DOUGLLAS KHRISHNA DE LIMA DE ABREU
(Orientador)
RESUMO: O presente artigo tem como objetivo analisar a inconstitucionalidade da reforma trabalhista no que tange aos danos extrapatrimoniais. Utilizou-se o método de pesquisa exploratório, abordagem hipotético-dedutivo e procedimento de pesquisa bibliográfica e documental para apresentar conceitos de empregado e empregador, reparação civil, danos extrapatrimoniais, para analisar as mudanças promovidas pela Reforma Trabalhista e sua pertinência, considerando os princípios constitucionais e trabalhistas que devem ser o norte para a edição de novas normas.
Palavras-Chave: Direito do Trabalho; Dano Extrapatrimonial; Reforma Trabalhista.
ABSTRACT: This article aims to analyze the unconstitutionality of the labor reform with respect to off-balance sheet damages. The exploratory research method, hypothetical-deductive approach and bibliographic and documentary research procedure were used to present concepts of employee and employer, civil reparation, off-balance sheet damages, to analyze the changes promoted by the Labor Reform and their relevance, considering the constitutional principles. and labor that should be the north for editing new standards.
Keywords: Unconstitutionality, Civil reparation, Labor Reform.
INTRODUÇÃO
O presente trabalho tem por objetivo analisar a repercussão da Lei 13.467/17, conhecida como “Reforma Trabalhista”, que foi publicada no dia 14/07/2017, além de acrescentar novos artigos, fez inúmeras mudanças no texto dos atuais dispositivos da Consolidação das Leis do Trabalho.
Uma das mais questionáveis mudanças foi ao artigo 223-G, parágrafo 1° da CLT, que trata a respeito do dano extrapatrimonial, tal reforma apresenta aparentemente afrontas tanto à princípios constitucionais, quanto à princípios trabalhistas .
Na referência, o legislador limitou e classificou as ofensas de cunho extrapatrimonial decorrentes da relação de trabalho em de natureza leve, média, grave e gravíssima, ou seja, algo semelhante ao que é encontrado no Código de Trânsito Brasileiro.
Não parece existir fundamento jurídico, lógico, social para uma mudança tão repentina, tendo em vista a celeridade no processo de aprovação da reforma, sem o devido debate sobre as futuras consequências para os reclamantes e para o Judiciário, que passará a analisar incidentalmente questões constitucionais.
O propósito da reforma era frear os processos aventureiros perante a Justiça do Trabalho, porém, uma lei que foi freneticamente redigida, sem a devida participação democrática, com vacatio legis brevíssimo e ainda com inúmeras anomalias, não obstará o acesso aos órgãos judiciários, trará em um primeiro momento divergências jurisprudenciais e, portanto, insegurança jurídica aos jurisdicionados.
1. RELAÇÃO DE EMPREGO E A DECORRENTE RESPONSABILIDADE CIVIL
Existem diversas formas de trabalho, em seu sentido lato sensu, que é conforme ensinamentos de JÚNIOR (2012) o trabalho realizado em proveito de outra pessoa, podendo ser um trabalho de meio ou fim.
Na sociedade, com o passar dos anos e a latente evolução nas relações trabalhistas, foi necessário que o legislador formulasse algumas soluções para evitar exploração semelhante com a que ocorreu durante a Revolução Industrial, que fora um grande marco de desvalorização do trabalho.
Durante o período supracitado os trabalhadores se viam sem amparo jurídico, trabalhando em condições sub-humanas, durante longos períodos de tempo e com remuneração muito aquém do que atualmente se consideraria justo. Sendo que esta condição não era exclusiva para adultos, conforme descreve CUSTÓDIO (1999, p. 04).
O trabalho infantil tem registros que remontam à própria história da humanidade, sua utilização sempre variou conforme o grau de desenvolvimento civilizatório. No entanto, considerando a história recente da humanidade, com o início da Revolução Industrial o tema passou a ganhar maior importância em função da evidente degradação física que estava ocorrendo na infância, que alarmava, até mesmo, os mais conservadores.
