RESUMO: Trabalho de revisão bibliográfica, de levantamento analítico, que apresenta o atual cenário envolvendo a atuação das Guardas Municipais no Brasil, a partir do Estatuto Geral das Guardas Municipais. Explicita o processo histórico de formação das Guardas Civis, sua previsão no § 8º do artigo 144 da Constituição Federal, analisando, de forma mais detida, a Lei Ordinária 13.022/14, que trouxe princípios mínimos de atuação, prerrogativas e competências para as Guardas Civis Municipais, discorrendo sobre os pontos de maior relevância do Estatuto. Elenca previsões infraconstitucionais e jurisprudências atinentes às Guardas, como o permissivo do Estatuto do Desarmamento, que concede porte de arma de fogo a Guardas Municipais, conforme número de habitantes do município, da capital ou região metropolitana, e decisões de Tribunais, que têm legitimado ações das Guardas Municipais, como recente entendimento de Ministro do Supremo Tribunal Federal visando à concessão de porte de arma a todos os agentes das Guardas, independentemente do número de habitantes dos municípios em que trabalhem, bem como a autorização para atuarem com poder de polícia sobre o trânsito. Ao final, menciona representatividade das Guardas Civis em órgãos nacionais de Segurança Pública, além de propostas legislativas no sentido de incluir essas corporações no rol do caput do art. 144 da Constituição, em visível processo de ampliação de competências das Guardas Civis, com indicativo de iminente tendência de municipalização da Segurança Pública.
PALAVRAS-CHAVE: Guardas Municipais. Segurança Pública. Estatuto Geral das Guardas Municipais. Constituição Federal. Municipalização da Segurança Pública.
1 INTRODUÇÃO
Com o advento da Lei Ordinária 13.022/14, o Estatuto Geral das Guardas Municipais, sancionada em agosto daquele ano e com aplicabilidade em todo o território nacional, diversas discussões têm surgido, tanto no meio político, quanto jurídico e, em especial, no âmbito da sociedade, acerca do mais adequado posicionamento desses agentes públicos na prestação dos serviços pelo ente municipal. Há entendimentos divergentes, ora no sentido de que as Guardas exercem atividade integrante da segurança pública, ora indicando que esses servidores estariam limitados à proteção dos bens, serviços e instalações municipais, nos termos do que preceitua o § 8º do artigo 144 da Constituição Federal.
O legislador da Constituição Cidadã, no Título V (Da Defesa Do Estado e das Instituições Democráticas), Capítulo III (Da Segurança Pública) da Carta Magna, elencou os órgãos responsáveis pela Segurança Pública, considerada dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, devendo ser exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio.Nesse contexto, está o § 8º do artigo 144 da citada Carta, que faculta aos municípios a criação de Guardas Municipais, visando à proteção de seus bens, serviços e instalações, conforme o que dispuser a lei.
Importante constar que as Guardas Municipais são instituições centenárias, existentes desde a fixação da Corte Portuguesa no Brasil, sendo seu primeiro registro oficial um Decreto de 1809, que criou a Divisão Militar da Guarda Real de Polícia da Corte, embrião da Divisão Militar da Guarda Real no Rio de Janeiro, que, posteriormente, deu origem à Guarda Civil Municipal daquela cidade, a mais antiga corporação brasileira dessa natureza. O decreto do príncipe regente também permitiu a criação das Guardas Municipais Permanentes no Brasil, estendendo-se a todas as províncias, em razão da constatada necessidade de uma organização de caráter policial para o provimento da segurança e tranquilidade pública nas cidades.
Desde então, as Guardas Municipais passaram a atuar no cenário da Segurança Pública das cidades brasileiras, na condição de corporações policiais, destinadas a executar o policiamento ostensivo uniformizado, em conjunto com as demais forças, o que se deu até o Golpe Militar de 1964, quando o governo extinguiu as Guardas Civis.
Com a redemocratização do país e o advento da Constituição de 1988, primando sobre questões sociais e direitos humanos, as Guardas retomaram seu lugar na história e no arcabouço jurídico brasileiro, ficando a cargo dos municípios sua implantação, o que vem ocorrendo de maneira exponencial, recebendo essas corporações nomenclatura conforme dispositivo de sua lei de criação, atualmente vigorando termos como Guarda Civil Municipal (GCM), Guarda Municipal (GM), Guarda Metropolitana (GM) ou Guarda Civil Metropolitana (GCM).
