BERNARDO SEIXAS [1]
(Orientador)
RESUMO: O presente artigo tem como objetivo o estudo da relação entre o art. 844, §§ 2º e 3º da CLT e o Princípio constitucional do Acesso à Justiça, analisando o pagamento das despesas processuais na Justiça do Trabalho pelo beneficiário da Justiça Gratuita após o advento da Lei 13.467/17, identificando os requisitos para concessão do benefício da Justiça Gratuita, estudando o comparecimento do reclamante à audiência pela ótica do Direito Processual do Trabalho, além de analisar o Princípio do Acesso à Justiça e o papel dos Juízes para evitar eventual violação a princípios. A Reforma Trabalhista alterou a redação do art. 844, §§ 2º e 3º da CLT e fixou custas processuais como penalidade à parte reclamante que deixar de comparecer à audiência e não justificar legalmente sua ausência, condicionando a propositura de nova ação ao pagamento das custas, ainda que seja beneficiária da justiça gratuita. Trata-se de um projeto de pesquisa bibliográfica pelo método de abordagem dedutivo e técnica de documentação indireta, de tema atual e com relevância jurídica e social, e, ao final, conclui-se que a redação do art. 844, §§ 2º e 3º da CLT após a reforma trabalhista viola o princípio do acesso à justiça.
Palavras-chave: Reforma Trabalhista. Custas Processuais. Gratuidade da Justiça. Princípio do Acesso à Justiça.
ABSTRACT: The purpose of this article is the study of the relationship between art. 844, §§ 2 and 3 of the CLT and the Constitutional Principle of Access to Justice, analyzing the payment of procedural expenses in Labor Justice by the beneficiary of Gratuitous Justice after the advent of Law 13467/17, identifying the requirements for granting the benefit of Gratuitous Justice, studying the attendance of the complainant to the hearing from the perspective of the Procedural Labor Law, besides analyzing the Principle of Access to Justice and the role of Judges to avoid possible principles violation. The Labor Reform altered the wording of art. 844, §§ 2 and 3 of the CLT and setted procedural costs as a penalty to the complaining party that fails to attend the hearing and does not legally justify its absence, conditioning the filing of a new action to the payment, even if beneficiary of gratuitous justice. It is a bibliographical research project by deductive approach method and indirect documentation technique, of current subject matter and juridical and social importance, and it is concluded that the art. 844, §§ 2 and 3 of the CLT after the labor reform violates the principle of access to justice.
Keywords: Labor Reform. Procedural Costs. Gratuitous Justice. Principle of Access to Justice.
SUMÁRIO: Introdução. 1 Despesas Processuais. 1.1 As Despesas Processuais no Direito Processual do Trabalho. 1.1.1 As Custas Processuais. 2 Assistência Jurídica e Gratuidade da Justiça. 2.1 Evolução Histórica. 2.2 A Gratuidade da Justiça e o Direito do Trabalho. 2.2.1 A Gratuidade da Justiça e a Reforma Trabalhista. 2.2.2 O Pagamento de Custas pelo Beneficiário da Justiça Gratuita. 3 Princípio do Acesso à Justiça. 3.1 A Assistência Jurídica e o Acesso à Justiça. 3.2 O Papel dos Juízes na Proteção das Normas Constitucionais. Conclusão. Referências Bibliográficas.
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As custas processuais representam a somatória das despesas gastas com o processo devidas ao Estado como remuneração pela prática dos serviços judiciários.
De forma geral, o responsável pelo pagamento das despesas do processo é o requerente ou interessado nos atos que impliquem a despesa. Já as custas pagas ao final do processo são de responsabilidade da parte que perdeu, conforme teoria da sucumbência adotada pelo Brasil.
Embora a Constituição Federal garanta acesso aos tribunais a todos os cidadãos, ainda é necessário reafirmar junto aos legisladores e aos aplicadores do direito a necessidade de garantir o acesso de forma efetiva por meio de normas que não afastem o cidadão, especialmente aquele hipossuficiente.
A Reforma Trabalhista trouxe significativa alteração para os beneficiários da justiça gratuita ao dispor que o pagamento das custas processuais no caso de ausência à audiência é condição para propositura de nova ação (art. 844, §§ 2º e 3º da CLT), dificultando sobremaneira, quiçá impedindo, seu acesso ao judiciário, violando assim o princípio do Acesso à Justiça.
O objetivo do presente trabalho é estudar a relação entre o art. 844, §§ 2º e 3º da CLT e o Princípio constitucional do Acesso à Justiça, analisando o pagamento das despesas processuais na Justiça do Trabalho pelo beneficiário da Justiça Gratuita após o advento da Lei 13.467/17, identificando os requisitos para concessão do benefício da Justiça Gratuita, estudando o comparecimento do reclamante à audiência sob a ótica do Direito Processual do Trabalho, além de analisar o Princípio constitucional do Acesso à Justiça e o papel dos Juízes no intuito de evitar eventual violação a princípios.
Com a alteração trazida pela Reforma, o beneficiário da justiça gratuita teve seu direito de acesso à justiça prejudicado. Diante disso, importante se faz a abordagem do tema a fim verificar o impacto causado ao beneficiário da justiça gratuita pela obrigatoriedade de pagamento das custas processuais.
Para o desenvolvimento do presente trabalho foi utilizado o método de abordagem dedutivo, procedimento descritivo, utilizando técnica da documentação indireta, englobando a pesquisa documental (jurisprudências, Leis, normas) e bibliográfica (livros e artigos científicos).
