LÉCIA MARIA LABAS[1]
(Orientadora)
RESUMO: O presente trabalho, utilizando o método de raciocínio dedutivo, aborda de forma sucinta a seguridade social, descrevendo o instituto da saúde e o instituto da assistência social, com maior ênfase sobre o instituto da previdência social, adentrando na esfera dos segurados facultativos e obrigatórios, com foco no trabalhador rural enquadrado como segurado especial. Discorre-se, brevemente, sobre a evolução da proteção previdenciária em relação a esta classe de segurado. Identifica-se quem é o segurado especial e as peculiaridades que o distinguem dos demais trabalhadores, como é feita sua contribuição e o cumprimento da carência perante a Previdência para fazer jus à proteção previdenciária. Por fim, como tema e problema do trabalho, discorre-se sobre a extensão do imóvel rural segundo critério para caracterizar/descaracterizar o trabalhador rural na condição de segurado especial. Como resultado, após análise de toda fundamentação trazida, conclui-se que o tamanho da área explorada, por si só, não tem o condão de descaracterizar a qualidade de segurado especial do trabalhador rural.
Palavras-Chave: Previdência social. Trabalhador rural. Segurado especial. Extensão do imóvel rural.
ABSTRACT: The present work, using the deductive reasoning method, briefly addresses social security, describing the health institute and the social assistance institute, with greater emphasis on the social security institute, falling into the scope of optional and compulsory insured persons, focusing on rural worker framed as special insured. We briefly discuss the evolution of social security protection in relation to this insured class. It identifies who is the special insured and the peculiarities that distinguish him from the other workers, how his contribution is made and the fulfillment of the lack before the Social Security to be entitled to social security protection. Finally, as a theme and problem of work, it is discussed about the extension of rural property according to criteria to characterize/decharacterize the rural worker in the condition of special insured. As a result, after an analysis of all the reasons presented, it can be concluded that the size of the exploited area, by itself, does not have the ability to characterize the special insured quality of the rural worker.
Keywords: Social security. Rural worker. Special insured. Rural property extension.
1 INTRODUÇÃO
O presente artigo aborda a extensão do imóvel rural como critério para o enquadramento do trabalhador rural na qualidade de segurado especial, discorrendo sobre os requisitos para sua caracterização, com especial foco sobre o limite de extensão dos imóveis rurais.
A relevância deste tema advém das inúmeras decisões jurisprudenciais que permitem a flexibilização quanto à extensão do imóvel rural para a caracterização do trabalhador rural como segurado especial e, que, por inúmeras vezes, reformam as decisões administrativas, tendo em vista o caráter estritamente legal das análises em âmbito administrativo.
Tem como objetivo geral verificar se a extensão do imóvel rural superior a 4 módulos fiscais, por si só, importa na descaracterização da qualidade de segurado especial.
Assim, a problemática se refere ao tamanho da propriedade rural como critério exclusivo para o enquadramento do trabalhador campesino a essa categoria de segurado obrigatório da Previdência Social.
O método utilizado no presente estudo é o do raciocínio dedutivo, através de pesquisa bibliográfica, por meio da interpretação da lei, dos entendimentos doutrinários e da jurisprudência.
2 REFERENCIAL TEÓRICO
2.1 SEGURIDADE SOCIAL
A seguridade social foi instituída pela Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, através do seu art. 194, como o pilar da proteção social concernentes aos indivíduos.
Marisa Ferreira dos Santos (2000, p.163) descreve a seguridade social como “um instrumento de bem-estar porque garante os mínimos necessários à subsistência do indivíduo, e, com isso, reduz as desigualdades resultantes da falta de ingressos financeiros, o que conduz à justiça social”.
A Constituição Federal, no art. 194, delimita a área de atuação e divide em 3 (três) institutos protetivos, criando o sistema da seguridade social, para então alcançar o bem-estar de toda a população.
Nas palavras de Kerlly Huback Bragança (2012, p. 04) a Constituição Federal:
Disciplinou as suas três áreas de atuação nas Seções II (saúde), III (pre- vidência social) e IV (assistência social); balizou seus princípios norteadores e sua fonte de financiamento (Seção I); previu um orçamento apartado dos de investimento e fiscal da União (art. 165, § 5o, III); atribuiu à União competência privativa para legislar sobre a matéria (art. 22, XXIII), entre outras disposições. Ao que se evidencia, nossa atual Carta Política vai ao encontro do anseio de afastar a pessoa das privações econômicas e sociais. De certo, estamos (ainda) distantes de um efetivo sistema de seguridade social, mas o arcabouço jurídico está traçado sistematicamente em nossa Constituição.
O instituto da saúde é direito de todos, independe de qualquer contribuição, tem como base o acesso universal e igualitários ao Sistema Único de Saúde. A Lei n. 8.080/1990 foi criada para dispor sobre a promoção, organização, funcionamento dos serviços e a recuperação da saúde.
Já a Assistência Social é destinada a aqueles que dela precisem. Também independe de contribuição, tem por finalidade a proteção aos mais desamparados, visa a reabilitação das pessoas e a integração a vida comunitária, garantindo um salário mínimo de benefício mensal ao portador de deficiência e aos idosos que não puderam promover a própria subsistência. A assistência social é regulada e organizada pela Lei n. 8.742/1993.
Por fim, a Previdência Social, instituto objeto deste estudo, é destinada aqueles que contribuem ou, ao menos, laboram em situações peculiares, como no caso dos segurados especiais. A Lei n. 8.213/1991 regulamenta as prestações da previdência social.
2.2 A PREVIDÊNCIA SOCIAL
A previdência social está prevista no art. 201 da Constituição Federal, pelo qual também foi delimitado o seu regime, caráter e filiação, bem como foram elencados os eventos que serão cobertos e os benefícios que serão dispostos aos segurados.
Art. 201. A previdência social será organizada sob a forma de regime geral, de caráter contributivo e de filiação obrigatória, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial, e atenderá, nos termos da lei, a: I - cobertura dos eventos de doença, invalidez, morte e idade avançada;
II - proteção à maternidade, especialmente à gestante;
III - proteção ao trabalhador em situação de desemprego involuntário;
IV - salário-família e auxílio-reclusão para os dependentes dos segurados de baixa renda;
V - pensão por morte do segurado, homem ou mulher, ao cônjuge ou companheiro e dependentes, observado o disposto no § 2º.
