Resumo: O presente artigo objetiva traçar um paralelo entre o tratamento que o Direito Civil dispensa ao menor relativamente capaz e o tratamento que o Direito Penal e o ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente) dão àquele maior de 16 e menor de 18 anos. Discursar sobre a questão da constitucionalidade (ou não) da redução da maioridade penal para 16 anos no Brasil. Para enfim propor um modelo de transição da completa irresponsabilidade à responsabilização penal passando pela semi-imputabilidade, como um degrau necessário ao Direito Penal e consequentemente ao Direito da Criança e do Adolescente, onde o semi-imputável é estimulado, progressivamente a abandonar práticas ilícitas de natureza criminal.
Palavras-chave: Redução da Maioridade Penal – Constitucionalidade – Transição da inimputabilidade à imputabilidade – Lacuna – Preenchimento através da semi-imputabilidade
Abstract: The present article aims to draw a parallel between the treatment that the Civil Law exempts the relatively able child and the treatment that the Criminal Law and ECA (Child and Adolescent Statute) give to those over 16 and under 18 years of age. To discuss the question of whether or not to reduce the age of criminality to 16 years in Brazil. Finally, to propose a model of transition from complete irresponsibility to criminal accountability through semi-imputability, as a necessary step to Criminal Law and consequently to the rights of the Child and Adolescent, where the semi-imputable is progressively encouraged to abandon illicit practices of criminal nature.
Key words: Reduction of the Penal Majority - Constitutionality - transition from incomputability to imputability - Lacuna - Completeness through semi-imputability
SUMÁRIO: 1. Resumo 2. Introdução 3. Desenvolvimento 3.1. Discussão 3.2. Análise de resultados 4. Considerações finais 5. Referências bibliográficas.
Com o recente reacendimento do debate sobre a redução da maioridade penal trazido por diversos fatos de grande repercussão nacional, nos vimos interessados em fazer novas reflexões jurídicas acerca da redução da maioridade penal.
Os defensores da redução da maioridade penal debruçam-se principalmente na questão de afastamento da menoridade penal dada a gravidade do ato praticado pelo menor, como é o caso da prática de atos infracionais análogos a crimes hediondos listados na Lei 8.072/1990, como latrocínio, extorsão, estupro, favorecimento à prostituição e exploração sexual de crianças, adolescentes e vulneráveis e ainda homicídio doloso, lesão corporal seguida de morte e reincidência em roubo qualificado feminicídio, homicídio contra agentes responsáveis pela segurança pública, carceragem e defesa, e na questão de ser a punição atual extremamente branda dada a gravidade do ato cometido, além do que este menor passa a ser aliciado pelo criminoso adulto, devido à relação custo/benefício entre o ganho obtido pela prática do ato infracional e a possível medida corretiva, no caso de descoberta do fato.
Já os defensores da manutenção da maioridade penal levantam argumentos de que o jovem está em desenvolvimento, que já existe punição para o menor infrator prevista no ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente) SINASE (Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo) e que o que está em jogo é se a punição deve ser a mesma aplicada ao maior de idade ou diferenciada. Além do que o aumento da população carcerária não refletiria necessariamente na sensação de segurança.
“O constitucionalismo é a história da busca, pelo Homem político, da limitação do poder”, Karl Loewenstein. Nesse sentido o constitucionalismo se contrapõe ao Absolutismo, ele trata das relações do Estado com o indivíduo e a sociedade. É com esse espírito que pretendemos avançar nos estudos do tema proposto.
A contemporaneidade e densidade do tema justificam o desenvolvimento deste trabalho científico. Sua riqueza e profundidade interessam ao meio jurídico, onde o profissional do Direito deve possuir uma vasta gama de conhecimentos para resolver os desafios que se lhe apresentam constantemente.
A sociedade está sempre se reinventando e está em constante transformação. Talvez isso justifique a constante discussão acerca do tema. Para tanto devemos ter cautela e fazermos uma análise histórica e contextualizada para não incorrermos no erro de fraudar nossa essência como sociedade organizada. Justifica-se este artigo pela relevância do tema pois esse assunto reflete em todo o sistema social pois diz respeito aos nossos jovens, futuros protagonistas da sociedade em alguns anos quando tornarem-se adultos plenamente responsáveis pelos seus atos, daí sua relevância.
Quantas questões o tema nos instiga?
A contribuição e o provável avanço que ocorrerá com o desenvolvimento da pesquisa é trazer segurança jurídica ao país com decisões na seara penal mais justas.
