ANNA WALLÉRIA GUERRA UCHOA
(Orientadora)
RESUMO: O presente trabalho faz uma abordagem acerca do aspecto criminal que envolve a prática da amputação do chifre do gado bovino, utilizando-se, para tal intento, de pesquisa bibliográfica e revisão de literatura. Em princípio, é feita uma leitura sobre a forma com que o bem estar animal é tratado na sociedade contemporânea, com enfoque para sua definição, destacando, ainda, os animais de grande porte, em cuja compleição se encaixa o gado bovino. Na sequência, enumera-se, de forma sucinta, as formas utilizadas na remoção da estrutura córnea dos bovinos. O trabalho segue com a análise da responsabilidade relativa à questão ambiental, onde se detalha as três espécies: civil, administrativa e penal. A natureza criminal que envolve a remoção do chifre no gado bovino é tratada, com base em diplomas legais de âmbito federal.
Palavras-chave: Direito Ambiental; Direito Animal; Descorna.
RESUMEM: El presente trabajo hace un abordaje acerca del aspecto criminal que involucra la práctica de la amputación del cuerno del ganado bovino, utilizando, para tal intento, de investigación bibliográfica y revisión de literatura. En principio, se hace una lectura sobre la forma en que el bienestar animal es tratado en la sociedad contemporánea, con enfoque hacia su definición, destacando, aún, los animales de gran porte, en cuya compleción encaja el ganado bovino. En consecuencia, se enumera, de forma sucinta, las formas utilizadas en la remoción de la estructura córnea de los bovinos. El trabajo sigue con el análisis de la responsabilidad relativa a la cuestión ambiental, donde se detallan las tres especies: civil, administrativa y penal. La naturaleza criminal que involucra la remoción del cuerno en el ganado bovino es tratada, con base en diplomas legales de ámbito federal.
Palabras clave: Derecho Ambiental; Derecho animal; Dehorning.
INTRODUÇÃO
A vida no mundo contemporâneo, dentre outros avanços, descortina a popularização da cultura de cuidado animal. O que, em princípio, era tratado nos limites das residências, ultrapassou barreiras e, hoje, encontra palco de sua demonstração nos mais diversos setores sociais.
Essa cultura vem na mesma direção da preocupação do legislador que, mesmo antes da Constituição Federal de 1988, já demonstrava sua inquietação com a matéria. Prova disso é a Lei Federal Nº 6.938/1981, que dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente.
Com a promulgação da Constituição Cidadã, em 1988, verifica-se o cuidado do texto respectivo em conferir à população condições ambientais dignas e favoráveis. As letras constitucionais acrescentam, ainda, a previsão de responsabilização daqueles entes que atentarem contra a integridade ambiental, o que contempla também a preocupação com a fauna, em todas as suas espécies.
Outro importante marco na defesa do patrimônio ambiental foi a edição, em 1998, da Lei que trata dos crimes ambientais, Lei n. 9.605/98. Esta lei dispõe sobre sobre as sanções penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente, e, a preocupação com os direitos dos animais também está presente. Esta lei estabelece em seu artigo 32, que é crime praticar ato de abuso, maus tratos, ferir ou mutilar animais silvestres, domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos, e ainda estabelece que nas mesmas penas incorre quem realiza experiência dolorosa ou cruel em animal vivo, ainda que para fins didáticos ou cientídicos, quando existirem recursos alternativos.
O objeto desta pesquisa é analisar e identificar a prática da remoção do chifre no gado bovino sob o aspecto criminal, analisar e discutir se esta prática pode estar incluída na esfera do art. 32 da lei de crimes ambientais, ou se não alcança a interpretação dada pela lei, inobstante a inexistência de qualquer diploma – seja federal, estadual ou municipal – que trate, de maneira expressa da matéria. Diante dessa lacuna legislativa, a análise é conduzida nos limites dos subsídios oportunizados pela legislação ambiental existente.