Após a Constituição Cidadã e com o surgimento de legislação infraconstitucional também versando sobre as Guardas Civis, tais como o Estatuto do Desarmamento, que prevê o porte de arma de fogo para integrantes de Guardas Municipais, conforme quantidade populacional, foi sendo detectada uma lacuna jurídica quanto à normatização da atuação das Guardas, o que também foi fruto do anseio popular, já que os próprios cidadãos, organizações sociais e as entidades de classe ligadas às GCM’s passaram a cobrar do legislador um posicionamento nesse sentido.
Dessa forma, em agosto de 2014, foi sancionada a Lei Ordinária 13.022, que disciplina o § 8º do artigo 144 da Constituição Federal, tratando-se de norma geral, aplicável a todos as Guardas Municipais brasileiras, devendo os municípios que queiram cria-las, fazê-lo por lei específica, estabelecendo normas de atuação desses servidores.
Com a ampliação das competências trazidas pelo Estatuto Geral das Guardas Municipais, somada ao efetivo exercício desses agentes no âmbito dos municípios, têm surgido controvérsias quanto à possível inconstitucionalidade da Lei 13.022/14, pelo fato de, em tese, conferir poder de polícia às GCM’s, vez que prevê o policiamento preventivo, a condução de infratores até a autoridade policial, o uso progressivo da força, a atuação em eventos de grande porte, dentre outras, à frente explanadas.
Cabe frisar que este trabalho não tem o condão de questionar a ventilada inconstitucionalidade do Estatuto Geral, matéria que está sob apreciação do Supremo Tribunal Federal, mas somente objetiva apresentar o contexto histórico-jurídico de atuação das Guardas Municipais, as leis e decisões judiciais que reforçam a atuação dessas corporações, sua representatividade nos órgãos de Segurança, bem como o reflexo do trabalho das GCM’s nos municípios, com indicadores de uma possível municipalização da Segurança Pública, assim como ocorreu em áreas como a Saúde e a Educação, hodiernamente, geridas pelos entes municipais.
2 DESENVOLVIMENTO
2.1 Metodologia
A metodologia empregada para a elaboração do presente artigo foi essencialmente de revisão bibliográfica, a partir de leitura analítica, tendo sido consultadas leis voltadas para o tema, como a Lei 13.022/14 e o Estatuto do Desarmamento, além de livros, jurisprudências, artigos e publicações, de doutrinadores, estudiosos do assunto e de órgãos como a Secretaria Nacional de Segurança Pública (SENASP), o Serviço Único de Segurança Pública (SUSP), dentre os demais citados nas referências bibliográficas.
2.2 Breve Histórico sobre as Guardas Municipais no Brasil
Com a chegada da Corte Portuguesa no Brasil, “em razão da constatada necessidade de uma organização de caráter policial para o provimento da segurança e tranquilidade pública nas cidades”, deu-se início ao processo de criação das Guardas Municipais, sendo seu primeiro registro oficial um Decreto de 13 de maio de 1809, que criou a Divisão Militar da Guarda Real de Polícia da Corte, embrião da Divisão Militar da Guarda Real no Rio de Janeiro, que, posteriormente, deu origem à Guarda Civil Municipal daquela cidade, a mais antiga instituição brasileira dessa natureza (LIMA, 2015, p. 188).
Desde então, embora eventualmente alteradas em sua nomenclatura e forma, conforme conveniência e alternância dos governos, as Guardas Municipais passaram a atuar no cenário da Segurança Pública das cidades brasileiras, na condição de corporações policiais, destinadas a executar o policiamento ostensivo uniformizado, em conjunto com as demais instituições.
Por força do Decreto nº 1410, de 31 de dezembro de 1957, cria-se o “Setor de Guardas”, subordinado à Secção de Fiscalização do Departamento de Limpeza Pública, posteriormente extinto em 1959, ano este em que surgiu o “Serviço da Guarda Municipal”, sendo que a partir de 10 de agosto de 1960 passa a se denominar “Guarda Municipal” (LIMA, 2015, pg. 188).
