RESUMO: Neste trabalho busca-se apurar se a decisão proferida pelo STJ no HC 470.937/SP, restringindo a prática da busca pessoal aos órgãos de segurança pública, previstos no artigo 144 da Constituição Federal, impedirá a execução do procedimento pelos agentes de segurança nos tribunais de justiça. O Novo CPC dispõe quais decisões podem ser qualificadas como precedentes obrigatórios. Nesse sentido, ao verificar que a referida decisão possui caráter persuasivo entende-se que a ratio decidendi da decisão não é aplicável aos agentes de segurança dos tribunais de justiça. Por fim, mesmo com a promulgação da Lei nº 13.869, de 2019, verificar-se-á que a busca pessoal realizada pelos agentes de segurança dos tribunais de justiça não configura o crime de abuso de autoridade.
PALAVRAS-CHAVE: PRECEDENTES, BUSCA PESSOAL, CONSTRANGIMENTO ILEGAL.
ABSTRACT: In this paper seeks to determine whether the decision issued by the STJ in HC 470.937/SP, restricting the practice of personal search to public security agencies, provided for in article 144 of the Federal Constitution, will prevent the execution of the procedure by security agents in the courts of. justice. The New CPC sets out which decisions may qualify as mandatory precedents. Accordingly, by finding that the decision is persuasive, it is understood that the ratio decidendi of the decision is not applicable to the security staff of the courts. Finally, even with the enactment of Law No. 13,869 of 2019, it will be verified that the personal search carried out by the security agents of the courts does not constitute the crime of abuse of authority.
KEYWORDS: PRECEDENTS, PERSONAL SEARCH, ILLEGAL EMBARRASSMENT.
SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. A decisão proferida no HC 470.937/SP. 3. Sistema de precedentes aplicável no Processo Penal. 4. A decisão no HC 470.937/SP como precedente persuasive. 5. A decisão no HC 470.937/SP e a aplicação da técnica do distinguishing. 6. A busca pessoal executada por agentes de segurança nos tribunais de justiça. 7. A busca pessoal e a Lei nº 13.869, de 2019. 8. Conclusão.
1. INTRODUÇÃO
Em recente decisão, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) reascendeu as discussões sobre a interpretação do artigo 244 do Código de Processo Penal (CPP) e os limites da busca pessoal. Na paradigmática decisão, proferida no HC 470.937/SP, de relatoria do Ministro Joel Ilan Paciornik, julgado em 04 de junho de 2019, a Egrégia Corte decidiu que são ilícitas a revista pessoal realizada por agente de segurança privada e todas as provas daí decorrentes.
O tema é de suma importância para a área jurídica, uma vez que diz respeito aos limites da invasão da esfera jurídica do cidadão, em especial no que tange ao direito da intimidade. Nesse sentido, deve-se realizar estudo aprofundado e atualizado sobre o emprego do artigo 244 do CPP e a possibilidade de sua aplicação por outros órgãos, além dos descritos no art. 144 da Constituição Federal de 1988 (CF/88).
O tema tem uma relevância ímpar para a atividade das várias cortes de justiça do Brasil, que se utilizam de segurança institucional não só para realizar a proteção patrimonial e pessoal dos magistrados e servidores, como, também, para executar ordens de prisão proferidas em audiências, cumprimento de mandados de prisão, com consequentes atos de abordagem e buscas pessoais.
Em outro giro, tendo em vista o sistema de precedentes inaugurado com o Código de Processo Civil de 2015, faz-se necessária uma análise preliminar para identificar se o referido sistema é aplicado no âmbito criminal e se a decisão proferida no HC 470.937/SP é um precedente com força vinculante ou de caráter persuasivo.
Em seguida, será feito um exame do precedente proferido pelo Superior Tribunal de Justiça com os procedimentos de busca pessoal frequentemente realizados pelos agentes de segurança dos tribunais de justiça. Logo após, será realizada uma abordagem específica sobre o procedimento de busca pessoal e sua legalidade.
Por fim, com a promulgação da Lei nº 13.869, de 2019, a nova lei sobre abuso de autoridade, procurou-se identificar possíveis questionamentos sobre a legalidade da execução do procedimento de busca pessoal realizada pelos agentes de segurança nos tribunais e se a referida prática configura o crime do abuso de autoridade. É com este objetivo: analisar a prática dos atos de busca pessoal pelos agentes de segurança institucional que será realizado todo estudo da decisão ora comentada e sua repercussão prática no cotidiano das cortes que se utilizam de um quadro próprio de segurança institucional.