Para tal análise buscamos entender o Direito ambiental e a tutela do meio ambiente, em especial a proteção da fauna. No segundo momento analisamos especialmente os direitos dos animais e o seu bem estar na sociedade atual, os aspectos sociais e legais acerca do assunto. Então passamos a analisar a remoção do chive do gado bovino, conhecida como descorna, seu objetivo e as técnicas utilizadas atualmente. Enfim, analisamos as leis ambientais vigentes e a aplicação das mesmas na seara estudada.
1 A Tutela Jurídica sobre o Meio Ambiente
A deterioração ambiental configura-se com um dos grandes problemas que assolam a sociedade moderna, dada a intensidade desgovernada com que vem sendo praticada.
É, pois, um quadro tão alarmante que as consequências dessa prática passaram a comprometer a qualidade de vida do homem e sua própria existência no planeta, deixando rastros nocivos também no campo social.
1.1 CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA
Conforme lição de Trennepohl (2010), a Revolução Industrial e o aumento da população são fatores determinantes para o crescimento dos níveis de consumo dos recursos naturais. Com o avanço tecnológico, o uso desenfreado da natureza representou um significativo avanço no processo de degradação ambiental.
A ocorrência da globalização, já no século XX, significou a obtenção de vigoroso avanço científico sem que se atentasse para o caráter finito dos recursos naturais envolvidos naquele avanço.
O século XXI trouxe a polarização entre avanço tecnológico e utilização consciente das riquezas naturais, forçando a adoção de medidas voltadas a estabelecer limites para as intervenções no meio ambiente.
Registre-se, por oportuno, que a inquietação ambiental ao redor do mundo guarda relação próxima com o avanço populacional e o encolhimento do potencial natural.
Nesse sentido é a lição de Prado (2016, p. 18):
De outro lado, o processo de desenvolvimento dos países se realiza, basicamente, à custa dos recursos vitais, provocando a deterioração das condições ambientais em ritmo até ontem desconhecidos. A paisagem natural da Terra está cada vez mais ameaçada pelas usinas nucleares, pelo lixo atômico, pelos dejetos orgânicos, pela “chuva ácida”, pelas indústrias e pelo lixo químico. Por conta disso, em todo mundo – e o Brasil não é nenhuma exceção – o lençol freático se contamina, o ar se torna contaminado, a água escasseia, a área florestal diminui, o clima sofre alterações, o ar se torna irrespirável, o patrimônio genético se degrada, abreviando os anos que o homem tem para viver sobre o Planeta. Isto é, do ponto de vista ambiental o planeta chegou quase ao ponto de não retorno. Se fosse uma empresa estaria à beira da falência, pois dilapida seu capital, que são os recursos naturais, como se eles fossem eternos. O poder de autopurificação do meio ambiente está chegando ao limite.
Seguindo sua linha de raciocínio, Prado (2016) destaca que a discussão sobre o meio ambiente surge no campo político-econômico da geração da vida humana, uma vez que as políticas ambientais devem imbuir-se da manutenção do equilíbrio e da compatibilização das necessidades de progresso com a proteção do ambiente.
Na mesma linha de raciocínio, importante é a manifestação ofertada por Milaré (2009, p. 64):
É falso, de fato, o dilema “ou desenvolvimento ou meio ambiente”, na medida em que, sendo este fonte de recursos para aquele, ambos devem harmonizar-se e complementar-se.
Compatibilizar meio ambiente com desenvolvimento significa considerar os problemas ambientais dentro de um processo contínuo de planejamento, atendendo-se adequadamente a exigência de ambos e observando-se as suas inter-relações particulares a cada contexto sociocultural, político, econômico e ecológico, dentro de uma dimensão tempo/espaço. Em outras palavras, isto implica dizer que a política ambiental não se deve erigir em obstáculo ao desenvolvimento, mas sim em um de seus instrumentos, ao propiciar a gestão racional dos recursos naturais, aos quais constituem a sua base material.