O presente trabalho de conclusão de curso estrutura-se em três capítulos. Inicialmente, discorre-se sobre as despesas processuais, as quais são entendidas como a totalidade de gastos que os litigantes têm que arcar no curso de um processo. No Direito do Trabalho, as custas processuais, espécies de despesas processuais, são pagas, em regra, por aquele que deu causa à ação, após a sentença, seja para cumprir o comando judicial ou para recorrer, quando não for isento pela lei.
No segundo capítulo, são delineados os conceitos de Assistência Jurídica e de Gratuidade da Justiça, bem como apresentadas as alterações decorrentes da Reforma trabalhista sobre a gratuidade da justiça no Direito do Trabalho. A nova sistemática trazida pela Reforma Trabalhista condena a parte beneficiária da justiça gratuita ao pagamento dos honorários periciais, aos honorários advocatícios e às custas processuais.
Por fim, é apresentado o princípio do Acesso à Justiça, princípio este previsto na Constituição Federal de 1988 o qual dispõe que a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça à direito. Em seguida, demonstra-se a relação entre este princípio e a Assistência Jurídica Integral, inferindo-se que o Acesso efetivo à Justiça só pode ser alcançado se garantida a assistência jurídica, e como é importante o papel dos juízes no cumprimento destes preceitos constitucionais.
As despesas processuais podem ser definidas como a totalidade de gastos que as partes litigantes em um processo têm que arcar, abrangendo gastos com locomoção, pagamento de honorários advocatícios, honorários dos assistentes técnicos e dos peritos, custas processuais, emolumentos, publicação de edital, entre outros.
Afirma-se que as “despesas processuais são todos os gastos que as partes realizam dentro ou fora do processo, para promover-lhe o andamento ou atender com mais segurança a seus interesses na demanda” (PINTO, 2005, p. 209).
Conforme ensina Schiavi (2019, p. 511), existem despesas que são obrigatórias no processo e devem ser pagas pelas partes, como a taxa judiciária, as custas processuais e os emolumentos, vejamos:
Nos termos do Código do Processo Civil, é de responsabilidades das partes proverem as despesas dos atos que realizarem ou requererem no processo, antecipando-lhes o pagamento. No processo de conhecimento, a antecipação das despesas vai desde o início do processo até a emissão da sentença, enquanto que no processo de execução, o encargo cessará somente com a plena satisfação do direito reconhecido na sentença.
Importante ressaltar que o CPC prevê exceção à antecipação do pagamento das despesas aos beneficiários da justiça gratuita, os quais ficam dispensados do encargo mesmo no final da causa, salvo nos casos de litigância de má-fé.
Assim como no Processo Comum, no Processo do Trabalho as despesas processuais são gênero, segundo ensina Miessa(2017), e têm como espécies as custas, estudadas a seguir, os emolumentos, os quais possuem montantes fixos pagos pelo requerente (art. 789-B, da CLT), os honorários do perito, fixados pelo juiz e pagos pela parte sucumbente no objeto da perícia, e dos assistentes, pagos pela parte contratante, honorários dos advogados, os quais são arbitrados entre 5% e 15% sobre o valor da sentença, do proveito econômico ou o valor da causa, dentre outros gastos com o processo.
As custas são espécies de despesas processuais. De acordo com Palma (2002), a origem da palavra advém do latim “constare” que significa custar, ter o preço, ônus. Assim, no processo judicial, as custas representam os encargos necessários impostos aos litigantes para se obter o andamento do processo.
Importante ressaltar que as custas têm natureza tributária de taxa e são, assim, devidas ao Estado em decorrência da realização de sua atividade. Conforme orientação jurisprudencial firmada pelo STF, as custas servem para remunerar serviços públicos específicos e divisíveis prestados aos contribuintes, por isso têm natureza de taxa.
O valor das custas no Processo do Trabalho, na fase de conhecimento, compreende um percentual sobre o valor econômico atribuído à causa, acordo, condenação ou ainda sobre o que o juiz definir, sempre no valor de 2%, conforme disposto no art. 789 da CLT:
Art. 789. Nos dissídios individuais e nos dissídios coletivos do trabalho, nas ações e procedimentos de competência da Justiça do Trabalho, bem como nas demandas propostas perante a Justiça Estadual, no exercício da jurisdição trabalhista, as custas relativas ao processo de conhecimento incidirão à base de 2% (dois por cento), observado o mínimo de R$ 10,64 (dez reais e sessenta e quatro centavos) e o máximo de quatro vezes o limite máximo dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social, e serão calculadas:
I – quando houver acordo ou condenação, sobre o respectivo valor;
II – quando houver extinção do processo, sem julgamento do mérito, ou julgado totalmente improcedente o pedido, sobre o valor da causa;
III – no caso de procedência do pedido formulado em ação declaratória e em ação constitutiva, sobre o valor da causa;
IV – quando o valor for indeterminado, sobre o que o juiz fixar.