2. A DECISÃO PROFERIDA NO HC 470.937/SP
No HC 470.937/SP, o STJ apreciou habeas corpus impetrado por cidadão que, se utilizando do metrô na cidade de São Paulo, foi preso por agentes de segurança da Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM) pela prática do crime de tráfico de drogas.
Segundo denúncia elaborada pelo Ministério Público paulista, o impetrante foi abordado por agentes de segurança da Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CTPM), sob o fundamento de ter demonstrado preocupação diante da presença dos mencionados seguranças. Os agentes, com o intuito de coibir a prática de vendas em geral dentro do transporte público e por acreditarem que o impetrante era vendedor ambulante, procederam uma busca pessoal no usuário do serviço; oportunidade, em que, os empregados da concessionária encontraram dois tabletes de maconha, com peso líquido de 501,9g (quinhentos e um gramas e nove decigramas) .
A discussão central no referido HC é sobre a legalidade da prática dos atos de busca pessoal realizados por pessoas não integrantes dos quadros da segurança pública, quais sejam, aqueles listados no art. 144 da Constituição Federal.
A Constituição Federal, em seu artigo 144, dispõe que a segurança pública é exercida por meio dos seguintes órgãos: Polícia Federal, Polícia Rodoviária Federal, Polícia Ferroviária Federal, Polícias Civis, Polícias Militares e Corpo de Bombeiros Militares. Nessa esteira, a Defensoria Pública do Estado de São Paulo defendeu, em sede de habeas corpus, a tese de que apenas os órgãos destacados no art. 144 da Carta Magna seriam legitimados para a prática de atos que invadam a esfera íntima do cidadão, como é o caso da busca pessoal.
No voto elaborado pelo Ministro Joel Ilan Paciornik, acolhendo a tese da Defensoria Pública do Estado de São Paulo, ressaltou-se que somente autoridades judiciais, policiais ou seus agentes, estão autorizados a realizarem a busca domiciliar ou pessoal.
Consoante a referida decisão, a prática adotada pelos agentes de segurança da concessionária do serviço de transporte metroviário carece de aparato legislativo e sua prática configura constrangimento ilegal. Destacou-se, no voto, o direito fundamental previsto no inciso II do art. 5° da Constitucional Federal que “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”.
Destarte, ao verificar a ratio decidendi do mencionado habeas corpus, extrai-se a seguinte tese: é vedada a prática do procedimento de busca pessoal por pessoas que não se enquadram dentre aquelas listadas no art. 144 da CF/88. As atividades de policiamento e investigação são exclusivas das Polícias Federal, Civil e Militar, conforme dispõe o texto constitucional.
Analisando o referido habeas corpus, os ministros do STJ decidiram, por unanimidade, conceder a ordem por entenderem que a busca pessoal foi ilícita, em razão de não ter sido realizada por um dos agentes listados no art. 144 da CF/88, bem como as provas obtidas por meio desse procedimento.
Com base nessa decisão, deve-se, de início, realizar um primeiro questionamento. A decisão sob análise é um precedente vinculante que servirá de paradigma para futuros julgados ou um precedente persuasivo, permitindo-se decisões contrárias com menor ônus argumentativo? A resposta para essa pergunta poderá ser obtida mediante uma análise da aplicação do sistema de precedentes no âmbito criminal e a decisão objeto de estudo.
3. SISTEMA DE PRECEDENTES APLICÁVEL NO PROCESSO PENAL
O novo sistema de precedentes inaugurado pelo Código de Processo Civil de 2015 tem como objetivo dar maior coerência ao ordenamento jurídico, bem como estabilidade, previsibilidade, consistência e transparência às decisões judiciais.
Dessa forma, com escopo de dar uniformidade e integridade ao direito, o novo sistema de precedentes adotado no Brasil passa a garantir maior estabilidade e confiança às decisões judiciais.
Torna-se clara a opção do legislador pela busca de maior segurança jurídica, por meio do respeito aos precedentes, conforme se observa do texto do art. 489, § 1º, inc. VI, do CPC de 2015. O dispositivo é certo ao informar que não se considera fundamentada a decisão que “deixar de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela parte, sem demonstrar a existência de distinção no caso em julgamento ou a superação do entendimento”.