A partir de que momento um jovem tem discernimento para compreender a ilicitude de um fato tido como criminoso? O que diz a Doutrina? Qual plausibilidade de se apenar menores de idade?
Vejamos como se comportou o instituto das medidas socioeducativas, em especial a internação, desde sua instalação no nosso ordenamento jurídico, para enfim apresentar alternativa viável a toda essa discussão.
Objetiva este trabalho realizar a revisão bibliográfica sobre o tema, analisando a respectiva evolução doutrinária, jurisprudencial e normativa, aprofundando, principalmente, no estudo sobre o desenvolvimento psicossocial do menor confrontando-o com a possibilidade de ser réu em processo penal.
Buscaremos a interdisciplinaridade entre Direito Penal, o Direito Civil e o Direito da Criança e do Adolescente para traçarmos respostas consistentes aos desafios do tema, guardadas as devidas cautelas, pois sabedores de que o Direito Penal está intimamente ligado à liberdade do indivíduo não devendo ser banalizado, todavia não se pode olvidar de seu caráter intimidatório.
Pretendemos, especificamente, analisar os Sistema de Direitos e Garantias Fundamentais; Discursar sobre o Princípio da inimputabilidade; Analisar os tipos de medidas socioeducativas existentes; analisar pragmaticamente as estatísticas sobre menores infratores; traçar um paralelo interdisciplinar entre Direito Penal, o Civil e o Direito da Criança e do Adolescente para enfim, trazer do conceito de semi-imputabilidade presente no Direito Civil novos elementos para auxiliar na solução da controvérsia jurídica.
O presente trabalho utilizará o método lógico-dedutivo, em sua maior parte, baseando-se na construção doutrinária, jurisprudencial e normativa, sendo analisada a referência dos institutos abordados em face dos princípios que integram o regime jurídico.
A pesquisa bibliográfica sobre o tema, por meio de artigos jurídicos, doutrina, revistas jurídicas, jurisprudência, normas constitucionais e infraconstitucionais, correlacionando-a interdisciplinarmente com elementos das diversas ciências jurídicas materiais.
Para tanto, analisaremos mais detidamente o que diz a doutrina mais especializada a jurisprudência e a experiência de outros países ao enfrentar a questão.
Esboçaremos leitura sistêmica, buscando interpretação histórica da questão, além de correlacioná-la com inovações legislativas e jurisdicionais a fim de aprofundarmos no tema, e consequentemente na solução do problema aqui proposto.
Dos recentes fatos que reacenderam a discussão relembramos o caso do latrocínio da vítima Vitor Hugo Deppman, em São Paulo em abril de 2013, que ao ser abordado não reagiu nem se recusou a entregar o telefone celular e mesmo assim foi assassinado com um tiro na cabeça por um menor que faltava apenas 3 dias para completar 18 anos. Noticia-se que após a arma falhar a primeira vez, o menor infrator novamente engatilhou a arma e desferiu-lhe um novo disparo letal, desta vez na cabeça.
O caso do assassinato de Felipe Caffé e Liana Friedenbach. O líder do grupo, Roberto Aparecido Alves Cardoso, mais conhecido como Champinha, aos 16 anos, assassinou, em novembro de 2003, um casal que acampava na zona rural de Embu-Guaçu, a 36 km do centro da capital paulista. Felipe Caffé morreu com um tiro na nuca e Liana Friedenbach foi violentada várias vezes antes de ser esfaqueada até a morte. Champinha recebeu aplicação da medida mais severa prevista no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), Lei 8069/90, a internação de, no máximo, três anos em unidade específica para menores de 18 anos (art. 121, §3º do ECA). Após esse período permaneceu internado por medida judicial em uma instituição psiquiátrica, com base em perícias feitas por psiquiatras forenses, medida está prevista também pelo ECA em seus arts. 101, inciso V c/c art. 112, inciso VII paragrafo 3º.
Em 2007, o caso João Helio Fernandes Vieites estarreceu a sociedade: a criança foi assassinada com 06 (seis) anos de idade, cinco jovens, dentre eles um adolescente de dezesseis anos na Cidade do Rio de Janeiro, sendo arrastado por sete quilômetros, preso pelo cinto de segurança do lado de fora do veículo de sua mãe que estava sendo levado pelos assaltantes. Ao menor envolvido foi aplicada medida de internação por 03 (três) anos.
