RESUMO: A lei 12.760/2012, também conhecida como “Nova Lei Seca”, foi introduzida em face ao alto nível de violência no trânsito brasileiro, buscando restringir o consumo de bebidas alcoólicas por parte do condutor de veículos. Referida legislação procurou novamente modificar o CTB, já alterado pela Lei 11.705/2008, no tocante aos artigos 165, 262, 276, 277 e 306, sendo que este último é o objeto deste trabalho, a fim de corrigir as brechas deixadas pela lei anterior, principalmente no tocante à recusa da realização do teste do bafômetro. O objetivo deste trabalho é verificar a efetividade da Lei 12.760/2012, no tocante à aplicação das responsabilidades penais. A metodologia utilizada neste estudo deu-se por meio de pesquisa bibliográfica, a fim de estabelecer uma avaliação dos conceitos existentes sobre o tema em estudo. Pelo material estudado e em face ao objetivo deste trabalho, pode-se inferir que, mesmo após o endurecimento da nova lei, aumentou o número de pessoas que consomem bebidas alcoólicas, pondo em risco a sociedade, apesar da diminuição de vítimas fatais nos acidentes de trânsito, e que a efetividade penal da lei em epígrafe está prejudicada, em face das inúmeras interpretações que ela enseja. Os entendimentos dissonantes no âmbito do próprio STJ, além do relaxamento das fiscalizações, fazem com que o número de condutores de veículos embriagados apresente o crescimento mencionado.
Palavras-Chave: Responsabilidade penal. Efetividade. Embriaguez. Lei seca.
Introdução
No dia 19 de junho de 2008 passou a vigorar no ordenamento jurídico brasileiro a Lei 11.705, que alterou o Código de Trânsito Brasileiro (CTB) – Lei 9.503/1997. Referida legislação, também conhecida como “Lei Seca”, foi introduzida em face ao alto nível de violência no trânsito e buscou restringir a utilização e a propaganda de bebidas alcoólicas por parte do condutor de veículos automotores, atendendo ao disposto no artigo 220, § 4º da CF/1988. É amplamente conhecido o efeito devastador das substâncias alcoólicas e sua relevante participação nas situações de violência, seja no trânsito, ou não. Nesse contexto, referida legislação modificou o CTB, estabelecendo uma quantidade mínima de substância alcoólica, por litro de sangue, sendo que se essa quantidade for ultrapassada, o condutor estará cometendo um delito ao dirigir embriagado.
Entretanto, para endurecer ainda mais as penalidades referentes à embriaguez ao volante e em face de haver algumas brechas na lei supramencionada, principalmente com referência à recusa do teste do bafômetro, no dia 21 de dezembro de 2012 foi promulgada a Lei 12.760, que alterou os artigos 165, 262, 276, 277 e 306 do CTB.
Antes da modificação introduzida pela Lei 11.705/2008, o CTB estabelecia somente que haveria crime caso o condutor de veículo automotor expusesse outras pessoas a dano potencial, se estivesse sob a influência de substância alcoólica ou outras que causem dependência. Esse dispositivo legal não estabelecia uma quantidade específica, porém requeria que o motorista dirigisse o veículo de forma anormal. O CTB previa a possibilidade da ocorrência de exame de corpo de delito direto ou outro que viesse a suprir esse exame, além das provas testemunhais, toda vez que, claro, não pudesse ser realizado o exame direto.
Entretanto, segundo decisão formulada pela Sexta Turma do STJ, a alteração introduzida no artigo 306, do CTB, passou a quantificar a dosagem de substância alcoólica, por litro de sangue e, dessa forma, o crime só se perfazia se essa quantidade fosse atingida ou ultrapassada, não se configurando dano abstrato e, sim, potencial. Para tanto, somente o teste de etilômetro (bafômetro) e os de sangue podiam verificar se o condutor encontrava-se embriagado no momento da abordagem. Contudo, em face ao princípio constitucional da não produção de provas, o condutor não está obrigado a fazer esses testes, razão esta que facilita a impunidade, dificultando a aplicação da lei em apreço, inclusive beneficiando os acusados antes da edição dessa lei, visto que a lei mais benéfica retroage, em benefício do réu.
