientais determinarem a responsabilidade civil, administrativa e penal pelos danos causados ao meio ambiente, constata-se no Brasil que grande parte das empresas, em virtude da busca incessante pelo lucro, desenvolve suas atividades negligenciando as normas e princípios de proteção ambiental.
Nessa perspectiva, na seara do Direito Ambiental, os princípios representam um importantíssimo papel: definir a postura do cidadão em relação ao meio ambiente bem como delimitar o posicionamento das decisões do Poder Judiciário, como órgão de controle social que busca incrementar a justiça em razão do direito (MEDEIROS e ROCHA, 2014).
Sob esse enfoque, importante discorrer acerca dos principais princípios que regem a disciplina ambiental, conforme será feito a seguir, ressaltando, de logo, que não há intenção no presente estudo de discorrer acerca de todos, tendo em vista que ainda não há uma sistematização principiológica uniforme no direito ambiental.
Existem na doutrina pátria variações na extensão dos princípios, sejam eles explícitos ou implícitos na legislação nacional, sejam oriundos de tratados, declarações e outros documentos internacionais, cujo objetivo se efetiva na busca de um meio ambiente saudável, considerando a vida o principal bem a ser protegido, em especial, a vida humana, da qual depende as demais origens viventes no planeta, além, do equilíbrio do homem com a natureza
3.2 PRINCÍPIOS DO DIREITO AMBIENTAL
O advento da Carta Superior Federal de 1988 proporcionou a recepção da Lei nº 6.938/81 em quase todos os seus aspectos, além da criação de competências legislativas concorrentes (incluindo as complementares e suplementares dos Municípios, previstas no artigo 30, I e II, da CF), dando prosseguimento à Política Nacional de Defesa Ambiental.
Esta política ganha destaque na Carta Constitucional, ao ser utilizada a expressão ecologicamente equilibrado, porquanto isso exige harmonia em todos os aspectos facetários que compõem o meio ambiente. Nota-se não ser proposital o uso da referida expressão (política) pela Lei nº 6.938/81, na medida em que pressupõe a existência de seus princípios norteadores (FIORILLO, 2013).
Os referidos princípios constituem pedras basilares dos sistemas político-jurídicos dos Estados civilizados, sendo adotados internacionalmente como fruto da necessidade de uma ecologia equilibrada e indicativos do caminho adequado para a proteção ambiental, em conformidade com a realidade social e os valores culturais de cada Estado.
Os princípios são pilares de um sistema jurídico, os quais possuem uma força abstrata e universal. São a partir deles que se forma a estrutura legal e onde o intérprete cria os parâmetros para que se possa racionalizar e adaptar sua realidade.
Sob esse enfoque, conforme destaca Rodrigues (2016, p. 285):
[...] os princípios, especialmente com o advento do chamado pós-positivismo, são hoje reconhecidos como verdadeiras normas jurídicas, capazes de criar direitos, obrigações, etc., nas mais variadas situações concretas, ainda que não seja constatada qualquer lacuna. [...] O que precisa ficar claro, porém, é que, justamente pela elevada carga axiológica, muitas vezes dois ou mais princípios representam valores conflitantes entre si. Basta pensar, por exemplo, no direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado (CF, art. 225) e na livre iniciativa econômica (CF, art. 170). É exatamente por isso que, na aplicação de um princípio a uma dada situação concreta, o juiz exerce uma atividade de ponderação de valores. Em outras palavras, cabe a ele sopesar os valores em conflito, decidindo, caso a caso, qual princípio deve prevalecer.
Verifica-se, portanto, que em matéria ambiental, os princípios têm como objetivo subsidiar a criação de normas, sustentando sua efetividade e aplicabilidade, e consequentemente a proteção de todas as espécies de vida no planeta, com a finalidade de propiciar uma qualidade de vida satisfatória ao ser humano da atual e futura geração.
3.2.1 Princípio do Desenvolvimento Sustentável
No que se refere ao desenvolvimento como crescimento econômico e tecnológico, é aparentemente impossível descrever sobre o tema sem pensar na utilização e na transformação dos elementos que compõem o meio ambiente.
Afinal, se desenvolvimento significa expansão econômica, é certo que ele pressupõe a produção de bens que têm como matéria-prima, direta ou indiretamente, os recursos naturais. O grande problema é que os bens a serem explorados ou transformados são escassos. E, mais ainda, são eles responsáveis pela manutenção da vida, com qualidade, em todas as formas (RODRIGUES, 2016).
Na CF/88, o princípio do desenvolvimento sustentável encontra-se esculpido no caput do artigo 225, que impõe ao Poder Público e à coletividade o dever de defender e preservar o meio ambiente para as presentes e futuras gerações.
Conforme já destacado no capítulo anterior, a ideia de desenvolvimento econômico em harmonia com a preservação ambiental surgiu na Conferência de Estocolmo de 1972, a qual representou um marco histórico na discussão das questões ambientais e estabeleceu um novo olhar da comunidade internacional para a proteção ao meio ambiente. Nesse sentido, Thomé (2016, p. 56) assevera que:
Desenvolvimento sustentável, segundo a Comissão Mundial Sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento (World Comission on Environment and Development) significa “um desenvolvimento que faz face às necessidades das gerações presentes sem comprometer a capacidade das gerações futuras na satisfação de suas próprias necessidades”. As gerações presentes devem buscar o seu bem-estar através do crescimento econômico e social, mas sem comprometer os recursos naturais fundamentais para a qualidade de vida das gerações subsequentes. (grifos do autor).
Desse modo, a manutenção do meio ambiente saudável é um fator que deve integrar o processo de desenvolvimento econômico e social. Para tanto, esse processo depende da colaboração da própria sociedade e das empresas, com vistas a preservar os recursos ambientais para as gerações futuras.
Nessa perspectiva, os dois problemas mais sérios do modelo de desenvolvimento atual são a pobreza e os crescentes impactos ambientais. Os mais importantes documentos mundiais sobre meio ambiente enfatizam a necessidade de mais crescimento econômico, mas com formas, conteúdos e usos sociais completamente modificados, com uma orientação no sentido das necessidades das pessoas, da distribuição equitativa de renda e de técnicas de produção adequadas à preservação dos recursos (THOMÉ, 2016).
Sob esse enfoque, Soares (2013, 24-25) assevera que:
Deve haver um equilíbrio saudável entre o crescimento do setor econômico e a proteção ambiental, mas também a participação, preferencialmente das classes com menor poder aquisitivo, nesse processo de estruturação. [...] Serão praticamente inúteis a aplicação de medidas para o avanço da economia e viabilidade ambiental, se não houver inclusão social das várias classes excluídas, as quais vêm exatamente do capitalismo desenfreado, representado pela política macroeconômica neoliberal inescrupulosa. (tradução nossa).
Constata-se, portanto, a compreensão do princípio do desenvolvimento sustentável no contexto internacional é ampla, sendo objetivo desse princípio o equilíbrio entre a atividade econômica e o uso adequado, racional e responsável dos recursos naturais, cabendo aos Estados e aos indivíduos, ainda, envidar esforços com vistas a erradicar a pobreza, de modo a reduzir as desigualdades sociais.