Consoante lição de Barracho Júnior (1999), a proteção ao ambiente é direito fundamental da pessoa humana, na medida em que busca garantir a qualidade de vida, em cujo conceito está inserida a preservação da natureza em todos os seus matizes, necessários à preservação da estabilidade da ecologia.
Para Trennepohl (2010), o marco da vinculação do meio ambiente a um problema mundial é a Conferência de Estocolmo, realizada em 1972. Esta, na definição de Milaré (2009, p. 25), foi a:
Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano, promovida pela ONU, contando com a participação de 113 países. A Conferência foi resultado da percepção das nações ricas e industrializadas da degradação ambiental causada pelo seu processo de crescimento econômico e progressiva escassez de recursos.
No Brasil, as primeiras manifestações de preocupação com a questão ambiental remetem ao ano de 1521, através da edição das Ordenações dos Reinos, que traziam orientações acerca de procedimentos relativos à derrubada de árvores e extração de minérios.
Ao longo dos anos, verifica-se que a inquietude ambiental esteve presente em todos os textos constitucionais editados no Brasil: 1824, 1891, 1934, 1937, 1946, 1967 – incluída a Emenda de 1969 - e 1988.
A preocupação jurídica com o meio ambiente no cenário brasileiro é dividida, consoante magistério de Sirvinkas (2017, p. 48) em três fases, quais sejam:
I. período compreendido entre o descobrimento, em 1500, e a chegada da Família Real, em 1808, com normas isoladas de salvaguarda de potencial natural em processo de escassez;
II. período que se estende da chegada da Família Real à edição da Lei Federal Nº 6.938, de 31 de agosto de 1981, que dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, seus fins e mecanismos de formulação e aplicação, e dá outras providências; e
III. período cujo advento é marcado pela Lei Federal Nº 6.938/1981. Conhecida como fase holística, é caracterizada pela abordagem integrada de fatores ecológicos voltados a garantir a integral proteção ao meio ambiente.
1.2 NATUREZA JURÍDICA E DEFINIÇÃO DE BEM AMBIENTAL
À luz da lição de Toledo (2009, p. 57), tem-se por bens:
coisas reais ou objetos ideais dotados de ‘valor’, isto é, coisas materiais e objetos imateriais que, além de serem o que são, ‘valem’. Por isso são, em geral, apetecidos, procurados, disputados, defendidos e, pela mesma razão, expostos a certos perigos de ataques ou sujeitos a determinadas lesões.
Anteriormente à promulgação da Constituição Cidadã, o ordenamento jurídico brasileiro estabelecia dois tipos de bens, quais sejam: os de natureza privada e os de natureza pública, ambos com previsão no Código Civil de 1916 e mantidos no Código de 2002.
Consoante preceituado por Sirvinkas (2017), o conceito de bem ambiental guarda relação com o direito de propriedade, o qual, com o decorrer do tempo, adquire função social, afastando-se do perfil individual. Nesse sentido, a definição jurídica de bem ambiental alcança um entendimento mais ampliado, saindo do perfil meramente econômico para alcançar o potencial natural necessário à qualidade de vida e, assim, ultrapassar os limites impostos pelo particular e pelo público.
O Código Civil vincula à União, aos Estados e aos Municípios os bens tidos por públicos, classificando-os em 03 (três) categorias: uso comum do povo, os de uso especial e os dominicais. É o que se extrai do mencionado diploma, conforme segue:
Art. 98. São públicos os bens do domínio nacional pertencentes às pessoas jurídicas de direito público interno; todos os outros são particulares, seja qual for a pessoa a que pertencerem.
I - os de uso comum do povo, tais como rios, mares, estradas, ruas e praças;
II - os de uso especial, tais como edifícios ou terrenos destinados a serviço ou estabelecimento da administração federal, estadual, territorial ou municipal, inclusive os de suas autarquias;
III - os dominicais, que constituem o patrimônio das pessoas jurídicas de direito público, como objeto de direito pessoal, ou real, de cada uma dessas entidades.