Segundo Carlos Alberto Pereira Castro e João Batista Lazzari (2014, p. 55) a previdência social pode ser definida como o:
[...] sistema pelo qual, mediante contribuição, as pessoas vinculadas a algum tipo de atividade laborativa e seus dependentes ficam resguardadas
quanto a eventos de infortunística (morte, invalidez, idade avançada,
doença, acidente de trabalho, desemprego involuntário), ou outros que a lei
considera que exijam um amparo financeiro ao indivíduo (maternidade,
prole, reclusão), mediante prestações pecuniárias (benefícios
previdenciários) ou serviços.
Para melhor compreender o conceito de previdência social, Celso Barroso Leite (1986, p. 22) explana da seguinte forma: “a previdência social consiste basicamente num sistema de seguro social complementado por programas assistenciais. De maneira mais objetiva, ela pode ser definida como conjunto de medidas destinadas a amparar as classes assalariadas e outros grupos em emergências decorrentes da cessação do salário ou de necessidades especiais”.
Já Wladimir Novaes Martinez (2001, p. 99) diz que sua finalidade:
[...] pode ser resenhada como a técnica de proteção social estatal ou particular, especialmente se conjugadas, ensejadora de pecúlios ou rendas mensais, com vistas à manutenção da pessoa humana – quando esta não pode obtê-la ou não é socialmente desejável auferi-la pessoalmente através do trabalho ou de outra fonte, por motivo de maternidade, nascimento, incapacidade, invalidez, desemprego, prisão, idade avançada, tempo de serviço ou morte, mediante cotização mínima compulsória pretérita distinta, sob regime financeiro de repartição ou capitalização, plano de contribuição ou benefício definido, excepcionalmente facultativa, proveniente da sociedade e dos segurados, gerida por estes e pelo governo.
A previdência social prevê a cobertura de riscos sociais que afetam os trabalhadores, tendo como necessidade amparar o homem em diversas situações, trazendo para eles o bem-estar social.
O art. 201 da Constituição dita que a previdência social atenderá a: cobertura dos eventos de doença, invalidez, morte e idade avançada; proteção à maternidade; proteção ao trabalhador em situação de desemprego involuntário; salário-família e auxílio-reclusão para os dependentes dos segurados de baixa renda; pensão por morte do segurado, homem ou mulher, ao cônjuge ou companheiro e dependentes.
Verificado o preenchimento dos requisitos como carência, qualidade de segurado ou de dependente, terá o requerente direito ao benefício que faz jus.
2.3 SEGURADOS DO REGIME GERAL DE PREVIDÊNCIA SOCIAL
São segurados as pessoas físicas que contribuem para a previdência social e fazem jus ao recebimento das prestações previdenciárias, quando preenchido os requisitos exigidos.
A Lei n. 8.213/91, através de seu art. 11 e parágrafos seguinte e a Lei n. 8.212 pelo seu art. 12 e parágrafos, definem como segurado obrigatório, pessoa física que exerce atividade remunerada, efetiva ou eventual, de natureza urbana ou rural, com ou sem vínculo empregatício, a título precário ou não, bem como aquele que a lei define como tal, observadas as exceções.
E como segurado facultativo, aquele que, mesmo sem exercer atividade remunerada, filia-se facultativamente à Previdência Social, conforme art. 14 da Lei n. 8.213/91.
Também se enquadram como segurados os dependentes, estes, ao contrário dos segurados facultativos e obrigatórios que se enquadram ao regime geral por direito próprio, se vinculam ao sistema em virtude de existência da relação de terceiro com a previdência (ROCHA e Baltazar, 2017).
O segurado facultativo filia-se ao regime da Previdência Social voluntariamente, ao contrário dos segurados obrigatórios, que tem sua filiação decorrente da previsão em lei.
Para Martinez (2017, p. 238), segurado facultativo é: “Pessoa autorizada, em determinadas circunstâncias, a ingressar e situar-se no regime previdenciário por vontade própria. A referida facultatividade é de admissão e de permanência”.
A lei considera como segurado facultativo a pessoa que não exerça nenhuma atividade considerada como segurado obrigatório, deseja contribuir para a Previdência Social, seja maior de 14 anos e não esteja vinculo a outro regime previdenciário, nos termos do art. 13, da Lei n. 8.213/91.
No entanto, conforme Santos (2011, p. 141) o enquadramento como segurado facultativo:
Só é possível a partir dos 16 anos, e desde que não esteja exercendo atividade remunerada que o enquadra como segurado obrigatório do RGPS ou de Regime Próprio de Previdência Social. Não prevalece mais a idade de 14 anos prevista no art. 13 em razão do art. 7 º, XXXIII, da Constituição Federal, introduzido pela EC 20/98.
Da mesma forma explana Martinez (2017, p. 238), referindo que qualquer pessoa: “homem ou mulher, com mais de 16 anos pode filiar-se, bastando para isso promover a inscrição e recolher contribuições com base num valor declarado”.
Para o segurado obrigatório, que estiver temporariamente afastado/suspenso do seu trabalho, sem auferir remuneração, é resguardado o direito de filiar-se como segurado facultativo, nos termos do art. 11, 2º do Decreto 3.048/1999.
Por fim, suscintamente, considera-se a filiação, na qualidade de segurado facultativo, um ato voluntario, que gera efeito somente, após inscrição, do primeiro recolhimento de contribuição (CASTRO; LAZZARI, 2018).
Os segurados obrigatórios são aqueles que, em decorrência do trabalho exercido e mediante previsão em lei, devem contribuir compulsoriamente para a Seguridade Social, as vezes conceituados e até definidos na legislação, têm seu desenho complementado pela doutrina (MARTINEZ, 2017).
Para ser enquadrado como segurado obrigatório, é necessário o preenchimento de dois requisitos, quais sejam: a) ser pessoa física e b) exercer atividade laborativa, remunerada e lícita, conforme prevê a Lei n. 8.212, pelo seu artigo 12 e a Lei n. 8.213 em seu artigo 11.