3.2.2 Princípio da Ubiquidade
Sabe-se que o dano ambiental pelas suas próprias características não encontra fronteiras. Em virtude disso, os incidentes ambientais ocorridos em determinada localidade, geram prejuízos aos ecossistemas por todo o globo. Esse princípio é consubstanciado na ideia de que o meio ambiente é ubíquo, ou seja, está presente em toda parte, em todo o globo, e que, portanto, toda e qualquer lesão ocorrida em sua estrutura, independente do local onde ocorra, tem reflexos, diretos ou indiretos, em toda a natureza.
Dado o caráter onipresente dos bens ambientais, o princípio da ubiquidade exige que em matéria de meio ambiente, exista uma estreita relação de cooperação entre os povos, fazendo com que se estabeleça uma política mundial ou global para sua proteção e preservação (RODRIGUES, 2016).
Ainda no que se refere a questão de crimes ambientais no que tange às suas causas e consequências, Soares (2013, p. 35), assim destaca:
Para resolver a questão dos delitos ambientais que são causados em uma nação e as consequências também são sentidas em outra, se utiliza o princípio da ubiquidade, que consiste em determinar a competência criminal em relação àquele que comete o crime ambiental, mediante a determinação do lugar em que se realizou a conduta ou o lugar da consumação do delito.
Desse modo, o referido princípio também expressa que não há como pensar no meio ambiente dissociado dos demais aspectos da sociedade, de modo que ele exige uma atuação globalizada e solidária, até mesmo porque fenômenos como a poluição e a degradação ambiental não encontram fronteiras e não esbarram em limites territoriais.
3.2.3 Princípio da Participação Comunitária
Também chamado de princípio democrático ou princípio da participação coletiva, tal postulado se apresenta na atualidade como uma das principais armas, talvez a mais eficiente e promissora, na luta por um ambiente ecologicamente equilibrado (RODRIGUES, 2016).
O princípio da participação comunitária também está previsto no caput do artigo 225 da Constituição Federal, no disposto que prescreve ao Poder Público e à coletividade o dever de defender e preservar o meio ambiente para as presentes e vindouras gerações. Decorre, portanto, do direito que todos possuem ao meio ambiente ecologicamente equilibrado e do regime jurídico do meio ambiente como um bem de uso comum do povo, impondo a toda sociedade o dever de atuar em sua defesa.
Trata-se, destarte, de um princípio empenhado na construção de uma sociedade verdadeiramente democrática. Por meio dele, a sociedade civil deve atuar ativamente, paralelamente ao Estado, para definir os rumos a serem seguidos na política ambiental.
Essa participação na tomada de decisões afetas ao meio ambiente, seja direta ou indiretamente, pode ser implementada por meio de diversos instrumentos, tais como: ação civil pública, ação popular ambiental, participação dos cidadãos em audiências públicas, organizações não-governamentais (ONG’s), conselhos estaduais e pela própria provocação da Administração Pública para exercício do poder de polícia ambiental (RODRIGUES, 2016).
3.2.4 Princípio do Poluidor-Pagador
Considerado como fundamental na política ambiental, o princípio do poluidor-pagador, pode ser entendido na concepção de Thomé (2016, p. 70), como um “instrumento econômico que exige do poluidor, uma vez identificado, suportar as despesas de prevenção, reparação e repressão dos danos ambientais”.
O objetivo do princípio é responsabilizar o poluidor com o custo da degradação ambiental, tanto de forma preventiva quanto reparatório. No entanto, a ideia do referido princípio é, primeiramente, evitar o dano ambiental, pois, permitindo apenas a indenização reparatória, tal postura causaria uma falsa percepção de autorizar a degradação sob condição tão somente financeira (MEDEIROS e ROCHA, 2014).
Podem-se identificar no princípio do poluidor-pagador, dois sentidos: a busca para evitar a ocorrência de danos ambientais (caráter preventivo); e caso ocorrido o dano, que este venha a ser reparado (caráter repressivo). Nessa perspectiva, Soares (2013, p. 27), expressa que:
O princípio do poluidor-pagador tem como objetivo a responsabilização de toda pessoa física ou jurídica que venha a causar dano ao meio ambiente por meio da obrigação de pagar em dinheiro ou mediante a privação ou restrição de direitos pelos ilícitos causados ou que porventura possam ocorrer. [...] Desse modo, através das sanções de caráter preventivo e/ou repressivo se pretende alcançar o equilíbrio ecológico.
Desse modo, pelo referido princípio, impõe-se ao poluidor o dever de arcar com as despesas de prevenção dos danos ao meio ambiente que a sua atividade possa ocasionar. Cabe a ele o ônus de utilizar instrumentos necessários à prevenção dos danos. Numa segunda órbita de alcance, esclarece este princípio que, ocorrendo danos ao meio ambiente em razão da atividade desenvolvida, o poluidor será responsável pela sua reparação (FIORILLO, 2013).
Desta feita, juntamente como o desenvolvimento sustentável, o princípio do poluidor-pagador se constitui como um dos principais pilares do Direito Ambiental, sobre os quais se estabelecem todas as demais normas de proteção ao meio ambiente.
3.2.5 Princípios da Prevenção e da Precaução
Inicialmente, é importante destacar que os princípios da prevenção e da precaução são distintos, embora muitas vezes sejam apontados por parte da doutrina como sendo o mesmo. A diferença está praticamente resumida na forma de confrontar o dano ambiental: se não há certeza científica sobre ele, estar-se-á tratando do princípio da precaução; se as consequências danificadoras são conhecidas, trata-se do princípio da prevenção. No entanto, ambos impõem medidas para evitar ou minimizar o resultado danoso ao meio ambiente (MEDEIROS e ROCHA, 2014).
A Constituição Federal adotou expressamente o princípio da prevenção, ao preceituar, no caput do artigo 225, o dever do Poder Público e da coletividade de proteger e preservar o meio ambiente para as gerações presentes e futuras.
O princípio da prevenção é orientador do Direito Ambiental, pois enfatiza a prioridade que deve ser dada às medidas que previnam e não apenas reparem a degradação do meio ambiente. Desse modo, a finalidade do referido princípio é evitar que o dano possa chegar a se produzir, devendo ser adotadas medidas para que tais danos não ocorram.
Constata-se, portanto, que o princípio da prevenção não é aplicado em qualquer situação de perigo de dano, apoiando-se no risco conhecido, ou seja, na certeza científica do impacto ambiental de determinada atividade.
De acordo com a explicação de Melo (2017, p. 147):
Entende-se por risco conhecido aquele identificado por meio de pesquisas, dados e informações ambientais ou ainda porque os impactos são conhecidos em decorrência dos resultados de intervenções anteriores, por exemplo, a degradação ambiental causada pela mineração, em que as consequências para o meio ambiente são de conhecimento geral. É a partir do risco ou perigo conhecido que se procura adotar medidas antecipatórias de mitigação dos possíveis impactos ambientais.
O princípio da prevenção, portanto, impõe que sejam adotadas condutas a minimizar ou eliminar os impactos negativos de determinada atividade sobre o meio ambiente, visto que os danos ambientais, na maioria das vezes, são irreversíveis e irreparáveis.