A nova lei seca permitiu outros meios de prova, que não o bafômetro, mas, possibilitou que alguns magistrados absolvessem pessoas flagradas embriagadas ao volante, porque foi extraída do artigo 306 o vocábulo “concentração de álcool”, reputando como crime dirigir veículo automotor com a capacidade psicomotora alterada em razão da influência de álcool ou de outra substância psicoativa que indique dependência.
Em face ao objetivo deste estudo, foi levantado o seguinte problema: A lei 12.760/2012 é efetiva, no tocante à responsabilidade penal?
A escolha deste tema justifica-se no fato de que a lei 12.760/2012, bem como a Lei 11.705/2008, ainda são motivos de inúmeros debates, principalmente no tocante à constitucionalidade ou não da exigência da realização de exames, a fim de constatar a presença de álcool no organismo, muito embora a CF/88 preceitue que nenhuma pessoa é obrigada a produzir prova contra si mesma. Além disso, apesar de a lei ter como objetivo endurecer as penalidades para os condutores que dirigem sob o efeito de álcool ou outra substância que cause dependência, ainda é possível se verificar que ainda existem casos reincidentes.
Este estudo tem por objetivo geral verificar a efetividade da Lei 12.760/2012, no tocante à aplicação das sanções penais.
Para atingir o objetivo deste artigo, o autor optou pela pesquisa bibliográfica como metodologia, a partir do levantamento, escolha e documentação de referências bibliográficas já publicadas sobre o tema objeto da pesquisa. A bibliografia concernente ao tema oferta meios para conceituar, explicar, não apenas os problemas já averiguados, como inclusive promover a exploração de outras áreas, em que os problemas não se mostram efetivamente, e tem por finalidade possibilitar ao pesquisador o suporte no exame de suas pesquisas ou manipulação de seus dados/informações.
Desenvolvimento
Consoante Capez (2010), a embriaguez pode ser entendida como um fato que pode desencadear a perda da vontade do agente e da sua capacidade de compreensão, visto que o agente pode sofrer uma intoxicação passageira e até violenta ao ingerir bebida alcoólica ou quaisquer outras substâncias que contenham consequências psicotrópicas.
No referente ao grau ou à intensidade da embriaguez, o ordenamento jurídico brasileiro estipulou diferença entre a embriaguez completa, prevista no artigo 28, § 1º, do Código Penal, e a incompleta, artigo 28, § 2º, do mesmo diploma legal. Conforme afirma Delmanto (2010), para o referido artigo existem duas espécies de embriaguez, quais sejam: a acidental, que resulta de caso fortuito ou força maior, e a não acidental, também denominada voluntária ou culposa:
§ 1º - É isento de pena o agente que, por embriaguez completa, proveniente de caso fortuito ou força maior, era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento.
§ 2º - A pena pode ser reduzida de um a dois terços, se o agente, por embriaguez, proveniente de caso fortuito ou força maior, não possuía, ao tempo da ação ou da omissão, a plena capacidade de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento (BRASIL, 1940, p. 6).
Ainda existe, para Delmanto (2010), a embriaguez patológica que refere-se ao alcoolismo crônico, situações essas que podem produzir inimputabilidade ou terem sua responsabilidade minimizada (parágrafo único do artigo 26, CP).
No concernente à embriaguez ao volante, segundo o artigo 306, do CTB, cuja nova redação foi dada pela Lei 12760/2012, in verbis:
Art. 306. Conduzir veículo automotor com capacidade psicomotora alterada em razão da influência de álcool ou de outra substância psicoativa que determine dependência. Penas – detenção, de 6 (seis) meses a 3 (três) anos, multa e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor (BRASIL, 1997, p. 77).
Esse artigo visa a proteção da incolumidade pública, sendo que qualquer pessoa pode ser o sujeito ativo e a coletividade o sujeito passivo. O verbo “conduzir” (dirigir, controlar, guiar, transportar) representa a conduta do agente. O texto legal determina que o condutor de veículo não necessita estar embriagado para que o crime se efetive, bastando que ele tenha concentração de álcool igual ou superior a seis decigramas por litro de sangue ou, ainda, que esteja sob o efeito de qualquer outra substância psicoativa que acarrete dependência.