Já na fase de execução, o que se verifica é que, em regra, o valor das custas é fixo, conforme vem estabelecido no art. 789-A da CLT:
Art. 789-A. No processo de execução são devidas custas, sempre de responsabilidade do executado e pagas ao final, de conformidade com a seguinte tabela:
I – autos de arrematação, de adjudicação e de remição: 5% (cinco por cento) sobre o respectivo valor, até o máximo de R$ 1.915,38 (um mil, novecentos e quinze reais e trinta e oito centavos);
II – atos dos oficiais de justiça, por diligência certificada:
a. em zona urbana: R$ 11,06 (onze reais e seis centavos);
b. em zona rural: R$ 22,13 (vinte e dois reais e treze centavos);
III – agravo de instrumento: R$ 44,26 (quarenta e quatro reais e vinte e seis centavos);
IV – agravo de petição: R$ 44,26 (quarenta e quatro reais e vinte e seis centavos);
V – embargos à execução, embargos de terceiro e embargos à arrematação: R$ 44,26 (quarenta e quatro reais e vinte e seis centavos);
VI – recurso de revista: R$ 55,35 (cinqüenta e cinco reais e trinta e cinco centavos);
VII – impugnação à sentença de liquidação: R$ 55,35 (cinqüenta e cinco reais e trinta e cinco centavos);
VIII – despesa de armazenagem em depósito judicial – por dia: 0,1% (um décimo por cento) do valor da avaliação;
IX – cálculos de liquidação realizados pelo contador do juízo – sobre o valor liquidado: 0,5% (cinco décimos por cento) até o limite de R$ 638,46 (seiscentos e trinta e oito reais e quarenta e seis centavos).
A responsabilidade pelo pagamento das custas, em regra, é daquele que deu causa ao processo, ou seja, da parte vencida, conforme disposto no art. 789, § 1°, da CLT, ainda que a parte vencedora não tenha vencido em todos os objetos da demanda.
No caso de acordo, o pagamento das custas será de responsabilidade de todos os litigantes envolvidos, dividido em partes iguais, salvo se ficar convencionada outra forma de pagamento. Já na fase de execução, o ônus pelo pagamento das custas é sempre da parte executada.
Na fase de conhecimento, as custas processuais são pagas após o trânsito em julgado da sentença ou no momento do recurso, se a parte vencida optar por recorrer. Já na fase de execução, são pagas ao final do processo, com a quitação da dívida.
De forma geral, a Assistência Jurídica pode ser definida como todo e qualquer auxílio jurídico na efetiva defesa dos interesses dos necessitados, seja no âmbito judicial ou extrajudicial, por meio da prestação de serviços gratuitos, e está consagrada no art. 5°, LXXIV da Constituição Federal de 1988, o qual dispõe que “o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos”.
A Gratuidade da Justiça, por sua vez, é um instituto processual, previsto nos artigos 98 e seguintes do CPC, e consiste na possibilidade de a parte postular em juízo sem ter que arcar com as despesas processuais, em razão do seu estado de miserabilidade.
Tem-se assim que a Assistência Jurídica é gênero do qual a Gratuidade da Justiça é espécie.
Sob o aspecto histórico, vemos que a primeira legislação mundial a fazer referência à Assistência Jurídica e à Gratuidade de Justiça foi o Código de Hamurabi, escrito no século XXI a.C., dispondo expressamente sobre a necessidade de tratamento equitativo entre as partes em um litígio instaurado.
Souza (2003) ensina que, no Código de Hamurabi, as pessoas desamparadas pela fortuna eram consideradas carentes de proteção especial nas discussões judiciais a que estavam expostas, e por isso eram reconhecidas como necessitadas de tratamento especial, uma vez que eram desprovidas de recursos.
Frise-se que, inicialmente, os institutos da Assistência Jurídica e da Gratuidade não eram estudados em separado, confundindo-se ainda com o princípio do Acesso à Justiça e com o direito à assistência judiciária gratuita. Nesse sentido, as primeiras disposições sobre os institutos em estudo tratavam sobre a assistência judiciária aos necessitados, como descreveu Santos (2013, p. 50):
Na Grécia, especialmente em Atenas, que surgiram as primeiras disposições escritas sobre o tema, baseadas no princípio de que “todo direito ofendido deve encontrar defensor e meio de defesa”. Assim, nomeavam-se dez defensores que resguardavam os direitos dos pobres perante os tribunais. Já em Roma, foi Constantino (288- 377) o primeiro a dispor legalmente sobre o tema, criando o direito, que foi incorporado pela legislação de Justiniano (483-565), a qual constituía advogado a quem não possuísse fortuna para contratar um defensor.
Na Idade Moderna, a Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão de 1789 trouxe o princípio de que todos são iguais perante a lei, entendimento, que orientou daí por diante a Assistência Jurídica gratuita como dever do Estado.
No Brasil, Souza (2003) afirma que a preocupação com a Assistência Jurídica aos hipossuficientes vem das Ordenações Filipinas, no seu Livro III, Título LXXXIV, parágrafo 2º, dispondo que aquele que não tivesse condições de arcar com as custas de um processo seria dispensado delas, desde que rezasse um Pai Nosso pela alma do Rei Dom Diniz e demonstrasse suas condições com certidões.
Ainda nas Ordenações Filipinas de 1603, Zanon apud Gonçalves (2008) afirma que se conferia ao miserável o direito de escolher, para julgamento do litígio, juízes ordinários ou corregedores, aos pobres concedia-se o benefício da isenção do pagamento das custas do agravo e a dispensa da prestação de caução, enquanto que nos processos criminais, o réu desprovido de recursos permanecia isento das custas até que pudesse pagá-las.