Sob o prisma da Administração, encontra-se a aplicabilidade do princípio da prevenção por intermédio das licenças, das sanções administrativas, da fiscalização e das autorizações, entre outros tantos atos do Poder Público, determinantes da sua função ambiental de tutela do meio ambiente.
Já no princípio da precaução “o que se configura é a ausência de informações ou pesquisas científicas conclusivas sobre a potencialidade e os efeitos de determinada intervenção sobre o meio ambiente e a saúde humana” (MELO, 2017, p. 148).
Tal princípio, no entanto, se refere à necessidade de se agir com cautela quando existam dúvidas ou incertezas acerca do dano que pode ser causado, relacionando-se, portanto, à incerteza científica. Sob esse enfoque, conforme destaca Thomé (2016, p. 66), “no caso de ausência da certeza científica formal, a existência do risco de um dano sério ou irreversível requer a implementação de medidas que possam prever, minimizar e/ou evitar este dano”.
O princípio da precaução, portanto, atua como um mecanismo de gerenciamento de riscos ambientais, notadamente para as atividades e empreendimentos marcados pela ausência de estudos e pesquisas objetivas sobre as consequências para o meio ambiente e a saúde humana.
O princípio da precaução deve ser visto como um princípio que antecede a prevenção: sua preocupação não é evitar o dano ambiental, mas, antes disso, pretende evitar qualquer risco de dano ao meio ambiente (RODRIGUES, 2016). A intenção não é apenas evitar os danos que se sabe que podem ocorrer (prevenção), mas também evitar qualquer risco de sua ocorrência (precaução).
3.2.6 Princípio da Responsabilidade
Não se pode desconsiderar, todavia, que, por mais eficiente que seja a política preventiva, sempre acabarão ocorrendo danos ao meio ambiente. Caso haja falha no sistema de prevenção ou de precaução de uma determinada atividade econômica, aparecerá para o agente causador do dano a obrigação de reparar o meio ambiente degradado. Entra em cena, então, o princípio da responsabilidade ambiental (RODRIGUES, 2016).
Tal princípio está previsto no § 3º do artigo 225 da Constituição, onde dispõe que “As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados”.
Quando se trata de tutela do meio ambiente, ao contrário das regras comuns, há um aspecto que não pode ser ignorado: a convergência de finalidade entre todas as sanções. Desse modo, toda repressão ambiental (penal, civil e administrativa), deve atender às mesmas finalidades: recuperar imediatamente o meio ambiente caso tenha ocorrido lesão ambiental; promover, se possível, por intermédio da reparação ou da sanção aplicada, a educação ambiental do responsável (RODRIGUES, 2016).
Tratando especificamente da responsabilidade penal das pessoas jurídicas pela prática de crimes ambientais, tal responsabilização, como referenciado em item anterior, ainda é considerada um tema polêmico e controverso, pelo fato de que a Lei nº 9.605/98 (Lei de Crimes Ambientais), em muitos casos, não é aplicada de maneira efetiva, o que gera dúvidas quanto aos seus fundamentos e alcances e divergências doutrinárias e jurisprudenciais acerca da temática.
Nessa perspectiva, passa-se a analisar no capítulo seguinte a responsabilização penal das pessoas jurídicas pela prática de crimes ambientais, apresentando, para tanto, os aspectos do ilícito penal ambiental e, como forma de ilustrar a questão, far-se-á uma análise acerca da tragédia ocorrida no Município de Mariana-MG pelo rompimento da barragem de Fundão, discorrendo acerca da responsabilidade da empresa Samarco pelo dano ambiental causado.
4 O DANO AMBIENTAL E A RESPONSABILIDADE PENAL DA PESSOA JURÍDICA
A ação predatória do homem sobre a Terra é tão antiga quanto a sua própria existência. Nos primórdios, o homem exercia essa ação predatória para sobreviver e, em seguida, para enriquecer, retirando da natureza toda a matéria de que necessitava de modo irresponsável e inconsciente. As ações de degradação ambiental eram permitidas ou, pelo menos, toleradas, inclusive, pela própria falta de regulamentação na temática.
Pode-se entender, portanto, que o homem é o maior poluidor e o maior responsável pelo esgotamento das próprias bases naturais da manutenção da vida por intermédio de suas ações modificadoras do meio, tais como, as obras da construção civil com o uso dos recursos minerais, as atividades agrícolas e de mineração, que ocupam e transformam o solo por meio do uso, entre outras.
Nesse sentido, a degradação ambiental tem sua origem na própria ação do homem, que pode ser entendida como uma atividade eminentemente modificadora do ambiente, haja vista a alteração de processos naturais, de características físicas, químicas e/ou biológicas que, de alguma forma, interferem nos usos preexistentes de um determinado meio ambiente (MEDEIROS e ROCHA, 2014).
Conforme visto no capítulo anterior, o objetivo principal do Direito Ambiental é a prevenção do dano para que este nem chegue a se concretizar. Entretanto, quando ocorrer a degradação e poluição ambiental, o ordenamento jurídico deve estar pronto para aplicar os instrumentos de reparação do dano civil, sem exclusão das demais modalidades de institutos sancionatórios tais como, a responsabilidade administrativa e penal.
Quando é constatada efetivamente a existência de um dano ao meio ambiente como, a exemplo do desastre ambiental ocorrido em 2015 na Cidade de Mariana-MG, ocasionado pelo rompimento da barragem de Fundão da mineradora Samarco, impõe-se a construção de uma responsabilidade que considere a complexidade do bem ambiental.
Nessa perspectiva, o artigo 225, § 3º, da Constituição Federal estabelece que “as condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados”.
Configura-se, assim, a tríplice responsabilidade em matéria ambiental: civil, administrativa e penal, as quais necessitam, obrigatoriamente, da ocorrência de um dano como pressuposto para que sejam exigidas. Desta feita, antes de tratar especificamente da responsabilização penal das pessoas jurídicas pelo dano ambiental, é importante discorrer acerca da conceituação desse dano ao meio ambiente, conforme será feito a seguir.
4.1 CONCEITO DE DANO AMBIENTAL
O dano ambiental é o pressuposto para que se possa discutir acerca da responsabilidade daquele responsável por tal conduta lesiva. No entanto, o ordenamento jurídico pátrio não contempla uma definição de dano ambiental. Essa ausência se justifica pela complexidade inerente aos danos ambientais em uma sociedade com intensas alterações tecnológicas e eventual conceito poderia restringir o âmbito de incidência do direito ou, se amplo, gerar uma carga excessiva para o desenvolvimento socioeconômico (MELO, 2017).
Pode-se compreender, portanto, que o conceito de dano ambiental é aberto e dinâmico, e a sua definição ocorre por meio de elementos doutrinários e pela interpretação dos tribunais. Mas, apesar de não existir uma definição legal de dano ao meio ambiente, o legislador ofertou os conceitos legais de degradação da qualidade ambiental e poluição, correlatos e associados para uma conceituação de dano ambiental.
