RESUMO: O presente artigo trata da possibilidade da cumulação do pagamento do adicional de insalubridade e periculosidade no direito do trabalho, através da aplicação das normas internacionais no ordenamento jurídico interno. Faz-se uma análise das Convenções da Organização Internacional do Trabalho, citando, dentre outros, a Constituição Federal e os artigos da Consolidação das Leis Trabalhistas, apresentando jurisprudência, posições dos Tribunais Superiores e doutrinadores, com o intuito de priorizar os direitos sociais universais e o princípio constitucional da supremacia. Assim, busca-se a aplicação justa da legislação trabalhista em favor do trabalhador, uma vez que no ordenamento jurídico brasileiro existem controvérsias sobre o tema em questão, tornando-se necessária a aplicação das regras de direito internacional. Portanto, este trabalho teve como escopo estudar, mesmo que sucintamente, por meio de pesquisa bibliográfica, a possibilidade de cumulação dos adicionais em questão. Para tanto, apresentaremos alguns conceitos que permeiam o instituto, sua função na proteção dos direitos sociais, buscando, ainda, o entendimento jurisprudência no que tange ao tema.
Palavras-chave: Periculosidade. Insalubridade. Cumulação. Proteção do trabalhador.
Introdução
Os direitos trabalhistas, vistos com base nos direitos fundamentais, foram conquistados ao longo da história sob a égide de muitos conflitos travados entre as classes de empregadores e empregados.
A história demonstra a ausência de direitos e garantias dispensadas aos empregados, quando da vigência do Estado Liberal, situação que fez surgir o Estado Social, possibilitador de maior garantismo dos direitos sociais, até que se chegasse ao atual Estado Democrático de Direito.
É com base no acima expresso, bem como na ordem principiológica construída ao longo do tempo, que chegamos ao entendimento de que os direitos sociais (direitos fundamentais) estão em constante e crescente evolução, não se admitindo, assim, seu retrocesso.
Todavia, não podemos limitar o direito do homem apenas sob a ótica dos direitos fundamentais (expressão usada no direito interno), uma vez que os direitos do homem são considerados universais alcançando assim a esfera internacional.
O direito ao trabalho e o direito ao livre exercício da atividade empresarial estão elencados e protegidos no texto Constitucional vigente. Ocorre que, por muitas vezes, a depender do tipo de atividade desempenhada por determinado empresário, este acaba por expor o empregado ao risco ou a agentes que o legislador considerou prejudiciais à saúde ou à vida do empregado.
Nesse contexto, a Constituição e a legislação infraconstitucional apresentam uma gama de direitos visando proporcionar ao empregado maior proteção quando do exercício do labor.
Devido a essa amplitude de direitos, serão apresentados, no presente trabalho, em razão do estudo ora proposto, apenas os direitos ao adicional de insalubridade e periculosidade, buscando fundamentos que possibilitem a cumulação dos referidos adicionais, uma vez que a jurisprudência interna tem apresentado posições diversas (sendo algumas prejudiciais ao trabalhador) quanto ao assunto em comento.
O artigo em questão tem como objetivo apresentar, além dos conceitos que facilitem o entendimento do tema, a possiblidade de cumulação dos adicionais de insalubridade e periculosidade, como direitos fundamentais ao homem, e, ainda, como direitos universais, uma vez que afetam a saúde e a vida, tendo esse fundamento na norma internacional, expedida por Organismo Internacional, da qual o Brasil é signatário.
Tal análise se justifica devido ao fato de que no ordenamento interno existem controvérsias sobre a possibilidade da cumulação dos referidos direitos, situação quem tem gerado grande insegurança jurídica. Nesse sentido, o estudo se perfaz por meio bibliográfico, bem como por meio de entendimento jurisprudencial dos tribunais sobre o tema.
Desenvolvimento
A Constituição da República Federativa do Brasil estabelece em seu artigo 7°, inciso XXIII, “o adicional de remuneração para as atividades penosas, insalubres ou perigosas, na forma da lei”, como direito dos trabalhadores urbanos e rurais (BRASIL, 1988, CONSTITUIÇÃO FEDERAL).
O diploma constitucional recepcionou o disposto nos artigos 192 e 193 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) de 1943 dando ao trabalhador o direito, quando do labor em situações insalubres ou perigosas, a perfazer um valor, em dinheiro, para compensar os danos advindos daquelas à saúde ou à vida.
