Resumo: O presente artigo tem por objetivo trazer um panorama atual do ponto de vista doutrinário e jurisprudencial da questão fenomenológica denominada “sucessão trabalhista”, suas origens, característica e implicações na esfera do direito do trabalho.
Palavras – Chaves: Sucessão Trabalhista. Proteção. Fraude. Estrutura Jurídica. Solução de Continuidade.
Índice: 1. Introdução 2. Princípio Da Condição Mais Benéfica 3. Sucessão Trabalhista 4. Características 5. Transferência De Unidade 6. Solução De Continuidade 7. Conclusão.
INTRODUÇÂO
O presente trabalho visa traçar um panorama geral e atual de um fenômeno recorrente junto às relações de trabalho, o qual possui sérias implicações tanto para a parte obreira, quanto também para a parte empregadora. Trata-se mais especificamente da questão da “sucessão trabalhista”, situação na qual uma determinada empregadora vem a ser substituída por outra, sendo que esta última passa a explorar a mesma atividade econômica, recorrentemente ainda no mesmo ponto comercial.
Primeiramente, a fim de bem abordar a matéria, imperioso se faz entender um princípio básico do direito do trabalho que dá todo um sustentáculo para a compreensão da ótica com que é tratada esta questão pelo nosso legislador e julgador: o princípio da condição mais benéfica ao obreiro.
Posteriormente, passamos a analisar a questão em si da sucessão trabalhista, sua definição, amparo legal e características principais. Aborda-se ainda, a todo tempo, questões de jurisprudência atual acerca do tema.
Por final, concluímos explicitando o ponto central do trabalho – sucessão – bem como esta matéria vem sendo abordada atualmente, conjuntamente com suas implicações à sociedade de um modo geral.
Antes de adentrarmos ao campo da sucessão trabalhista propriamente, como já dito, é necessário entendermos de forma profunda as bases de nosso direito voltado às relações de trabalho. Dentro destas “bases”, podemos citar os princípios norteadores destes ramos do direito, os quais, justamente amoldam todo o restante da legislação que neles se sustentam.
Primero entenda-se o que é princípio. Segundo ninguém menos que o renomado jurista Miguel Reale, princípios “são verdades fundantes de um sistema de conhecimento, como tais admitidas, por serem evidentes ou por terem sido comprovadas, mas também por motivos de ordem de caráter operacional, isto é, como pressupostos exigidos pelas necessidades de pesquisa e da praxis”. [1]
Nesta linha prévia de conceituação, pode-se dizer então que os princípios, dentro da ciência do Direito, são normas amplas que visam determinados fins sociais, e que, com isto, dão sustentação ao sistema jurídico como um todo. São “diretrizes”, “orientações” de caráter aberto, que visam sempre um determinado “fim”, fins este cujas necessidades de preservação foram constatadas na vivência social ao decorrer de nossa própria existência como sociedade organizada. Em função das demandas mais intrínsecas justamente desta coletividade, os princípios dentro de nosso Direito vinculam e norteiam o entendimento de nossas leis de modo geral, seja para aplicá-lo – jurisprudência - ou para que criem-se novas normas em âmbito legislativo.
Isto posto, adentrando propriamente ao ramo do Direito do Trabalho, chegamos à compreensão de um de seus princípios basilares: princípio da condição mais benéfica. Decorrente de uma justificada proteção do trabalhador, o mesmo visa garantir o mandamento constitucional relacionado ao direito adquirido (art. 5º, XXXVI). Visa este a proteção de "situações pessoais mais vantajosas que se incorporam ao patrimônio do empregado, por força do próprio contrato, de forma expressa ou tácita, (...)" (Barros, Alice Monteiro. Curso de Direito do Trabalho, 6ª edição, pg. 182).