Segundo Castro e Lazzari (2018) o segurado obrigatório:
[...] sempre exerce ao menos uma atividade remunerada, seja com vínculo empregatício, urbano, rural ou doméstico, seja sob regime jurídico público estatutário (desde que não possua regime próprio de previdência social), seja como trabalhador autônomo ou trabalho a este equiparado, trabalhador avulso, empresário ou segurado especial. A atividade exercida pode ser de natureza urbana ou rural. Ainda que exerça, nessas condições, suas atividades no exterior, a pessoa será amparada pela Previdência Social, nas hipóteses previstas em lei. Impõe-se lembrar, outrossim, que não importa a nacionalidade da pessoa para a filiação ao RGPS e seu consequente enquadramento como segurado obrigatório, sendo permitido aos estrangeiros com domicílio fixo no Brasil o ingresso, desde que o trabalho tenha sido desenvolvido no território nacional ou nas repartições diplomáticas brasileiras no exterior.
Castro e Lazzari (2018) discorrem sobre mudança quanto a classificação do empresário, do trabalhador autônomo e do equiparado a autônomo:
De acordo com o art. 12 da Lei n. 8.212/1991 e art. 11 da Lei n. 8.213/1991, são segurados obrigatórios da Previdência Social as pessoas físicas classificadas como: empregado, empregado doméstico, contribuinte individual, trabalhador avulso e segurado especial. A partir de 29.11.1999, data da publicação da Lei n. 9.876, de 26.11.1999, o empresário, o trabalhador autônomo e o equiparado a autônomo passaram a ser classificados numa única espécie de segurados obrigatórios, com a nomenclatura de contribuintes individuais.
Suscintamente, a lei previdenciária dividiu os segurados obrigatórios em cinco classes, são elas: empregado, empregado doméstico, contribuinte individual, trabalhador avulso e o segurado especial (DIAS, 2012).
O segurado especial é, nos termos do artigo 11, inciso VII, da Lei n. 8.213/91, pessoa física residente em imóvel rural ou aglomerado urbano ou rural próximo a ele que, individualmente ou em regime de economia familiar, ainda que com auxílio eventual de terceiros, a título de mútua colaboração, labore na condição de:
a) produtor, seja proprietário, usufrutuário, possuidor, assentado, parceiro ou meeiro outorgados, comodatário ou arrendatário rurais, que explore atividade:
1. agropecuária em área de até 4 (quatro) módulos fiscais;
2. de seringueiro ou extrativista vegetal que exerça suas atividades nos termos do inciso XII do caput do art. 2º da Lei nº 9.985, de 18 de julho de 2000, e faça dessas atividades o principal meio de vida;
b) pescador artesanal ou a este assemelhado que faça da pesca profissão habitual ou principal meio de vida; e
c) cônjuge ou companheiro, bem como filho maior de 16 (dezesseis) anos de idade ou a este equiparado, do segurado de que tratam as alíneas a e b deste inciso, que, comprovadamente, trabalhem com o grupo familiar respectivo.
Silvio Marques Garcia (2016, p 156) cita que: “o segurado especial é a única categoria que possui definição no próprio texto constitucional”.
A Constituição Federal, através de seu artigo 195, § 8º, prevê que a base de cálculo das contribuições à Seguridade Social desta classe de segurado seja o produto da comercialização de sua produção, devido à instabilidade de sua renda, que depende de safras e temporadas de pesca (CASTRO; LAZZARI, 2018):
O produtor, o parceiro, o meeiro e o arrendatário rurais e o pescador artesanal, bem como os respectivos cônjuges, que exerçam suas atividades em regime de economia familiar, sem empregados permanentes, contribuirão para a seguridade social mediante a aplicação de uma alíquota sobre o resultado da comercialização da produção e farão jus aos benefícios nos termos da lei.
Os segurados especiais não contribuem necessariamente todos os meses para a previdência social, uma vez que o fato gerador da contribuição previdenciária ocorre se e quando é feita comercialização do produto do seu labor. Existe, também, a hipótese do trabalho rural desenvolvido apenas com intuito de subsistência, sem que haja o fato gerador da contribuição (DIAS, 2012).
Devido a esta peculiaridade das contribuições do segurado especial, Eduardo Rocha Dias (2012, p. 144) diz que não seria razoável:
exigir-se desses trabalhadores, para a concessão da aposentadoria por idade, por exemplo, a comprovação do recolhimento de cento e oitenta contribuições mensais, como se exige para os demais segurados da previdência social, sob pena de inviabilizar a concessão desse benefício para a grande maioria dos produtores rurais e pescadores artesanais.
O valor do benefício deferido ao segurado especial é de um salário mínimo, conforme art. 39, inciso I, da Lei n. 8.213/91, respeitando o princípio da garantia de benefício mínimo.
Devido à dificuldade de o segurado especial comprovar sua condição perante à Previdência Social, o legislativo edita a Lei n. 11.718, em 20.06.2008, que teve como foco, segundo Dias (2012, p. 145):
a) detalhar várias hipóteses de caracterização e descaracterização do segurado especial; b) permitir a contratação de empregados e trabalhadores eventuais de forma temporária; e c) estabelecer a inscrição prévia do segurado especial, vinculando-o à propriedade em que trabalha e ao grupo familiar respectivo, com atualização obrigatória dos dados anualmente.
Por meio da mencionada Lei fica instituído o critério de exercício de trabalho rural em área de até 4 módulos fiscais, conforme art. 11, inciso VII, da Lei n. 8.213/91, alínea “a”, item 1, que será melhor abordado no capítulo específico.
Apesar do trabalhador rural desenvolver importante papel no desenvolvimento econômico e social do Brasil, as leis previdenciárias não os protegeram de modo satisfatório. Durante a evolução legislativa, é evidente a diferença de tratamento entre os trabalhadores urbanos e rurais. (GARCIA, 2016)
O marco inicial da previdência social rural brasileira foi a Lei. 2.613, de 23 de setembro de 1955, que criou o Serviço Social Rural – SSR, entidade autárquica dependente do Ministério da Agricultura.
Referida entidade, buscando a permanência do trabalhador rural no campo, oferecia serviços sociais que visavam a melhoria de vida, bem como proporcionava educação técnica rural, fomentando a criação de cooperativas e associações rurais, além de ser a principal base de fornecimento de dados estatísticos ao Ministério do Trabalho no tocante à remuneração efetivamente paga no campo (KOVALCZUK, 2015).
O crescimento da organização dos trabalhadores rurais, através das unidades associativas, aliado as pressões sociais da década de 60, levaram o governo a editar o Estatuto do Trabalhador Rural (Lei n. 4.214, de 2 de março de 1963) que criou o Fundo de Assistência do Trabalhador Rural – FUNRURAL e o Estatuto da Terra, Lei n. 4.504, de 31 de novembro de 1964 (KOVALCZUK, 2015).