A respeito da evolução histórica dos institutos em estudo, Gonçalves (2008, p. 4) informa:
No Brasil, apenas a partir de 1823 os dispositivos das Ordenações Filipinas passaram a apresentar efetividade, em virtude da edição da Lei nº 261, de 3 de dezembro de 18418 , que estabeleceu a escusa aos pobres do pagamento das custas e a nomeação de advogados por autoridades judiciárias. Em um primeiro momento, as leis e os regulamentos destinavam-se somente ao processo penal. Posteriormente, passaram a compreender, também, o processo civil. Durante o Império, no Rio de Janeiro, o Instituto dos Advogados Brasileiros houve por bem criar um Conselho com o escopo de atender a consultas e prestar assistência judiciária aos carentes, em causas cíveis e penais.
Somente após a proclamação da República e com a Constituição de 1934 é que surgiram as primeiras regulamentações sobre a Assistência Jurídica e a Gratuidade da Justiça, tendo a referida Constituição previsto a criação de órgãos especiais encarregados da prestação da assistência judiciária e a isenção de emolumentos, custas, taxas e selos.
Em relação à Gratuidade da Justiça, o Código de Processo Civil Unitário, de 1939, trouxe a disciplina para o campo infraconstitucional, dispondo que a parte que não estivesse em condições de pagar as custas do processo, sem prejuízo do sustento próprio ou da família, gozaria do benefício de gratuidade.
Em que pese a Constituição do Estado Novo nada prever acerca da Assistência Jurídica, a Constituição de 1946 trouxe de volta o instituto dispondo que “o poder público, na forma que a lei estabelecer, concederá assistência judiciária aos necessitados”, disposição esta mantida na Constituição de 1967, bem como na Emenda Constitucional nº 1, de 1969.
Por fim, a Constituição Federal de 1988 regulou definitivamente o instituto, trazendo-o agora de forma ampla como o direito de Assistência Jurídica Integral, no seu art. 5°, LXXIV, uma vez que até então era tratado apenas como assistência judiciária. Enquanto a Gratuidade da Justiça, no âmbito do processo comum, encontra-se regulada atualmente no art. 98 do CPC.
Antes de discorrer sobre a gratuidade da Justiça sob a ótica da Justiça do Trabalho, é necessário inicialmente entender alguns aspectos sobre o surgimento do Direito do Trabalho.
O Direito do Trabalho surgiu na segunda metade do século XIX como produto do sistema industrial, do capitalismo, para retificar distorções econômico-sociais e trazer resposta jurídica adequada, de acordo com Godinho (2018).
O autor ainda esclarece que o núcleo fundamental do Direito do Trabalho se encontra na relação empregatícia de trabalho, em torno da qual se constrói todo o universo de institutos, princípios e regras características a esse específico ramo jurídico, sendo a subordinação a situação jurídica derivada dessa relação.
Os fatores que levaram ao surgimento do Direito do Trabalho, quais sejam, econômico e social, são os mesmo que fundamentam o princípio da proteção, o qual dispõe que o trabalhador é parte hipossuficiente e vulnerável na relação empregatícia diante do empregador e, por isso, o Direito deve lhe garantir proteções.
Importante parte da doutrina aponta tal princípio como o “cardeal do Direito do Trabalho, influindo em toda estrutura e características próprias desse ramo jurídico especializado” (GODINHO, 2018, p. 232).
No ramo do Direito Processual do Trabalho, Schiavi (2019), defende a existência do princípio da proteção temperada ao trabalhador, por meio do qual lhe são asseguradas algumas prerrogativas processuais, por se encontrar o trabalhador em posição desfavorável nos aspectos econômico, técnico e probatório. A proteção é temperada, segundo o autor, porque devem ser observados os princípios constitucionais do processo que asseguram equilíbrio a ambos os litigantes.
Como expressão do princípio da proteção, a CLT dispõe no seu art. 790-A que os beneficiários da justiça gratuita são isentos do pagamento das custas.
No âmbito do Processo do Trabalho, a Gratuidade da Justiça está prevista no art. 790, §§ 3° e 4°, com redação dada pela Lei nº 13.467, de 2017, conhecida como a lei da Reforma Trabalhista, in verbis:
§ 3o É facultado aos juízes, órgãos julgadores e presidentes dos tribunais do trabalho de qualquer instância conceder, a requerimento ou de ofício, o benefício da justiça gratuita, inclusive quanto a traslados e instrumentos, àqueles que perceberem salário igual ou inferior a 40% (quarenta por cento) do limite máximo dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social.
§ 4o O benefício da justiça gratuita será concedido à parte que comprovar insuficiência de recursos para o pagamento das custas do processo.
Estudando a redação anterior do artigo acima, observa-se que para ter direito aos benefícios da justiça gratuita, bastava a parte receber salário não superior a dois salários mínimos ou fazer declaração de seu estado de miserabilidade.
Uma alteração bastante significativa trazida pela nova redação diz respeito à exigência de comprovação da insuficiência de recursos, não bastando uma mera declaração. Parte da doutrina, como Schiavi (2019), afirma que, aplicando subsidiariamente o Código do Processo Civil, basta a declaração de pobreza firmada pelo próprio empregado, sob as consequências da lei, para que seja deferido o benefício da justiça gratuita.