Por meio do princípio da condição mais benéfica, “assegura-se ao empregado a manutenção, durante o contrato de trabalho, de direitos mais vantajosos, de forma que as vantagens adquiridas não podem ser retiradas nem modificadas para pior”.[2]
Assim, com base no princípio acima citado, verifica-se que não só a legislação voltada às normas trabalhistas, como também o julgamento por parte de nossa justiça especializada deve pautar-se sempre por garantir e manter sempre que possível não só eventuais direitos, como também condições adquiridas/conquistadas que sejam mais benéficas aos trabalhadores de um modo geral. Trata-se basicamente de proteção mediante garantia, proteção esta de que as condições e direitos obtidos não sofrerão alteração ao decorrer do contrato de trabalho, visando com isto não preservar somente o obreiro em si, como também a todo meio ao qual o mesmo está inserido.
Imaginemos agora a hipotética situação: determinada empresa, a qual possui significativo quadro de funcionários, está por passar por uma crise financeira. Em determinado momento, os obreiros da mesma são surpreendidos com a notícia de que a empresa será fechada, mas que, entretanto, outra empresa assumirá o comando o estabelecimento, no mesmo ponto, explorando a mesma atividade comercial, mantendo os contratos de trabalho então vigentes.
Seguindo no exemplo, imagine que determinado empregado, após a troca de empresas, vem a ser demitido, e então, pleiteia na justiça especializada verbas atinentes ao seu contrato de trabalho anterior inadimplidas, período no qual ainda estava sob subordinação da antiga empresa, que veio a dar lugar a nova mencionada. Caberia a responsabilização da nova empresa por verbas que não foram pagas ainda no tempo da empresa antecedente? Chega-se ao fenômeno então da sucessão trabalhista.
Em nossa legislação, a CLT assim refere:
Art. 448 - A mudança na propriedade ou na estrutura jurídica da empresa não afetará os contratos de trabalho dos respectivos empregados.
(...)
Art. 10 - Qualquer alteração na estrutura jurídica da empresa não afetará os direitos adquiridos por seus empregados.
Veja, justamente com base na proteção da condição mais benéfica, a legislação trabalhista preceitua, de forma expressa, que a mudança na propriedade ou estrutura jurídica de uma empresa não afetará (implicará em modificação) junto aos contatos de trabalhos dos respectivos obreiros. A fim de ternar cristalina a preocupação, ainda se acrescenta que a alteração na estrutura da empresa em nada afeta eventuais direitos adquiridos.
A preocupação possui todo o fundamento. No exemplo citado acima, imagine que a empresa antecessora estava por passar sérias dificuldades financeiras. Assim, por meio de um estratagema legal, os sócios acabam por dar baixa no antigo CNPJ, e moldam de algum forma um novo, a fim de dar continuidade à exploração do ramo comercial. Alegariam, em tese, que as dívidas trabalhistas contraídas pelo antigo CNPJ “morreram” com o antigo CNPJ, sendo que após a sucessão pela nova empresa, esta deve responder somente pelo seu respectivo período de exploração. Não. Justamente isto, esta possibilidade de risco à parte mais fraca da relação – obreiro – é que a lei evita.
Ademais, ainda que não evidencie-se má-fé, ainda assim se está diante de inserção nas normais legais supracitadas, eis que, sabido que o que responde pelas dívidas da empresa é seu patrimônio. Entende-se que esta situação consolidada anterior de garantia no início do contrato de trabalho, com base no princípio da condição mais benéfica, não pode ser posteriormente alterada por meio de uma modificação pura e simples na estrutura da empresa (seja por meio do nome que se queira dar, alienação, arrendamento, etc).
Nestes termos então, o obreiro demitido poderia, em tese, responsabilizar esta nova empresa sucessora por verbas atinentes ainda à sua relação com a empresa sucedida, eis que, conforme dicção legal, a modificação na estrutura jurídica não implica em perda e desproteção de seus direitos adquiridos.
No campo doutrinário, pode-se dizer ainda, perfeitamente, que a questão da sucessão trabalhista sustenta-se de igual forma nos princípios da continuidade da relação de emprego e intangibilidade objetiva do contrato de trabalho, quando se diz que este último não deve – ordinariamente - sofrer qualquer adulteração no seu objeto. Vai-se também ao encontro da questão da despersonalização da figura do empregador, uma vez que significativa parte da doutrina entende que o caráter personalíssimo do contrato laboral só se verifica em relação ao empregado.