Todavia, em 1964, as Guardas Civis foram extintas pelo regime militar, suprimidas por regulamento que tratava das normas fiscalizadoras do Exército, objetivando estabelecer o total controle sobre as corporações policiais.
Finalmente, com a redemocratização do país e o advento da Constituição de 1988, primando sobre questões sociais e direitos humanos, as Guardas retomaram seu lugar na história e no arcabouço jurídico brasileiro, tendo sido incluídas no § 8º do art. 144 da Carta Magna.
2.3 O Artigo 144 da Constituição Federal
Inserto no capítulo III, da Constituição da República, o artigo 144 elenca os órgãos componentes da Segurança Pública, tais como a Polícia Federal, as Polícias Civis e Militares e os Corpos de Bombeiros. Sendo um dever do Estado, “direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio” (CRFB, 1988).
Direito constitucionalmente assegurado, para Cretella (1999, p. 158):
A segurança das pessoas e das coisas é elemento básico das condições universais, fato absolutamente indispensável para o natural desenvolvimento da personalidade humana. Proclamada inviolável pelo direito, não fica, porém, livre de forças exteriores, pessoais e impessoais, que ameaçam a todo instante a paz física e espiritual dos indivíduos (...) e a ameaça dirigida a uma pessoa constitui ameaça indireta a toda a coletividade, precisam ser coibidas.
No artigo 144, reside o foco das divergências quanto ao fato de serem ou não as Guardas Municipais integrantes da Segurança Pública, vez que não constam do caput, onde são indicados nominalmente os órgãos componentes, mas, sim, mencionadas no parágrafo 8º, que possibilita aos municípios constituírem suas Guardas, “destinadas à proteção de seus bens, serviços e instalações, conforme dispuser a lei” (CRFB, 1988).
Segundo entendimento de opositores à atuação das guardas como agentes da Segurança Pública, o próprio texto constitucional já delimitaria as atribuições desses servidores, valendo-se pretensa lei infraconstitucional apenas para regulamentar suas atividades, nos exatos termos do parágrafo oitavo, mantendo-se o foco nos bens, serviços e instalações do município.
2.4 O Estatuto Geral das Guardas Municipais, Lei Ordinária 13.022/2014
Atendendo ao clamor popular, em razão dos crescentes e generalizados índices de violência nas cidades, mesmo com a presença ostensiva das Polícias Militares, gestores públicos, organizações sociais e entidades de classe ligadas às Guardas Civis passaram a cobrar do legislador um posicionamento no sentido de normatizar a atividade das Guardas Municipais, já atuantes, de fato, pública e notoriamente, nas ações de prevenção da criminalidade e no atendimento primário ao cidadão, inclusive, portando arma de fogo, em diversos municípios.
Observada, então, essa necessidade social e jurídica e visando à promoção de medidas coadjuvantes no combate à violência no âmbito municipal, o Congresso Nacional aprovou, em agosto de 2014, a Lei Ordinária 13.022, sancionada pela então presidente Dilma Housseff, tratando-se de norma geral, aplicável a todas as Guardas Municipais brasileiras.
O diploma legal que dispõe sobre o Estatuto Geral das Guardas Municipais, “institui normas gerais para as guardas municipais, disciplinando o § 8º do art. 144 da Constituição Federal” (Lei 13.022/14, art. 1º). O segundo artigo traz como incumbência das guardas, “instituições de caráter civil, uniformizadas e armadas conforme previsto em lei, a função de proteção municipal preventiva, ressalvadas as competências da União, dos Estados e do Distrito Federal” (BRASIL, Lei 13.022/14).
As Guardas terão representatividade “no Conselho Nacional de Segurança Pública, no Conselho Nacional das Guardas Municipais e, no interesse dos Municípios, no Conselho Nacional de Secretários e Gestores Municipais de Segurança Pública” (BRASIL, Lei 13.022/14, art. 20).
Ao longo do texto legal, são tratados tópicos de relevância para a legitimação da existência e atuação das Guardas, tais como os princípios, competências, capacitação, exigências para a investidura e formas de controle. Observa-se, inequivocamente, o cuidado do legislador para indicar o caráter civil das GCM’s, iniciando-se pela redação do artigo 2º, que faz menção a “instituições de caráter civil”, reforçado pelo artigo 14, ao dispor que “a guarda municipal terá código de conduta próprio”, não podendo ficar sujeita a regulamentos disciplinares de natureza militar, nos termos do parágrafo único.