Outra parte da doutrina defende a aplicação expressa da letra da lei, ou seja, defende a necessidade de comprovação do estado de miserabilidade, sob a justificativa de que com “a mera declaração, o instituto da gratuidade da justiça acaba sendo utilizado de forma abusiva e em verdadeira má-fé” (ROBLES, 2019).
A pessoa jurídica, geralmente a parte reclamada, também poderá fazer jus aos benefícios da Justiça Gratuita, tendo como requisito para concessão a necessidade de comprovação mais detalhada da situação financeira, como a juntada de documentos contábeis, a teor do disposto no inciso II da Súmula n. 463 do TST.
A nova sistemática trazida pela Reforma Trabalhista também trouxe alterações referentes ao ônus do pagamento das despesas processuais pelo beneficiário da Justiça Gratuita.
O art. 790-B da CLT, por exemplo, agora prevê o pagamento dos honorários periciais pela parte sucumbente na pretensão objeto da perícia, ainda que beneficiária da justiça gratuita, ficando o encargo sob a responsabilidade da União somente se a parte beneficiária não tiver obtido em juízo créditos capazes de suportar a despesa. Antes da Reforma, havia isenção dos honorários periciais ao beneficiário da Justiça Gratuita quando sucumbente.
Em relação ao pagamento dos honorários advocatícios de sucumbência, a Reforma Trabalhista também fez alterações. A nova sistemática do art. 791-A, em seu parágrafo 4°, dispõe que as obrigações decorrentes da sucumbência do beneficiário da justiça gratuita somente ficarão sob condição suspensiva de exigibilidade se a parte não tiver obtido, ou não obtiver, créditos capazes de suportar a despesa nos dois anos subseqüentes ao trânsito em julgado da decisão.
O ilustre doutrinador Godinho (2017, p. 327) demonstra preocupação com a nova redação destes dispositivos e os princípios constitucionais:
A análise desse preceito, segundo já explicitado, evidencia o seu manifesto desapreço ao direito e garantia constitucionais da justiça gratuita (art. 5°, LXXIV da CF) e, por decorrência, ao princípio constitucional do amplo acesso à jurisdição (art. 5°, XXXV, CF). Se não bastasse, desconsidera as proteções e prioridades que o ordenamento jurídico confere às verbas de natureza trabalhista, por sua natureza alimentar, submetendo-as a outros créditos emergentes do processo.
Por fim, a Reforma Trabalhista alterou substancialmente a redação do art. 844, §§ 2º e 3º da CLT, objeto principal de estudo desta pesquisa, e fixou custas processuais como penalidade à parte reclamante que deixar de comparecer à audiência e não justificar de forma legal sua ausência, condicionando ainda a propositura de nova ação ao pagamento do encargo fixado, ainda que a parte seja beneficiária da justiça gratuita.
Em que pese o art. 790-A da CLT dispor expressamente que os beneficiários da Justiça Gratuita são isentos do pagamento de custas, como exposto acima, a atual redação do art. 844, §§ 2º e 3º da CLT prevê o pagamento de custas pelo reclamante ausente à audiência como requisito para propositura de nova ação, ainda que o reclamante seja beneficiário da Gratuidade da Justiça, caso não justifique legalmente sua ausência.
No processo do trabalho, nos termos do art. 843 da CLT, é obrigatória a presença das partes em todas às audiências nas Varas do Trabalho, independentemente do comparecimento de seus advogados.
O empregado reclamante somente poderá deixar de comparecer pessoalmente à audiência em caso de doença ou qualquer outro motivo poderoso, devidamente comprovado, quando poderá fazer-se representar por outro empregado que pertença à mesma profissão, ou pelo seu sindicato.
Saliente-se que o art. 815 da CLT, o qual prevê a possibilidade de as partes presentes retirarem-se após decorridos 15 minutos de atraso, refere-se ao comparecimento do magistrado à audiência, não havendo qualquer tolerância quanto ao atraso das partes, conforme entendimento da OJ n. 245 da SBDI-1, que dispõe que inexiste previsão legal tolerando atraso no horário de comparecimento da parte na audiência.
Não estando presente o reclamante no momento do pregão, o processo será arquivado e, conforme a nova redação do art. 844 da CLT, o reclamante será condenado ao pagamento das custas processuais, caso não justifique legalmente sua ausência.
Frise-se que o legislador não especificou quais são as hipóteses legais que justificam a ausência, tendo a doutrina entendido como legais os casos de doença do reclamante com devido atestado médico, bem como as hipóteses previstas no art. 473 da CLT, que dispõe sobre as faltas do empregado ao trabalho sem prejuízo do salário, quais sejam:
Art. 473 - O empregado poderá deixar de comparecer ao serviço sem prejuízo do salário:
I - até 2 (dois) dias consecutivos, em caso de falecimento do cônjuge, ascendente, descendente, irmão ou pessoa que, declarada em sua carteira de trabalho e previdência social, viva sob sua dependência econômica;
II - até 3 (três) dias consecutivos, em virtude de casamento;
III - por um dia, em caso de nascimento de filho no decorrer da primeira semana;
IV - por um dia, em cada 12 (doze) meses de trabalho, em caso de doação voluntária de sangue devidamente comprovada;
V - até 2 (dois) dias consecutivos ou não, para o fim de se alistar eleitor, nos têrmos da lei respectiva.
VI - no período de tempo em que tiver de cumprir as exigências do Serviço Militar referidas na letra "c" do art. 65 da Lei nº 4.375, de 17 de agosto de 1964 (Lei do Serviço Militar).