3. CARACTERÍSTICAS
A questão da responsabilização pela sucessão, entretanto, não se dá em absoluto, possuindo certas características próprias já consolidadas pela nossa jurisprudência e doutrina.
No tema, Carmen Camino (in Direito Individual do Trabalho - 4. ed. Porto Alegre: Síntese, 2004. pp. 215/216) leciona:
[...] À luz da corrente tradicional, para que a sucessão de empregadores ocorra, é necessário que se preserve a mesma empresa e que a alteração de sua titularidade ou estrutura jurídica ocorra na constância da mesma relação de emprego. [...] assim, é necessário que exista um contrato de trabalho em execução, no qual se opera a sub-rogação do novo empregador na condição do antigo, passando o primeiro a se obrigar em relação aos direitos adquiridos do empregado, que não podem ser afetados ex vi legis (art. 10 da CLT).
Já no campo da jurisprudência, sob a ótica de um entendimento clássico sobre a matéria, sedimentou-se a interpretação de que a sucessão trabalhista envolve dois requisitos básicos: que uma empresa (ou a parte desta) seja transferida para um outro titular e que não haja solução de continuidade na prestação de serviços pelo empregado. Significa basicamente que deve haver a necessária alteração da denominada estrutura jurídica, bem como que o serviço prestado não sofra qualquer forma de interrupção em sua continuidade durante esta alteração.
Neste sentido, inclusive, posicionou-se o TST:
SUCESSÃO TRABALHISTA. CARACTERIZAÇÃO. PROVA. ALCANCE TEMPORAL DA DECISÃO. RESPONSABILIDADE APENAS AO PERÍODO POSTERIOR À AQUISIÇÃO. MATÉRIA FÁTICA. SÚMULA 126/TST. 8. OBRIGAÇÕES DE FAZER E NÃO FAZER. TUTELA INIBITÓRIA. PROIBIÇÃO DA PRÁTICA HABITUAL DE HORAS EXTRAS. SÚMULAS 85, IV E 126, AMBAS DO TST. ART. 59/CLT. A sucessão de empregadores, figura regulada pelos arts. 10 e 448, da CLT, consiste no instituto justrabalhista em que há transferência interempresarial de créditos e assunção de dívidas trabalhistas entre alienante e adquirente envolvidos. A sucessão, em sua vertente clássica, envolve dois requisitos: a) que uma unidade econômico-jurídica seja transferida de um para outro titular e b) que não haja solução de continuidade na prestação de serviços pelo obreiro. A nova vertente interpretativa do instituto sucessório trabalhista insiste que o requisito essencial à figura é tão só a garantia de que qualquer mudança intra ou interempresarial não venha afetar os contratos de trabalho - independentemente de ter ocorrido a continuidade da prestação laborativa. Isso significa que qualquer mudança intra ou interempresarial que seja significativa, a ponto de afetar os contratos empregatícios, seria hábil a provocar a incidência dos arts. 10 e 448, da CLT. Cabe, ainda, reiterar que a noção tida como fundamental é a de transferência de uma universalidade, ou seja, a transferência de parte significativa do(s) estabelecimento(s) ou da empresa de modo a afetar significativamente os contratos de trabalho. Assim, a passagem para outro titular de uma fração importante de um complexo empresarial (bens materiais e imateriais), comprometendo de modo importante o antigo complexo, pode ensejar a sucessão de empregadores, por afetar de maneira importante os antigos contratos de trabalho. Desse modo, qualquer título jurídico hábil a operar a transferência de universalidade no Direito brasileiro (compra e venda, arrendamento, concessão, permissão, delegação etc.) é compatível com a sucessão de empregadores. É indiferente, portanto, à ordem justrabalhista, a modalidade de título jurídico utilizada para o trespasse efetuado. Na hipótese, o Tribunal Regional reconheceu a existência de sucessão trabalhista, ao fundamento de que a empresa sucessora explorou o mesmo empreendimento econômico, com idêntica atividade-fim, valendo-se dos empregados da empresa antecessora. Nesse contexto, a decisão do Tribunal Regional, que manteve a responsabilidade da ora Recorrente, encontra-se em plena harmonia com a ordem jurídica vigente, pois a sucessão trabalhista opera uma assunção plena de direitos e obrigações trabalhistas pelo novo titular da empresa ou estabelecimento - que passa a