A partir da nova redação do mencionado artigo, não existe mais a necessidade que a conduta do motorista que esteja sob os efeitos do álcool sujeite a dano potencial a incolumidade de outra pessoa. Para Andreucci (2010), neste momento trata-se de crime de perigo presumido, abstrato. Se o motorista estiver conduzindo um veículo automotor em uma via pública e que tenha em seu organismo uma concentração de álcool menor do que seis decigramas por litro de sangue, haverá somente a penalidade administrativa gravíssima fixada pelo artigo 165 do CTB, que estabelece a retenção do veículo até a apresentação de condutor habilitado e recolhimento do respectivo documento de habilitação (BRASIL, 1997).
Já para o STJ, em análise ao Recurso Especial 1113360, HC, antes da Lei 11.705/2008, para que o crime de embriaguez ao volante se configurasse, o agente que estivesse sob a influência de substância alcoólica necessitava expor a dano potencial a incolumidade de outra pessoa. Contudo, a partir da Lei Seca, delimitou-se o meio de prova que é admitida em direito, isto é, a figura típica só se perfaz a partir da quantidade objetiva da concentração de bebida alcoólica por litro de sangue, ficando excluída a necessidade de exposição de dano potencial, não é dano presumido (STJ, 2010a).
Para o Ministro Gilson Dipp, do STJ, em manifestação ao HC 158311/RS, entendeu que esse crime é não é de perigo presumido e sim de perigo concreto indeterminado, visto que não basta que o condutor esteja embriagado ao dirigir o veículo, precisa ficar comprovado de que essa conduta foi perigosa para outras pessoas, mesmo que sejam terceiros indeterminados (STJ, 2010b). Para tanto, será realizado o vulgarmente denominado “teste do bafômetro”, que nada mais é do que um teste realizado em um instrumento denominado “etilômetro”, o qual faz a aferição da embriaguez por meio da concentração, em miligramas, de álcool por litro de ar exalado dos pulmões. Os parâmetros utilizados equivalem ao exame sanguíneo previsto no Decreto 6.488/2008, em seu artigo 2º, I e II:
Art. 2 Para os fins criminais de que trata o art. 306 da Lei no 9.503, de 1997 - Código de Trânsito Brasileiro, a equivalência entre os distintos testes de alcoolemia é a seguinte:
I - exame de sangue: concentração igual ou superior a seis decigramas de álcool por litro de sangue; ou
II - teste em aparelho de ar alveolar pulmonar (etilômetro): concentração de álcool igual ou superior a três décimos de miligrama por litro de ar expelido dos pulmões (BRASIL, 2008, p. 1).
Para definir regras que uniformizem os critérios para apurar eventuais sinais e sintomas característicos da embriaguez, a fim de atender ao CTB, o Instituto Médico Legal – IML de São Paulo editou a Portaria IML 001/2009, que discrimina os procedimentos técnicos que precisam ser observados e atendidos por esses profissionais, assim como garantir a qualidade e uniformização dos laudos (IML, 2009).
O § 2º, do artigo 277, do CTB, admite que outras provas admitidas em direito possam ser obtidas, caso o agente de trânsito note claros sinais de embriaguez, excitação ou torpor apresentados pelo motorista do veículo automotor.
O dolo é o elemento subjetivo da embriaguez ao volante e não existe previsão para a modalidade culposa. Não é admitida a tentativa neste crime (NUCCI, 2015).
O crime se consuma com a efetiva direção do veículo automotor em uma via pública, estando o condutor com concentração de álcool igual ou superior a seis decigramas por litro de sangue, ou sob a influência de qualquer outra substância psicoativa que cause dependência, mesmo que não haja perigo concreto.
Na CF/88 não existe qualquer proibição, no tocante à tutela do bem jurídico tutelado que é a segurança viária contra as condutas com potencial lesivo a esse bem. Da mesma forma que o Estado pode fazer uso do Direito Penal para impedir que uma pessoa circule pelas ruas portando um revólver carregado, sem que tenha qualquer autorização legal, ele também pode proibir o condutor embriagado de dirigir pelas vias públicas.
Com base no exposto, a Lei 12.760/2012 alterou alguns artigos da Lei 11.705/2008, sendo que, em face ao objeto deste trabalho, será apresentado o artigo 306. Contudo, cumpre mencionar que o artigo 276 que também foi alterado pela Lei 12.760/2012 estabelece a não necessidade do teste de bafômetro para comprovar a infração (BRASIL, 2012). Aqui encontra-se o princípio nemo tenetur se detegere, que significa que nenhuma pessoa está obrigada a produzir prova contra si mesma, dentro dos princípios constitucionais do direito ao silêncio, da ampla defesa e da presunção de inocência (SANTOS, 2015). Pode-se depreender desse artigo que o Poder Executivo era o órgão que estabelecia os limites de tolerância de álcool no sangue até a promulgação da Lei 12.760/2012 e, a partir desta, o Contran detém essa responsabilidade; segundo a Resolução 432/2013, do Contran, o delito se perfaz caso fique comprovada a existência de 6 decigramas ou mais de álcool por litro de sangue ou 0,34 miligramas ou mais de álcool por litro de ar alveolar expelido).