Segundo Cássio Mesquita Barros Júnior, o principal objetivo do Estatuto do Trabalhador Rural de 1963: “Era assemelhar a previdência social rural à urbana, com proteção social sobre velhice, invalidez, doença, maternidade, assistência médica, morte e auxílio funeral” (p. 115, apud KOVALCZUK, 2015, p. 57).
No entanto, mesmo com a criação do Estatuto do Trabalhado Rural, a proteção previdenciária era deficiente, como relata José Enéas Kovalczuk Filho (2015, p. 57):
[...] uma proteção social eficiente ainda era inexistente no setor rural, pela omissão na forma de implementação dos objetivos e fins a alcançar da lei, a legislação era vaga, dúbia e inaplicável à pratica, e o trabalhador rural era deixado para trás em comparação com urbano.
É somente em 1971, com a edição da Lei complementar n. 11 que o trabalhador rural passa a ter um amparo previdenciário significativo, quando é criado o PRORURAL – Programa de Assistência ao Trabalhador Rural, dispondo que a arrecadação, fiscalização e administração das contribuições previdenciárias ficariam a cargo do Fundo de Assistência e Previdência do Trabalhador Rural – FUNRURAL (KOVALCZUK, 2015).
Já o decreto n. 69.919, de 11 de janeiro de 1972 regulamentou a LC n. 11/1971, prevendo a aplicação subsidiária do Regulamento Geral da Previdência Social Urbana aos trabalhadores rurais, no que for compatível com o sistema do PRORURAL (KOVALCZUK, 2015).
José Enéas Kovalczuk Filho (2015, p. 58) discorre que as legislações citadas: “Trouxeram ao chefe ou arrimo de família, e somente a este, as prestações pecuniárias de aposentadoria por velhice, invalidez, pensões, auxílio-funeral e auxílio inatividade, e as prestações por serviço como serviço de saúde e o social”.
A Lei Complementar n. 16, de 30 de outubro de 1974, estabelece a necessidade de comprovar 3 (três) anos de atividade rural em data anterior ao requerimento do benefício de aposentadoria por velhice, como requisito ao deferimento do benefício (KOVALCZUK, 2015).
Posteriormente, em 19 de dezembro de 1974, a Lei n. 6.195 regulariza o seguro de acidente ao trabalhador rural e, logo em seguida, em 1º de setembro de 1977, através da Lei n. 6.439, é instituído o Sistema Nacional de Previdência e Assistência – SINPAS, o que acarreta a extinção do FUNRURAL, agrupando os trabalhadores rurais ao Instituto Nacional de Previdência Social (KOVALCZUK, 2015).
Pelo Decreto n. 83.080, de 24 de janeiro de 1979, tanto o sistema previdenciário urbano, dos funcionários federais e rurícolas foram unificados em regime administrado pelo Instituto Nacional de Seguro Social, trazendo aos segurados rurais a manutenção da qualidade de segurado e seus efeitos até o rurícola alcançar a carência do regime urbano (KOVALCZUK, 2015).
No entanto, é somente a partir da Constituição Federal de 1988 que o trabalhador rural é reconhecido como membro efetivo e permanente da Seguridade Social.
Kovalczuk (2015, p. 60) destaca que as mudanças legislativas de 1988:
[...] buscaram a equiparação da proteção social entre homens e mulheres, pois antes somente os homens recebiam benefícios, e também a redução de idade para aposentadorias rurais em cinco anos antes dos urbanos, e o estabelecimento de um valor mínimo nos pagamentos dos benefícios, no caso, o salário mínimo nacional integral.
Com a breve explanação sobre a evolução legislativa acerca da proteção previdenciária dos trabalhadores rurais, percebe-se que, mesmo se tratando de profissão tão presente em nosso país, a inclusão desta classe ocorreu tardiamente.
Ainda nos dias atuais, a dificuldade em obter benefício pelos segurados especiais é notória, diante da legislação e dos diversos atos normativos editados pelo Ministério da Previdência Social e pelo INSS, em razão da necessidade de fixar normais gerais e a vinculação dos servidores da autarquia a essas normas, o que, de um lado, diminui a existência de fraude, mas, pelo outro, impossibilita uma análise mais subjetiva e justo de cada caso concreto na esfera administrativa (GARCIA, 2016).
A Constituição Federal de 1988, pelo art. 195, § 8º e 201, § 7º, inciso II, prevê o benefício previdenciário ao trabalhador rural. Já pela legislação infraconstitucional, com a edição das Leis ns. 8.212 e 8.213, ambas de 24 de julho de 1991 é que essa previsão se concretiza em nosso ordenamento.
A Lei 8.213/91, através do seu art. 18, inciso I, dita as prestações que serão devidas aos segurados, são eles: aposentadoria por invalidez; aposentadoria por idade; aposentadoria por tempo de contribuição, aposentadoria especial; auxílio-doença; salário-família; salário-maternidade; e auxílio-acidente.
Garcia (2016, p. 175) ressalta que:
Os benefícios dos trabalhadores rurais, além de manterem a renda desses segurados nas situações de não trabalho, garantem a elevação da renda no campo e a sobrevivência do aposentado e de sua família, servindo de estímulo para atividade produtiva e evidenciando o papel da previdência social na erradicação da pobreza.
Aos segurados especiais, a Lei n. 8.213/91, pelo art. 39, inciso I e parágrafo único, dita que é devido o benefício de aposentadoria por idade, aposentadoria por invalidez, auxílio-doença, salário-maternidade e, aos dependentes, auxílio-reclusão e pensão por morte.
Também, embora não previsto no referido artigo, é devido o benefício de auxílio-acidente aos segurados especiais, em decorrência do art. 18, § 1º, da Lei n. 8.213/91.
Kovalczuk (2015, p. 90) destaca que: “a análise detalhada comprova que o segurado especial não possui direito aos benefícios de aposentadoria por tempo de contribuição, aposentadoria especial e salário-família”.
Para fazer jus aos benefícios, o segurado especial deve demonstrar o preenchimento da carência necessária ao respectivo benefício, conforme será tratado a seguir.