Parágrafo único. Não dispondo a lei em contrário, consideram-se dominicais os bens pertencentes às pessoas jurídicas de direito público a que se tenha dado estrutura de direito privado.
Art. 100. Os bens públicos de uso comum do povo e os de uso especial são inalienáveis, enquanto conservarem a sua qualificação, na forma que a lei determinar.
Art. 101. Os bens públicos dominicais podem ser alienados, observadas as exigências da lei.
Art. 102. Os bens públicos não estão sujeitos a usucapião.
Art. 103. O uso comum dos bens públicos pode ser gratuito ou retribuído, conforme for estabelecido legalmente pela entidade a cuja administração pertencerem. (BRASIL, 2002)
Registre-se que a Constituição Federal apresenta relevante colaboração diante dessa divisão entre público e privado, quando introduz no texto constitucional uma nova classe de bens: os difusos.
Sob essa ótica, é a leitura de Fiorillo (2017, p. 27):
Com o advento da Constituição Federal de 1988, nosso sistema de direito positivo traduziu a necessidade de orientar um novo subsistema jurídico orientado para a realidade do século XXI, tendo como pressuposto a moderna sociedade de massas dentro de um contexto de tutela de direitos e interesses adaptados às necessidades principalmente metaindividuais.
Corroborando a assertiva retro, vale ressaltar o texto constitucional que, em seu art. 225, caput, assim dispõe:
Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá- lo para as presentes e futuras gerações.
Sob o entendimento de Machado (2013, p. 131), o art. 225 da Constituição Federal “insere a função social e a função ambiental da propriedade (arts. 5º, XXIII, e 170, III e VI) como base da gestão do meio ambiente, ultrapassando o conceito de propriedade privada e pública”.
Convém destacar que bem ambiental e recurso ambiental são elementos distintos.
Acerca dessa diferenciação, didática é a manifestação de Piva (2000, p. 24), quando diz ser o bem ambiental “um valor difuso e imaterial, que serve de objeto imediato a relações jurídicas de natureza ambiental”. Sob essa ótica, o bem ambiental, à luz da Constituição Cidadã, é o direito ao meio ambiente com equilíbrio ecológico. Por seu turno, os recursos ambientais fazem referência aos fatores com potencial para manter a qualidade do ambiente, garantindo o direito à qualidade do ecossistema.
1.3 Responsabilidade em Matéria Ambiental
O Direito Ambiental tem seu advento vinculado à finalidade de tutelar o bem jurídico meio ambiente, assim ocasionando a edição de importantes diplomas legais, tais como as Leis Federais Nos 6.938/1981 e 9.605/1998.
Consoante preceito de Sirvinkas (2017, p. 32), o Direito Ambiental é “a ciência jurídica que estuda, analisa e discute as questões e os problemas ambientais e sua relação com o ser humano, tendo por finalidade a proteção do meio ambiente e a melhoria das condições de vida no planeta”.
Sob o prisma do entendimento de Antunes (2015, p. 36), o Direito Ambiental é:
o ramo do direito positivo que regula as relações entre os indivíduos, os governos e as empresas com o meio ambiente, disciplinando a forma pela qual os recursos ambientais serão apropriados economicamente, com vistas a assegurar a conciliação dos aspectos econômicos, sociais e ecológicos, com a melhoria das condições ambientais e de bem-estar da população.
O Direito Ambiental integra o conceito de Direito Público. Os valores defendidos por esse ramo do conhecimento, consoante magistério de Sirvinkas (2011) são, simultaneamente, pertencentes a cada um indivíduo e a todos.
Assim, entende-se o caráter coletivo da defesa jurídica do ecossistema
Por responsabilidade jurídica, cabível é a definição de Fonseca (2011) que a relaciona à obrigação jurídica de suster as sanções legais estabelecidas em razão de ação ou omissão, em desacordo com o regramento existente.
A Constituição Federal, em seu art. 225, § 3º, estabelece:
Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá- lo para as presentes e futuras gerações.