Cristalina fica a intenção de diferenciar as Guardas das corporações militares, na vedação imposta pelo artigo 19, ao disciplinar que “a estrutura hierárquica da guarda municipal não pode utilizar denominação idêntica à das forças militares, quanto aos postos e graduações, títulos, uniformes, distintivos e condecorações” (BRASIL, Lei 13.022/14).
Em que pese essa distinção, inúmeros são os contornos de respaldo ao trabalho preventivo e permanente das Guardas, visando à proteção sistêmica da população municipal, conforme resumida explanação dos principais pontos da Lei.
2.4.1 Dos Princípios
No artigo 3º do Estatuto, são mencionadas as diretrizes basilares para a atuação das Guardas, seus princípios mínimos de atuação: I - proteção dos direitos humanos fundamentais, do exercício da cidadania e das liberdades públicas; II - preservação da vida, redução do sofrimento e diminuição das perdas; III - patrulhamento preventivo; IV - compromisso com a evolução social da comunidade; e V - uso progressivo da força (BRASIL, Lei 13.022, 2014).
De forma evidente, as Guardas Municipais estão respaldadas para a segurança dos cidadãos, garantindo-lhes, por força de lei, a proteção dos direitos humanos fundamentais, em especial, a proteção da vida, valendo-se, inclusive, do uso progressivo da força, procedimento aplicado por agentes policiais em sua defesa própria ou de terceiros, constatando-se, aqui, a permissão para agir gradualmente em face de um particular, em situações que visem ao objetivo precípuo da proteção sistêmica da população.
2.4.2 Das Competências Específicas, arroladas no artigo 5º do Estatuto
Variadas são as competências atribuídas às Guardas Municipais, das quais podem-se destacar: a colaboração integrada com órgãos de segurança pública, em ações que contribuam para a paz social; celebração de convênios ou consórcios, com a União, Estados ou municípios vizinhos, visando a atividades preventivas integradas; a pacificação de conflitos, em respeito aos direitos fundamentais das pessoas; a interação com a sociedade civil, objetivando a melhoria das questões de segurança nas comunidades; cooperação com demais órgãos da defesa civil; a realização de ações preventivas para a segurança escolar, participando de ações educativas, junto a discentes e docentes, na implantação da cultura de paz, dentre outras.
2.4.2.1 Da Proteção ao Meio Ambiente
Ao criar o Estatuto Geral das Guardas Municipais, o legislador teve a acertada preocupação de resguardar direitos da terceira dimensão, voltados aos cuidados com o Meio Ambiente, com o emprego das Guardas, conforme inciso VII do artigo 5º, para: “proteger o patrimônio ecológico, histórico, cultural, arquitetônico e ambiental do Município, inclusive adotando medidas educativas e preventivas” (BRASIL, Lei 13.022, 2014).
2.4.2.2 Do Atendimento de Emergências e do Flagrante Delito
Por seu caráter de órgão municipal, composto, em sua maioria, por residentes no próprio município ou adjacências, as Guardas têm conhecimento privilegiado da geografia, das diferenciações socioculturais e das peculiaridades de sua área de atuação, em estreita proximidade com os munícipes. Nesse sentido, o atendimento às emergências pode ser mais rapidamente prestado por essas corporações, visando à finalidade principal do Estado, que é a de atender ao interesse público.
Dessa forma, as Guardas receberam a incumbência de garantir o atendimento de ocorrências emergenciais, ou prestá-lo direta e imediatamente, primando pela preservação da vida, da ordem pública e do patrimônio.
Além disso, foi indicada a competência específica do inciso XIV do mesmo artigo, de “encaminhar ao delegado de polícia, diante de flagrante delito, o autor da infração, preservando o local do crime, quando possível e sempre que necessário” (BRASIL, Lei 13.022, 2014).
2.4.2.3 Do Controle
Assim como os demais órgãos públicos, as Guardas estão sujeitas aos controles interno, por meio de corregedoria, e externo, através das ouvidorias, perante os quais se realizará a fiscalização dos atos praticados por seus agentes.
