Nassim Nicholas Taleb, libanês naturalizado americano, autor de vários best-sellers como Iludido pelo Acaso (2004), A Lógica do Cisne Negro (2008) e Antifrágil (2015), criou a expressão Skin In The Game que também dá título a seu livro lançado em 2018. O jargão tem se tornado cada vez mais famoso e de uso frequente no mundo dos investimentos.
A expressão remonta à ideia da necessidade de que críticos e analistas especializados em algum assunto efetivamente ponham em prática, na sua vida, o pensamento que externam em seus artigos ou colunas semanais publicados em jornais, revistas ou periódicos.
Trata-se de colocar a “pele em jogo”, fazendo com que os riscos decorrentes de eventual erro de análise recaiam também sobre o domínio da vida de seus autores. A ideia é mitigar, senão eliminar, problemas de agenciamento que surgem da dissonância entre interesses pessoais do autor da análise/opinião e do seu leitor/receptor.
A crítica de Taleb é fortemente direcionada a analistas e autointitulados experts do mundo financeiro que diuturnamente emitem recomendações de investimentos em ações, opções e títulos, mas que, na vida real, não investem nas suas próprias recomendações, deixando todo o risco de eventual fracasso destas aplicações alocado aos que inadvertidamente decidiram acatar suas sugestões.
Para Taleb[1], “cada formador de opinião precisa colocar ‘a pele em jogo’, na eventualidade de danos causados pela confiança que se deposita em sua informação ou opinião”. Afinal, segundo o autor, “qualquer um que faz um prognóstico ou uma análise econômica precisa ter algo a perder com isso, considerando-se que as outras pessoas confiam nesses prognósticos”.
No Brasil, a ideia do skin in the game se revela muito bem-vinda no campo das entidades fechadas de previdência complementar, particularmente no que toca aos requisitos para a escolha de conselheiros de entidades que contam com entes públicos como patrocinadores.
Muitas destas entidades permitem que seus Conselhos Deliberativo e Fiscal sejam integrados por membros escolhidos por governantes sem que se exija dos Conselheiros a condição de participante ou assistido do Fundo de Previdência.
A Fundação de Previdência Complementar do Servidor Público Federal do Poder Executivo é um caso exemplar disso. Seu estatuto permite a designação pelo Presidente da República de membros do Conselho Deliberativo e Fiscal sem que haja necessidade de o Conselheiro designado ser participante ou assistido do plano[2].
Assim, o membro designado pelo Presidente da República para o Conselho Deliberativo vai ajudar a definir, mesmo sem ser participante do Fundo, sobre política de administração do Fundo, planos de benefícios, diretrizes e normas gerais de organização, funcionamento, administração e operação.
Se o membro for designado para o Conselho Fiscal, vai examinar e emitir parecer, mesmo sem ser participante do Fundo, sobre contas da Diretoria-Executiva e demonstrações contábeis, atuariais, financeiras e de benefícios anuais do Fundo, além de acompanhar as aplicações e informar o Conselho Deliberativo sobre as eventuais irregularidades apuradas.
Se a atuação dos Conselheiros se revelar inepta para o Fundo, a consequência será nula para estes, afinal, não sendo participantes ou assistidos do Plano, não terão nada a perder sob o aspecto patrimonial. Suas aposentadorias não dependem do acerto de suas decisões como membros do Conselho.
Nesse aspecto, afigura-se pertinente a provocação de Taleb[3], segundo quem nunca se deve perguntar a qualquer pessoa sua opinião, prognóstico ou recomendação, bastando perguntá-la o que ela tem, ou não tem, em sua carteira de investimentos.
É importante ressaltar que, apesar de o Conselho Deliberativo do FUNPRESP-EXE possuir formalmente representação paritária com assento para três representantes dos patrocinadores e três dos participantes, o presidente do Conselho é designado pelo Presidente da República entre os representantes dos patrocinadores, cabendo-lhe, além do voto ordinário, o voto de qualidade para desempate[4].
Vale notar que o Estatuto da FUNPRESP-EXE exige como requisito comum de investidura nos Conselhos Deliberativo e Fiscal a condição de servidor público ativo ou aposentado dos seus membros, sejam estes representantes dos patrocinadores ou dos participantes e assistidos; no entanto, a norma estatutária exige, exclusivamente, destes últimos o requisito de participante ou assistido da Fundação com pelo menos três anos de contribuição, nada exigindo nesse aspecto dos representantes dos patrocinadores[5].
Assim, o Conselho Deliberativo, órgão máximo da estrutura organizacional do FUNPRESP-EXE, tem, na prática, permissão para adotar deliberações sobre questões fundamentais aos desígnios do Fundo somente com base nos votos dos membros não participantes ou assistidos da Fundação.
Cabe destacar que esses conselheiros, que podem não ser participantes ou assistidos do Plano, são os que definem a política e gestão de investimentos, o plano de aplicação de recursos, a autorização de investimentos e desinvestimentos, a autorização para a aquisição, construção e alienação de bens imóveis e para a constituição de ônus ou direitos reais sobre tais bens, além dos planos de custeio dos planos de benefícios[6].
O exercício dessas importantes funções pode ser realizado por servidores que não possuem skin in the game, ou seja, os que definem políticas e gestão de investimento do Fundo podem sair imunes aos problemas que porventura surjam das escolhas que fizeram na medida em que não ostentam a condição de participantes ou assistidos. Não terão nada a perder em decorrência das opiniões que emitiram e das decisões que tomaram.
A melhoria da governança das entidades fechadas de previdência complementar deve ser encarada como prioridade num país que vivenciou recentemente contexto de fraudes, crimes e gestão temerária de fundos destinados a prover aposentadorias e pensões a empregados de empresas estatais e seus pensionistas.
Nesse contexto, revela-se indispensável que a FUNPRESP-EXE dê um salutar passo adiante na evolução de sua governança, alterando seu Estatuto para que somente participantes ou assistidos do Plano possam integrar seus Conselhos, trazendo à baila a imposição do skin in the game como um dos vetores no processo de tomada de decisões da entidade.
[1] TALEB, Nassim Nicholas. Antifrágil: Coisas que se beneficiam com o caos. Tradução de Eduardo Rieche. Edição do Kindle. Rio de Janeiro: Best Business, 2015, Locais do Kindle 8283.
[2] Art. 19, parágrafo 4º, do Estatuto da Fundação de Previdência Complementar do Servidor Público Federal do Poder Executivo. Disponível em <https://www.funpresp.com.br/transparencia/a-funpresp/estatuto/Estatuto-Funpresp1.pdf>. Acesso em 15 jun. 2019.
[3] Ibidem, Locais do Kindle 8448.
[4] Art. 33, caput e parágrafo 1º, do Estatuto da Fundação de Previdência Complementar do Servidor Público Federal do Poder Executivo.
[5] Art. 19, parágrafos 3º e 4º, do Estatuto da Fundação de Previdência Complementar do Servidor Público Federal do Poder Executivo.
[6] Art. 34, do Estatuto da Fundação de Previdência Complementar do Servidor Público Federal do Poder Executivo.
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