[...]
§ 3º As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados.(BRASIL, 1988)
Do disposto na Carta Constitucional, clara é a previsão de responsabilização penal, civil e administrativa a quem atentar contra a integridade do meio ambiente.
Debruçando-se sobre a matéria, acertada é a manifestação de Sampaio (2013, p. 259), quando destaca:
[...] houve um reconhecimento internacional no sentido de que a responsabilização das pessoas que causam danos ou lesões ao meio ambiente é um dos mais importantes instrumentos de compatibilização das necessidades e atividades humanas com a manutenção eficaz do equilíbrio ecológico, a conservação da natureza e dos recursos naturais renováveis e não renováveis, bem como com a preservação da saúde das populações.
Verifica-se, do fragmento constitucional acima, que são três os tipos de responsabilização por danos provocados contra o ecossistema, quais sejam: civil, administrativa e penal.
Para Milaré (2009, p. 97), “a danosidade ambiental tem repercussão jurídica tripla, já que o poluidor, por um mesmo ato, pode ser responsabilizado, alternativa ou cumulativamente, na esfera penal, na administrativa e na civil.”
Outra não é a percepção de Leite e Dantas (2010, p. 28), quando doutrinam:
As responsabilidades penal e civil, em geral, estão encaixadas na esfera do Poder Judiciário, porém com perspectivas distintas. Enquanto a penal visa a enquadrar a conduta do agente e sancioná-la, a civil procura o ressarcimento do prejuízo por parte de quem lhe deu causa. Já a responsabilidade administrativa, vinculada ao Poder Executivo em suas funções de realizar o poder de polícia, busca coibir e sancionar condutas e atividades quando em desacordo com as determinações legais.
Merecedora do devido registro é a inclusão, através da Constituição Federal de 1988, da responsabilidade penal da pessoa jurídica em crimes ambientais, a qual foi positivada pela Lei Federal Nº 9.605/1998, fazendo que esse encargo deixasse de ser tão somente individual.
Segundo Sirvinkas (2017, p.186),
entende-se por dano toda lesão a um bem jurídico tutelado. Dano ambiental, por sua vez, é toda agressão contra o meio ambiente causada por atividade econômica potencialmente poluidora, por ato comissivo praticado por qualquer pessoa ou por omissão voluntária decorrente de negligência.
Nesse sentido, a responsabilidade civil pode ser compreendida como o dever imposto ao agente infrator de compensar os danos provocados ao ecossistema.
É o que se depreende do ensinamento de Silva (2006, p. 572), quando afirma ser a responsabilidade civil
a obrigação de responder pelas ações próprias (responsabilidade civil por ato próprio, subjetiva ou direta) ou dos outros (responsabilidade civil por ato de terceiro, objetiva ou indireta), quando estas resultem em dano, direto ou indireto, causado ao patrimônio material ou imaterial de terceiros, voluntariamente, por imprudência, por negligência, por imperícia ou, ainda, por falta de exação de dever funcional, e que deve ser pronta e integralmente ressarcido.
Dois são os tipos de teorias utilizados para validar a responsabilidade civil: a subjetiva e a objetiva. A responsabilidade subjetiva é ratificada na evidência de culpa do agente, além de prática comissiva ou omissiva. O encargo objetivo descaracteriza a demonstração de culpa, necessitando apenas da ocorrência do ato lesivo.
1.3.2 Responsabilidade Administrativa
Com previsão também contida no art. 225, § 3º da Constituição Federal, essa incumbência, na opinião de Silva (2011, p. 293),
resulta da infração das normas administrativas, sujeitando o infrator a uma sanção de natureza administrativa que pode ser: advertência, multa simples, multa diária, apreensão dos animais, produtos ou subprodutos da flora e fauna, destruição ou inutilização do produto, suspensão de venda e fabricação de produto, embargo de obra ou atividade, demolição de obra, suspensão parcial ou total de atividades, restritivas de direitos.