2.4.2.4 Das Prerrogativas: dos Cargos em Comissão; do Porte de Arma de Fogo; da Linha Telefônica e da Frequência de Rádio Exclusivas; e da Prisão Especial
De forma a possibilitar a atuação imparcial dos agentes das Guardas, permitindo assunção de cargos comissionados por caráter não político, foi lembrada a decisão de ocupação desses cargos por integrantes do quadro de carreira da própria corporação, servidores públicos efetivos, aprovados em concurso público.
O artigo 16 do Estatuto dispõe sobre o porte de arma de fogo aos integrantes das Guardas, conforme previsto em lei, neste caso, o Estatuto do Desarmamento, do qual se tratará adiante. Identificadas as notórias peculiaridades das Guardas Municipais, como o atendimento de emergências, visando à paz social, na proteção sistêmica da população e primando pela garantia dos direitos humanos, foi destinada a linha telefônica 153 para contato direto com as GCM’s, em todo o Brasil, bem como frequência de rádio exclusiva para as corporações, em seus respectivos municípios.De forma isonômica, espelhada no tratamento destinado aos demais integrantes das forças de Segurança Pública, autoridades, magistrados, dentre outros, conforme disposto no art. 295, do Código de Processo Penal (BRASIL, Decreto-Lei 3.689/1941), foi redigido o artigo 18 do Estatuto, assegurando “ao guarda municipal o recolhimento à cela, isoladamente dos demais presos, quando sujeito à prisão antes de condenação definitiva” (BRASIL, Lei 13.022, 2014), por óbvio, a fim de resguardar a integridade dos agentes dessas corporações, num eventual encarceramento, comprovando-se, mais uma vez, a efetiva atuação das Guardas no enfretamento à violência e à criminalidade. Simplória e resumidamente, foram aqui indicados os principais pontos do Estatuto Geral das Guardas Municipais, de forma a aclarar o atual posicionamento dessas instituições, no que tange às suas competências e prerrogativas legais.2.5 O Sistema Único de Segurança Pública, o Estatuto do Desarmamento e outros instrumentos jurídicos que fundamentam as competências das Guardas Municipais
Embora não figurem no caput do artigo 144 da Constituição da República, as Guardas Municipais têm sido lembradas por legisladores, agentes políticos e Tribunais Superiores, como partícipes da Segurança Pública, tendo representatividade, inclusive, no Conselho Nacional de Segurança Pública, conforme se destaca a seguir.
A Lei 13.675/2018, que “disciplina a organização e o funcionamento dos órgãos responsáveis pela segurança pública, nos termos do § 7º do art. 144 da Constituição Federal; (...); institui o Sistema Único de Segurança Pública (Susp)”, inclui as Guardas Municipais como integrantes operacionais do SUSP (art. 9º, §2º, VII), juntamente com as Polícias, Federal, Militares, Civis e Corpos de Bombeiros (BRASIL, 2018).
O Estatuto do Desarmamento, que proíbe o porte de arma de fogo em todo o território nacional, permite essa prerrogativa para as Guardas Municipais, dos municípios com mais de cinquenta mil habitantes, em serviço ou também fora dele, conforme índice populacional, assim como permissivo aos demais integrantes das forças de segurança (BRASIL, Lei 10.826/2003).
Manifestando-se no Recurso Extraordinário nº 846854, o Ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Alexandre de Morais, para quem as Guardas exercem “imprescindível missão” nos serviços de segurança pública, votou pela concessão do porte de arma de fogo a todos os integrantes das Guardas Municipais, independentemente do número de habitantes dos municípios, fundado em indicadores de que o aumento do número de mortes no país tem sido evidenciado em maior número justamente onde as Guardas ainda não usam armamento. Para o Ministro,
O tratamento exigível, adequado e não excessivo corresponde a conceder idêntica possibilidade de porte de arma a todos os integrantes das Guardas Civis, em face da efetiva participação na segurança pública e na existência de similitude nos índices de mortes violentas nos diversos municípios, independentemente de sua população (BRASIL, STF, RE 846854, 2018).
Ainda em sede de STF, no julgamento do Recurso Extraordinário Nº 658570, em 2018, ficou pacificado o entendimento de que a Guarda Municipal pode multar qualquer tipo de infração de trânsito, já que também pode acumular poder de polícia para fiscalizar o trânsito (BRASIL, STF, RE 658570, 2018).