O artigo 3º, II, da Lei 6.938/81 conceitua degradação da qualidade ambiental como “a alteração adversa das características do meio ambiente”. Já o conceito de poluição possui amparo legal no inciso III do artigo 3º da Lei nº 6.938/1981, que considera poluição ambiental como, in verbis:
III – poluição, a degradação da qualidade ambiental resultante de atividades que direta ou indiretamente: a) prejudiquem a saúde, a segurança e o bem-estar da população; b) criem condições adversas às atividades sociais e econômicas; c) afetem desfavoravelmente a biota; d) afetem as condições estéticas ou sanitárias do meio ambiente; e) lancem matérias ou energia em desacordo com os padrões ambientais estabelecidos.
A poluição, portanto, é sempre decorrência da degradação da qualidade ambiental resultante de uma atividade promovida pelo homem. Sob esse enfoque, compreendidos os conceitos de degradação ambiental e de poluição, resta saber onde se insere o dano ambiental.
Conforme destaca Rodrigues (2016, p. 390), “existe o dano ambiental quando há lesão ao equilíbrio ecológico (bem jurídico ambiental) decorrente de afetação adversa dos componentes ambientais”. Édis Milaré (2016, p. 810), por sua vez, define dano ambiental como “a lesão aos recursos ambientais, com consequente degradação (alteração adversa) do equilíbrio ecológico e da qualidade de vida”.
Silva (2008, p. 299), por seu turno, leciona que:
Dano ecológico é qualquer lesão ao meio ambiente causado por condutas ou atividades de pessoa física ou jurídica de Direito Público com o disposto no art. 225, §3°, da Constituição da República, segundo o qual as condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, interdependentes da obrigação de reparar os danos causados.
É oportuno salientar que o dano causado ao meio ambiente, ecologicamente equilibrado, diz respeito a um bem incorpóreo, imaterial, autônomo, de interesse da coletividade. Trata-se, pois, de um dano de tipo especial, cujo ressarcimento também transcende a concepção tradicional de atendimento à parte que postulou em juízo, justamente porque se trata aqui de interesses difusos. Mas, é um bem de interesse jurídico autônomo e, portanto, reparável.
Complementando esse entendimento, Morato Leite & Ayala (2014 apud MELO, 2017, p. 423), discorrem que:
O dano ambiental deve ser compreendido como toda lesão intolerável causada por qualquer ação humana (culposa ou não) ao meio ambiente, diretamente, como macrobem de interesse da coletividade, em uma concepção totalizante, e, indiretamente, a terceiros, tendo em vista interesses próprios e individualizáveis e que refletem no macrobem.
A partir desses conceitos, pode-se inferir que o dano ambiental possui um conceito aberto, pois depende da avaliação do caso concreto pelo intérprete para a sua configuração, em virtude de sua dimensão multifacetária. Mas de um modo geral, pode ser definido como uma lesão ao bem jurídico autônomo “meio ambiente”, independentemente dessa lesão gerar reflexos para a esfera pessoal ou patrimonial dos indivíduos.
Nessa perspectiva, o dano ambiental ocorre a partir de manifestações lesivas, degradadoras, poluidoras, perpetradas pelo homem ou decorrentes de atividades de risco exercidas por este, perante o patrimônio ambiental (fauna, flora, água, ar, solo, recursos minerais), artificial ou construído (espaço urbano edificado e habitável), cultural (patrimônio histórico, artístico, estético, turístico e paisagístico), e do trabalho (normas de saúde e segurança do trabalhador), capazes de romper com o equilíbrio ecológico (MEDEIROS e ROCHA, 2014).
Diante disso, pode-se observar que o dano ambiental se refere tanto às alterações nocivas ao meio ambiente quanto aos efeitos daí decorrentes para a saúde e interesses dos indivíduos. A lesão ao patrimônio ambiental pode, portanto, significar não só o dano à coletividade, mas aos interesses legítimos de determinados sujeitos. Em ambos os casos, a responsabilização pelo prejuízo patrimonial ou extrapatrimonial é exigida.
Verifica-se, então, que os danos ambientais, além de serem de valores incalculáveis, podem atingir não apenas o meio ambiente, mas um número significativo de indivíduos, sendo tais lesões muitas vezes irreparáveis ou de difícil reparação. É por este e por outros motivos que o ordenamento jurídico brasileiro passou a tratar da tutela ambiental a partir do princípio da prevenção, conforme visto no capítulo anterior.
Se nos primórdios o homem utilizava os recursos naturais de forma desenfreada, retirando da natureza os recursos que necessitava de forma irresponsável e causando diversos danos ao meio ambiente por não existir legislação que regulamentasse a proteção ambiental, atualmente a Constituição Federal determina que quem proceder com condutas lesivas ao meio ambiente sofrerá uma tríplice responsabilização: tanto na esfera cível quanto nas esferas penal e administrativa.
Destarte, em que pese o objeto central do presente estudo está concentrado na análise da responsabilidade penal da pessoa jurídica pelo dano ambiental, importante compreender, em linhas gerais, as nuances da responsabilização civil e administrativa pelos danos ao meio ambiente, como forma de viabilizar não só o caráter de repressão, mas, também, preventivo, de modo geral em relação à sociedade como um todo e especifico, ligado diretamente ao causador do dano.
4.2 RESPONSABILIDADE CIVIL E ADMINISTRATIVA PELO DANO AMBIENTAL
Em matéria ambiental, a responsabilidade civil é objetiva, desde a edição da Lei nº 6.938/1981, conforme preceitua o § 1º do artigo 14, in verbis: “[…] é o poluidor obrigado, independentemente da existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade”.
Desse modo, o regime da responsabilidade civil pelo dano ambiental é um regime de responsabilidade objetiva, segundo o qual todo aquele que desenvolve uma atividade passível de gerar riscos para a saúde, para o meio ambiente ou para a incolumidade de terceiros, deverá responder pelo risco, não havendo necessidade de a vítima do dano ou dos legitimados para a propositura de ação civil pública provar culpa ou dolo do agente (MEDEIROS e ROCHA, 2014).
Em seu artigo 225, § 3º, a CF/88 não fez nenhuma exigência da culpa (negligência, imperícia e imprudência) para determinar a responsabilidade civil, estabeleceu que os elementos necessários à aplicação da sanção civil são a existência de um dano causado (nexo de causalidade) por um poluidor. Logo, os elementos para a responsabilização civil ambiental são o dano e o nexo de causalidade que o liga ao poluidor.
Assim, no que tange à responsabilidade civil pelos danos ambientais, a Carta Superior adotou a teoria do risco, a qual estabelece que a obrigatoriedade da reparação do dano seja suficiente apenas por meio da demonstração do nexo causal entre a lesão infligida ao meio ambiente e a ação ou omissão do responsável pelo dano (RODRIGUES, 2016).
Já a responsabilidade administrativa pelos danos ambientais é decorrente do exercício do poder de polícia pelos entes responsáveis pela qualidade ambiental no país, consubstanciado pela competência administrativa comum do artigo 23 da Constituição. Significa que esse poder deve ser exercido pelos órgãos ambientais fiscalizadores de todos os entes federativos, de forma a garantir a cooperação e a solidariedade no combate à poluição em qualquer de suas formas, na proteção das florestas, da fauna, da flora, etc. (MELO, 2017).