responder, na qualidade de empregador sucessor, pelo passado, presente e futuro dos contratos empregatícios. Logo, o objeto de irresignação da Reclamada está assente no conjunto probatório dos autos e a análise deste se esgota nas instâncias ordinárias. Entender de forma diversa da esposada pelo Tribunal Regional implicaria necessariamente revolvimento de fatos e provas, inadmissível nesta instância de natureza extraordinária, diante do óbice da Súmula 126/TST. Agravo de instrumento desprovido. (ED-ARR - 753-70.2011.5.14.0061, Relator Ministro: Maurício Godinho Delgado, Data de Julgamento: 04/10/2017, 3ª Turma, Data de Publicação: DEJT 06/10/2017)
Conforme visto, há uma visão clássica, e, entretanto, uma visão aplicada em menor escala atualmente, onde bastaria, em tese, a questão do repasse da estrutura jurídica da empresa sucedida, seja de que forma for. De qualquer modo, para operação da sucessão, mister se faz a comprovação de que houve a transferência da estrutura como um todo do empreendimento anterior, como uma unidade (e não pequena fração, ou apenas um ramo dos vários explorados anteriormente pela sucedida).
Para a caracterização da sucessão, explicando, é imperativo que a coisa, de forma unitária e coesa, passe das mãos de um para outro titular. Havendo, como dito acima, a transferência de apenas parte de um negócio, que não possa ser considerada uma unidade econômica produtiva, não se está, em tese, diante de sucessão. Para o entendimento clássico, necessária ainda a análise da questão de não ter ocorrido solução de continuidade na prestação dos serviços. O termo não é lá dos melhores, porém, é o utilizado por esta doutrina clássica. Solução de continuidade vem a ser, basicamente, interrupção na continuidade, extinção do contrato, fim, termo.
Vale o registro ainda que o simples fato de uma empresa ocupar o mesmo espaço que outra, ainda que no mesmo ramo comercial, não caracteriza sucessão para fins trabalhista, como entendido pela nossa jurisprudência, como se observa de julgado do TRT da 4ª Região:
AGRAVO DE PETIÇÃO DO EXEQUENTE. SUCESSÃO DE EMPREGADORES. Evidenciado nos autos que a alegada sucessora se limitou a locar o espaço anteriormente ocupado pela executada principal, sem qualquer prova de que tenha entabulado com esta negócio jurídico para a continuidade das operações, não há falar em sucessão de empregadores. Agravo de petição do Sindicato exequente não provido. (TRT4 - Relator: Joao Batista De Matos Danda - Seção Especializada em Execução – 09/08/2018)
4 . CONCLUSÃO
Basilar ne esfera trabalhista, a questão do reconhecimento da sucessão é um modo de proteger e garantir os direitos adquiridos dos trabalhadores, a fim de evitar futuras fraudes. Previsto legalmente na CLT, nada mais justo. Todavia, o instituto não é aplicado de forma automática, visto que, para sua configuração, mister se faz determinadas singularidades.
No campo jurisprudencial e doutrinário, há uma corrente clássica que entende que, para caracterização da sucessão, há a necessidade da transferência do estabelecimento como um todo, seja a que título for (venda, arrendamento, etc). Fora isto, esta corrente clássica entende ainda que, concomitante, a prestação do serviço não pode sofrer solução de continuidade. Ausente um destes elementos, não haveria sucessão. Há, entretanto, uma corrente mais moderna, ao que se depreende minoritária, a qual entende que basta a transferência da unidade empresarial como um todo.
Seja como for, cada caso passa por uma análise específica a fim de se auferir a presença ou não destes elementos caracterizadores, função que é outorgada, pela nossa CF/88, à justiça laboral especializada.
Advogado-RS. Formando pela Universidade Católica de Pelotas - Ucpel. Email: [email protected]
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: POMPEU, Lucas Fernandes. Aspectos atuais de sucessão trabalhista Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 05 ago 2019, 04:36. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/53251/aspectos-atuais-de-sucesso-trabalhista. Acesso em: 22 nov 2024.
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