A CLT, em seu artigo 189, ao tratar do adicional de insalubridade o conceituou:
Art.189 - Serão consideradas atividades ou operações insalubres aquelas que, por sua natureza, condições ou métodos de trabalho, exponham os empregados a agentes nocivos à saúde, acima dos limites de tolerância fixados em razão da natureza e da intensidade do agente e do tempo de exposição aos seus efeitos. (BRASIL, 1943)
Ainda, no artigo 193, o mesmo diploma legal conceitua como atividade perigosa o seguinte:
Art. 193. São consideradas atividades ou operações perigosas, na forma da regulamentação aprovada pelo Ministério do Trabalho e Emprego, aquelas que, por sua natureza ou métodos de trabalho, impliquem risco acentuado em virtude de exposição permanente do trabalhador a:(Redação dada pela Lei nº 12.740, de 2012)
I - inflamáveis, explosivos ou energia elétrica; (Incluído pela Lei nº 12.740, de 2012)
II - roubos ou outras espécies de violência física nas atividades profissionais de segurança pessoal ou patrimonial. (BRASIL, 1943)
Dentro, também, do ordenamento normativo, as Normas Regulamentadoras do Ministério do Trabalho e Emprego de n. 15 e n. 16 regulamentaram os adicionais supramencionados (BRASIL, NORMAS REGULAMENTADORAS DO MINISTÉRIO DO TRABALHO E EMPREGO, 1978/1978).
Partindo da premissa de que o empregado, exposto a agentes nocivos à saúde, acima dos limites de tolerância, bem como exposto a risco acentuado em virtude de exposição permanente, faz jus à percepção de um valor para fazer frente aos danos causados pelos agentes nocivos, sejam eles insalubres ou perigosos, chega-se ao enfoque do tema do presente trabalho, que se limita a analisar a possibilidade de o empregado receber os valores condizentes ao referidos adicionais cumulativamente, quando tiver laborado em ambas as condições concomitantemente.
Primeiramente, deve-se ater ao que expressa a lei e aos atos normativos que a regulamenta. O artigo 193 da CLT, em seu §2°, expressa que “o empregado poderá optar pelo adicional de insalubridade que porventura lhe seja devido”( BRASIL 1943, CONSOLIDAÇÃO DAS LEIS DO TRABALHO).
Corroborando a norma acima, a NR 16 aduz que “o empregado poderá optar pelo adicional de Insalubridade que porventura lhe seja devido” (BRASIL, NORMA REGULAMENTADORA DO MINISTÉRIO DO TRABALHO E EMPREGO, 1978).
Ao tentar interpretar o artigo 192 da CLT, o Procurador do Trabalho, Gustavo Filipe Barbosa Garcia afirmou que “prevalece o entendimento de que, no caso de incidência de mais de um fator de insalubridade, será apenas considerado o de grau mais elevado, sendo vedada a percepção cumulativa” (GARCIA, 2017, p. 253).
Além disso, tem-se, no topo da pirâmide, a Constituição da República que prevê, em seu artigo 7°, inciso XXIII: “adicional de remuneração para as atividades penosas, insalubres ou perigosas, na forma da lei” (BRASIL 1988, CONSTITUIÇÃO FEDERAL.
Verifica-se que no texto Constitucional houve a utilização do conectivo “ou” dando a ideia de escolha de um ou outro adicional.
Assim, é possível perceber que há uma lacuna na lei, uma vez que não existe, concretamente, norma que regulamente as situações em que o empregado venha ser exposto tanto aos agentes insalubres, como aos perigosos, concomitantemente.
Sendo certo que o juiz não pode se esquivar de decidir sob alegação de lacuna legislativa, princípio da inafastabilidade da tutela jurisdicional, as demandas apresentadas ao judiciário, inclusive aquelas apreciadas pelo órgão de cúpula em matéria trabalhista, vêm apresentando divergências, conforme será analisado a seguir.
No âmbito dos Tribunais Regionais do Trabalho, por todo o país, o entendimento, ora é pela possibilidade de cumulação dos adicionais, ora é pela impossibilidade de recebimento simultâneo dos adicionais já citados.
O Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região estabeleceu entendimento no sentido de que é possível a percepção de ambos os adicionais em estudo, quando o empregado estiver exposto à agentes insalubres e perigosos, conforme se depreende do aresto que se segue:
Ementa: CUMULAÇÃO DOS ADICIONAIS DE INSALUBRIDADE E PERICULOSIDADE. POSSIBILIDADE. Importante observar que os tratados de direitos humanos ratificados pelo Brasil gozam de hierarquia supralegal. As disposições contidas na Convenção n. 155 da OIT, aprovada no Brasil pelo Decreto Legislativo n. 2, de 17.03.92, ratificada em 18.05.92 e promulgada pelo Decreto n. 1.254, de 29.09.94, devem prevalecer sobre àquelas constantes do parágrafo 2º , do art. 193 da CLT e do item 15.3 da NR-15. A norma constitucional, quando tratou do "adicional de remuneração para as atividades penosas, insalubres ou perigosas", não estabeleceu qualquer impedimento à sua cumulação, até porque os adicionais são devidos por causas e com fundamentos absolutamente diversos. A impossibilidade de percepção cumulada dos adicionais de periculosidade e insalubridade constante do parágrafo 2º, do art. 193 da CLT e do item 15.3 da NR-15 não se mostra compatível com as normas constitucionais mencionadas, notadamente ao princípio da dignidade da pessoa humana e ao direito à redução dos riscos inerentes ao trabalho e ao meio ambiente laboral saudável. (SÃO PAULO - TRT-2 - RECURSO ORDINÁRIO RO 00022934620125020064. Relator: Ivete Ribeiro, 2012.
No âmbito do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região, por sua vez, o entendimento é pela impossibilidade de cumulação dos adicionais:
Ementa: CUMULAÇÃO DOS ADICIONAIS DE INSALUBRIDADE E PERICULOSIDADE. Dispõe o art. 193, § 2º da CLT, que o empregado que se submete a riscos de periculosidade pode optar pelo adicional de insalubridade, se esse lhe for mais benéfico. Significa que o legislador considerou a possibilidade de cumulação do risco, mas descartou a da sobreposição de adicionais, cabendo ao empregado a escolha de um deles. (MINAS GERAIS - TRT-3 - RECURSO ORDINARIO TRABALHISTA RO 01162201311103003 0001162-28.2013.5.03.0111. Relator Ministro: Lucilde D´Ajuda Layra de Almeida, 2013).
Não obstante, em abordagem trabalhista, desde que não envolva matéria constitucional, a palavra final é do Tribunal Superior do Trabalho. E, nesse caso, infere-se que o citado Tribunal Superior tem emanado decisões divergentes quanto à matéria em comento, conforme se constata dos arestos abaixo transcritos.
Veja-se as decisões favoráveis à cumulação dos adicionais em questão:
Ementa: RECURSO DE REVISTA - ADICIONAL DE INSALUBRIDADE - ADICIONAL DE PERICULOSIDADE - CUMULAÇÃO - POSSIBILIDADE - PREVALÊNCIA DAS NORMAS CONSTITUCIONAIS E SUPRALEGAIS SOBRE A CLT - JURISPRUDÊNCIA DO STF - OBSERVÂNCIA DAS CONVENÇÕES NºS 148 E 155 DA OIT. No julgamento do RR-1072- 72.2011.5.02.0384, de relatoria do Min. Cláudio Mascarenhas Brandão, esta Turma firmou entendimento de que a norma contida no art. 193, § 2º, da CLT não foi recepcionada pela Constituição Federal, que, em seu art. 7º, XXIII, garantiu o direito dos trabalhadores ao percebimento dos adicionais de insalubridade e de periculosidade, sem ressalva acerca da cumulação. A possibilidade de recebimento cumulado dos mencionados adicionaisse justifica em face de os fatos geradores dos direitos serem diversos. Além disso, a inclusão no sistema jurídico interno das Convenções Internacionais nºs 148 e 155, com a qualidade de normas materialmente constitucionais ou supralegais, como decidido pelo STF, determina a atualização contínua da legislação acerca das condições nocivas de labor e a consideração dos riscos para a saúde do trabalhador oriundos da exposição simultânea a várias substâncias insalubres e agentes perigosos. Assim, não se aplica mais a mencionada norma da CLT, sendo possível o pagamento conjunto dos adicionais de insalubridade e de periculosidade. Recurso de revista desprovido. (BRSÍLIA - TST - RECURSO DE REVISTA RR 24390520115150018 (TST). Relator Luiz Philippe Vieira de Melo Filho, 2011.