Outro caso de grande repercussão envolveu um adolescente de 17 anos que confessou ter queimado e assassinado a dentista Cinthya Magaly Moutinho de Souza dentro do seu próprio consultório em abril de 2013, em São Bernardo do Campo, no ABC Paulista. Ao jovem foi aplicada a medida de internação por tempo indeterminado, não podendo ultrapassar 3 anos, na Fundação Casa (Centro de Atendimento Socioeducativo ao Adolescente).
A estudante Natália Morais Félix, atropelada por um menor de 16 anos após o assalto, em 2015. O menor confessou que passou por cima da cabeça da vítima de propósito. Além desses casos dezenas de crimes sexuais foram relatados na última década com o envolvimento de menores infratores. Como o caso o caso da vítima Elainne Cassyane, de 13 anos, que foi estuprada e morta por dois adolescentes de 17 anos, um deles já havia sido detido por tentativa de estupro.
Há várias propostas em discussão, as quais destacamos as que tramitam em conjunto no Senado: as PECs nºs 33, de 2012; 74, de 2011; 33, de 2012; 21, de 2013 e 115, de 2015. Existe também a PEC 117 de 1993 tramitando na Câmara. A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 33/2012, que estabelece a redução da maioridade penal para os jovens de 18 para 16 anos teve bom trâmite na CCJ (Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania) do senado até o final de 2018 porém foi arquivada pelo disposto no art. 332, §1º do Regimento Interno do Senado[1]. Na prática, isso significa que a proposta é constitucional e pode ser analisada pelo Congresso.
Essa PEC debruça-se na alteração do art. 129 da Constituição Federal para acrescentar às funções institucionais do Ministério Público a promoção do incidente de desconsideração de inimputabilidade penal de menores de dezoito e maiores de dezesseis anos.
A proposta visa também a alteração o art. 228 da Constituição Federal para dispor que Lei Complementar estabelecerá os casos em que o Ministério Público poderá propor, nos procedimentos para a apuração de ato infracional praticado por menor de dezoito e maior de dezesseis anos, incidente de desconsideração da sua inimputabilidade.
Confiramos a redação do mencionado preceito insculpido na Carta Magna:
Art. 228. São penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos, sujeitos às normas da legislação especial.
Redação que é replicada no ECA, o Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei nº 8.069/90:
Art. 104. São penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos, sujeitos às medidas previstas nesta lei.
O código penal, por sua vez, ao tratar dos menores de 18 anos, os remete às normas da legislação especial, a saber, o ECA, e. e, em consonância com a Constituição, trata-os como penalmente inimputáveis:
Art. 27. Os menores de 18 (dezoito) anos são penalmente inimputáveis, ficando sujeito às normas estabelecidas na legislação especial.
Vale ressaltar que para acalorar o debate ainda há o argumento de que a inimputabilidade do menor trata-se na verdade de cláusula pétrea, pois o artigo 228 da CF, embora, topograficamente não esteja situado no rol do art. 5º da CF, estabeleça normas de direito individuais conforme interpretação do art.5º, § 2º que dispõe que “os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.”
Esta é a enfática posição de OENNING (2011):
Muito embora não esteja elencado no art. 5º, a maioridade penal iniciada aos 18 anos trata-se obviamente de cláusula pétrea, pois estabelece normas de direito individuais, e deste modo não pode ser objeto de emenda constitucional, conforme trata o artigo 60 da CF (…)
Com isso se deduz que o Art. 228 é sim cláusula pétrea, não admitindo a redução da maioridade penal, visando somente punir quem já esteja maduro e tenha pleno discernimento de seus atos, e não aqueles que ainda estão descobrindo seus sentimentos e não estão suficientemente amadurecidos.
Além do que interpretando esse artigo de acordo com nosso Estado Democrático de Direito é afastada qualquer possibilidade de alteração.
Não há de se punir aqueles que são incapazes de entender as decisões fundamentais da vida adulta. Assim, sendo vedado o retrocesso da norma, essa não é mais suscetível a modificação.
Por este motivo o menor independentemente da infração praticada, não pode ser submetido as mesmas sanções dos considerados penalmente puníveis, nem ser custodiado nos mesmos estabelecimentos penitenciários por força dos artigos 227 e 228 e demais.
Corrobora com a tese o ensinamento de Martins (2005):
Os direitos e garantias individuais conformam uma norma pétrea. Não são eles apenas os que estão no art. 5º, mas, como determina o parágrafo 2º do mesmo artigo, incluem outros que se espalham pelo texto constitucional e outros que decorrem de implicitude inequívoca. Trata-se, portanto, de um elenco cuja extensão não se encontra em Textos Constitucionais anteriores.