A responsabilidade administrativa configura-se, segundo lição de Milaré (2009), como significativo elemento de punição de comportamentos que resultem em lesão ao meio ambiente.
Fiorillo (2017) adverte que as sanções administrativas estão ligadas ao poder de polícia, que guarda vínculo com o Direito Público. Entretanto, no tocante à proteção jurídica do patrimônio ambiental, esse poder não se encontraria ligado ao interesse público e sim a interesses difusos.
A exemplo das demais responsabilidades, esta também está prevista no art. 225, § 3º da Carta Cidadã.
O art. 5º, XXXIX da Constituição Federal estabelece que “não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal”. Em observância a esse dispositivo é que a tutela penal, na seara do Direito Ambiental, restringe-se à lei, com respeito ao princípio da legalidade.
O estabelecimento de qualquer medida punitiva de natureza penal em relação a danos ambientais deve ser feito mediante a inocuidade das providências de cunho civil e/ou administrativo.
2 O direito dos animais na Sociedade Atual
A sociedade contemporânea é palco, já há algum tempo, de uma crescente preocupação com o bem-estar de animais domésticos. Reflexo dessa realidade é a quantidade de serviços e estabelecimentos criados para atender a demanda.
Por bem-estar animal, válida é a definição de Broom e Fraser (2010, p. 32), quando assevera tratar-se de “o estado do animal em relação às suas tentativas de se adaptar ao seu ambiente, sendo uma característica própria, não algo que pode ser fornecido a ele”.
Para Fraser (2008), o bem-estar animal é sustentado por um pilar triplo: funcionamento biológico, estado afetivo e comportamento natural.
Conforme (Milaré, 1996, p. 46)
Os animais são uma extensão da vida , possuidores de sentimentos, emoções e personalidades, não se tratam de um mero objeto, para satidfação da necessidade humana, merecem e necessitam de cuidados e direitos, assim sendo, carecem de tutela jurídica, que os defendam.
Dessa forma, vejamos que, os animais dotados de sentimentos e necessidades, possam ter proteção legal, mecanismos que garanta-lhes dignidade enquanto seres, e não serem tidos como um objeto desprovido de direitos e proteção.
A a Declaração Universal dos Direitos dos animais – UNESCO, de 1978. Tras a grande revolução na temática, voltada a não submeter animais a maus tratos ou a atos cruéis.
Artigo 3.º, I. Nenhum animal será submetido nem a maus tratos nem a atos cruéis.
Artigo 8.º,1. A experimentação animal que implique sofrimento físico ou psicológico é incompatível com os direitos do animal, quer se trate de uma experiência médica, científica, comercial ou qualquer que seja a forma de experimentação.
Tal previsão assegura aos animais a proteção de seus direitos, garantindo assim, o direito de não terem seus direitos negligenciados pelo ser humano. Bem como, submeter animais a experiencias das quais ocasione sofrimento físico ou psicológico é tida como uma conduta proibida, por violar um direito que é assegurado ao animais. É preciso entendermos que os animais são seres capazes de terem sentimentos, e que a existência desses não é somente para satisfazer a as necessidades da espécie humana, e que precisam terem suas necessidades básicas atendidas.
Nesse sentido, há jugados do Supremo Tribunal federal com o entendimento que animais não devem ser submetido a maus tratos, em virtude de violar o que a Constituição Federal prevê como crime contra a fauna.
ARGUIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE - PROTEÇÃO CONSTITUCIONAL DA FAUNA (CRFB/88, ART. 225, § 1º, VII)- DESCARACTERIZAÇÃO DA VAQUEJADA COMO MANIFESTAÇÃO CULTURAL - INCONSTITUCIONALIDADE DAS LEIS FEDERAIS N.ºS 10.220/2001 E 10.519/2002, DA LEI ESTADUAL N.º 3.021/98, DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO, E DA LEI MUNICIPAL N.º 2.004/2006, DE DUQUE DE CAXIAS - ANIMAIS - CRUELDADE - MAUS-TRATOS - ARTIGO 97 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL - RESERVA DE PLENÁRIO.