Fortalecendo o entendimento de que as Guardas Municipais exercem atividade de proteção à segurança social, a 2ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado de Goiás julgou improvido recurso, no HC 2179512018809000, em que o paciente pleiteava relaxamento de prisão por suposta ilegalidade no flagrante, vez que realizado por agentes da Guarda Municipal, em crime de tráfico de drogas e corrupção de menores (BRASIL, TJ/GO, 2018).
2.6 Indicadores de Futuro Processo de Municipalização da Segurança Pública
De forma a atender às necessidades dos cidadãos, o Estado passou a assumir a responsabilidade de promover os direitos das pessoas, tendo surgido o que a doutrina classifica como dimensões de direitos: os de primeira dimensão, como as liberdades públicas e os direitos políticos; os de segunda, tais como os sociais e econômicos, onde se encaixa a segurança pública; e, ainda, os direitos de terceira e quarta gerações, de preservacionismo ambiental e de engenharia genética, respectivamente (LENZA, 2009, pg. 670).
Nessa esteira, conforme vão surgindo as demandas dos cidadãos, o Estado vai passando a prover essas necessidades, num movimento que tem sinalizado, nas últimas décadas, um processo de municipalização dos serviços públicos, como aconteceu com a Saúde e a Educação, nos anos de 1990 e 2000.
Diante do atual cenário em que se encontram as Guardas Municipais, dotadas de competências e prerrogativas legais para atuar em prol da paz social e da proteção dos direitos fundamentais, no âmbito dos municípios, há entendimentos de que a municipalização da Segurança Pública é processo crescente e de aplicabilidade em curto prazo, de forma a se garantirem, com maior eficácia, a ordem pública e a repressão de condutas delituosas, a partir de atuação conjunta e integrada com demais órgãos de Segurança Pública, em articulação com a sociedade.
Quando da criação do Sistema Único de Segurança Pública, o então Ministro Raul Jungmann, incluindo a participação dos municípios, assim se manifestou:
O Senado Federal acaba de aprovar o SUSP, Sistema Único da Segurança Pública. Um passo importante para o combate ao crime e a violência em nível nacional. Doravante, teremos uma segurança, policiais e inteligência mais integradas, reunindo todos, união, estados e municípios. (SINDIGUARDA, 2018).
De acordo com o Plano Nacional de Segurança Pública, Municípios têm competência absoluta para estabelecer metas e diretrizes das ações de política local voltadas à segurança pública.
Nos termos do artigo 11 e seu parágrafo único da Lei 13.022/14, as Guardas devem passar por capacitação específica, dispondo a Secretaria Nacional de Segurança Pública (SENASP) de uma Matriz Curricular Nacional para a Formação das Guardas Municipais, em cumprimento ao disposto no Programa de Segurança Pública para o Brasil, que regulamenta o Estatuto do Desarmamento, além de indicar diretrizes para o fortalecimento do SUSP. Do preâmbulo da Matriz se extrai:
Como expressão de princípios e metas de um processo educativo, a Matriz Curricular Nacional para Formação de Guardas Municipais visa proporcionar a todo(a)s este(a)s profissionais instrumentos através dos quais, de maneira autônoma, consigam refletir criticamente sobre o SUSP e empreender ações que colaborem com eficácia no Plano de Segurança de sua cidade (BRASIL, SENASP, 2005, p. 6).
Diante da aprovação do Estatuto Geral das Guardas Municipais, o deputado Arnaldo Faria de Sá, autor do projeto, assim se manifestou:
É a grande modificação em relação à segurança pública nos últimos anos. Eu falo por São Paulo, onde em muitas cidades quem controla a segurança já são as guardas, mostrando que efetivamente é possível fazer segurança pública com a chamada polícia comunitária (Souza, 2014).
É inegável e notório o reflexo positivo que o trabalho das Guardas Municipais tem surtido nas cidades brasileiras, algumas dispondo de grupamentos diferenciados de atuação, tais como o Rondas Ostensivas Municipais (ROMU), com enfrentamento direto às ações criminosas (O Regional, 2015), e o de trabalho com cães, utilizados, inclusive, em ações de apreensão de entorpecentes (Prefeitura de Curitiba, 2015), o que se reflete na redução da violência, apenas pela presença dos Guardas nas vias e logradouros públicos, inibindo ações delituosas e aumentando a sensação de segurança da população.