A contribuição do empregado e do trabalhador rural avulso são realizadas de acordo com o art. 20 da Lei n. 8.212/1991, sobre o seu salário de contribuição. O trabalhador rural contribuinte individual realiza suas contribuições mês a mês, nos termos do art. 21 da Lei n. 8.212/1991. Já o segurado especial realiza as contribuições sobre, quando existe, a produção rural comercializada, conforme art. 25 da Lei n. 8.212/1991.
Somente o segurado especial possuí contribuição previdenciária diferenciada. Os demais, contribuem de igual forma aos segurados urbanos, o que não descaracteriza o enquadramento rural e os seus respectivos benefícios, muito menos os transforma em contribuintes urbanos (KOVALCZUK, 2015).
Até a entrada em vigor da Lei n. 8.213/1991, não eram exigidas contribuições diretamente dos segurados vinculados ao trabalho rural, pois a Lei Complementar n. 11/1971 então vigente, pelo seu artigo 15, exigia contribuição somente do produtor sobre o valor comercial dos produtos rurais e sobre a folha dos salários das empresas (KOVALCZUK, 2015).
Com a entrada da Lei n. 8.213/1991, foi mantida a contribuição diferenciada somente em relação ao segurado especial.
A contribuição do segurado especial é incidente sobre a produção rural vendida ou por presunção de produção alimentar familiar no caso de inexistência de venda formal, situação última que dispensa o recolhimento de contribuições sociais (KOVALCZUK, 2015).
Segundo Kovalczuk (2015, p. 84), é inegável que:
[...] além da questão social, o modelo adotado pela redação do art. 195, § 8, da CRFB/1988, a exemplo da LC n. 11/1971, levou em conta a inviabilidade de equiparação contributiva entre urbanos e rurais, primeiro porque os segurados especiais apresentam em regra baixo poder aquisitivo, segundo, a fiscalização do recolhimento no sistema convencional urbano é muito difícil pela precariedade na organização da atividade rural.
O cumprimento da carência do segurado especial se dá com a comprovação do efetivo exercício de atividade rural no período anterior à implementação dos requisitos necessários, correspondentes a tempo igual ou superior à carência, ainda que de forma descontínua, nos termos do art. 39, inciso I, da Lei n. 8.213/91.
Cabe esclarecer que, a necessidade de prova do exercício de atividade rural no período imediatamente anterior ao requerimento administrativo do benefício, como dita o art. 39, inciso I, Lei 8.213/91, fere o direito adquirido, caso o segurado já tenha atingido a carência exigida e, por qualquer, razão não tenha requerido o benefício (GARCIA, 2016).
Uma vez cumprido os requisitos, a Autarquia Previdenciária não tem discricionariedade em relação a concessão do benefício. O fato de o segurado não ter efetuado o requerimento no período imediatamente anterior ao implemento dos requisitos não pode ser utilizado em seu desfavor. Por tal fato, a jurisprudência esclareceu que não cabe exigir do segurado especial que já completou os requisitos idade e carência a continuidade do trabalho rural até a data do requerimento administrativo (GARCIA, 2016).
Neste sentido, O STJ, no julgamento proferido no Resp 1.354.908/SP, já decidiu ser necessário que o segurado esteja trabalhando no campo quando completar idade mínima para se aposentar por idade rural, momento em que poderá requerer o seu benefício, ressalvando a hipótese do direito adquirido em que o segurado especial preencheu ambos os requisitos de forma concomitante, mas não requereu o benefício.
A comprovação do efetivo exercício da atividade do segurado especial pode ser feita com um início de prova material complementado por idônea prova testemunhal, nos termos do art. 55, § 3º, da Lei n. 8.213/91
Em razão da informalidade que labora o segurado especial, o que causa obstáculo para obtenção do início da prova material mínimo, permite-se maior abrangência na admissão do requisito legal de início de prova material, valendo como documentos não contemporâneos ou mesmo em nome de terceiros, como dono de terras arrendadas e em nome dos integrantes do grupo familiar.
A Súmula 73 do Tribunal Regional Federal da 4ª Região esclarece que: “Admite-se como início de prova material do efetivo exercício de atividade rural, em regime de economia familiar, documentos de terceiros, membros do grupo parental”.
As provas do trabalho rural devem ser mitigadas, deve-se levar em conta a dificuldade do interessado, que em muito dos casos são pessoas humildes e com pouca instrução, em obter documentos para o reconhecimento da carência, bem como a informalidade que impera no meio rural, quando os atos só são formalizados em documentos mediante estrita necessidade (CASTRO; LAZZARI, 2019).
A prova documental pode ainda ser corroborada por prova testemunhal, no entanto, a utilização exclusiva de prova testemunhal não é suficiente para demonstrar o exercício da atividade (CASTRO; LAZZARI, 2019).
Contudo, a Súmula n. 149 do STJ permite, em casos peculiares, a sua relativização:
A prova exclusivamente testemunhal não basta à comprovação da atividade rurícola, para efeito de obtenção do benefício previdenciário. Entretanto, tal exigência deve ser relativizada, tendo-se em vista as peculiaridades que envolvem a categoria dos ‘boias-frias’ ou ‘safristas’ (STJ, REsp 1.321.493/PR, 1ª Seção, Rel. Herman Benjamin, DJe de 19.12.2012; TNU, PEDILEF 2008.70.95.000032-3/PR).
A apresentação de documento deve servir como um início de prova material relativo ao período de atividade como segurado especial, não sendo necessária a apresentação de documentos que abranjam todo o período pretendido, pois a prova testemunhal permite a extensão no tempo da eficácia probatório da prova documental, podendo ter, inclusive, eficácia retrospectiva e prospectiva ao período comprovado documentalmente (CASTRO; LAZZARI, 2019).
A Súmula n. 577 do STJ, do mesmo modo, dita que: “É possível reconhecer o tempo de serviço rural anterior ao documento mais antigo apresentado, desde que amparado em convincente prova testemunhal colhida sob o contraditório”.
Não há um rol taxativo dos documentos que devem ser apresentados pelo segurado especial, a comprovação de seu efetivo exercício deve ser analisado no caso concreto, levando em considerações as características do caso, os princípios que fundamentam a previdência e a função social da previdência social.
O pequeno produtor trabalha de maneira precária, sem utilização de maquinários e empregados, valendo, muita das vezes, somente da mão de obra familiar, tratando-se do labor rural em regime de economia familiar.