Quanto ao artigo 306, a Lei 11.705/2008 estabelecia que o indivíduo que conduzisse veículo automotor, em via pública, com concentração de álcool ou outra droga que cause dependência acima de seis decigramas cometeria o crime. A partir da Lei 12.760/2012, a nova redação do artigo 306 estabelece algumas modificações: foi retirada a expressão “via pública”; a quantidade de concentração de álcool por litro de sangue foi retirada do caput e passou para o Inciso I, do § 1º, além de estabelecer outros meios de verificação de alcoolemia (incisos I e II):
I - concentração igual ou superior a 6 decigramas de álcool por litro de sangue ou igual ou superior a 0,3 miligrama de álcool por litro de ar alveolar; ou
II - sinais que indiquem, na forma disciplinada pelo Contran, alteração da capacidade psicomotora (BRASIL, 2012, p. 2).
Como se pode inferir, o novo texto legal estabelece que, caso o condutor se negue a fazer o teste do bafômetro, o crime pode se perfazer caso se verifique a presença de álcool pelo ar expelido pelos pulmões (quantidade não pode ser superior a três décimos de miligramas por litro de ar expelido).
A nova lei seca também inseriu os §§ 2º e 3º no artigo 306, sendo que o § 2º refere-se aos tipos de provas que podem ser usadas para a comprovação de um delito penal, como fotos, vídeos, provas testemunhas e outras provas e o § 3º estabelece que poderão ser utilizadas outras formas para averiguar se o indivíduo se encontra sob o efeito de álcool ou outra droga que cause dependência, sendo o Contran o órgão responsável para estabelecer essas outras formas. Essa alteração, entretanto, desencadeou interpretações distintas e inúmeros debates, no tocante à configuração do delito e às provas.
Assim, serão apresentadas abaixo algumas interpretações sobre o tema em apreço.
Para os especialistas no assunto, Sannini Neto e Cabette, no concernente à conduta especificada no artigo 306, a nova lei é válida e constitucional, visto que:
[...] há uma presunção por parte do legislador no sentido de que o motorista flagrado na condução de veículo automotor com a concentração igual ou superior a 6 decigramas de álcool por litro de sangue ou igual ou superior a 0,3 miligramas de álcool por litro de ar alveolar, esteja com a sua capacidade psicomotora reduzida. Trata-se, nesse caso, de uma regra clara. Constatados os mencionados índices, há uma presunção legal de embriaguez e o infrator poderá ser preso em flagrante. Neste aspecto pode-se afirmar que se a ebriedade é constada por meio do exame de etilômetro ou exame toxicológico de sangue nos patamares legalmente estabelecidos, se está diante de um crime de perigo abstrato (SANNINI NETO; CABETTE, 2012, p. 2).
Ainda segundo referidos especialistas, nada impede que a materialidade delitiva da conduta seja verificada por meio de exame clínico, visto que o elemento objetivo do tipo se baseia na constatação da alteração da capacidade psicomotora do motorista, independente do resultado obtido pelo teste do bafômetro.
Cabe ressaltar que a nova lei seca estabeleceu que o simples fato de uma pessoa estar com uma determinada concentração de álcool no sangue não configura delito, visto que esse indivíduo precisa estar com sua capacidade psicomotora alterada por causa dessa quantidade de álcool, isto é, antes a concentração de álcool no sangue era elemento do tipo penal e, a partir da nova lei, passou a ser somente uma forma de prova.
Tanto a Lei 11.705/2008, como a Lei 12.760/2012, atrelaram o artigo 306 ao crime de perigo abstrato.