VII - nos dias em que estiver comprovadamente realizando provas de exame vestibular para ingresso em estabelecimento de ensino superior.
VIII - pelo tempo que se fizer necessário, quando tiver que comparecer a juízo;
IX - pelo tempo que se fizer necessário, quando, na qualidade de representante de entidade sindical, estiver participando de reunião oficial de organismo internacional do qual o Brasil seja membro;
X - até 2 (dois) dias para acompanhar consultas médicas e exames complementares durante o período de gravidez de sua esposa ou companheira;
XI - por 1 (um) dia por ano para acompanhar filho de até 6 (seis) anos em consulta médica;
XII - até 3 (três) dias, em cada 12 (doze) meses de trabalho, em caso de realização de exames preventivos de câncer devidamente comprovada.
A alteração em comento trazida pela Reforma Trabalhista divide os doutrinadores. De um lado, parte da doutrina afirma que há evidente inconstitucionalidade do atual dispositivo por violação ao princípio constitucional de acesso à Justiça e também ao da assistência judiciária gratuita. Esse também foi o entendimento encartado no Enunciado n. 103, da II Jornada Nacional de Direito Material e Processual do Trabalho da ANAMATRA, a seguir:
ACESSO À JUSTIÇA. ART, 844, § 2º E § 3º, DA CLT. INCONSTITUCIONALIDADE. VIOLA O PRINCÍPIO DE ACESSO À JUSTIÇA A EXIGÊNCIA DE COBRANÇA DE CUSTAS DE PROCESSO ARQUIVADO COMO PRESSUPOSTO DE NOVO AJUIZAMENTO. O PRINCÍPIO DO ACESSO À JUSTIÇA É UMA DAS RAZÕES DA PRÓPRIA EXISTÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO, O QUE IMPEDE A APLICAÇÃO DESSAS REGRAS, INCLUSIVE SOB PENA DE ESVAZIAR O CONCEITO DE GRATUIDADE DA JUSTIÇA.
Do outro lado, alguns doutrinadores entendem que a nova redação veio como solução ao abuso do direito de ação. Defendem ainda que a mudança trará mais seriedade ao processo, desestimulando a litigância descompromissada, além de compensar parte dos custos da máquina judiciária.
Em decisão recente datada de 21.08.2019, a quarta Turma do TST proferiu decisão entendendo ser constitucional o disposto no art. 844, §§ 2º e 3º da CLT, defendendo que o referido artigo busca preservar a jurisdição em sua essência, como instrumento responsável e consciente de tutela de direitos. (TST-AIRR-1000178-32.2018.5.02.0385, 4ª Turma, rel. Min. Ives Gandra da Silva Martins Filho).
Atualmente, a questão acerca da constitucionalidade do art. 844, §§ 2º e 3º da CLT, encontra-se pendente de análise no STF, em sede de controle de constitucionalidade (ADI 5.766-DF), com relatoria do Ministro Roberto Barroso.
Conhecido como o direito de ação e, ainda, como o princípio da Inafastabilidade do Controle Jurisdicional, o princípio do Acesso à Justiça está previsto no art. 5°, XXXV da Constituição Federal de 1988, o qual dispõe que “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”, assegurando assim o ingresso aos órgãos judiciais a todo aquele que se sentir lesado ou ameaçado em seus direitos.
Na época do Estado Liberal, o Acesso à Justiça era entendido apenas como o direito formal de propor uma ação, não se preocupando o Estado com a situação econômica e social dos indivíduos e se estes poderiam de fato valer-se do direito de ação.
Com o advento de uma nova concepção de Estado, o qual passou a ter como função a garantia efetiva dos direitos, foram instituídos direitos pensados “como fundamentais para uma organização justa e igualitária da sociedade, abrindo também oportunidade para que ao direito de ação fossem agregados outros conteúdos” (MARINONI, 2016, p. 218).
Assim, de acordo com Mesquita (2013), o direito fundamental de acesso à justiça passou a ser entendido como meio de efetivação dos direitos fundamentais, devendo ser encarado como requisito fundamental de um sistema jurídico moderno e igualitário que pretenda garantir, e não apenas proclamar direitos de todos.
Para o autor Mauro Cappelletti (1988), o acesso não é apenas um direito social fundamental, mas também o ponto central da moderna processualística, uma vez que qualquer regulamentação processual tem um efeito importante sobre a forma como opera a lei substantiva.
Não por acaso, Nery Junior (2017) afirma que o principal destinatário do princípio do Acesso à Justiça é o legislador, entretanto, o comando constitucional atinge a todos, não podendo ninguém impedir que o jurisdicionado vá a juízo deduzir pretensão.
Na obra “Acesso à Justiça”, Cappelletti (1988) identifica três soluções, que ele chama de “ondas”, para o problema do acesso, que surgiram ao longo dos tempos. A primeira onda diz respeito à assistência judiciária para os pobres, combatendo assim o obstáculo do custo. A segunda onda se refere à legitimação da tutela dos interesses difusos, trazendo reflexões sobre noções tradicionais básicas do processo civil e sobre o papel dos tribunais. Por fim, a terceira onda se refere à tentativa de criação de formas de justiça mais acessível e participativa.