A Lei n. 8.213/1991, pelo art. 11, inciso VII, § 1º, conceitua o regime de economia familiar como:
[...] a atividade em que o trabalho dos membros da família é indispensável à própria subsistência e ao desenvolvimento socioeconômico do núcleo familiar e é exercido em condições de mútua dependência e colaboração, sem a utilização de empregados permanentes.
Por auxílio eventual, considera-se aquele exercício ocasional, em condições de mútua colaboração, sem subordinação e nem remuneração.
Nesta condição, muito comum a utilização do sistema de troca de dias de trabalho entre agricultores da mesma região, o que, para a jurisprudência, enquadra-se na condição de auxílio eventual:
DIREITO PREVIDENCIÁRIO. REMESSA NECESSÁRIA. NÃO CONHECIDA. APOSENTADORIA RURAL POR IDADE. REGIME DE ECONOMIA FAMILIAR. CÔNJUGE. MEIO URBANO. MAQUINÁRIO. [...] 4. A existência do sistema de "troca de dias de trabalho" entre vizinhos, muito comum em épocas de colheita justamente para evitar a contratação de empregados, não descaracteriza a condição de segurada especial. [...] (TRF4, APELREEX 5051708-06.2015.4.04.9999, QUINTA TURMA, Relatora TAÍS SCHILLING FERRAZ, juntado aos autos em 21/03/2016)
Garcia (2016, p. 161) destaca que: “certamente, se os membros da família exercitam seu trabalho no campo é porque esse trabalho irá concorrer para a subsistência do grupo, sendo, nesse sentido, indispensável”.
Pelo sistema do ETR, trazido pela LC n. 11/1971, somente o chefe ou arrimo da família era protegido pela previdência social. Após a edição da Lei. 8.213/91, os seguintes membros da família, que laboram em regime de economia familiar, possuem acesso aos direitos previdenciários na condição de segurados especiais, em nome próprio: o cônjuge ou companheiro e os filhos maiores de 16 anos de idade ou a estes equiparados (GARCIA, 2016).
A definição legal de segurado especial feito pela Lei n. 8.213/91, sem maiores detalhamentos, deixou margens para várias dúvidas, como as elencadas por Dias (2012, p. 145):
É possível o exercício de outra atividade no período de entressafra e de defeso? O tamanho da propriedade explorada é relevante para a qualificação do segurado especial? A percepção de outra fonte de rendimentos descaracteriza a condição de segurado especial? O exercício de atividades artesanal e artística desqualifica o segurado especial? É possível explorar, paralelamente ao labor rural, atividade turística na propriedade?
Caso este ente familiar venha a obter outra fonte de rendimento, desde que descrita no § 9º, do art. 11, da Lei 8.213/1991, não ficará excluído do regime de economia familiar.
O exercício das referidas atividades remuneradas não retira a condição de segurado especial do trabalhador, contudo, logicamente, durante o exercício destas deverá contribuir de acordo com o novo enquadramento (DIAS, 2012).
Segundo Garcia (2016, p. 159):
O que é relevante para o enquadramento como segurado especial é o trabalho não subordinado a nenhum empregador. É necessária a posse da terra qualificada pelo trabalho, seja a título de proprietário, parceiro, meeiro, arrendatário, comodatário, condômino, assentado ou qualquer outro. Destaca-se, nesse sentido, a função social da propriedade para a caracterização do segurado especial.
O art. 11, § 9º, inciso III, da Lei 8.213/91 também dita que se o exercício de atividade remunerada fora do campo se der pelo prazo de até 120 dias por ano civil, não ocorre a descaracterização da qualidade de segurado especial do trabalhador rural. O afastamento superior a 120 dias não implica, automaticamente, na descaracterização da qualidade de segurado especial, há de se analisar se o afastamento representou ruptura definitiva do trabalhador em relação ao campo (CASTRO; LAZZARI, 2019).
Da mesma forma, a TNU fixou orientação no sentido de que, desde que o período de labor urbano seja ínfimo e que o segurado retorne ao labor rural, não descaracteriza, por si só, a condição de segurado especial:
Deve-se compreender a descontinuidade admitida em lei como a intercalação do labor rural ainda que com atividades de natureza diversa da rural, desde que com duração curta, ou seja, por período não relevante, que não infirme o princípio da presunção de continuidade do trabalho rural, pelo qual é possível inferir toda uma vida dedicada ao trabalho no campo. Insere-se nesse contexto o trabalhador rural que nos curtos períodos de entressafra deixa o campo em busca de trabalho urbano para sobreviver, retornando, logo após, às lides campesinas
Por outro lado, restará descaracterizado da condição de segurado especial o membro familiar que incidir nas situações elencadas pelo inciso I do § 10º, art. 11 da Lei n. 8.213/1991.
Em relação ao caso mencionado no inciso II do § 10, do art. 11 da Lei n. 8.213/1991, além do próprio, restarão desqualificados como segurados especiais todos os membros do regime de economia familiar (GARCIA, 2016).
Com isso, tem-se que a participação familiar na pequena produção rural garante a todos os membros a caracterização como segurado especial e, consequentemente, o direito à proteção previdenciária.
Inicialmente, pelo Estatuto do Trabalhador Rural, não restaram fixados limites para a área explorada, para fins de caracterização do segurado como pequeno produtor individual ou em regime de economia familiar. De tal modo, ao implementar a previdência ao agricultor, definiu-se como segurados rurais, ao lado dos trabalhadores rurais, os colonos, parceiros e os pequenos proprietários (GARCIA, 2016).
Da mesma forma, a Lei Complementar n. 11/1971 não fixou qualquer limite para a área explorada, o que causou grande controvérsia na interpretação de quem vem a ser enquadrado como pequeno produtor rural (GARCIA, 2016).
Preliminarmente, o módulo fiscal foi utilizado para concessão da Carteira Profissional de Trabalhador Rural aos pequenos produtores rurais, conforme redação dada pelo Decreto-lei n. 926/1969, fixando, para tanto, o limite de exploração correspondente ao módulo rural ou outro que viesse a ser fixado, para cada região, pelo Ministério do Trabalho e Previdência Social (GARCIA, 2016).
O Decreto-lei n. 1.166/1971, dispondo acerca do enquadramento e a contribuição sindical rural, manteve idêntico limite, de um módulo fiscal, sendo, este limite, alterado para dois módulos fiscais, a partir da redação dada pela Lei n. 9.701/1998 (GARCIA, 2016).