Em sentido contrário, o Tribunal Superior do Trabalho manifestou pela impossibilidade de cumulação dos adicionais de insalubridade e periculosidade:
RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO SOB A ÉGIDE DA LEI Nº 13.015/2014. CUMULAÇÃO DOS ADICIONAIS DE INSALUBRIDADE E PERICULOSIDADE. IMPOSSIBILIDADE. A C. SBDI -1 firmou o entendimento de não ser possível a percepção cumulativa dos adicionais de insalubridade e periculosidade, sendo assegurada ao empregado a opção por aquele que lhe seja mais vantajoso. Julgados. Recurso de Revista conhecido e provido. (BRASÍLIA - TST - RECURSO DE REVISTA RR 11894920125020054 (TST). Relator Ivani Contini Bramante, 2012.
AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA EM FACE DE DECISÃO PUBLICADA A PARTIR DA VIGÊNCIA DA LEI Nº 13.015/2014. CUMULAÇÃO DOS ADICIONAIS DE INSALUBRIDADE E PERICULOSIDADE. Ressalvado o meu entendimento pessoal, a Subseção I Especializada em Dissídios Individuais, no julgamento do processo E-RR-1072-72.2011.5.02.0384, em 13/10/2016, assentou que há norma expressa no artigo 193, § 2º, da Consolidação das Leis do Trabalho, segundo a qual é vedada a percepção cumulativa dos adicionais de insalubridade e de periculosidade. Assim, ainda que presentes ambos os agentes, simultaneamente, cada qual amparado em um fato gerador diferenciado e autônomo (fatores ou causa de pedir distintos), descabe tal condenação. Concluiu, diante de tais aspectos, pela possibilidade de o empregado optar por um desses adicionais. Precedentes. Agravo de instrumento a que se nega provimento. (BRASÍLIA - TST - AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA AIRR 207052120145040251 (TST). Relator Cláudio Mascarenhas Brandão, 2017).
Observa-se das decisões aqui apresentadas que, dentro do próprio Tribunal Superior do Trabalho, há divergências entre as Turmas, ao se apreciar a possibilidade ou não da cumulação dos adicionais de insalubridade e periculosidade.
Contudo, essa divergência não paira puramente no âmbito do sistema legal interno. Conforme visto, a Constituição da República de 1988 é omissa quanto à possibilidade de se cumular a percepção de ambos os adicionais. Por sua vez a legislação infraconstitucional apresenta normas, que, do ponto de vista da interpretação literal, impossibilitariam a cumulação dos adicionais aqui estudados.
Nesse sentido, resta analisar o que a norma internacional preleciona, pois é nesse viés que incide a celeuma aqui ventilada.
Segundo Gustavo Filipe Barbosa Garcia, “a Organização Internacional do Trabalho (OIT) foi instituída pelo Tratado de Versalhes, de 1919, em sua Parte XIII. Posteriormente, a Declaração de Filadélfia, de 1944, complementou aquelas disposições” (2017, p.78).
O Brasil, como país em desenvolvimento em direitos humanitários, é signatário de vários instrumentos internacionais, os quais visam proporcionar a evolução social dos povos como um conjunto universal. Devido a isso, o Brasil se compromete, ao possibilitar que uma norma internacional adentre a estrutura interna normativa, a seguir os preceitos vigentes em determinada norma internacional.
Nesse sentido, mister analisar o que rege a norma internacional no que se refere ao tema em comento.
A Convenção n. 155 da OIT, sobre segurança e saúde dos trabalhadores e o meio ambiente de trabalho, incorporada ao ordenamento jurídico interno por meio do Decreto nº 1.254, de 29.09.1994, entabula, em seu artigo 11, alínea b, que:
a determinação das operações e processos que serão proibidos, limitados ou sujeitos à autorização ou ao controle da autoridade ou autoridades competentes, assim como a determinação das substâncias e agentes aos quais estará proibida a exposição no trabalho, ou bem limitada ou sujeita à autorização ou ao controle da autoridade ou autoridades competentes; deverão ser levados em consideração os riscos para a saúde decorrentes da exposição simultâneas a diversas substâncias ou agentes[1]; (g.n). (BRASIL, DECRETO-LEI 1.254/1994)
Com base na norma acima, a doutrina e parte da jurisprudência vêm entendendo que o artigo 193, §2º, da CLT, não foi recepcionado pela Constituição Federal de 1988, conforme se vislumbra abaixo:
Resta evidente que o Art. 193, parágrafo 2º da (CLT) não foi recepcionado pela (CF/1988), foi afronta as Convenções n. 148 e 155 da (OIT). E tendo elas hierárquica de lei ordinária posterior a (CLT), devem estes dispositivos prevalecer. A impossibilidade da cumulação dos adicionais previstos do Art. 193, parágrafo 2º da (CLT) e no item 15.3 da NR-15 do (MTE) são incompatíveis com os princípios da dignidade da pessoa humana e o direito à redução dos riscos inerentes ao trabalho e ao meio ambiente laboral saudável (NASCIMENTO, 2015, p. 140).
