Preocupa a classe política e alguns especialistas o gigantismo judicial. Há diversos projetos de lei e de emendas no sentido de tentarem inviabilizar ou, ao menos, controlar o chamado ativismo judicial. Sempre digo que, pelo Princípio da Inércia, o Judiciário se mexe somente por pedido de parte, de modo que estaria, de uma certa forma, blindado aquele Poder diante de nosso sistema processual em que se busca a litigância. Há uma cultura de lide no país, já identificada pelo próprio Judiciário, que o torna, inegavelmente, protagonista e relevante nas relações sociais e políticas brasileiras.
Apimenta esse debate, sem dúvida nenhuma, a divisão política do país, acirrada nas últimas eleições presidenciais, de modo que alguns dos julgamentos do Supremo Tribunal Federal (STF), inclusive dentro de suas duas Turmas, ganham torcida e críticas públicas, televisionadas e ainda mais regadas pelo fenômeno das redes sociais; situação que os Operadores de Direito ainda têm dificuldades em compreender o alcance e a penetração desse instituto na conformação e no dinamismo mais lento do ordenamento jurídico. O judiciário ganha manchetes, suas decisões não mais são críticas somente em recursos, mas, a bem da verdade, estão na “boca do povo”, o que torna aquele Poder ainda mais suscetível aos meandros e dificuldades de acomodação na Democracia.
Para se ter uma idéia, algo inimaginável tempos atrás, quando imperava a liturgia do cargo, hoje em dia são desferidos vários desferidos requerimentos de impeachment de Ministros do Supremo Tribunal Federal à Casa do Senado Federal. Recentemente, mais uma vez criticado por ativismo, a Presidência do STF, com base em um determinado artigo regimental, determinou a abertura de um inusitado e sigiloso inquérito para investigação de ataques (ou críticas!) nas redes sociais contra Ministros daquele Excelso Tribunal, fatos, em tese, ocorridos fora do prédio do Supremo, tendo sido inclusive expedidos mandados de busca e apreensão, além de bloqueio de acesso à internet dos investigados. Recentemente, o relator daquele Inquérito, Alexandre de Moraes, determinou a retirada do ar de determinada reportagem que relatava documentos que, em tese, foram retirados de delação premiada de preso famoso que se referenciariam ao Ministro Dias Toffoli, o que foi chamado pela comunidade jurídica de censura.
A exposição do Poder é preocupante. A agressividade hoje vivenciada na sociedade virtual de uma certa forma expõe feridas do Judiciário e querem do Poder uma imperdoável utilização do Estado Juiz como instrumento para realização de barganha político partidária, em detrimento do exercício da função suprema da mais alta Corte: o ponto ótimo de equilíbrio das disposições constitucionais frente aos anseios sociais do momento.
Não ajuda nessa nova era do Judiciário as idas e vindas do Supremo Tribunal Federal em temas sensíveis de direito penal constitucional, principalmente diante de operações anticorrupção que hoje dividem o país; traduzem, no fim do dia, o que há de pior para o sistema jurídico: insegurança e acirramento dos ânimos. Na última sessão plenária, Supremo retomou o julgamento de um caso que teve pedido de vistas há 21 anos! Enquanto isso, réus famosos e poderosos conseguem a análise de seus pedidos, quando não no mesmo dia da entrada da petição, nas 24 horas seguintes!
Grosso modo, experimentamos um momento de elevada insegurança jurídica e agressividade social, que ecoam de forma profunda no cotidiano do país e no funcionamento das instituições, com prejuízo, sobremaneira, para aquele que não goza de privilégios na hora que peticiona ao Juiz em busca de uma solução justa ao problema seu. Não ter privilégios e ver Justiça deveria ser regra, inclusive! E o protagonismo do Judiciário tem revelado, mais do que propriamente a jurisdicionalização da política (ativismo judicial provocado), a própria politização da jurisdição (ativismo judicial planejado e orquestrado por quem tem interesse no enfraquecimento do Judiciário).
A grande reflexão que proponho é a discussão em torno do aparelhamento do Judiciário, mais precisamente na indigesta escolha dos componentes do Judiciário, partindo-se, evidentemente, do próprio STF. São mais de 20 PEC’s tramitando nas Casas do Congresso Nacional, com as mais variadas soluções. Há algo em comum nas proposições: retirar da Presidência, hoje com sabatina apenas pro forma no Senado, o monopólio de livre nomeação de juiz.
Uma proposição avançou, hoje sob relatoria de Antônio Anastasia, de modo que aguarda ordem do dia. Já aprovada pela Comissão de Constituição e Justiça do Senado, a PEC 35/2015 (apensada à PEC 59/15) mantêm a indicação de nome pela Presidência da República; no entanto, ao contrário do que ocorre no atual sistema, terá como base uma lista tríplice elaborada por um colegiado formado pelos presidentes dos quatro tribunais superiores (STF, STJ, TST e STM). Integram o colegiado o Procurador-Geral da República, o presidente da Ordem dos Advogados do Brasil e o Defensor Público Geral Federal. Não mais será de livre nomeação pelo Presidente.
Hoje, não há prazo regulamentar para a nomeação, o que causa calafrios no jurisdicionado, quando vagas ficam abertas por longo período, atrapalhando o funcionamento do Tribunal. A PEC 44, todavia, que impunha obrigação de que a lista seja elaborada em 30 dias, foi desapensada da tramitação conjunta. A Presidência teria outros tantos para submeter sua escolha ao Senado, que decidiria por maioria absoluta.
O mandato, ainda de acordo com o texto da PEC, será de 10 anos sem recondução, com 5 anos de quarentena para qualquer outro cargo ou mandato eletivo. Por fim, além dos atuais requisitos, acrescenta-se a necessidade de que o candidato tenha pelo menos 15 anos de atividade jurídica, desde que não tenha exercido nos quatro anos anteriores mandato eletivo, cargos de PGR, AGU e Ministro de Estado. Recentemente, em entrevista a determinado canal de televisão, o Ministro Luiz Fux disse ser favorável ao mandato, pois oxigena a carreira, confere oportunidades a outros bons quadros do Judiciário e Operadores do Direito que teriam capacidade para se sentarem na cadeira mais alta do Poder. Além disso, justamente no momento em que o Judiciário enfrenta a democracia, nada mais democrático senão a troca de cadeiras e a limitação de poder no tempo.
A proposta aguarda, desde 2.017, inclusão para votação no Plenário do Senado e tem ganhado a cada dia vozes contundentes em defesa do texto, justamente no momento em que a forma de composição do Judiciário passa por crise e descrédito, diante dos últimos acontecimentos, exposição do Poder e suposto racha no plenário do Supremo.
Trata-se de um passo concreto que se toma em relação à composição do STF e, como pano de fundo, contra o que hoje se tem como uma ferida aberta na politização dos Tribunais. Em 122 anos, apenas um único nome indicado ao STF, no longínquo 1893, foi recusado pelo Senado. Nos EUA, 12 já foram rechaçados (onde ferve a disputa entre conservadores x liberais). Necessário um formato, em suma, que atenda as dificuldades de uma indicação ao tempo da relevância das funções de cargo de Juiz, que demanda independência, mérito e tecnicidade. Nenhum sistema escrito, entretanto, funcionará sem a probidade da pessoa que lhe dê o comando. E o fino trata da coisa pública se resolve com o olho atento do jurisdicionado.
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