Segundo Cruz (2008), não é possível entender como aceitável que o Estado esteja impedido de desempenhar o seu poder de punir, apenas porque o réu tem o direito de não produzir provas contra si mesmo. Nesse caso, para ele, precisa ser aceito que o estado de embriaguez seja comprovado por outro meio capaz, idôneo, como, por exemplo, exame clínico feito por um perito médico. Ainda que não fosse aceito outro meio de prova, não produzida pela simples escolha do agente (pela regra do nemo tenetur se detegere), cada caso poderia ser verificado individualmente, no sentido de buscar verificar se o crime incorreu em perigo, simplesmente demonstrando que a conduta do motorista expôs a perigo de vida de outrem, ao conduzir veículo automotor sob efeito de substância alcoólica.
Para Prado (2004), a interpretação da norma precisa estar vinculada ao ordenamento jurídico e as circunstâncias históricas, culturais e sociais em que ela está inserida. Isto porque, consoante o autor, o significativo número de vítimas fatais no trânsito brasileiro, decorrente do consumo excessivo de substância alcoólica foi fundamental para a modificação do CTB e este fator merece ser considerado pelos operadores de direito.
Cumpre apresentar aqui a teoria da actio libera in causa (ação livre na sua causa). Essa teoria parte do pressuposto de que o agente se coloca em situação de inimputabilidade e pratica um ilícito que poderá ser previsto no momento da imputabilidade. Assim, segundo essa teoria, esse agente deve responder pelo ilícito, seja porque desejou o resultado (embriaguez preordenada), visto que, mesmo podendo prever esse resultado, não fez nada para evitá-lo, o que caracteriza o dolo eventual, ou porque, caso não tenha previsto esse resultado, deveria tê-lo previsto, o que caracteriza a culpa. Esse conceito está conciliado com o hoje entendido pelos doutrinadores e pelas normas legais, que liga a imputabilidade à capacidade de o agente compreender a natureza ilícita do ato que praticou e de conduzir-se conforme esse entendimento. Assim, imputável é o agente que é saudável, do ponto de vista mental, e desenvolvido, que tem a capacidade de compreender que seu comportamento contradiz as normas legais.
O modelo habitual de aplicação dessa teoria é o da embriaguez preordenada, em que o indivíduo, com a finalidade principal de praticar o delito, embebeda-se para ter coragem bastante para a prática desse delito, ou também para isentar-se da pena, pondo-se em condição de inimputabilidade. Aqui, está patente o dolo do indivíduo no tocante ao evento delituoso, sendo que o primeiro fator no conjunto dos eventos é a embriaguez, que leva à conseqüência contrária à lei, mesmo que seja simplesmente um ato preparatório.
Porém, nas situações de embriaguez voluntária ou culposa, existe a possibilidade de dolo ou de culpa somente no tocante ao ato da embriaguez, em si, o agente se embriaga, seja por imprudência ou por negligência, ou procurando apenas embriagar-se e o crime resultante desse estado não é desejado por esse agente.
Para Carrara (apud NASCIMENTO, 2000), sob o ponto de vista de dolo e culpa, a teoria da actio libera in causa estabelece: nas situações de embriaguez preordenada, qualquer quantidade de álcool ingerida, a imputabilidade sempre dolosa; e nas de embriaguez voluntária ou culposa, se essa embriaguez for completa, a imputação seria na forma culposa e se for incompleta, não haveria imputabilidade e a imputação seria dolosa, contudo, menos rigorosa.[1]
O princípio essencial dessa teoria encontra-se no fato de que a definição de causalidade (nexo causal) não requer que a vontade do agente seja permanente em cada instante da execução do ato. Para Nascimento (2000), hoje, já existe uma tendência no sentido de punir mais severamente a embriaguez, ao invés de se punir o fato ocorrido durante esse estado. Dessa forma, segundo o autor, apenas se deveria punir o indivíduo pelo ilícito no caso da embriaguez preordenada. Portanto, pode-se inferir que a teoria em tela é claramente válida para os casos de embriaguez preordenada ou até mesmo para os de embriaguez voluntária ou culposa, antes mesmo de se embriagar o indivíduo tomou sobre si a responsabilidade, o risco de praticar um delito ou tinha condições de prever que poderia praticá-lo.
O real dilema no campo da punibilidade dos ilícitos cometidos em estado de embriaguez é decorrente do impasse que existe entre a segurança jurídica e a pública. Com relação à segurança pública, reputar todos os casos de embriaguez completa como causa excludente de imputabilidade seria um ato de irresponsabilidade por parte do Estado, representando verdadeiro estímulo ao consumo de bebida alcoólica. Com referência à segurança jurídica, o impasse é: reputar a imputabilidade do agente que se embebeda e vem a praticar um ilícito, que não podia prever no derradeiro instante de plena capacidade de entendimento, é intentar contra os preceitos definidos pelo direito penal, no tocante à culpabilidade.