A responsabilidade administrativa ambiental está prevista nos artigos 70 a 76 da Lei nº 9.605/1998. É importante destacar que a referida lei não trata somente sobre os crimes ambientais, mas também sobre as infrações, sanções e o processo administrativo ambiental. A atual regulamentação da Lei nº 9.605/1998 ocorreu com a edição do Decreto nº 6.514/2008, que destinou a atenção necessária às infrações e ao processo administrativo ambiental federal.
O artigo 70 da Lei nº 9.605/1998 estabelece que infração administrativa ambiental é “toda ação ou omissão que viole as regras jurídicas de uso, gozo, promoção, proteção e recuperação do meio ambiente”. Deve-se destacar que a responsabilidade por ilícitos administrativos independe da demonstração de dolo ou culpa, sendo, portanto, assim como a responsabilidade civil por danos ao meio ambiente, objetiva.
A imposição da responsabilidade administrativa ambiental se dá a partir do exercício do poder de polícia ambiental, por meio do qual o agente do órgão ambiental designado para as funções de fiscalização, de ofício ou mediante representação, dirigir-se-á a determinada localidade e, caso verifique o cometimento de uma infração administrativa ambiental, irá lavrar o competente auto de infração, com a aplicação de uma sanção administrativa, que deverá ser confirmada pela autoridade julgadora (RODRIGUES, 2016).
Com o recebimento do auto de infração, a unidade administrativa responsável, procede à autuação processual e aos procedimentos decorrentes das etapas do processo administrativo ambiental, com as fases de defesa, julgamento, recursos e pagamento da multa, se for o caso.
Constata-se, portanto, que a essência da responsabilidade administrativa é, assim como, a da responsabilidade penal, por se configurar de natureza repressiva. No que se refere à responsabilização penal por danos ao meio ambiente, a previsão de responsabilização da pessoa jurídica se constituiu como uma inovação importante no ordenamento jurídico pátrio, sendo ainda objeto de discussões acerca de seu alcance, conforme se verá a seguir.
4.3 RESPONSABILIDADE PENAL DA PESSOA JURÍDICA PELOS DANOS AMBIENTAIS
Sabe-se que o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado foi consagrado e elevado à condição de direito fundamental pela Constituição Federal de 1988. Nessa perspectiva, o Direito Penal tem sido cada vez mais utilizado no auxílio à luta pela defesa do meio ambiente. Tal utilização tem sido glorificada por alguns, que entendem que o meio ambiente possui relevância suficiente para justificar a previsão de crimes ambientais; e criticada por outros, que se manifestam pela utilização do Direito Penal apenas nos casos mais graves e nocivos à sociedade (SAMPAIO, 2015).
A penalização da pessoa jurídica foi um dos avanços trazidos pela vigente Carta Política, na medida em que se constatou que as grandes degradações ambientais não ocorriam por conta de atividades singulares, desenvolvidas por pessoas físicas, mas apresentavam-se de forma corporativa. Com isso, fez-se necessário que a pessoa jurídica fosse responsabilizada penalmente.
Nessa senda, Fiorillo (2013, p. 84), assim escreve e registra que:
Muita controvérsia foi trazida também. Ademais deve ser ressaltado que a responsabilidade penal da pessoa jurídica não é aceita de forma pacífica. Pondera-se que não há como conceber o crime sem um substractum humano. Na verdade, o grande inconformismo da doutrina penal clássica reside na inexistência da conduta humana, porquanto esta é da essência do crime. Dessa forma, para aqueles que não admitem crime sem conduta humana, torna-se inconcebível que a pessoa jurídica possa cometê-lo.
Aparentemente, não há dúvidas de que toda degradação que o homem causa ao meio ambiente sempre será uma agressão contra todas as formas de vida, inclusive a vida humana, e é justamente por esse fato que o meio ambiente não pode ser cuidado apenas por intermédio de uma tutela civil ou administrativa.
Isso porque as tutelas civil e administrativa, normalmente traduzidas nas perdas e danos e na multa, dificilmente atingem os principais responsáveis pela degradação do meio ambiente, pois, o que acaba ocorrendo é que os reais responsáveis pela degradação transferem as perdas pecuniárias sofridas para a sociedade, para o mercado de consumo, por meio de um ilegítimo e disfarçado aumento de preço do produto poluente (RODRIGUES, 2016).
Além disso, a responsabilização penal pelos danos ambientais se justifica pelo fato do meio ambiente ser condição de existência dos seres, sendo imperioso que existam normas ambientais de natureza penal, que traduzam essa preocupação e essa valorização social do meio ambiente. Afinal, preservar e restabelecer o equilíbrio ecológico em nossos dias é uma questão de sobrevivência.
Nessa conjuntura, o artigo 225, § 3º, da Carta Magna de 1988 e o artigo 3º da Lei nº 9.605/1998 preveem a possibilidade de responsabilização penal das pessoas jurídicas nos crimes ambientais.
Em seu artigo 225, § 3º, a Constituição Federal determinou que as condutas lesivas ao meio ambiente também devem ser punidas na esfera penal. Com o objetivo de efetivar o disposto no artigo 225, § 3º do texto constitucional, foi editada a Lei nº 9.605/1998, que dispõe sobre as sanções penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente.
Pela Lei nº 9.605/1998, a pessoa jurídica poderá ser responsabilizada quando a infração for cometida por decisão de seu representante legal ou contratual, ou de seu órgão colegiado, no interesse ou benefício da sua entidade.
Desse modo, para que exista responsabilidade penal da pessoa jurídica, o artigo 3º da Lei nº 9.605/1998 exige, expressamente, dois requisitos: decisão do crime tomada por representante legal, contratual ou órgão colegiado da empresa e crime praticado no interesse ou em benefício da empresa.
Assim, se a decisão da prática do crime foi tomada por um empregado da empresa sem poderes de representação, ou se o crime contrariou os interesses da empresa ou não lhe trouxe qualquer benefício, não há que falar em responsabilidade penal da pessoa jurídica (MELO, 2017).
A exigência é de que o ato seja praticado “no interesse ou benefício” da pessoa jurídica. É justamente nesse fato que residem as maiores controvérsias acerca da temática, porque esses vocábulos (interesse e benefício) podem se adequar às mais variadas situações. Diante disso, é possível vislumbrar, conforme destaca Melo (2017, p. 496), três posicionamentos quanto à responsabilidade penal das pessoas jurídicas:
1º) o art. 225, § 3º, da CF não prevê responsabilidade penal da pessoa jurídica, pois apenas dispõe que as condutas praticadas pelas pessoas físicas ensejam responsabilidade penal e as atividades exercidas pelas pessoas jurídicas, responsabilidade administrativa, sem prejuízo da responsabilidade civil de reparar o dano; 2º) a pessoa jurídica é uma ficção, uma abstração legal (teoria da ficção de Savigny e Feuerbach) e por isso não pode cometer crimes (“societas delinquere non potest”). Sendo uma ficção, é desprovida de vontade e de consciência, logo não age com dolo ou culpa (não pratica conduta criminosa dolosa ou culposa) nem tem culpabilidade (porque não tem imputabilidade que é a capacidade mental de entender, nem potencial consciência da ilicitude que é a possibilidade de saber que a conduta praticada é proibida). E, se não tem o pressuposto da culpabilidade, não pode sofrer pena; 3º) a pessoa jurídica é um ente real (teoria da realidade ou da personalidade real de Otto Gierke) com vontade e existência próprias. Assim sendo, praticam condutas socialmente reconhecíveis e atuam com culpabilidade social (expressão utilizada pelo STJ), logo podem sofrer penas compatíveis com a sua natureza (restritivas de direitos e multa).