Podemos dizer que o direito de Acesso à Justiça engloba tanto a questão de “abrir as portas” do Judiciário, quanto à viabilização do acesso a uma ordem jurídica efetiva e justa. Neste sentido, Botelho (2010) afirma tratar-se de direito exercido ao longo de toda relação processual, um feixe de poderes, faculdades e ônus que se prolongam desde a propositura da ação até a sua concretização.
As custas judiciais são o um dos obstáculos ao acesso efetivo à Justiça, segundo Cappelletti (1988), uma vez que é ônus dos litigantes suportar a grande proporção dos custos necessários à solução de uma lide.
O custo do processo, o qual abrange custas judiciais, honorários e outras despesas, é um evidente entrave para a efetivação do princípio do Acesso à Justiça, afastando a proteção do direito material. Assim discorre Marinoni (2016, p. 220):
O custo do processo pode impedir o cidadão de propor a ação, ainda que tenha convicção de que seu direito foi violado ou está sendo ameaçado de violação. Isso significa que, por razoes financeiras, expressiva parte dos brasileiros pode ser obrigada a abrir mão dos seus direitos. Porém, é evidente que não adianta outorgar direitos e técnicas processuais adequadas e não permitir que o processo possa ser utilizado em razão de óbices econômicos.
No mesmo sentido, Lima (1994, p. 94) afirma:
A questão do custo da prestação jurisdicional é considerada, sem dúvida alguma, um dos maiores obstáculos para um efetivo acesso à justiça e que atinge, em especial, as pessoas de baixa renda, desestimulando o cidadão a invocar a tutela jurisdicional do Estado.
Cappelletti (1988) relaciona diretamente o Acesso à Justiça com o direito à igualdade, à medida que, para produzir resultados justos sob o aspecto individual e social, o autor afirma que o sistema deve ser igualmente acessível a todos. É aqui, quando se conclui acerca da imprescindibilidade de um sistema acessível a todos, que o Acesso à Justiça se encontra com a Assistência Jurídica Integral.
Como discutido no início deste artigo, a Assistência Jurídica Integral, prevista no art. 5°, LXXIV da Constituição Federal de 1988, refere-se à prestação de serviços gratuitos pelo Estado para a efetiva defesa dos interesses dos necessitados, como esclarece Moreira (1992. p.198):
A grande novidade trazida pala Carta de 1988 consiste em que, para ambas as ordens de providências, o campo de atuação já não se delimita em função do atributo ‘judiciário’, mas passa a compreender tudo que seja ‘jurídico’. A mudança do adjetivo qualificador da ‘assistência’, reforçada pelo acréscimo do ‘integral’, importa em notável ampliação do universo que se quer cobrir. Os necessitados fazem jus agora à dispensa de pagamentos e à prestação de serviços não apenas na esfera judicial, mas em todo o campo dos atos jurídicos
Gonçalves (2008) afirma que a assistência jurídica integral e gratuita aos necessitados tem por escopo a realização, em juízo e fora dele, dos princípios da igualdade e da facilitação do acesso à Justiça, abrangendo ainda a ideia de assistência judiciária.
Depreende-se assim que a Assistência Jurídica Integral surgiu como expressão do direito de igualdade, ao possibilitar paridade de armas entre hipossuficientes e ricos. E, ainda, que não garantir ao indivíduo a assistência jurídica integral significa afastar seu acesso efetivo à Justiça.
A supremacia da constituição significa a superioridade hierárquica de suas normas em relação as demais, impondo assim a compatibilidade das demais normas do ordenamento jurídico com os preceitos do bloco de constitucionalidade.
Para garantir a supremacia das normas constitucionais, a Constituição Federal de 1988 traz em seu bojo a regulamentação acerca do controle de constitucionalidade.
O controle repressivo é o exercido sobre as leis e atos normativos vigentes que violem o bloco de constitucionalidade. De acordo com Novelino (2017), o Poder Judiciário é o principal protagonista do controle repressivo.
Quanto à finalidade do controle, a doutrina costuma dividir o controle em concreto e abstrato. O controle concreto, também chamado de controle difuso, é aquele que pode ser feito por qualquer juiz, diante de um caso concreto, de forma incidental, com efeito inter partes, podendo ser declarado de ofício. Já o controle abstrato é realizado pelo STF, de forma principal e por meio de uma via de ação direta, com efeito erga omnes.
No que diz respeito ao papel do juiz na proteção das normas constitucionais, em especial do princípio do Acesso à Justiça em estudo, verifica-se que referido princípio não está voltado somente para o legislador, mas também ao juiz:
O princípio do acesso à justiça não está somente para o legislador, pois alcança principalmente o Estado-Juiz, que deverá colocar à disposição dos interessados os meios que lhes garantam um processo rápido e eficiente, eliminando os empecilhos que possam se apresentar ao cidadão menos culto ou economicamente hipossuficiente, a fim de proporcionar às partes litigantes igualdade de condições. (AMBAR, 2017, p.1)
O juiz ativo foi uma das soluções que o autor Cappelletti (1988) encontrou no seu estudo sobre o Acesso à Justiça, quando discorreu sobre a terceira onda de acesso. O autor esclarece que a terceira onda consiste em um novo enfoque de acesso à justiça, com reforma de todo aparelho judicial. No mesmo sentido, discorre Mesquita (2013, p. 3):
No novo enfoque do acesso, nos tribunais e juízos regulares, critica-se a postura do juiz passivo, por se entender que um juiz mais ativo pode ser um apoio a um sistema de justiça basicamente contraditório, por maximizar as oportunidades que o resultado seja justo e não fruto da desigualdade existente entre os litigantes.