Nesse sentido, é imprescindível discutir a efetividade da lei 12.760/2012.
Para fins comparativos, vale informar que, no primeiro ano da vigência da Lei 11.705/2008, o número de acidentes de trânsito provocados por agentes embriagados reduziu, de acordo com pesquisa feita pelo Departamento Nacional de Trânsito – DENATRAN (apud CFCA, s.d):
Em relação aos acidentes com vítimas, em 2007 foram registrados 13.672 acidentes contra 13.459 no mesmo período em 2008. Considerando as vítimas fatais, os números apontam 1.055 mortes no ano de 2007 contra 981 em 2008. Neste ano a cidade do Rio de Janeiro registrou 30% de mortes a menos e em Tocantins houve uma redução de 55% no número de feridos, conforme mostrado nas tabelas abaixo. A pesquisa identificou também que as autuações referentes à condução de veículo sob efeito de bebida alcoólica cresceram de 678 para 2.322 registros (CFCA, s.d, p. 1).
Entretanto, de acordo com pesquisa realizada pela Secretaria de Vigilância em Saúde, do Ministério da Saúde, indica que entre os anos de 2011 e 2017 aumentou em 16% a frequência de adultos que admiram consumir bebida alcoólica e conduzirem veículos motorizados. “No conjunto das 27 cidades, 6,7% da população adulta referiram conduzir veículo motorizado após consumo de bebida alcoólica. Os homens (11,7%) continuam assumindo mais essa infração do que as mulheres (2,5%)” (SAÚDE, 2018, p. 1).
Ainda de acordo com referido órgão no ano de 2017 foram contabilizadas 35.300 vítimas fatais no Brasil, mortes essas ocasionadas por acidentes de trânsito, sendo que dentre essas vítimas, o maior percentual é de vítimas e 36,75% pertenciam a jovens entre 20 e 39 anos (SAÚDE, 2019).
Segundo a Polícia Rodoviária Federal, em pesquisa realizada até 16/06/2009, um ano após a vigência da Lei Seca, o número de acidentes aumentou de 127.683 (2007-2008) para 138.226 (2008-2009). Houve ligeira redução dos acidentes com vítimas fatais, de 5.481 (2007-2008) para 5.347 (2008/2009), sendo que o número de mortos caiu de 6.729 (2007-2008) para 6.614 (2008-2009) (AQUINO, 2015).
Após a edição da Lei 12.760/2012, a Polícia Rodoviária Federal verificou uma ligeira queda na quantidade de acidentes oriundos do uso de álcool “após a lei ter estabelecido tolerância zero ao álcool e aumentado o valor da multa para quem for flagrado embriagado ao volante, em 2012. Naquele ano foram registrados 7.594 acidentes, 7.526 em 2013 e 7.391 no ano passado” (AQUINO, 2015, p. 2).
Quanto à jurisprudência, no tocante à efetividade penal da Lei 12.760/2012, existem inúmeros entendimentos divergentes, conforme pode se verificar abaixo.
Em análise ao recurso ordinário em HC, medida liminar em que o paciente alega que foi processado por ter infringido o artigo 306, do CTB, e que não existem provas que o incriminem, assim, não existe prova de materialidade do delito, o STF, nesta oportunidade, reconheceu de ofício o habeas corpus, trancando o processo quanto ao artigo 306, do CTB:
[...] 2. Com a redação conferida ao artigo 306 do CTB pela Lei n.º 11.705/08, tornou-se imperioso, para o reconhecimento de tipicidade do comportamento de embriaguez ao volante, a aferição da concentração de álcool no sangue. 3. A Lei n.º n.º 12.760/12 modificou a norma mencionada, a fim de dispor ser despicienda a avaliação realizada para atestar a gradação alcóolica, acrescentando ser viável a verificação da embriaguez mediante vídeo, prova testemunhal ou outros meios de prova em direito admitidos, observado o direito à contraprova, de modo a corroborar a alteração da capacidade psicomotora. 4. Contudo, no caso em apreço, praticado o delito com a redação primeva da legislação e ausente a sujeição a etilômetro ou a exame sanguíneo, torna-se inviável a responsabilização criminal, visto a impossibilidade de se aferir a existência da concentração de álcool por litro de sangue igual ou superior a 6 (seis) decigramas por uma análise na qual se atenha unicamente aos sinais clínicos e às manifestações físicas e psíquicas do avaliado. [...] Ordem concedida, de ofício, a fim de reconhecer a ausência de justa causa e trancar o Processo n.º 0012098-92.2010.8.16, somente quanto ao artigo 306 do CTB (STJ, 2014, p. 1).