A Constituição Federal (CF/88) em seu texto restringiu a carga horária dos trabalhadores em geral e proibiu o trabalho noturno, perigoso ou insalubre aos menores de 18 anos e de qualquer trabalho para menores de 16 anos que não estejam na condição de aprendizes, coibindo a exploração de crianças e adolescentes e indicando quem deveria para o ordenamento jurídico brasileiro ser sujeito ativo da relação de trabalho.
Art. 7º, XIII - duração do trabalho normal não superior a oito horas diárias e quarenta e quatro semanais, facultada a compensação de horários e a redução da jornada, mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho
Art. 5º, XXXIII - proibição de trabalho noturno, perigoso ou insalubre a menores de dezoito e de qualquer trabalho a menores de dezesseis anos, salvo na condição de aprendiz, a partir de quatorze anos;
O trabalho é o gênero que congloba as diversas relações existentes no âmbito trabalhista, sendo parte o autônomo, o eventual e o avulso que são caracterizados pela ausência de alguns requisitos essenciais ao emprego. Restringirmo-nos aos empregados, parcela de trabalhadores que respeitam alguns requisitos específicos, “trata do trabalho subordinado, do empregado em relação ao empregador” (MARTINS, 2002, p. 90).
No entanto, a relação de emprego pode surgir dos fatos, sem que se encontre devidamente registrada. O dispositivo legal para proteger aqueles que laboram de maneira informal não obriga que o contrato seja escrito, podendo a força de trabalho ser reconhecida como relação de emprego, caso preenchidos os parâmetros legais, em evidente respeito ao princípio da proteção.
Os requisitos se encontram positivados na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) em seus artigos 1º e 2º, que dizem:
Art. 2º - Considera-se Empregador a empresa, individual ou coletiva, que, assumindo os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviço.
Art. 3º - Considera-se Empregado toda pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante salário.
É possível extrair na leitura que os aspectos essenciais da relação empregatícia são o trabalho ser realizado por pessoa física, com pessoalidade, não eventualidade, subordinação, onerosidade, e para alguns autores, é essencial que a figura da alteridade, “devem estar presentes de forma cumulativa para que haja o reconhecimento do vínculo empregatício”. (DELGADO, 2015, p.299).
A CLT destaca como requisitos cinco pontos presentes na relação de emprego, denominados na doutrina como requisitos essenciais, com destaque a alteridade que não é unanimidade. É a necessidade de o empregador no caso concreto assumir os riscos da atividade econômica, sendo omissa em um primeiro momento quanto aos empregadores que não exploram atividade lucrativa, tal controvérsia foi discutida pela doutrina que entende a intenção do legislador, DELGADO (2009) defende que o que está expresso no art. 2º não é a intenção do legislador, que sua intenção foi responsabilizar o empregador por seu empreendimento econômico, bem como pelos custos e resultados do trabalho ao qual o empregado se prestou. Sendo assim, a alteridade é aplicada a qualquer tipo de empregador, independente se este exerça alguma atividade lucrativa ou não.
O conceito de empregador teve de ser ampliado a fim de contemplar os empregadores por equiparação, que não exploram atividade econômica, pondo fim à possibilidade de se falar em risco da atividade lucrativa, assumindo o empregador o risco integral da atividade, conforme art. 2º, §1º da CLT.
§ 1º. Equiparam-se ao empregador, para os efeitos exclusivos da relação de emprego, os profissionais liberais, as instituições de beneficência, as associações recreativas ou outras instituições sem fins lucrativos, que admitirem trabalhadores como empregados.
Substancial se faz ao abordar alguns pontos da perspectiva da relação de emprego, como surge e quem é sujeito, compreender que dentro das relações humanas existem atitudes que geram danos a outrem e que devem ser repudiadas e desestimuladas, pois são indesejáveis pela sociedade como um todo.
A responsabilização civil é a reparação do prejuízo causado pelo não cumprimento de obrigação tida como sua, é claro para a doutrina que quem deu causa ao dano deve repara-lo sempre que possível, atendendo ao princípio da reparação total do dano. Através de NETO (2010) compreende-se que, ao se pensar em responsabilidade civil, a referência que se faz é à reparação de um dano, sem que haja um dano não surge o dever de indenizar. O dever de reparar já estava presente no Direito Romano, com a ideia de que todos são livres para tomar decisões, mas que algumas delas são lesivas aos outros e, uma vez praticadas, as consequências devem ser reparadas.