Como são tratados os atos praticados por menores de 18 anos? O ECA traz em seu artigo 103 o seguinte regramento “considera-se ato infracional a conduta descrita como crime ou contravenção penal”, e que essa conduta seja cometida por menores com idade entre 12 e 18 anos. Portanto, a título de aprimoramento, não se fala em crime praticado por menor, e sim ato análogo a crime praticado por menor.
O debate entre prós e contras acerca da redução da maioridade penal nos despertou o interesse pelo assunto, a ponto de buscarmos aprofundamento suficiente para formar nossa convicção e auxiliar na construção da ciência jurídica penal.
Enfim, chegamos no ano de 2018 com a eleição do Presidente da República que se mostra favorável à redução da maioridade penal. De onde partiremos com nossos estudos a fim de buscar redução pragmática à crescente integração do menor ao mundo do crime.
Discussão:
Primeiramente, passemos ao comento sobre a inconstitucionalidade da redução da maioridade, aliada à proibição de retrocesso, que por óbvio, caso se constate tratar-se de cláusula pétrea, irrevogável, toda a temática do presente artigo mudará seu curso.
Renomadas instituições defendem a inconstitucionalidade da redução da maioridade penal, como a Associação Brasileira de Magistrados, Promotores de Justiça e Defensores Públicos da Infância e da Juventude e o Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCRIM), com argumentos muito bem condensados em nota técnica[2] deste último, os quais transcrevemos:
A inimputabilidade assim declarada constitui uma das garantias fundamentais da pessoa humana, embora topograficamente não esteja incluída no respectivo Título (II) da Constituição que regula a matéria. Trata-se de um dos direitos individuais inerentes à relação do artigo 5º, caracterizando, assim, uma cláusula pétrea. Consequentemente, a garantia não poder ser objeto de emenda constitucional visando à sua abolição para reduzir a capacidade penal em limite inferior de idade — dezesseis anos, por exemplo, como se tem cogitado. A isso se opõe a regra do § 4º, IV, do art. 60 da CF (René Ariel Dotti, Curso de Direito Penal: parte geral, Rio de Janeiro, Forense, 2001, p. 413.
E no mesmo sentido, Wilson Donizete Liberati: já não são poucos aqueles que entendem que o enunciado do art. 228 constitui cláusula pétrea. Com acerto, o magistrado paulista, Luís Fernando Camargo de Barros Vital, comentando ‘A irresponsabilidade penal do adolescente’, na Revista Brasileira de Ciências Criminais — IBCCRIM (ano 5, n.º 18, abr./jun., 1997, p.91), lembra que ‘neste terreno movediço em que falta a razão, só mesmo a natureza pétrea da cláusula constitucional (art. 228) que estabelece a idade penal, resiste ao assédio do conservadorismo penal. A inimputabilidade etária, muito embora tratada noutro capítulo que não aquele das garantias individuais, é sem dúvida um princípio que integra o arcabouço de proteção da pessoa humana do poder estatal projetado naquele, e assim deve ser considerado cláusula pétrea.
O Brasil é signatário de Convenções Internacionais com o escopo de se resguardar os interesses de crianças e adolescentes. A principal delas é a Convenção sobre direitos da Criança recepcionada pelo Decreto n.º 99.710/1990). Em seu primeiro artigo define criança como sendo aquele com menos de dezoito anos, trazendo a exceção “a não ser que, em conformidade com a lei aplicável à criança, a maioridade seja alcançada antes.”
Hathaway (2015) nos esclarece que a convenção ainda distingue a idade mínima de responsabilização penal (IMRP) da Idade de Maioridade Penal (IMP), no Brasil a primeira ocorre a partir dos 12 anos (ECA, art. 2º, parte final) e a segunda a partir dos 18 anos (CF/88, art. 228 c/c CP, art. 27).
Hathaway (2015) resgata um pouco de nossa história, ao comentar sobre a evolução da responsabilização dos menores de idade:
“A responsabilidade penal e a imputabilidade de crianças, adolescentes e jovens vêm sendo regulamentadas no direito brasileiro desde a sanção da Lei de 16 de dezembro de 1830, que instituiu o Código Criminal do Império, em cumprimento à regra programática da Constituição de 1824. O Código substituiu o livro V das Ordenações Filipinas, de 1603 – legislação portuguesa vigente mesmo depois da Independência, em 1822, por disposição transitória da Assembleia Nacional Constituinte de 1823 (PESSOA, 2015).