Verifica-se, portanto, que a temática é alvo de posicionamentos divergentes, havendo aqueles que não considerem como sendo possível a responsabilização penal da pessoa jurídica pelos danos ambientais, e aqueles que entendem em sentido contrário.
Desse modo, percebe-se que a previsão legal expressa no artigo 3º da Lei nº 9.605/98, veio dirimir qualquer dúvida a respeito da responsabilização das pessoas jurídicas por crimes ambientais, dispositivo este, que buscou implementar mais efetivamente a determinação do texto constitucional.
O legislador tomou o cuidado de, no texto constitucional, afirmar que a pessoa coletiva fosse penalizada com sanções compatíveis com a sua natureza, conforme se extrai do § 5º do artigo 173 da Carta Magna de 1988, in verbis:
Art. 173. Ressalvados os casos previstos nesta Constituição, a exploração direta de atividade econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei.
[...]
§ 5º A lei, sem prejuízo da responsabilidade individual dos dirigentes da pessoa jurídica, estabelecerá a responsabilidade desta, sujeitando-a às punições compatíveis com sua natureza, nos atos praticados contra a ordem econômica e financeira e contra a economia popular. (grifo nosso).
Ainda, o Superior Tribunal de Justiça, em reiterados julgados, como no julgamento do REsp nº 889.528/SC, admitiu a possibilidade da responsabilização penal da pessoa jurídica. Desta feita, possivelmente se constata que, não há o que se questionar acerca da responsabilidade penal da pessoa jurídica por crimes ambientais, tendo em vista que esta constitui um mandamento constitucional ratificado pela Lei nº 9.605/98 e pelo Superior Tribunal de Justiça.
Até o ano de 2013, o Supremo Tribunal Federal não havia se pronunciado sobre a responsabilidade da pessoa jurídica, só havendo decisões do STJ acerca da temática. No julgamento do RE 548.181/PR, de relatoria da Ministra Rosa Weber, a Primeira Turma do STF enfrentou diretamente o tema, decidindo que é admissível a condenação de pessoa jurídica pela prática de crime ambiental, ainda que absolvidas as pessoas físicas ocupantes de cargo de presidência ou de direção do órgão responsável pela prática criminosa.
A partir do referido julgamento, a Primeira Turma do STF fixou entendimento de que é inteiramente possível a responsabilização penal da pessoa jurídica pela prática de crimes ambientais, ainda que não haja responsabilização de pessoas físicas, visto que a turma entendeu que o artigo 225, § 3º, da Constituição não condiciona a responsabilização penal da pessoa jurídica por crimes ambientais à simultânea persecução penal da pessoa física, em tese, responsável no âmbito da empresa infratora.
Desse modo, a Corte entendeu que, no que diz respeito à imputação das condutas tipificadas aos dirigentes das empresas, deve ficar comprovado o nexo causal entre a sua condição de dirigente e as imputações a ele atribuídas, sendo apontados os elementos hábeis a descrever a relação entre os fatos delituosos e a autoria, sob pena de ofensa direta ao princípio da ampla defesa (THOMÉ, 2016).
Ainda, é importante destacar que o sistema da responsabilidade penal diverge da teoria da responsabilidade civil ou administrativa, pois enquanto as responsabilidades civil e administrativa são fundamentadas pela teoria objetiva, a cominação da responsabilidade penal requer a demonstração da culpa (MEDEIROS e ROCHA, 2014).
Resta evidente que a aferição do elemento subjetivo deve recair sobre a conduta do ser humano que tomou a decisão, sem que isso negue a existência da pessoa jurídica, ou seja, devem-se apurar os elementos objetivos e subjetivos da responsabilidade penal da pessoa jurídica no fato típico praticado pelo seu órgão colegiado.
Destarte, há delitos que somente podem ser cometidos por determinadas pessoas, como por exemplo, alguns crimes contra a administração ambiental, tipificados nos artigos 66 e 67 da Lei nº 9.605/98, que se referem expressamente ao funcionário público.
Em decorrência da prática de crimes ambientais, a Lei nº 9.605/98 estabelece que são aplicáveis às pessoas jurídicas as seguintes penas: multa; restritivas de direitos e prestação de serviços à comunidade. Dessa forma, poderão ser aplicadas multas, penas restritivas de direitos e prestação de serviços à comunidade, isolada, cumulativamente ou alternativamente, conforme o caso concreto. A pena privativa de liberdade é a única não cabível à pessoa jurídica, por ser incompatível com a natureza da pessoa.
A pena de multa imputada a pessoa jurídica será calculada também de acordo com as regras do Código Penal, uma vez que a Lei nº 9.605/1998 não estabeleceu regra específica para o cálculo da sanção pecuniária a ser aplicada. Mesmo que fixada no máximo, pode ainda ser triplicada, tendo em vista o valor da vantagem econômica auferida com o delito, nos termos do artigo 18 da citada lei.
Com relação às penas restritivas de direitos, escreve Melo (2017, p. 499):
As penas restritivas de direitos aplicáveis às pessoas jurídicas estão definidas nos artigos 22 e 23 da Lei nº 9.605/1998, quais sejam: suspensão parcial ou total das atividades, aplicável quando a pessoa jurídica não estiver obedecendo às disposições legais ou regulamentares relativas à proteção do meio ambiente (artigo 22, I e § 1º); interdição temporária de estabelecimento, obra ou atividade, que poderá ser aplicada quando o estabelecimento, obra ou atividade funcionar sem a devida autorização, ou em desacordo com a concedida, ou com violação de disposição legal ou regulamentar (artigo 22, § 2º); proibição de contratar com o Poder Público e dele obter subsídios, subvenções ou doações: tal pena não poderá exceder o prazo de dez anos, independentemente de se tratar de crime culposo ou doloso.
Já no que diz respeito à prestação de serviços à comunidade pela pessoa jurídica, o artigo 23, I a IV da Lei nº 9.605/1998 aponta quatro possibilidades que poderão ser apresentadas por proposição do Ministério Público ou mesmo da própria entidade ré ao juiz para cumprimento, são elas: “custeio de programas e de projetos ambientais, execução de obras de recuperação de áreas degradadas, manutenção de espaços públicos e contribuições a entidades ambientais ou culturais públicas”.