Ainda se falando em Direito Romano, a vingança se tratava de instituto bastante comum, sendo a expressão olho por olho, dente por dente uma máxima na época. A lei de Talião era a concretização da vingança privada. Tal comportamento não encontrou respaldo com a evolução da sociedade e a decorrente impossibilidade no exercício arbitrário das próprias razões, que é incompatível com o ius puniendi do Estado, que é o dever-poder de punir quem comete ato ilícito, cabendo ao ente à legitimidade de defender os interesses da sociedade e solucionar as suas lides.
A responsabilidade civil para DINIZ (2011) decorre de três elementos. São Eles: A existência de uma ação; A ocorrência de um dano moral ou patrimonial causado à vítima e nexo de causalidade, o que constitui o fato gerador da responsabilidade civil, sendo preenchidos, surge ao ofendido o direito subjetivo de buscar a compensação.
FERREIRA (1999) nos define o sentido de dano que é tido como “mal ou ofensa pessoal; prejuízo moral; prejuízo material causado a alguém pela deterioração ou inutilização de bens seus; estrago, deterioração, danificação”.
O dano pode ser dividido em material e moral, sendo o primeiro a lesão concreta que afeta o patrimônio de alguém, que tem seus bens avariados de forma total ou parcial (DINIZ, 2011), já os danos morais são os contratempos que perturbam contundentemente o ser, abalando-o psicologicamente, afetando os seus direitos à personalidade, conforme VENOSA (2019, p.52)
Será moral o dano que ocasiona um distúrbio anormal na vida do indivíduo; uma inconveniência de comportamento ou, como definimos, um desconforto comportamental a ser examinado em cada caso. Ao se analisar o dano moral, o juiz se volta para a sintomatologia do sofrimento, a qual, se não pode ser valorada por terceiro, deve, no caso, ser quantificada economicamente.
2. PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS E TRABALHISTAS
As relações empregatícias são protegidas por diversos princípios, entre eles cabe nesse primeiro momento destacar algumas figuras importantes como o princípio da proteção, irrenunciabilidade de direitos e da primazia da realidade, pois o nosso ordenamento jurídico entende que o empregado de forma presumida é hipossuficiente, seja financeira ou tecnicamente, o colocando em evidente desvantagem na relação, comparando seus poderes com o do empregador.
Pode esta relação ser estabelecida de forma tácita ou expressa, conforme o artigo 442 da CLT, em virtude da própria primazia da realidade, que busca implementar e aperfeiçoar a visão de que no Direito do Trabalho os fatos devem ser analisados sob o prisma da verdade real, na inteligência de MARTINS (2019), os fatos são imprescindíveis, sendo mais relevantes à resolução do processo do que as provas documentais, que podem apresentar situações que não condizem com a forma que a situação fática acontecera.
Adentrando os princípios da área trabalhista e posteriormente os constitucionais, temos o princípio da proteção que se manifesta como uma base, que direciona as normas, em regra, a favor do trabalhador que é parte hipossuficiente, gerando uma vantagem que o coloca em igualdade com o empregador, SUSSEKIND (2000) indica que o princípio resulta de normas de ordem pública, que caracterizam a intervenção básica necessária e esperada do Estado nas relações de trabalho, visando apresentar alguns obstáculos à autonomia da vontade das partes, empregadora e empregada. Este princípio ainda pode ser subdividido em outros três que são: in dúbio pro operário, aplicação da regra mais favorável e condição mais benéfica, parte da doutrina como RODRIGUES (2015) coloca este princípio como norteador de todo o Direito do Trabalho.
O princípio da primazia da realidade determina que a realidade se sobrepõe às disposições contratuais escritas. Deve-se, portanto, verificar a verdade real, pois prevalece sobre a verdade formal, ou seja, devemos aferir a realidade dos fatos, não se limitando aos aspectos formais e ou documentais.