Nesse diapasão, é possível verificar que há norma internacional que possibilita a cumulação do recebimento dos adicionais de insalubridade e periculosidade.
Diante desse cenário, cabe ainda analisar a questão da aplicabilidade da norma internacional no direito interno brasileiro. Uma primeira questão a ser mensurada é o requisito de incorporação ao ordenamento interno, fato que ficou superado com a promulgação do Decreto nº 1.254, de 29.09.1994, que possibilitou a aplicação da Convenção n. 155 da OIT, no âmbito da legislação interna, no que diz respeito às relações de trabalho.
Ademais, a “jurisprudência do país (STF), por décadas, entende que esses diplomas internacionais, ao ingressarem na ordem jurídica interna, fazem-no com status de norma infraconstitucional. Isso significa que se submetem, inteiramente, ao crivo de Constitucionalidade”. (DELGADO, 2014, p.153)
Ao incorporar ao ordenamento jurídico pátrio, fica superada qualquer alegação de incompatibilidade da norma internacional com as normas vigentes na ordem jurídica interna, uma vez que tal análise é anterior à promulgação. Assim, a norma internacional e a norma interna passam a coexistir, observando para tanto os requisitos hierárquicos, a especialidade e a temporalidade, estabelecidos na Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, Decreto-Lei 4.657/1942.
Notadamente, é preciso ressaltar que os tratados e convenções internacionais são reconhecidos como fontes do direito, nesse sentido, Mauricio Godinho Delgado aduz, em sua obra, Curso de Direito do Trabalho, que:
Os tratados e convenções internacionais podem ser fonte formal do Direito interno aos Estados envolvidos. Assim, irão se englobar no conceito de fonte normativa heterônoma (lei, em sentido material ou sentido amplo), desde que o respectivo Estado soberano lhes confira ratificação ou adesão- requisitos institucionais derivados da noção de soberania. No Direito do Trabalho, as convenções da OIT, quando ratificadas pelo Estado brasileiro têm se tornado importantes fontes formais justrabalhistas no país (2014, p. 153).
A autora Maria Cecília Máximo Teodoro afirma que:
a)As normas constitucionais incidentes, direta ou indiretamente, na relação de emprego formam O Direito Constitucional do Trabalho; b) as normas que compõem o sistema regional de proteção dos direitos humanos incidentes, direta ou indiretamente, na relação de emprego formam o Direito Regional do Trabalho; c) as normas que fazem parte do sistema internacional de proteção dos direitos humanos incidentes, direta ou indiretamente, sobre relação de emprego, formam o Direito internacional do Trabalho; d) as normas que compõem o sistema universal de proteção da dignidade humana incidentes, direta ou indiretamente, na relação de emprego formam o Direito Universal do Trabalho (TEODORO, 2016, p. 45).
Dessa forma, é na perspectiva da visão do Direito do Trabalho como universal, ou seja, como direito do homem, que se inclui na perspectiva dos direitos humanos, bem como do acima já mencionado, é que deve se aplicar a norma internacional, quando vislumbrado, no caso concreto, o labor em ambientes insalubres e perigosos, possibilitando assim a interpretação de que a cumulação no recebimento dos dois adicionais é possível.
Ademais, conforme bem abordado pela autora Teodoro (2016, p.45) “os vários níveis normativos do Direito do Trabalho são complementares, prevalecendo, no caso de conflito vertical (tratados e normas internas) ou horizontal (dois ou mais tratados), a norma mais favorável ao trabalhador”.