O artigo 24 da Lei nº 9.605/1998 ainda prevê à pessoa jurídica a sanção extrema da liquidação forçada. Essa sanção implica a dissolução da empresa, uma vez que todo o seu patrimônio será considerado instrumento de crime e, como tal, perdido em favor do Fundo Penitenciário Nacional. Essa sanção somente poderá ser aplicada quando a empresa tiver como finalidade preponderante (ou exclusiva) permitir, facilitar ou ocultar a prática de crime definido na Lei nº 9.605/1998.
Por último, é importante destacar que embora a atual orientação dominante, corroborada tanto no STF como no STJ, entender que a Constituição admite a possibilidade da pessoa jurídica figurar como sujeito ativo de crime ambiental, ainda existe controvérsia quando a causadora do dano é uma pessoa jurídica de direito público, que em tese, teria vinculo para a proteção e não para o dano.
Os defensores da responsabilização penal da pessoa jurídica de direito público se utilizam do argumento de que nem a Constituição nem a Lei nº 9.605/98 especificam a quais pessoas jurídicas (de direito público ou de direito privado) se aplicam a responsabilidade penal. Segundo os defensores dessa corrente, se a norma não fez tal distinção, não cabe ao intérprete fazê-lo (THOMÉ, 2016).
Por outro lado, há quem sustente que a omissão da Constituição e da Lei nº 9.605/98 em diferenciar, quanto à responsabilidade penal, as pessoas jurídicas de direito privado e de direito público não autoriza a conclusão de que ambas podem se submeter à pena criminal. Isto porque se trata de entes cuja natureza e propósitos não se confundem, e, por isso, não podem receber o mesmo tratamento, especialmente na esfera penal. Se o Estado não é um fim em si, mas atua com propósito que lhe transcende, não é possível que entidades públicas sejam equiparadas às privadas quando se trata de analisar suas finalidades (SANCHES CUNHA, 2017).
Não se pode negar, no entanto, que o direito penal ambiental não possa alcançar o poder público, assim como alcança as empresas privadas, visto que a Constituição determina que é dever de todos a manutenção de um ambiente sadio, equilibrado e limpo. Deve-se pensar, portanto, em um direito que represente a realidade social, punindo todos os responsáveis por eventuais danos ambientais na medida de suas responsabilidades, sejam estes, entes públicos ou privados.
No Brasil, portanto, verifica-se que há uma dificuldade de punição de empresas responsáveis por danos ambientais, fato este que se pode ilustrar a partir da análise do caso da tragédia ambiental em Mariana-MG no ano de 2015, em que até os dias atuais ainda não houve punição de nenhum responsável pelo desastre.
4.4 CASO DO ROMPIMENTO DA BARRAGEM DE FUNDÃO EM MARIANA – MG
O dia 5 de novembro de 2015 ficou marcado na história do Brasil como o dia em que ocorreu o maior desastre ambiental do país. O rompimento da Barragem do fundão, no município de Mariana, no Estado de Minas Gerais derramou uma enxurrada de mais de 60 milhões de metros cúbicos de lama e rejeitos da produção de minério de ferro no meio ambiente (RIBEIRO, 2018).
Uma onda gigantesca de óxido de ferro, água e lama invadiu o distrito de Bento Gonçalves (município de Mariana), que ficava próximo ao depósito de rejeitos da mineração. O povoado, até então constituído por moradias de trabalhadores, foi totalmente destruído, ficando submerso a uma camada espessa de lama.
O desastre deixou 17 mortos, centenas de desalojados e atingiu diversos municípios que circundavam a barragem. Áreas residenciais, plantações, pastagens, rios, córregos foram destruídos, quando do acontecimento do desastre e nos dias seguintes, à medida que a enxurrada avançou por mais de 600 quilômetros até atingir o mar (MENEGHETTI, 2017).
A Mina do Germano, situada na porção sul da Serra do Espinhaço, onde está localizada a Barragem do Fundão, é explorada pela mineradora Samarco, que é de propriedade das empresas Vale (brasileira) e BHP Billiton (australiana), e é a responsável pela exploração e controle dos rejeitos da extração de minério no local do rompimento (PAES, 2018).
As barragens de rejeito – gigantescas represas que abrigam os subprodutos da extração de minério – são estruturas utilizadas na região para armazenar os resíduos da atividade mineradora.
A Samarco, quando da ocorrência do desastre, divulgou que os rejeitos originados na barragem não continham substâncias tóxicas para os seres humanos. No entanto, foram publicados pela imprensa, resultados de análises de laboratórios independentes que contrariam a tese da mineradora. As análises independentes apontam que a lama despejada no solo e rios contém concentrações significativas de metais pesados como mercúrio, alumínio, chumbo e cobre.
Aparentemente a Samarco tinha conhecimento que a barragem estava acima da capacidade, tinha falhas na estrutura e problemas de drenagem. O excesso e o tipo de rejeitos podem ter ajudado a liquefazer a estrutura (mas as causas exatas do desastre ainda estão sendo apuradas). Além disso, em 2009, a mineradora não utilizou um plano de contingência mais amplo, proposto por uma consultoria de segurança terceirizada (MENEGHETTI, 2017).
Os dejetos do acidente foram transportados pelas águas do Rio doce, que margeia a barragem rompida, por aproximadamente 600 quilômetros, até atingir o Oceano Atlântico no município de Linhares, foz do rio, no litoral capixaba.
A região da bacia do Rio Doce está numa área que abriga mais de 3 milhões de habitantes e todos os municípios cortados pelo rio, nos estados de Minas Gerais e Espírito Santo, tiveram impactos ambientais e sociais significativos em razão da passagem da enxurrada de rejeitos da mineração.
A população da área afetada sofreu e ainda sofre prejuízo em atividades, como a produção de alimentos pela agricultura, pecuária, abastecimento de água potável, pesca, além da incalculável destruição da vida aquática do Rio Doce, tendo em vista, que milhões de toneladas de peixes foram mortos com a passagem da enxurrada de lama e outros produtos contaminados pelo rio, além da extinção de áreas de lavouras e pastagem.
A investigação da Polícia Federal apontou que, entre 2012 e 2015, a Samarco reduziu em torno de 30% seu orçamento na área responsável pelo controle de barragens. Além disso, ainda segundo a PF, o complexo de Germano estava recebendo, indevidamente, rejeitos de outras minerações da Vale, em volume bem acima do divulgado pelas empresas (PAES, 2018).
Um ano após o desastre, a Justiça Federal tornou rés, em uma ação por homicídios e crimes ambientais, 22 pessoas, além das mineradoras Samarco, Vale e BHP e da empresa de engenharia VogBR. Em 2017, o processo criminal chegou a ficar suspenso por cerca de quatro meses devido à contestação da defesa sobre legalidade de escutas telefônicas contidas nos autos. Atualmente, o processo segue correndo na comarca de Ponte Nova, na Zona da Mata, sem que os réus tenham sido julgados (PAES, 2018).
Constata-se, portanto, que após três anos do desastra ambiental ocorrido pelo rompimento da barragem de Fundão em Mariana-MG, até a presente data, ainda não houve, a responsabilização penal de nenhuma pessoa física ou jurídica pelos danos ambientais causados e pelas mortes ocorridas, sem adentrar na questão da indenização que a maioria das vítimas ainda não recebeu.