Para RODRIGUEZ (2000) a primazia da realidade significa que, em caso de discordância entre o que ocorre na prática e o que emerge de documentos ou acordos, deve-se dar preferência ao primeiro, isto é, ao que sucede no terreno dos fatos, tem como fundamento legal o art. 90 da CLT que indica:
Art. 90 - Serão nulos de pleno direito os atos praticados com o objetivo de desvirtuar, ou fraudar a aplicação dos preceitos contidos na presente Consolidação
Dentre os princípios constitucionais alguns merecem um maior destaque, como o princípio da isonomia, que garante a igualdade entre todos os cidadãos brasileiros sem distinções de classe, credo, cor, etnia, conforme BARBOSA (apud BULOS, 2009 p. 17).
“a regra da igualdade não consiste senão em tratar desigualmente os desiguais na medida em que se desigualam. Nesta desigualdade social, proporcional e desigualdade natural, é que se acha a verdadeira lei da igualdade. Os mais são desvarios da inveja, do orgulho ou da loucura. Tratar com desigualdade os iguais, ou os desiguais com igualdade, seria desigualdade flagrante, e não igualdade real. Os apetites humanos conceberam inverter a norma universal da criação, pretendendo, não dar a cada um, na razão do que vale, mas atribuir os mesmos a todos, como se todos se equivalessem”.
Existem dois prismas neste princípio, formal e material, o primeiro é nos ensinamentos de FERREIRA (1983), a igualdade perante a lei vigente e as futuras, sendo restrição aos privilégios de classes específicas, já na igualdade material o enfoque é na concretização, como uma meta ou objetivo de retirar da letra da lei e viabilizar a aplicação prática do referido princípio, ROSSEAU (2009) entendia que o prisma material era o real objetivo do governo, “precisamente por sempre tender a força das coisas a destruir a igualdade, a força da legislação deve sempre tender a mantê-la”.
Do mesmo modo, nos é apresentado o princípio da dignidade da pessoa humana que SARLET (2001, p.60) conceitua:
Temos por dignidade da pessoa humana a qualidade intrínseca e distintiva de cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa corresponsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão dos demais seres humanos.
Não deve existir diferenciação baseada em posição social ou reconhecimento que o indivíduo detenha perante a sociedade, está determinada a igualdade entre todos, não havendo que se falar em pessoas com mais direitos, privilegiadas. A dignidade é um direito que pertence a qualquer cidadão, inerente ao ser humano. KANT (1986, p. 23) já deixa claro que o humano não poderia ser visto como uma coisa, pois é único, digno, não é substituível, não pode ser alienado, pois é acima de qualquer valor em pecúnia.
No reino dos fins tudo tem ou um preço ou uma dignidade. Quando uma coisa tem um preço, pode pôr-se em vez dela qualquer outra como equivalente; mas quando uma coisa está acima de todo o preço, e, portanto, não permite equivalente, então tem ela dignidade... Essa apreciação dá, pois, a conhecer como dignidade o valor de uma tal disposição de espírito e põe-na infinitamente acima de todo o preço. Nunca ela poderia ser posta em cálculo ou confronto com qualquer coisa que tivesse um preço, sem de qualquer modo ferir a sua santidade.
A visão Kantiana se demonstrou muito relevante para a construção do que temos como dignidade, que parte do pressuposto de que todo ser humano é importante e merece respeito por parte de seus semelhantes, por sua própria qualidade de ser humano, SARLET (2001, p.60).
A qualidade intrínseca e distintiva reconhecida em cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo ato e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa e corresponsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos, mediante o devido respeito aos demais seres que integram a rede da vida.
Os princípios elencados não podem ser analisados em separado, observa BOBBIO (1999, p.21) que “[...] o Direito não é norma, mas um conjunto coordenado de normas, sendo evidente que uma norma jurídica não se encontra jamais só, mas está ligada a outras normas com as quais forma um sistema normativo [...]”, o sistema deve ser coerente, interligado e completo. Princípios são objetivos da República Federativa do Brasil, que atuam como critério para verificação da constitucionalidade e consequente pertinência da norma colocada em confronto com estes, pois se tratam de direitos irrenunciáveis, que não permitem transações e devem ser tratados com prioridade, visto que são o caminho que o legislador originário deixou ao derivado para restringir a sua autonomia na edição de leis, para que as normas supervenientes continuem a buscar a igualdade, dignidade e proteção aos mais frágeis.