Submeter animais a praticas que causem dor, tortura ou mutilar, são praticas que configuram crimes contra a fauna. Portanto, a pratica da vaquejada, a descorna, a castração aassim como a marcação com ferro quente, são praticas as quais submetem os bovinos sem assegurarem os direitos previsto no ordenamento jurídico brasileiro.
3 A Remoção de Chifre do Gado Bovino E A LEGISLAÇÃO VIGENTE
Em se tratando de animais de grande porte – como é o caso do gado bovino – a preocupação de criadores limita-se aos aspectos relativos aos dividendos representados pelos negócios desenvolvidos a partir dos animais. Dentre essas atividades, pode-se citar o corte, a produção leiteira, a reprodução artificial e a venda dos próprios animais. O mercado que abraça essas atividades é unânime em dar preferência para os animais sem chifre.
O amochamento e a descorna são práticas de manejo altamente dolorosas, às quais é submetido o gado bovino com a finalidade de retirar-lhe os chifres.
O amochamento consiste na demolição das células queratogênicas, antes de sua fundição ao crânio do animal, quando este tem até 02 (dois) meses de idade. Esse processo pode ser executado de maneira química (com aplicação de substâncias cáusticas) ou térmica, com a cauterização do botão córneo, que ainda se encontra móvel.
A descorna é a remoção cirúrgica das apófises córneas do animal.
Conforme Laven (2009), o amochamento, a descorna e a castração são tidos como os procedimentos que mais dor causam nos animais, acarretando-lhes prejuízos ao seu desenvolvimento.
3.1 A Remoção do Chifre nos Bovinos e sua Criminalização
Matéria pouco debatida no meio jurídico, a amputação do chifre no gado bovino, tal como é realizada, não é, objetivamente, tratada como conduta criminosa, a merecer as sanções legais.
Contudo, não se pode negar que o caráter cruel e degradante presente nos processos de retirada da estrutura córnea no gado bovino é repugnante e demanda maior atenção não apenas dos legisladores, como da sociedade como um todo.
A Constituição Federal, inobstante não tratar textualmente da matéria, traz em seu texto relevante previsão. É o que se verifica de seu art. 225, § 1º, VII, in verbis:
Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá- lo para as presentes e futuras gerações.
§ 1º Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público:
[...]
VII - proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade. (BRASIL, 1988)
Percebe-se, assim, a preocupação do legislador constitucional em atribuir ao Poder Público a obrigação de proteger o meio ambiente.
Outrossim, registre-se que a proteção ao ecossistema imposta ao Estado veda qualquer prática que, dentre outras consequências, submeta a fauna à crueldade.
Por sua vez, a Lei Federal Nº 9.605/1998, conhecida como Lei dos Crimes Ambientais, em seu art. 32, § 1º, assim estabelece:
Art. 32. Praticar ato de abuso, maus-tratos, ferir ou mutilar animais silvestres, domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos:
Pena - detenção, de três meses a um ano, e multa.
§ 1º Incorre nas mesmas penas quem realiza experiência dolorosa ou cruel em animal vivo, ainda que para fins didáticos ou científicos, quando existirem recursos alternativos. (BRASIL, 1998)
Impõe-se refletir acerca da maneira como a retirada do chifre nos bovinos é realizada, em inaceitável afronta a qualquer preocupação com o bem-estar animal.
Nesse aspecto, louvável é a postura adotada pelo Estado do Rio de Janeiro, onde há legislação específica, Lei Nº 8145/2018, classificando a amputação do chifre bovino como ato de crueldade. É o que se verifica em seu art. 2º, XIII, conforme segue:
Art. 2º O Artigo 2º da Lei nº 3.900, de 19 de julho de 2002, passa a vigorar com a seguinte redação:
Art. 2º Para efeito de aplicação dessa Lei, adotam-se as seguintes definições:
[...]