Além de todos esses indicadores, que convergem para um iminente processo de municipalização da Segurança Pública, cabe registrar a existência de diversas Propostas de Emenda Constitucional (PEC), no sentido de incluir efetivamente as Guardas Municipais no rol dos órgãos contidos no caput do artigo 144 da Constituição, em especial, o mais antigo desses projetos, a PEC 534/2002, o que seria medida acertada e definitiva, encerrando-se as discussões em torno da amplitude de atuação das Guardas Civis Municipais.
3 CONCLUSÃO
As Guardas Municipais são corporações centenárias, existentes no Brasil desde o Período Imperial, de caráter civil, uniformizadas, que atuam de forma preventiva e comunitária, já tendo ocupado status de polícia, até sua extinção pelo Governo Militar, em 1964.
Com a redemocratização do país e o advento da Constituição de 1988, primando sobre questões sociais e direitos humanos, as Guardas retomaram seu lugar na história brasileira, ficando a cargo dos municípios sua implantação. Após a Constituição Cidadã e com o surgimento de legislação infraconstitucional também versando sobre as Guardas Civis, tais como o Estatuto do Desarmamento, foi sendo detectada uma lacuna jurídica quanto à normatização da atuação das Guardas, o que culminou na sanção da Lei Ordinária 13.022/2014, que disciplina o § 8º do artigo 144 da Constituição Federal, tratando-se de norma geral, aplicável a todos as Guardas Municipais brasileiras.
O Estatuto Geral das Guardas Municipais trouxe princípios mínimos de atuação, tais como proteção dos direitos humanos fundamentais; a preservação da vida; o patrulhamento preventivo; e o uso progressivo da força. Além disso, ampliou as competências das Guardas, dispondo, por exemplo, sobre o policiamento preventivo e permanente, visando à proteção sistêmica da população, do patrimônio histórico e do meio-ambiente municipais, bem como a atuação integrada com órgãos de Segurança Pública, objetivando à paz social, além de prever a garantia do atendimento de ocorrências emergenciais e encaminhamento ao delegado de polícia dos autores de flagrante delito.
Embora esteja em discussão, perante o Supremo Tribunal Federal, possível inconstitucionalidade da Lei 13.022/14, o que não foi objeto de discussão neste trabalho, as Guardas Municipais têm ocupado espaço, de fato, na Segurança Pública no âmbito dos municípios, tendo representatividade, inclusive, no Conselho Nacional de Segurança Pública e no Serviço Único de Segurança Pública, onde figuram ao lado das forças policiais.
Além disso, já detêm competência para o exercício do poder de polícia de trânsito, por entendimento do STF, bem como estão autorizadas a portar arma de fogo, nos termos do Estatuto do Desarmamento.
Para estudiosos do tema, ministros e parlamentares, as Guardas Municipais prestam, pública e notoriamente, serviços de garantia da ordem pública e da paz social, agindo, com capacitação prévia, junto às comunidades em que atuam, na consecução do interesse público, no que se refere à Segurança.
Com base na análise do arcabouço jurídico e doutrinário sobre as Guardas, somada à existência de Proposta de Emenda Constitucional tendente a incluir as Guardas Municipais no rol do caput artigo 144 da Constituição Federal, constata-se o positivo reflexo da atuação das Guardas Civis, podendo-se vislumbrar um crescente e irreversível processo de municipalização da Segurança Pública.
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Servidora pública; Graduada em Letras Português/Inglês; Pós-graduada em Língua Portuguesa; Advogada; Especialista em Direito Administrativo; Articulista; Ativista na defesa do Meio Ambiente e pelos Direitos dos Animais.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SOARES, Petruska Veiga. O estatuto geral das guardas municipais e seus reflexos no cenário da segurança pública dos municípios Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 10 jun 2019, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/53027/o-estatuto-geral-das-guardas-municipais-e-seus-reflexos-no-cenario-da-seguranca-publica-dos-municipios. Acesso em: 22 nov 2024.
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