O trabalho tem função essencial, sendo o seu valor social indiscutível, a própria CF/88, indica a sua importância em seu primeiro artigo:
Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:
IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;
Sem o trabalho não há como se falar em igualdade de oportunidades e em dignidade da pessoa humana.
Após a análise do que é trabalho, sua função na sociedade para concretização de princípios norteadores e fundamentais e a responsabilidade civil que pode decorrer do labor, mister se faz verificar as importantes mudanças que ocorreram com o advento da lei 13.467/2017, norma instituidora da Reforma Trabalhista, que modificou exponencialmente a forma como ocorre a reparação do dano extrapatrimonial e verificar se a norma é adequada aos seus referenciais constitucionais e trabalhistas.
3. REFORMA TRABALHISTA EM RELAÇÃO AO DANO EXTRAPATRIMONIAL
Antes da reforma trabalhista com o advento da lei 13.467/2017, a nomenclatura extrapatrimonial não existia, sendo utilizado apenas dano moral, mas a mudança não é por acaso, o legislador pretendeu aumentar o alcance, pois o dano extrapatrimonial alcança o dano estético e moral.
O dano estético se caracteriza pelo dano que deixa marcas, sequelas, que tragam profunda insatisfação, sentimento de inferioridade perante outras pessoas. Em outras palavras, o dano estético é aquele que gerou uma modificação duradoura ou permanente na aparência da pessoa.
Marcas, defeitos, cicatrizes, ainda que mínimos, podem significar um desgosto para a vítima, acarretando, segundo SILVA (1999), em um permanente motivo de exposição ao ridículo ou de inferiorizantes complexos, proporcionando a quem os sofre consideráveis danos a sua própria imagem e em determinados casos à visão de terceiros sobre si.
O dano moral é a ofensa que ultrapassa os limites patrimoniais e afeta direitos de personalidade do ofendido, que são o direito à integridade física, psíquica e moral. Dentro do conceito de integridade moral, também denominado direito à reputação, temos o respeito, a consideração, a boa fama e a estima que a pessoa desfruta nas relações sociais.
VENOSA (2015, p.52) esclarece:
[...] Será moral o dano que ocasiona um distúrbio anormal na vida do indivíduo; uma inconveniência de comportamento ou, como definimos, um desconforto comportamental a ser examinado em cada caso. Ao se analisar o dano moral, o juiz se volta para a sintomatologia do sofrimento, a qual, se não pode ser valorada por terceiro, deve, no caso, ser quantificada economicamente; [...]
Não existe um modo de quantificar exatamente o dano sofrido pela pessoa, porque o dano moral se comporta no sentido contrário do dano material, que deixa rastros visíveis, requer certa subjetividade do aplicador do direito, para dentro da razoabilidade e do caráter pedagógico/punitivo da indenização, indicar um valor para reparar o dano, que encontra marcas em diversos momentos invisíveis.
A reparação do dano assume duas funções: a de compensar a vítima pela lesão sofrida, dando-lhe alguma espécie de satisfação, e a de impor ao ofensor uma sanção. O STJ no ano de 2009 por meio da Súmula nº 387 entendeu que nada obsta a cumulação do dando estético e dano moral.
Em tese, o dano estético não tem uma reparação total, por mais que tenha sido uma reparação estética considerável, pois deve-se levar em conta o sofrimento e angústia que a pessoa teve e terá durante os momentos da sua vida, convivendo diariamente com a lesão. É importante caracterizar a gravidade e a intensidade da ofensa, o sofrimento da pessoa, as suas condições pessoais, o grau de culpabilidade do agente, a repercussão do fato danoso, a extensão e a localização do dano e a condição socioeconômica do ofensor e do ofendido, para estabelecer uma reparação mais justa possível.