O Código Criminal do Império reconhecia a inimputabilidade de crianças e adolescentes até quatorze anos, ao tempo em que abandonava as penas corporais e dava início ao uso da pena de prisão como peça central do sistema penal que substituiria as Ordenações Filipinas (MOTTA, 2011, p. 75-83). Os dispositivos relevantes para a questão da inimputabilidade penal no Código Criminal do Império eram os arts. 10 a 13, assim redigidos:
Art. 10. Também não se julgarão criminosos:
§ 1º Os menores de quatorze anos.
(…)
Art. 13. Se se provar que os menores de quatorze annos, que tiverem commettido crimes, obraram com discernimento, deverão ser recolhidos ás casas de correção, pelo tempo que ao Juiz parecer, com tanto que o recolhimento não exceda á idade de dezasete annos.”
No mencionado diploma, a responsabilização do menor era a partir de quatorze anos (art.10) e traçava a exceção da prova do discernimento no cometimento do crime, que permitia o recolhimento do menor de quatorze anos às casas de correção, por tempo a ser determinado pelo juiz, que não ultrapassasse a idade de dezesseis anos (art. 13).
Tomando como base essas informações, aliadas às informações de que diferentes países signatários da Convenção traçam a IMRP e a IMP com marcos etários distintos[3] variando a IMRP entre 06 a 18 anos e a IMP entre 12 a 25 anos, temos por bem entender que a definição da idade mínima se trata de política criminal a ser adotada conforme a necessidade de cada país, respeitados os preceitos da Convenção.
Outro argumento que reforça a posição de que se trata de uma política criminal é a inclinação ideológica do governante que está na situação. Vejamos, o atual governo de Jair Bolsonaro mostra-se favorável à redução da maioridade penal, já no governo de Dilma Rousseff havia uma clara posição de manter-se a maioridade penal em 18 anos, conforme se infere da nota técnica emitida em 2016 pela Secretaria Nacional de Juventude, órgão vinculado a Secretaria-Geral da Presidência da República, com fim precípuo de desarticular a aprovação da PEC 171/93 (PEC da redução da maioridade penal):
Por último, ressalta-se o entendimento desta Secretaria de que qualquer proposta que vise a alterar o artigo 228 da Constituição é uma clara violação de cláusula pétrea. A Constituição estabelece que o direito à infância é um direito social e prescreve que a criança e o adolescente são objeto de especial defesa da ordem jurídica, e para que ela se torne efetiva, várias previsões foram feitas, entre elas a do art. 228, que determina que são inimputáveis os menores de 18 anos.
A conclusão que queremos chegar com esse raciocínio é que a estrutura da política criminal tende a moldar-se conforme a “cara” do governo. Isto reforça a tese de maleabilidade do preceito constitucional insculpido no art. 228. Some-se a isso o fato de não haver pronunciamento do STF sobre a matéria.
Minha opinião sobre o tema é de que há um núcleo indisponível no artigo 228 da Constituição, a saber: a inimputabilidade do menor. Porém a fixação do parâmetro cronológico é de fato uma política criminal, passível de revisão, desde que não vise a quebra da garantia constitucional da maioridade penal.
Corrobora com nosso entendimento a lição de Pedro Lenza (2015, p. 1464)
Nos termos do art. 228 da CF/88, são penalmente inimputáveis os menores de 18 anos, sujeitos às normas da legislação especial. Muito se cogita a respeito da redução da maioridade penal, de 18 para 16 anos. Para tanto, o instrumento necessário seria uma emenda à Constituição e, portanto, manifestação do poder constituinte derivado reformador, limitado juridicamente. Neste ponto, resta saber: eventual EC que reduzisse, por exemplo, de 18 para 16 anos, a maioridade penal violaria a cláusula pétrea do direito e garantia individual (art. 60, § 4º, IV)? Embora parte da doutrina assim entenda, para nós é possível a redução de 18 para 16 anos, uma vez que apenas não se admite a proposta de emenda (PEC) tendente a abolir direito e garantia individual. Isso não significa, como já interpretou o STF, que a matéria não possa ser modificada. Reduzindo a maioridade penal de 18 para 16 anos, o direito à inimputabilidade, visto como garantia fundamental, não deixará de existir.
Passemos então a tecer breves linhas sobre a imputabilidade. Ressaltamos que nossas considerações tomam como ponto de partida a teoria tripartida do crime, cuja imputabilidade compõe o elemento da culpabilidade junto com a Potencial Consciência da Ilicitude e a Exigibilidade de Conduta Diversa.