Devemos nos ater à evolução social, pela qual a humanidade passou, após a segunda guerra mundial, saindo do estado do puro legalismo e avançando para o estado social e garantista, no que se refere aos direitos sociais. Diante disso, com base nos direitos do homem, não é possível vislumbrar um retrocesso da humanidade. Devido a isso há grande cooperação entre os povos visando garantir os direitos universais do homem.
O professor Gustavo Filipe Barbosa Garcia aduz que:
[...] importantes direitos trabalhistas, diretamente relacionados à segurança e medicina do trabalho (como os adicionais de insalubridade e de periculosidade), fazem parte dos direitos sociais, os quais também figuram como direitos humanos fundamentais, normalmente conhecidos de “segunda geração” ou “dimensão. (2017, p. 642).
Ademais, a Constituição Federal de 1988 estabelece, em seu artigo 5º, §2º, que “os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte”. (BRASIL, 2017).
A nova ordem jurídica Constitucional, bem como internacional, vem apresentando crescente posição no sentido que a pura legalidade não é capaz de suprir as necessidades sociais e humanitárias, momento que abre espaço para aplicação da normatividade dos princípios, que por serem mais abstratos, conseguem acompanhar a evolução social contribuindo para real estado democrático de direito.
Corrobora o acima expresso a Convenção n. 148 de 1977 da OIT, sobre proteção dos trabalhadores contra os riscos profissionais devidos à contaminação do ar, ao ruído e às vibrações no local de trabalho, aprovada e promulgada no Brasil por meio do Decreto 93.413/1986, a qual determina em seu artigo 8, item 3, que:
Os critérios e limites de exposição deverão ser fixados, completados e revisados a intervalos regulares, de conformidade com os novos conhecimentos e dados nacionais e internacionais, e tendo em conta, na medida do possível, qualquer aumento dos riscos profissionais resultante da exposição simultânea a vários fatores nocivos no local de trabalho. (BRASIL, 1986, DECRETO 93.413).
Como se pode observar, as normas internacionais em comento dispõem de forma mais benéfica e coerente, possibilitando o recebimento simultâneo dos adicionais de insalubridade e de periculosidade, quando o empregado estiver exposto a ambos os agentes.
Nesse sentido, é possível chegar ao entendimento de que a norma prevista no artigo 193, §2, da CLT, a qual estabelece que o empregado que esteja exposto aos agentes de insalubridade e periculosidade, simultaneamente, não faz jus ao recebimento de ambos os adicionais é equivocada, pois não coaduna com a atual ordem jurídica universal dos direitos do homem.
Garcia, em sua obra Curso de Direito do Trabalho, faz uma crítica à norma estabelecida no artigo acima ferido:
O §2º do art. 193 prevê que o empregado pode optar pelo adicional de insalubridade que porventura lhe seja devido. Por isso, tende a prevalecer o entendimento de que ele não faz jus ao recebimento de ambos os adicionais ao mesmo tempo, posicionamento este que, no entanto, merece fundada crítica, pois, se o empregado está exposto tanto ao agente insalubre como também à periculosidade, nada mais justo e coerente do que receber ambos os adicionais (art. 7º, inciso XXIII, da CF/1988), uma vez que os fatos geradores são distintos e autônomos. (GARCIA, 2017, p. 659).
Aduz, ainda, referido autor, que caso prevaleça o entendimento de que o “recebimento do adicional de periculosidade afasta o direito ao adicional de insalubridade, não haveria, consequentemente, como integrá-lo no cálculo do adicional de periculosidade” (GARCIA, 2017, p. 659).
A autora segue afirmando que o item 15-3 da NR 15 o qual estabelece a não cumulatividade dos adicionais aqui ventilados é inconstitucional, “porque viola a separação de poderes, na medida em que o poder Executivo, nesse caso, estaria indo além da lei, procedendo ao ato de legislar” (ALELUIA 2015, p. 466).
Ademais, mesmo que a norma estabelecida na NR 15, em seu item 15-3, não vestisse a roupagem da inconstitucional, e viesse essa a conflitar com as normas de direito internacional das quais o Brasil é signatário, tal conflito poderia ser elidido pelas regras estabelecidas na Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro (Decreto-lei 4.657/1942)[2], o que possibilitaria a aplicação das Convenções n. 148 e n. 155 da OIT.