XIII - ato de crueldade: qualquer ato, técnica ou prática, mesmo aquelas consideradas culturais e desportivas, que submetem o animal a dor, lesão, ferimento, mutilação, estresse, medo causando sofrimento e/ou dano a sua integridade física e/ou psicológica, e que utilizem instrumentos ou técnicas como esporas, sedén (tira de couro que aperta a virilha do animal), peiteira com sino, choque elétrico e/ou mecânico, torção pela cauda, torção do pescoço, descorna (retirada dos chifres) e polaco. (RIO DE JANEIRO, 2018)
A mesma lei estadual do do Rio de Janeiro – Lei Nº 8145/2108, em seu art. 5º, XV, classifica a retirada de chifres como mau trato:
Art. 5º Acrescente-se Artigo 5º- A na Lei nº 3.900, de 19 de julho de 2002, com a seguinte redação:
Art. 5º-A Considera-se abuso ou maus-tratos contra os animais, entre outras condutas cruéis:
[...]
XV – usar técnicas e/ou instrumentos como esporas, sedén (tira de couro que aperta a virilha do animal), peiteira com sino, choque elétrico e/ou mecânico, torção pela cauda, torção do pescoço, descorna (retirada dos chifres) e polaco. (RIO DE JANEIRO, 2018)
Destaque-se que, à luz da legislação federal existente, soa bem razoável tipificar a retirada do chifre, dadas as circunstâncias com que é feita, como ação criminosa, a merecer as sanções devidas.
CONCLUSÃO
Da análise do trabalho ora produzido, percebe-se real a possibilidade de imputar caráter criminoso à retirada do chifre do gado bovino, nos moldes em que se faz na atualidade.
Conforme mencionado alhures, não obstante, a ausência expressa de impedimentos para a prática respectiva, não se pode olvidar o que preconizam as leis que regem a Política Nacional do Meio Ambiente, bem como a que versa sobre os crimes ambientais. Esta, especificamente, enumera as condutas consideradas maus tratos a animais, estabelecendo que as condutas eivadas de crueldade deve receber as sanções devidas, cabendo a subsunção do caso em tela nas respectiva norma.
Destarte, necessário se faz o encaminhamento de providências com vistas a tratar, de forma objetiva e clara, a questão da amputação de estruturas córneas em gado bovino, tipificando-a como crime ambiental. Proibindo a descorna quando realizada por criadores de bovinos sem assegurar o bem estar animal, submetendo estes a crueldade, violando o direito a proteção dos animais.
Conforme já mencionado, a finalidade do amochamento é visando a inserção do animal no mercado, seja de recria ou de corte, considerendo que os animais mochos (sem chifres) são melhor avaliados, tanto por terem uma melhor stetica, bem como, facilita o manuseio e o transporte.
A descorna quando realizada nos animais jovens no inicio do desenvolvimento da extrutura córnea, sendo feita com o uso de sedativos e anestésicos, reduz o sofrimento do animal, porém, retira deste um membro tido como forma de defesa e ataque, na busca de espaço dentro rebanho.
Portanto faz-se necessário a regularizaçõa da descorna por meio de edição de normas que estabeleçam critérios a serem adotaos para a arealização de tal procedimento, buscando assim, garantir a proteção do bem estar animal. Adotar meios de remoção que não submetam o animal a auto nível de estresse e crueldade, não contrariando o que a Constituiçõ Federal e a Lei de crimes ambientais prevê em seu texto.
ANTUNES, Paulo de Bessa. Manual de Direito Ambiental. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2015.
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Bacharelando no Curso de Direito do Centro Universitário de Ensino Superior do Amazonas – CIESA
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: PINOTTI, IVONEI LEMES. O direito dos animais no Brasil: uma análise sobre a retirada do chifre dos bovinos Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 14 out 2019, 04:23. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/53617/o-direito-dos-animais-no-brasil-uma-anlise-sobre-a-retirada-do-chifre-dos-bovinos. Acesso em: 22 nov 2024.
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