No período pré reforma não se falava em limitação do quantum indenizatório, não ao menos no texto legal, apenas dentro da jurisprudência e doutrina, visto que o dispositivo que tarifava o antigo dano moral na lei de imprensa fora declarado inaplicável, segundo Súmula 281 do STJ. O Código Civil nos diz em seu art. 944 que o valor deve ser proporcional à extensão do dano, combinado com o caráter pedagógico/punitivo da medida defendido por diversos autores, por desestimular atitudes lesivas reiteradas.
Conforme VÓLIA (2014, p.960)
“[...] A natureza da indenização decorrente do dano moral é de punição educativa ao agressor, de forma a inibir a repetição do mesmo ato no futuro. Por isso, deve levar em conta a intensidade do ato, os antecedentes e a capacidade econômica do empregador. Não tem finalidade de enriquecer a vítima. TRT, 1ª Reg. Proc.02801-2001-243-01-00-8 (RO), Rel. Vólia Bomfim Cassar, sessão do dia 29/06/05[...]”.
De fato, mesmo dentro da relação de trabalho as normas do Código Civil eram aplicadas de forma subsidiária, em especial os arts. 927 e 944, a fim de proporcionar a reparação integral do dano, não detendo nenhuma relação com o salário contratual do trabalhador que fora ofendido.
Em julho de 2017 foi aprovada a reforma trabalhista, que mudou diversos artigos da Consolidação das Leis do Trabalho, entre eles foi inserido um ponto muito controverso, alvo de diversas críticas, que é a tarifação imposta pelo art. 223-G. Durante o período de 14/11/2017 à 22/04/2018 esteve vigente a Medida Provisória 808/2017, a referida MP mudou o limite indenizatório para o limite máximo dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social, porém, após o decurso do tempo perdeu a sua eficácia, em virtude da inércia legislativa.
O art. 223-G da CLT em seu §1º indica que:
§ 1° Se julgar procedente o pedido, o juízo fixará a indenização a ser paga, a cada um dos ofendidos, em um dos seguintes parâmetros, vedada a acumulação:
I – ofensa de natureza leve, até três vezes o último salário contratual do ofendido;
II – ofensa de natureza média, até cinco vezes o último salário contratual do ofendido;
III – ofensa de natureza grave, até vinte vezes o último salário contratual do ofendido;
IV – ofensa de natureza gravíssima, até cinquenta vezes o último salário contratual do ofendido.
Antes da Reforma Trabalhista a reparação por danos extrapatrimoniais seguia a regra do Código Civil, que apresenta conforme exposto, como principais requisitos a extensão do dano e a reparação total, ante a não existência até 2017 de norma específica regulando o assunto na área trabalhista.
4. INCONSTITUCIONALIDADE DO ART. 223-G DA CONSOLIDAÇÃO DAS LEIS DO TRABALHO.
Ademais, a discussão durante a vigência da norma supracitada é diretamente ligada à suposta ofensa de princípios trabalhistas e constitucionais, princípios que são a manifestação da intenção da sociedade que por meio de seus representantes indica quais bens e valores são imprescindíveis.
Esse conjunto de princípios não deve ser analisado à parte e são de suma importância para a análise da (in)constitucionalidade da reforma no que tange aos danos extrapatrimoniais, visto que estes são norte para a edição de novas normas e os direitos não podem sofrer restrições ou sofrer reversão, voltando a um status já superado.
A discussão sobre a ofensa ou não dos princípios supracitados é atual e ainda não encontra resolução, diversas Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADINs) foram interpostas por vários de seus legitimados, dentre elas estão a ADIN 5870, sendo esta a principal e as ADINs 6050, 6069 e 6082, apensadas à ADIN 5870. Tal constatação reforça o sentimento de vários grupos sociais que consideram a reforma um verdadeiro retrocesso social, sendo este entendido para BUHRING (2015) como um princípio implícito do ordenamento jurídico, que veda o retrocesso, com a proteção e promoção dos direitos sociais em âmbito interno.