Além disso, o princípio da norma mais favorável faria com que as Convenções em comento sobrepusessem a norma estabelecida na NR em questão, de modo a fazer prevalecer os direitos dos empregados em situações de exposições mais gravosas à saúde e à vida.
Deste modo, é preciso se ater ao fato de que o direito aos adicionais em questão de forma cumulativa tem natureza social, conforme Garcia (2017, p. 659), são “de ordem fundamental, essenciais, assim, para a preservação e a promoção da dignidade da pessoa humana na esfera das relações de trabalho”.
A visão universal dos direitos trabalhistas envolve a convivência e harmonização de todas as normas, dando primazia à norma que busca garantir os direitos humanos do homem como pessoa e como trabalhador.
Na busca de um Direito do Trabalho humano, é preciso reconhecer que essa ciência possui vários níveis de normatividade, sendo que essas não apresentam um fim em si mesmos, pois buscam sobretudo a valorização do homem sobre o estado das coisas.
Como se pode notar, “as normas internacionais em questão, dispondo de forma mais benéfica e coerente, admitem o recebimento, simultâneo, dos adicionais de insalubridade e de periculosidade, quando o empregado está exposto a ambos os agentes” (GARCIA, 2017, p. 659).
Nessa perspectiva, de que os direitos trabalhistas estão além da mera formalidade contratual, pois estão ligados nitidamente a direitos humanos do homem, é que deve ser analisado o tema em questão, pois uma vez constatada a exposição do homem a mais de uma agente insalubre e perigoso, há premente necessidade de que haja a devida remuneração cumulativa dos referidos adicionais, tal situação fundamenta sobretudo na dignidade da pessoa humana, na norma mais favorável, nos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, princípios esses norteadores de todo o ordenamento jurídico.
CONCLUSÃO
Historicamente, é possível vislumbrar que os direitos sociais dos homens foram alcançados por meio de graves crises travadas no contexto da evolução social. A sociedade, já cansada da barbárie cometidas por aqueles que detinham o poder ilimitadamente, resolve insurgir-se contra tal tirania, o que contribuiu para ascensão do homem como sujeito de direitos.
Com o surgimento do Estado Democrático de Direito, ao homem foram conferidos os direitos sociais, fundamentando-se na ordem interna e, sobretudo, na ordem jurídica internacional. Todavia, em que pese coexistirem as duas ordens jurídicas (interna e internacional), por muitas das vezes existem conflitos entre esses ordenamentos.
No presente trabalhado, abordamos a questão da possibilidade do acúmulo do adicional de insalubridade e do adicional de periculosidade. No decorrer do estudo, foi possível perceber que a jurisprudência pátria diverge no sentido ser ou não possível a cumulação dos referidos adicionais.
A divergência acima mencionada se pauta no fato de que o artigo 193 da CLT e a NR 15 estabelecem a impossibilidade de recebimento simultâneo dos adicionais. Todavia, há expressa norma internacional possibilitando a cumulatividade dos adicionais em comento.
Diante disso, objetivando colocar fim a tal celeuma, foi preciso aclamar a aplicação das regras de direito internacional, pois estas normas se coadunam com o atual Estado Democrático de Direito, sobretudo com os direitos universais do homem, com o direito à dignidade da pessoa humana, buscando maior proteção à vida e à saúde, com viés mais humanitário.
Por derradeiro, mister ressaltar que no âmbito do Direito do Trabalho, no caso de conflito de normas, o princípio da norma mais favorável ao trabalhador deve prevalecer, fato que corrobora o entendimento de que constatado o labor em exposição de ambos os agentes - insalubridade e periculosidade -, deve ser aplicada a norma internacional (Convenções n. 148 e n.155 da OIT), pois é a norma que mais beneficia o trabalhador que se encontra em situação de vulnerabilidade.
REFERÊNCIAS
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BRASIL. Decreto n. 93.413 de 15 de outubro de 1986. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1980-1989/d93413.htm>. Acesso em: 17 set. 2017.
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Graduada em Direito pela UFMG em 2006. Pós-graduada e Analista em Direito no MPMG.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SCHUWARTEN, Elaine Sabrina Moreira. Possibilidade de cumulação dos adicionais de insalubridade e periculosidade Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 29 maio 2019, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/52964/possibilidade-de-cumulacao-dos-adicionais-de-insalubridade-e-periculosidade. Acesso em: 22 nov 2024.
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