Diante da ausência de qualquer mensuração quanto ao tamanho da área explorada, criou-se grande subjetividade quanto a caracterização ou não como segurado especial.
Com o mesmo entendimento, Garcia (2016, p. 166) relata que:
À mingua de limitação especifica na legislação previdenciária, a jurisprudência oscilava em relação ao tema, ora vedando a caracterização do produtor como segurado especial em razão da área explorada, ora permitindo que o conceito de pequeno produtor em regime de economia familiar fosse fixado como base nessa medida.
Frente aos julgados conflitantes, a Turma Nacional de Uniformização de jurisprudências dos Juizados Especiais Federais editou a Súmula n. 30, esclarecendo “que o fato de o imóvel explorado ser superior ao módulo rural, não afasta, por si só, a qualificação de seu proprietário como segurado especial, desde que comprovada a exploração em regime de economia familiar”.
Somente com a edição da Lei n. 11.718, que alterou o art. 11, inciso VII, da Lei n. 8.213/91, que foi fixado, como limite para o enquadramento do trabalhador rural como segurado especial, a exploração de imóvel rural com área de até 4 módulos fiscais.
Cabe esclarecer que módulo fiscal é instituído pelo art. 50 do Estatuo da Terra, Lei n. 4.504/1964, e é definido pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária para cada município e reflete a média dos módulos rurais do município, razão pela qual tem área variada dependendo do município situado (GARCIA, 2016).
Devido a variabilidade do módulos fiscal, o Instituto Nacional da Colonização da Reforma Agrária disponibilizou, em seu site, a equivalência do módulo fiscal em cada município[2].
Ocorre que, mesmo com a fixação de quatro módulos fiscais para o enquadramento como segurado especial, é necessário considerar, frente ao caso concreto, fatores como a quantidade de membros da família envolvidos na produção, a utilização de empregados, a utilização de maquinários e as peculiaridades do produto cultivado, o rendimento auferido com a produção e etc... (GARCIA, 2016).
A análise exclusiva acerca da extensão da propriedade, superior à quatro módulos fiscais, não pode ser critério exclusivo para a descaracterização do trabalhador rural como segurado especial, pois nem sempre condiz com realidade em que labora o segurado.
Lazarri (2019), citando um julgado do Superior Tribunal de Justiça, informa que:
No que tange a extensão do imóvel rural, a jurisprudência é firme no sentido de que a dimensão não afasta, per se, a caracterização do regime de economia familiar, podendo tal condição ser demonstrada por outros meios de prova, independentemente se a propriedade em questão possui área igual ou superior ao módulo rural da respectiva região (STJ, REsp 199900880757; TNU, PEDILEF 2002.71.02.008344-1).
Mesmo após a edição da Lei n. 11.718/2008, a Turma Nacional de Uniformização de jurisprudências dos Juizados Especiais Federais ratificou a orientação da Súmula n. 30, já citada, no sentido de que, mesmo que área explorada seja superior a módulos fiscais, é possível reconhecer o exercício da atividade rural como segurado especial, analisando as peculiaridades do caso concreto (CASTRO; LAZZARI, 2019).
No entanto, em se tratando de decisão em âmbito administrativo, o INSS, por se tratar de autarquia pública, está vinculado aos ditames das Instruções Normativas, em atendimento ao princípio da legalidade, sendo vedada qualquer ponderação com relação as peculiaridades do caso concreto.
Desta forma, ultrapassando a área explorada aos 4 módulos fiscais, a autarquia previdenciária desqualifica a condição de segurado especial do requerente, acarretando no indeferimento em âmbito administrativo e, consequentemente, a judicialização destas demandas e a interferência do poder judiciário em decisões administrativas.
Em prol do segurado, tanto a doutrina quanto a jurisprudência consentem que, mesmo que a propriedade explorada seja superior à 4 módulos fiscais, tal condição não pode ser, por si só, suficiente para descaracterizar a qualidade de segurado especial do trabalhador rural.
O Superior Tribunal de Justiça já consolidou este entendimento em prol dos pequenos trabalhadores rurais:
PREVIDENCIÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL. APOSENTADORIA RURAL POR IDADE. REGIME DE ECONOMIA FAMILIAR. ACÓRDÃO QUE AFASTOU A CONDIÇÃO DE RURÍCOLA DIANTE DA EXTENSÃO DA PROPRIEDADE. 1. A teor da legislação de regência e da jurisprudência deste Superior Tribunal de Justiça, o tamanho da propriedade, por si só, não é fundamento suficiente à descaracterização do exercício de trabalho rural, em regime de economia familiar. 2. Agravo Regimental a que se nega provimento. (STJ. AgRg no REsp nº 1.532.010/SP, Rel. Ministro Sérgio Kukina. 1ª Turma. DJ: 22/09/2015, DP: 29/09/2015).
O Tribunal Regional Federal da 4ª Região, da mesma forma, dita que, o tamanho do imóvel, por si só, não descaracteriza a qualidade de segurado especial, veja-se:
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA RURAL POR IDADE. TRABALHADOR RURAL. REGIME DE ECONOMIA FAMILIAR. REQUISITOS LEGAIS. COMPROVAÇÃO. TRABALHO URBANO DO CÔNJUGE. TAMANHO DA PROPRIEDADE. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. [...]. 6. A área da propriedade rural, por si só, não constitui óbice ao reconhecimento da condição de segurado especial, sendo apenas mais um aspecto a ser considerado juntamente com o restante do conjunto probatório. 7. Verba honorária majorada em razão do comando inserto no § 11 do art. 85 do CPC/2015. (TRF4, AC 5049371-10.2016.4.04.9999, TURMA REGIONAL SUPLEMENTAR DO PR, Relator LUIZ FERNANDO WOWK PENTEADO, juntado aos autos em 06/02/2019)
PREVIDENCIÁRIO. CONCESSÃO DE BENEFÍCIO. AUXÍLIO-DOENÇA. SEGURADO ESPECIAL. REGIME DE ECONOMIA FAMILIAR. TAMANHO DA PROPRIEDADE. TIPO DE PRODUÇÃO. INCAPACIDADE LABORAL. COMPROVAÇÃO. TERMO INICIAL. TUTELA ESPECÍFICA. I. Em se tratando de segurado especial (trabalhador rural), a concessão de aposentadoria por invalidez, de auxílio-doença ou de auxílio-acidente (no valor de um salário mínimo), independe de carência, mas pressupõe a demonstração da qualidade de segurado e de incapacidade laboral. II. A área da propriedade e a tipo de exploração, por si só não constitui óbice ao reconhecimento da condição de segurado especial, salvo nas hipóteses em que seja de tal monta que inviabilize a sua exploração apenas pelo grupo familiar. No caso, a área e os comprovantes de comercialização não indicam produção em nível empresarial. III. Demonstrada a incapacidade da segurada para o exercício de suas atividades habituais, justifica-se a conclusão pela concessão de auxílio-doença desde o requerimento administrativo. IV. Determinada a implementação do benefício concedido. (TRF4, APELREEX 0011851-38.2015.4.04.9999, QUINTA TURMA, Relator ROGERIO FAVRETO, D.E. 09/03/2017)
Os julgamentos judiciais, diferente do âmbito administrativo, observam todas as peculiaridades do caso concreto, analisando, inclusive, se é explorado o imóvel por completo ou parcial, se é utilizado maquinário, empregados e outras características que possam, além da extensão do imóvel, comprovar que não se trata de pequeno trabalhador rural.