O estudo da culpabilidade veio para corrigir uma distorção no direito penal que atribuía a responsabilidade penal pela simples ocorrência do fato lesivo. Com a evolução da ciência tornaram-se indispensáveis o dolo (vontade) e a culpa em sentido estrito (previsibilidade). Nasce com isso a teoria psicológica da culpabilidade, que nas palavras de Mirabete (2002, p.195) “reside numa ligação de natureza psíquica (psicológica, anímica) entre o sujeito e o fato criminoso. Dolo e culpa, assim seriam as formas da culpabilidade.”
O autor nos ensina que a partir dos estudos de Frank, passou-se a entender que o dolo e a culpa eram insuficientes para se falar de culpabilidade, pois a teoria psicológica não atentava para necessidade de reprovabilidade da conduta pela lei penal e também não explicava a culpa inconsciente (onde o sujeito não prevê o resultado). “Dolo e Culpa, como liames psicológicos entre o agente e o fato, devem ser valorados normativamente. Há que se fazer um juízo de censura sobre a conduta”. A censurabilidade do fato decorre da exigência ao agente de um comportamento de acordo com o direito.
Essa é a teoria psicológico-normativa da culpabilidade, conhecida por teoria normativa da culpabilidade que Mirabete define (2002, p.196):
A culpabilidade exige o dolo ou a culpa, que são elementos psicológicos presentes no autor, e a reprovabilidade, um juízo de valor sobre o fato, considerando-se que essa censurabilidade somente existe se há no agente a consciência da ilicitude de sua conduta ou, ao menos, que tenha ele possibilidade desse conhecimento.
Com o advento do finalismo de Welzel, o dolo e a culpa deslocaram-se da culpabilidade para o fato típico, pois impensável uma ação humana destituída de finalidade. “O fim da conduta, elemento intencional da ação, é inseparável da própria ação” (Mirabete, 2002, p196). Excluindo-se o dolo, elimina-se a existência de fato tipico, e não a culpabilidade. Com isso chegou-se à teoria normativa pura, onde a culpabilidade perde os elementos dolo e culpa e ganha a “consciência da ilicitude” reduzindo-se a um juízo de censura.
Surge uma nova vertente com a Teoria Complexa da Culpabilidade que defende que o dolo e a culpa ocupam dupla posição, no fato típico como a manifestação volitiva e consciente de se praticar a conduta e na culpabilidade como “portador do desvalor da atitude interna que o fato expressa” nas palavras de Luiz Flávio Gomes, como salienta Mirabete (2002, p.197).
A culpabilidade portanto se desdobra em três elementos, segundo o autor: a imputabilidade que é quando “o sujeito, de acordo com suas condições psíquicas, podia estruturar sua consciência e vontade de acordo com o direito”. A Potencial consciência da ilicitude, traduzida na possibilidade de conhecimento da ilicitude, ou seja, se estava em condições de poder compreender a ilicitude da sua conduta” e a exigibilidade de conduta diversa, “se era possível exigir, nas circunstâncias, conduta diferente daquela do agente.
Desse estudo, concluímos que a menoridade penal é causa de exclusão da culpabilidade, por inimputabilidade. Extraímos a noção de que essa inimputabilidade do menor de 18 anos é uma presunção legal, presunção juris et juris, pois no art. 27 do Código penal o legislador escolhe afastar da tutela do direito penal o menor, deixando-o a cargo da legislação especial (ECA). Isso corrobora com nosso entendimento de que a fixação desta idade trata-se de uma política criminal.
Análise de resultados:
Dando um passo a seguir na argumentação, vislumbro que o código penal traz tratamento diferenciado ao criminoso com menor idade, aquele com faixa etária entre 18 e 21 anos. O que denota uma progressão da severidade com que o Direito Penal atua. Discorrer sobre essa peculiaridade nos auxiliará a reforçar nosso convencimento de que a semi-imputabilidade tem espaço no Direito Penal, pois preenche lacuna entre a total inimputabilidade, a imputabilidade atenuada (de 18 a 21 anos), conhecida como menoridade relativa, e a imputabilidade plena (a partir de 21).
A menoridade relativa está consagrada no Código Penal em seu art. 65, I, que considera atenuante a prática de crime entre 18 e 21 anos. Também está presente no art. 115 que reduz pela metade o prazo prescricional, caso ao tempo do crime o agente possuía idade entre 18 e 21 anos.