Constata-se, assim, que o papel do juiz no cumprimento das normas constitucionais é de grande relevância, devendo este atuar de forma ativa no processo, tendo como uma ferramenta a seu dispor o mecanismo do controle difuso.
Analisou-se nesta pesquisa a relação entre o art. 844, §§ 2º e 3º da CLT, alterado pela Reforma Trabalhista, e o princípio do Acesso à Justiça, uma vez que a nova redação do referido dispositivo fixou custas processuais como penalidade à parte reclamante que não comparecer à audiência e não justificar de forma legal sua ausência, condicionando ainda a propositura de nova ação ao pagamento do encargo fixado.
Foram definidos dois problemas para ser analisados nesta pesquisa. No primeiro, questiona-se se o pagamento das custas pelo beneficiário da Justiça Gratuita como condição para propor nova demanda viola o princípio do Acesso à Justiça. No segundo, questiona-se o papel do juiz no cumprimento das normas constitucionais.
Para compreender o tema em questão, foi necessário o estudo sobre as despesas processuais, a Assistência Jurídica e a Gratuidade da Justiça, o surgimento do Direito do Trabalho e sobre o princípio do Acesso à Justiça.
Verificou-se que as custas processuais funcionam de forma distinta no Processo Comum e no Processo Trabalhista, especialmente quanto ao valor e ao momento do pagamento, uma vez que, em regra, naquele, elas são antecipadas e neste, são pagas após o trânsito em julgado.
As peculiaridades do Direito do Trabalho e Processual do Trabalho se devem em razão do seu surgimento. Este ramo jurídico especializado surgiu da necessidade de uma resposta adequada para os problemas econômicos e sociais crescentes em decorrência do capitalismo e da relação entre trabalhador e empregador.
O estudo revelou que o trabalhador é considerado vulnerável e hipossuficiente em relação ao empregador e, por este motivo, uma gama de proteção lhe foi estendida pelo direito, sendo o princípio da proteção, segundo a doutrina, a diretriz de todas as normas do Direito do Trabalho e Processual do Trabalho.
A pesquisa apontou ainda que a Assistência Jurídica é gênero do qual a Gratuidade da Justiça é espécie. Somente na Constituição Federal de 1988 foi tratada como assistência jurídica, abrangendo demandas judiciais e extrajudiciais.
Observou-se ainda que a Gratuidade da Justiça, no Processo do Trabalho, sofreu substancial modificação com a Reforma Trabalhista, especialmente quanto aos requisitos para seu deferimento, não bastando, segundo a letra da lei, mera declaração de pobreza. Ademais, a nova lei trouxe alguns dispositivos condenando a parte, ainda que beneficiária da justiça gratuita, ao pagamento de despesas processuais como as custas, os honorários periciais e os honorários advocatícios.
No que se refere ao Acesso à Justiça, o estudo apontou que, no primeiro momento, o que se busca é garantir o ingresso do indivíduo ao Judiciário em si, afastando qualquer exigência que possa inviabilizar, direta ou indiretamente, o acesso. Adicionalmente, garantir uma Justiça célere e efetiva, com novas formas de solução de conflitos, desburocratização, ordenamentos atualizados à realidade e uma postura ativa do juiz.
Nesse sentido, a norma que exige que o reclamante-trabalhador beneficiário da Justiça Gratuita pague custas processuais como condição para propositura de nova ação, na hipótese de ausência à audiência, revela-se em dissonância com princípios constitucionais e trabalhistas. Primeiro, porque o fundamento do Direito do Trabalho é o princípio da proteção ao trabalhador, não para lhe conceder tudo que desejar, mas para lhe garantir, em razão de sua vulnerabilidade diante do empregador, paridade de armas.
Segundo, estipular o pagamento de custas como condição para propositura de uma nova ação ao beneficiário da Justiça Gratuita é expressão contrária da Assistência Judiciária Integral, a qual garante às pessoas de baixa renda a isenção de despesas por meio da gratuidade da Justiça.
Por fim, considera-se que o disposto no art. 844, §§ 2º e 3º da CLT viola o princípio do Acesso à Justiça, uma vez que a condição imposta pode impedir que o indivíduo de baixa renda ajuíze uma ação, inviabilizando assim a concretização do direito material, afastando a jurisdição. Se o Judiciário, diante de um caso concreto, é quem declara o direito, impor exigências que impeçam o indivíduo de ajuizar uma ação, especialmente o de baixa renda, contrariando os ditames sobre a Gratuidade da Justiça e a proteção do trabalhador, configura-se verdadeira violação ao princípio do Acesso à Justiça.
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NOTA:
[1] Professor Mestre e Orientador do artigo
Bacharelanda em Direito pelo Centro Universitário de Ensino Superior do Amazonas – CIESA
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: FREITAS, Aline Rebouças Lopes. Custas processuais pelo beneficiário da justiça gratuita: o art. 844, §§ 2º e 3º da CLT e a violação ao princípio do acesso à justiça Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 09 out 2019, 04:39. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/53561/custas-processuais-pelo-beneficirio-da-justia-gratuita-o-art-844-2-e-3-da-clt-e-a-violao-ao-princpio-do-acesso-justia. Acesso em: 22 nov 2024.
Por: Maria D'Ajuda Pereira dos Santos
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