Neste sentido, tem-se o recente julgado do TRF4:
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO POR INCAPACIDADE. SEGURADO ESPECIAL. REGIME DE ECONOMIA FAMILIAR NÃO DESCARACTERIZADO. 1. Não é apenas a extensão da propriedade rural que define a qualidade de segurado especial em regime de economia familiar, tal qual como prevista no art. 11 da Lei 8.213/91. Tal aspecto deve ser analisado em conjunto com as circunstâncias do caso concreto, como localização do imóvel, qualidade e ocupação das terras, cultura explorada, volume da exploração, utilização de máquinário ou mão-de-obra. Precedentes deste TRF4. 2. Apesar de a área de propriedade do autor superar a quantidade máxima de módulos fiscais prevista no art. 11 da Lei 8.213/91, há prova dos autos no sentido de que a exploração é em área inferior, que não extrapola quatro módulos fiscais previstos para o município em que reside, restando, à vista dos demais elementos de prova colhidos, caracterizada a qualidade de segurado especial. (TRF4, AC 5014020-05.2018.4.04.9999, SEXTA TURMA, Relatora TAÍS SCHILLING FERRAZ, juntado aos autos em 28/08/2019)
Ante o exposto, nota-se que o entendimento doutrinário e jurisprudencial, levando em conta a função social da norma e os seus princípios norteadores, permitem a flexibilização do critério da extensão da área rural, que, por si só, não tem o condão de descaracterizar a qualidade de segurado especial.
3 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Pelo exposto no presente trabalho, apesar da lei 11.718/2008 ter fixado 4 módulos fiscais como limite para o enquadramento do trabalhador rural na qualidade de segurado especial, em um caráter objetivo, foi demonstrado que o entendimento dominante doutrinário e jurisprudencial permitem a flexibilização da referida extensão.
Trata-se de um olhar mais apurado e humanitário sobre o trabalhador rural em oposto a análise literal e objetiva do diploma legal, observando não apenas a extensão do imóvel para a caracterização como segurado especial, mas sim a área efetivamente explorada, o uso ou não de maquinários e empregados, o lucro obtido com a comercialização do produto.
Leva-se em conta a função protetiva da Previdência Social, os seus princípios norteadores e a busca do bem-estar social.
Os entendimentos doutrinários e jurisprudenciais aqui apresentados deveriam ser levados em consideração no âmbito das decisões administrativas da autarquia previdenciária, de modo a reconhecer o direito dos pequenos trabalhados rurais sem a necessidade de intervenção do poder judiciário.
A análise estritamente legal realizada pela autarquia previdenciária retira a segurança jurídica dos trabalhadores rurais na condição de segurado especial que, por muitas das vezes, têm o seu benefício indeferido com base em um apenas dos critérios, ocasionando a judicialização destas demandas.
Portanto, após análise das leis previdenciárias, dos entendimentos doutrinários e dos julgados mais recentes, conclui-se que a extensão do imóvel rural não é critério, por si só, capaz de descaracterizar o enquadramento do trabalhador rural na qualidade de segurado especial, devendo ser analisado o caso concreto e todas as suas peculiaridades.
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TRF4, AC 5049371-10.2016.4.04.9999, TURMA REGIONAL SUPLEMENTAR DO PR, Relator LUIZ FERNANDO WOWK PENTEADO, juntado aos autos em 06/02/2019
TRF4, AC 5011705-04.2018.4.04.9999, TURMA REGIONAL SUPLEMENTAR DO PR, Relator LUIZ FERNANDO WOWK PENTEADO, juntado aos autos em 27/11/2018
TRF4, APELREEX 0011851-38.2015.4.04.9999, QUINTA TURMA, Relator ROGERIO FAVRETO, D.E. 09/03/2017
TRF4, AC 5006650-38.2019.4.04.9999, SEXTA TURMA, Relator JULIO GUILHERME BEREZOSKI SCHATTSCHNEIDER, juntado aos autos em 19/09/2019.
TRF4, AC 5000974-46.2018.4.04.9999, SEXTA TURMA, Relator ARTUR CÉSAR DE SOUZA, publicado em 16/02/2019.
TRF4, AC 5014020-05.2018.4.04.9999, SEXTA TURMA, Relatora TAÍS SCHILLING FERRAZ, publicado em 28/08/2019
TJ-SP 22253118220178260000 SP 2225311-82.2017.8.26.0000, Relator: Virgilio de Oliveira Junior, Data de Julgamento: 02/04/2018, 21ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 05/04/2018.
[1]Pós-graduação em Direito Contemporâneo, Professora do Curso de Direito da Universidade do Contestado, campus Mafra, Avenida Nereu Ramos, Jardim Moinho, Mafra/SC, CEP:89.380-000, e-mail: [email protected]:
Curso de Direito, Universidade do Contestado, campus Mafra.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: EUFRASIO, Vinicios. A extensão do imóvel rural como critério para o enquadramento na condição de segurado especial Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 12 nov 2019, 04:20. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/53754/a-extenso-do-imvel-rural-como-critrio-para-o-enquadramento-na-condio-de-segurado-especial. Acesso em: 26 nov 2024.
Por: Maurício Sousa da Silva
Por: Maurício Sousa da Silva
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Por: DESIREE EVANGELISTA DA SILVA
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