Traçando um paralelo com o Direito Civil, na teoria das incapacidades, temos a figura dos relativamente incapazes, onde se encontram os maiores de 16 e menores de 18 anos. A eles é destinado tratamento diferenciado. Nelson Rosenvald e Cristiano Chaves (2008, p.210) ponderam que os relativamente incapazes “constituem categoria de pessoas igualmente necessitadas de proteção jurídica, porém em grau inferior aos absolutamente incapazes” distinguindo-se destes “que não possuem qualquer capacidade de agir, sendo irrelevante, do ponto de vista jurídico, sua vontade, devendo ser representados por terceira pessoa”.
O regramento que o Direito Civil dá aos relativamente incapazes é a necessidade de serem assistidos pelo responsável na prática dos atos da vida civil (art. 1690 do CC). Seus atos jurídicos são passíveis de anulação (art. 171, I do CC), já os atos dos absolutamente incapazes são nulos de pleno direito (art. 166, I do CC). O codex ainda prevê em seu art. 180 que “o menor, entre dezesseis e dezoito anos, não pode, para eximir-se de uma obrigação, invocar a sua idade se dolosamente a ocultou quando inquirido pela outra parte, ou se, no ato de obrigar-se, declarou-se maior.”
Além disso trata das causas em que cessa a menoridade antes do lapso cronológico no parágrafo único do art. 5º do Código Civil de 2002.
Art. 5º A menoridade cessa aos dezoito anos completos, quando a pessoa fica habilitada à prática de todos os atos da vida civil.
Parágrafo único. Cessará, para os menores, a incapacidade:
I - pela concessão dos pais, ou de um deles na falta do outro, mediante instrumento público, independentemente de homologação judicial, ou por sentença do juiz, ouvido o tutor, se o menor tiver dezesseis anos completos;
II - pelo casamento;
III - pelo exercício de emprego público efetivo;
IV - pela colação de grau em curso de ensino superior;
V - pelo estabelecimento civil ou comercial, ou pela existência de relação de emprego, desde que, em função deles, o menor com dezesseis anos completos tenha economia própria. (grifo nosso)
Todo esse regramento que o Código Civil dispensa ao relativamente incapaz denota uma preocupação do legislador em encaminhar o menor à vida adulta, com segurança jurídica. Criminalmente falando, deveríamos ter um raciocínio de progressividade do castigo, como um alerta: esta é sua última oportunidade não se filiar à criminalidade, após ela as consequências são devastadoras!
Tal Código destina aos relativamente incapazes, neles incluídos os menores de 18 e maiores de 16 anos é um excelente ponto de partida para tratarmos do desenvolvimento psíquico do menor nessa faixa etária. Com ele podemos perceber que ele encontra-se em fase de amadurecimento, onde deixa a imaturidade e começa a buscar contornos de uma vida adulta. Há uma verdadeira transição da irresponsabilidade à responsabilidade.
Da lição do Direito Civil sobre relativamente incapazes notamos que há uma gradatividade nessa transição para a vida adulta. Quando este jovem torna-se protagonista de seus atos tais como os atos comerciais, o casamento, a economia própria, a relação de emprego, etc. cessa a incapacidade. Seus atos são apenas assistidos pelo responsável durante esse amadurecimento. Disciplina semelhante à encontrada no remoto art. 13 do Código Criminal do Império, que afastava a inimputabilidade caso fosse comprovado que o menor obrou com discernimento, que trazia para a seara criminal a análise da maturidade do menor para compreender o ilícito.
CONCLUSÃO
Falta, a nosso ver, um degrau na escada da imputabilidade penal, pois o menor passa sem transição da total irresponsabilidade a uma responsabilidade criminal muito severa quando atinge a maioridade sem que tivesse algo que o desencorajasse a continuar no mundo do crime. Degrau esse que não falta ao Direito Civil, que progressivamente vai encorajando o jovem a assumir suas responsabilidades. O papel que o Direito Penal e o ECA não vem cumprindo é justamente desencorajar o jovem a ter responsabilidades no âmbito penal, posto que indesejáveis.
Com a criação do conceito de semi-imputabilidade, que propomos, pragmaticamente, o jovem infrator passa a perceber que à medida que ele não abandona o cometimento de ilícitos penais sua situação piora, o que pode desestimulá-lo em alguma fase de amadurecimento a abandonar tais práticas.
Tal solução, tem a vantagem de sequer passar pelo crivo de constitucionalidade da redução da maioridade penal.