Apesar da Constituição Federal e a Lei nº 9.605/98 terem determinada a responsabilização penal da pessoa jurídica pela prática de crimes ambientais, bem como o STJ e o STF já terem se manifestado acerca da questão, reafirmando essa possibilidade, a temática ainda é alvo de constantes debates doutrinários e jurisprudenciais. Além disso, fatores como conchavos políticos e trocas de favores entre empresários e o Poder Público, dificulta a punição dos responsáveis por tragédias ambientais como a ocorrida em Minas Gerais.
O que se pode perceber é que os impactos atuais e futuros da tragédia de Mariana, tanto para as pessoas atingidas, quanto para o meio ambiente do qual fazem parte, além de gravíssimos, são impossíveis de ser mensurados, atingindo não apenas a fauna e a flora da região, mas afetando diretamente a vida de muitas famílias ainda desamparadas e sem previsão de restabelecimento de seus direitos.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
No contexto atual do mundo, não se concebe mais vivenciar as questões ambientais num plano secundário, visto que a questão ambiental necessita ser cada vez mais pensada para garantir estratégias de proteção ao meio ambiente, pois a natureza já apresenta fortes sinais do esgotamento de seus recursos, sinais estes que representam graves problemas para toda a humanidade.
Diante da realidade atual, é fundamental que se adote medidas em nível mundial para combater a degradação da natureza e assim conseguir a obtenção de um meio ambiente cada vez mais equilibrado e capaz de viabilizar o desenvolvimento econômico dos países desenvolvidos ou em desenvolvimento.
As pessoas jurídicas são, indiscutivelmente os maiores agressores e tem também a maior parte da responsabilidade no que se refere a reparação dos danos, em virtude de seu poder econômico. Nesse sentido, o Brasil, seguindo a tendência mundial deu um importante passo na proteção ao meio ambiente a fixar na Constituição Federal de 1988 e na Lei nº 9.605/98 a responsabilização da pessoa jurídica pela prática de crimes ambientais.
Ocorre que esses instrumentos normativos que tutelam o meio ambiente não vêm conseguido alcançar o êxito esperado, como se depreende da análise do caso da tragédia de Mariana-MG, em que até a presente data, não houve nenhuma condenação criminal dos responsáveis pelo desastre corrido.
Embora haja divergências, não se pode negar que a Carta Magna brasileira e a Lei nº 9.605/98 foram taxativas em estabelecer, além da responsabilização penal das pessoas físicas, a responsabilidade das pessoas jurídicas por degradações ao meio ambiente. Trata-se, portanto, de um progresso da legislação brasileira em buscar estabelecer mecanismos de proteção ambiental.
A responsabilização penal da pessoa jurídica representou a vontade do legislador em punir todos os responsáveis por práticas lesivas ao meio ambiente, tanto pessoas físicas quanto jurídicas. Por possuir respaldo constitucional e legal, não há o que se questionar acerca da aplicação de tal responsabilidade às pessoas jurídicas, sejam elas de direito público ou privado, devendo as eventuais penalizações serem aplicadas de acordo com a natureza de cada ente.
A proteção penal do meio ambiente, portanto, é fundamental para manutenção dos recursos naturais, visto que, meras sanções civis e administrativas não são suficientes para impedir que condutas lesivas continuem a ser perpetradas contra a natureza em nome do desenvolvimento e da busca pelo lucro, que certamente fala mais alto quando está em jogo o poder monetário.
Contudo, para garantir efetividade a proteção, o Estado necessita ser efetivo em colocar em prática seu jus puniendi, de modo a fiscalizar e punir a ação das pessoas jurídicas, adotando o princípio da prevenção para evitar ao máximo que danos ambientais ocorram, cabendo ao Poder Público, ainda, incentivar o desenvolvimento ecológico das empresas no país.
Nessa conjuntura, o Poder Judiciário precisa ser efetivo no enfrentamento da responsabilização penal da pessoa jurídica por crimes ambientais, visto que a Constituição Federal e a Lei de Crimes Ambientais são taxativas na imposição de tal responsabilidade. Nesta perspectiva, a morosidade do Judiciário em estabelecer decisões finais que penalizem tanto pessoas físicas quanto jurídicas por danos ambientais acaba agravando a impunidade e gerando um descrédito na população para com os órgãos julgadores, podendo até criar um sentimento de que não há punição eficiente no país para aqueles que degradam o meio ambiente.
Desta feita, o Estado, as empresas e a sociedade não podem se eximir de suas responsabilidades com as gerações futuras, devendo agir com consciência ambiental e desempenhar papéis fundamentais na resolução de problemas ambientais já existentes por conta da ampla degradação do meio ambiente, com vistas a garantir o equilíbrio ecológico e a consequente preservação da vida em todo o planeta Terra.
A presente pesquisa, utilizando da metodologia necessária, buscou atingir seus objetivos em discorrer acerca da responsabilidade penal da pessoa jurídica por crimes ambientais, e para tanto, abordou no primeiro momento, e em linhas gerais, acerca do Direito Ambiental e do meio ambiente enquanto bem jurídico, tratando de apresentar a evolução da proteção ao meio ambiente no Brasil até os ditames da Constituição Federal de 1988.
Posteriormente, no segundo momento, foi analisado o direito ao meio ambiente equilibrado como direito fundamental, oportunidade, em que se discorreu acerca do meio ambiente enquanto bem de uso comum do povo, apresentando-se também os princípios regentes do Direito Ambiental no Brasil.
No terceiro momento, por fim, foi feita uma análise do conceito de dano ambiental, com vistas a compreender as nuances da responsabilidade penal da pessoa jurídica quando da ocorrência desses danos, analisando o atual estágio de responsabilização dos envolvidos no caso do rompimento da barragem de Mariana no Estado de Minas Gerais.
Mesmo em razão de toda abordagem executada, não houve pretensão de exaurir o tema abordado, mas sim, em demonstrar a importância de investir na proteção de um meio ambiente saudável em favor da vida, proteção esta que também deve ser garantida através dos instrumentos legais de repressão a ilícitos cometidos contra este bem jurídico, em razão de danos que em sua maioria, são perpetrados por pessoas jurídicas.
Nesta senda, a proteção ao meio ambiente deve ser objeto de esforços tanto por parte do Poder Público quanto de empresas e de toda a coletividade, não podendo a questão ambiental ser negligenciada ou tratada em um plano secundário, devendo os instrumentos legais de responsabilização das pessoas jurídicas por danos ambientais serem aplicados de modo efetivo, sob pena de se esvaziarem em si mesmos, facilitando a impunidade e comprometendo o futuro das gerações.
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Acadêmica do curso de Direito da Universidade Federal de Campina Grande.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: PEDROSA, Raissa Lira. Considerações acerca da responsabilidade penal da pessoa jurídica por crimes ambientais: uma análise acerca da tragédia de mariana-mg Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 28 dez 2018, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/52539/consideracoes-acerca-da-responsabilidade-penal-da-pessoa-juridica-por-crimes-ambientais-uma-analise-acerca-da-tragedia-de-mariana-mg. Acesso em: 22 nov 2024.
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