Referida decisão pode abrir precedentes para que outras pessoas, flagradas com quantidade de álcool superior à permitida, na condução de veículos, possam ser beneficiadas.
Outro fator que dificulta a aplicação da nova lei seca é quando ocorre lesão corporal culposa, visto que para a ação penal, a vítima precisa fazer a representação, não obstante o Ministério Público de São Paulo entenda que o crime de embriaguez ao volante, previsto no artigo 306, do CTB, é de ação pública incondicionada, segundo razões expostas nos Autos de Apelação nº 1.366.511-0 (MPSP, 2003).
Conclusão
O trânsito de veículos pelas ruas de todas as cidades brasileiras vem aumentando progressivamente e, com esse aumento, também é cada vez maior o perigo que ele traz consigo. Nesse contexto, em face da necessidade da existência de leis mais severas que proporcionem segurança para toda a coletividade, entrou em vigência a Lei 12760/2012, que buscou sanar algumas brechas existentes na Lei 11705/2008 e, consequentemente, promoveu alterações no CTB, com o objetivo de tentar reduzir os elevados níveis de criminalidade no trânsito que, diuturnamente, ocorrem nas estradas brasileiras. Referida norma buscou dar uma resposta mais efetiva a esse problema, visto que o Brasil é um dos países mais violentos, no tocante aos acidentes de trânsito. Uma legislação mais severa mostra a crescente preocupação com as inúmeras, até milhares, de vidas ceifadas por atos imprudentes e pela falta de responsabilidade dos motoristas, sem contar os danos materiais originados por esses acidentes. As leis não buscam somente a justiça, mas também a segurança da coletividade.
Vale dizer que a segurança no trânsito é um direito garantido pela Constituição Federal, por meio do artigo 23, inciso XII. Dessa forma, pode-se dizer que os testes previstos no CTB constituem uma forma indireta de resguardar a vida, a integridade física das pessoas e a segurança de todos, além de ser uma forma direta para que a lei seca seja efetiva.
No tocante à efetividade penal da Lei 12.760/2012, ao analisar o material pesquisado, verificamos que vem aumentando gradativamente o número de pessoas que consomem bebidas alcoólicas, pondo em risco a sociedade, apesar da diminuição de vítimas fatais nos acidentes de trânsito.
Em face de todo o exposto, é possível inferir que a efetividade penal da lei em epígrafe está prejudicada, em face das inúmeras interpretações que ela enseja. Os entendimentos dissonantes no âmbito do próprio STJ, além do relaxamento das fiscalizações, fazem com que o número de condutores de veículos embriagados apresente o crescimento mencionado.
REFERÊNCIAS
ANDREUCCI, Ricardo Antonio. Legislação penal especial. 7.ed. São Paulo: Saraiva, 2010.
AQUINO, Yara. Número de adultos que admitem beber e dirigir cai 16%, aponta pesquisa. 2015. Disponível em <http://www.ebc.com.br/tecnologia/2015/06/lei-seca-reduz-uso-de-alcool-ao-volante-e-numero-de-acidentes-diz-pesquisa.> Acesso em: 20 jul. 2019.
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[1] A imputação existe quando uma pessoa é acusada de um crime e imputabilidade é quando a pessoa que foi acusada por cometer um delito é responsabilizada e terá que responder por esse ato ilícito. Imputabilidade é ainda um conjunto de circunstâncias pessoas que concedem ao agente a capacidade para lhe ser imputada, juridicamente, a prática de um fato típico.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: JACINTO, MARCEONE FERREIRA. Embriaguez alcoólica ao volante: responsabilidade penal e efetividade da Lei 12.760/2012 Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 10 set 2019, 04:57. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/53404/embriaguez-alcolica-ao-volante-responsabilidade-penal-e-efetividade-da-lei-12-760-2012. Acesso em: 22 nov 2024.
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