Para esse momento de transição, soa-nos discrepante que um adolescente seja posto em estabelecimento prisional junto com criminosos experientes, mesmo porque ao se sentir desamparado e em risco de morte, de sofrer violência física e sexual, sua tendência é garantir sua sobrevivência e buscar sua proteção, junto a facções criminosas, estas lhe proporcionarão segurança dentro da cadeia, por vezes prestarão assistência financeira à família do infrator. Porém, ao ser libertado ele sairá totalmente comprometido com a criminalidade, dessa vez, com o crime organizado e não terá mais chance alguma de se libertar da vida de crimes, nem se quiser.
Ora, se um dos argumentos para reduzir a maioridade penal é evitar que o crime organizado coapte o menor, na prática tal medida causaria justamente o oposto. Contudo, para alguém que já desperta para o amadurecimento, o atual sistema do ECA é excessivamente brando, pois quem desperta ao discernimento já consegue traçar a relação custo-benefício de suas atitudes e ver que o ganho obtido pela atividade ilícita compensa, já que o castigo que o aguarda, caso seja pego, é brando, um risco calculado.
Ainda, a medíocre aplicação de medida socioeducativa de 3 anos de internação nem educa nem reprime, pelo contrário, estimula a prática de atos infracionais.
A Emenda Constitucional 33/2012 trazia sensatos ponderamentos como a punição no caso de crimes hediondos a promoção do incidente de desconsideração de inimputabilidade penal de menores de dezoito e maiores de dezesseis anos. Porém ouso discordar, pois creio que o melhor caminho seria aplicar aos semi-imputáveis (conceito nosso) internação pelo período equivalente à pena mínima do ato infracional análogo ao crime praticado, caso a sensibilidade do Juiz da Infância e Juventude apontasse para severa medida, posto ser ele quem pondera entre argumentos e fatos favoráveis e desfavoráveis. Decisão acrescida de posterior reavaliação, aos 21 anos, da necessidade de se manter a medida ou substituí-la por cursos regulares ou “penas” restritivas de direito.
O semi-imputável permaneceria sob a égide do ECA, porém saberia que seu nível de discernimento poderia influenciar na decisão do Juiz da Infância e Juventude.
Reforço que tratar o menor como relativamente capaz para o direito civil e para o direito eleitoral e como absolutamente incapaz para o direito penal é discrepante pois o ordenamento jurídico como um todo deve ser coerente, lógico. Ou se aceita que está havendo um amadurecimento mental naquele jovem, que já busca seu espaço no mundo ou se nega o óbvio.
A mudança de lei não causa a redução da criminalidade mas destaca da sociedade indivíduos perigosos e dá a eles a chance de repensarem suas atitudes.
Jogar toda a carga da responsabilidade pelos atos infracionais do menor ao Estado, com argumentos de coculpabilidade e de que se trata de uma minoria etária é raso. Perceba: se o Estado detém parcela de culpa pelo desvio deste menor para a criminalidade, e, se este mesmo Estado não busca meios concretos para desestimular o menor da prática criminosa sua parcela de culpa só aumenta, já que o Estado que é o detentor do jus puniendi dá carta branca ao menor para aventurar-se da maneira que pretender pelo mundo do crime, ao passo que qualquer ilícito que pratique, mesmo que hediondo, bárbaro, vil, sua “pena” será de apenas três anos, limitado o cumprimento aos 21 anos de idade. Repito que um menor que tem seu desenvolvimento mental em progresso nesta idade já consegue traçar a relação custo-benefício do que auferirá na atividade ilícita e o que arcará caso seja descoberto, e é justamente nisso que o ECA peca.
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[1] Art. 332, § 1º Em qualquer das hipóteses dos incisos do caput, será automaticamente arquivada a proposição que se encontre em tramitação há duas legislaturas, salvo se requerida a continuidade de sua tramitação por 1/3 (um terço) dos Senadores, até 60 (sessenta) dias após o início da primeira sessão legislativa da legislatura seguinte ao arquivamento, e aprovado o seu desarquivamento pelo Plenário do Senado.
[3] Tabelas disponíveis em (Hataway, 2015, p. 54)
Bacharel em Direito, Servidor Público pertencente às carreiras do Ministério Público do Estado de Minas Gerais como Oficial do Ministério Público.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SILVA, Orliênio Antônio Gonçalves da. A redução da maioridade penal. Discussão de alternativas viáveis à alteração legislativa Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 25 fev 2019, 04:45. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/52684/a-reducao-da-maioridade-penal-discussao-de-alternativas-viaveis-a-alteracao-legislativa. Acesso em: 22 nov 2024.
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