No momento em que apresentamos limitações ao quantum indenizatório na Justiça do Trabalho, estamos estabelecendo uma diferenciação em relação aos danos ocorridos na esfera cível, que presume que as partes litigantes são iguais. O desastre de Mariana é um caso que merece ser ressaltado, tendo em vista, que segundo a reforma, o trabalhador que sofreu danos extrapatrimoniais durante o incidente, terá sua indenização limitada a uma quantidade de seu salário contratual qualificado pela gravidade da lesão sofrida, no limite de 50x, enquanto que uma pessoa que sofreu danos reflexos ou em ricochete, no momento em que ingressar com uma ação na esfera cível, não estará restringida à estes valores, mas deverá levar em consideração a extensão do dano, sendo um parâmetro muito mais subjetivo do que o primeiro.
Outrossim, é valioso buscar o espírito da norma, compreendendo os motivos que ensejaram a edição da mesma. É notório que no período pré-reforma ante a falta da sucumbência, os reclamantes de modo geral se aventuravam periodicamente nos processos, diante a inexistência de algum mecanismo que desestimulasse tal comportamento, portanto, as indenizações pedidas eram absurdas. O contexto fático estimulou o legislador a limitar os valores, a fim de gerar maior clareza, objetividade e menos flexibilidade no julgamento de mérito, evitando assim a insegurança jurídica ocasionada pela subjetividade dos parâmetros extensão do dano e reparação total.
Comparando as duas visões, é necessário retornar ao próprio motivo de existência da Consolidação das Leis do Trabalho, à luz da Constituição Federal, a norma atual beneficia apenas o empregador, pois reduz significantemente os valores a serem pagos e desvirtua o próprio caráter pedagógico da pena, que não busca só a satisfação do dano e traz diferenças no tratamento de pessoas que deveriam ser iguais, pois o trabalhador não é figura inferior em nenhum aspecto ao que não figura nesta posição, seja por não ser trabalhador ou por não estar vinculado diretamente à respectiva empresa geradora do dano.
CONCLUSÃO
A discussão da Constitucionalidade da Reforma Trabalhista no que se refere ao dano extrapatrimonial não deverá ser sanada brevemente, pois além da pendência nos julgamentos das ADIn’s supracitadas, há que ser estimulado o amplo debate na comunidade jurídica acerca dos seus possíveis efeitos negativos.
Os Juízes do Trabalho devem ter uma postura firme na condução de seus processos, não existindo como meros executores do legislativo, uma vez que a independência e a autonomia do Poder Judiciário são valores muito caros para a consolidação de um Estado Democrático de Direito.
É notório que somente com o tempo será possível dizer se a limitação à subjetividade do Juiz do Trabalho trará bons frutos e se a doutrina, jurisprudência e as demais fontes do Direito acompanharão a latente discussão, pacificando os pontos controvertidos da Reforma Trabalhista.
É certo que o artigo 223-G da CLT fere gravemente inúmeros dispositivos constitucionais, notadamente o princípio do livre convencimento motivado, arraigado no ordenamento jurídico, ao delimitar parâmetros objetivos a situações que requerem uma análise muito mais profunda.
Vale ressaltar, que para solucionar a litigância social, principalmente na área trabalhista, o Poder Legislativo tem papel fundamental, pois é este que ao se deparar com os inúmeros casos que advêm das grandes cidades Brasileiras, tem o dever de editar e reformar leis, para que elas sejam a concretização da busca pelo avanço social.
REFERÊNCIAS PRELIMINARES
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DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. Responsabilidade Civil. 25. Ed. São Paulo: Saraiva, 2011, v.7, p. 84.
KANT, Immanuel. Fundamentação da metafísica dos costumes. Portugal, Lisboa: Edições 70, 1986.
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VENOSA, Silvio de Salvo, Direito Civil: direito de Família. 15. Ed. São Paulo: Atlas, 2015.
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Bacharelando no Curso de Direito pelo Centro Universitário de Ensino Superior do Amazonas – CIESA
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: JUNIOR, Petrônio Pena de Araujo. A inconstitucionalidade do Artigo 223-G da Consolidação das Leis do Trabalho Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 15 out 2019, 04:25. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/53626/a-inconstitucionalidade-do-artigo-223-g-da-consolidao-das-leis-do-trabalho. Acesso em: 22 nov 2024.
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