Como dito, o mencionado artigo foi introduzido no Código de Processo Civil com a finalidade de que as decisões judiciais sejam tomadas com maior coerência e integridade, vale dizer, que não destoem de outras decisões já proferidas sobre o mesmo tema e ante as mesmas circunstâncias. A propósito, não só o artigo 489 do citado diploma processual demonstra esse objetivo, mas o novo sistema processual adotado, com o intuito de conferir segurança jurídica e estabilidade à sociedade, como se extrai da simples leitura dos artigos 926 e 927 do CPC:
Art. 926. Os tribunais devem uniformizar sua jurisprudência e mantê-la estável, íntegra e coerente.
Art. 927. Os juízes e os tribunais observarão:
I as decisões do STF em controle concentrado de constitucionalidade;
II os enunciados de súmula vinculante;
III os acórdãos em incidente de assunção de competência ou de resolução de demandas repetitivas e em julgamento de recursos extraordinário e especial repetitivos;
IV os enunciados das súmulas do STF em matéria constitucional e do STJ em matéria infraconstitucional;
V a orientação do plenário ou do órgão especial aos quais estiverem vinculados.
§ 1º Os juízes e os tribunais observarão o disposto no art. 10 e no art. 489, § 1o, quando decidirem com fundamento neste artigo.
§ 2º A alteração de tese jurídica adotada em enunciado de súmula ou em julgamento de casos repetitivos poderá ser precedida de audiências públicas e da participação de pessoas, órgãos ou entidades que possam contribuir para a rediscussão da tese.
§ 3º Na hipótese de alteração de jurisprudência dominante do STF e dos tribunais superiores ou daquela oriunda de julgamento de casos repetitivos, pode haver modulação dos efeitos da alteração no interesse social e no da segurança jurídica.
§ 4º A modificação de enunciado de súmula, de jurisprudência pacificada ou de tese adotada em julgamento de casos repetitivos observará a necessidade de fundamentação adequada e específica, considerando os princípios da segurança jurídica, da proteção da confiança e da isonomia.
Com esse espirito, o legislador entrega à sociedade, conforme exposição de motivos do anteprojeto do CPC/2015, um sistema capaz de garantir segurança jurídica e tratamento isonômico aos jurisdicionados.
Por essas razões, é de salutar importância entender qual tipo de decisão pode ser qualificada como precedente. Porém, antes, é primordial entender o que é um precedente.
Sem pretensão de esgotar o tema, tendo em vista que não é o escopo do presente artigo, mister se faz mencionar que não há uma posição consolidada sobre o que seja um precedente.
Fredie Didier Jr., Paula Sarno Braga e Rafael Oliveira entendem o precedente como a decisão judicial tomada à luz do caso concreto, cujo elemento normativo pode servir como diretriz para o julgamento posterior de casos análogos. O precedente, segundo os referidos juristas, é a própria ratio decidendi (DIDIER JR, 2018).
Em sentido diverso, Alexandre Câmara considera que o precedente seria o pronunciamento judicial, emitido em processo anterior, que serviu de fundamento para a construção de outra decisão judicial. Ou seja, seriam os fundamentos utilizados em decisões anteriores qualificados pelo uso superveniente em outras decisões judiciais, sendo paradigma de entendimento de determinado juízo (CÂMARA, 2017).
Pede-se vênia para trazer um conceito próprio sobre o que seria o precedente. Defino precedente como a decisão tomada no caso concreto, formada após contraditório substancial, cujos fundamentos servirão de paradigma para julgamentos de casos futuros. Desse modo, o precedente estaria no bojo da fundamentação e não no dispositivo. Sendo este último, o produto, no caso concreto, da utilização da fundamentação extraída do precedente.
Percebe-se, desse modo, que ainda não se tem um conceito unânime sobre o que seja precedente.
Verifica-se, contudo, diferenças e similitudes entre as definições trazidas até agora para o instituto dos precedentes judiciais. Pode-se dizer que o precedente, latu senso, é composto por três elementos fundamentais. O primeiro elemento é a situação de fato objeto do litígio, isto é, o próprio caso concreto. O segundo elemento é o preceito legal, a tese, o princípio que serviu de alicerce para a resolução do litígio, encontrando-se na motivação da decisão; seria a ratio decidendi. Por fim, o terceiro item, a própria argumentação.
Nesse contexto, oportuno mencionar que se observa uma aproximação cada vez maior com o sistema jurídico do common law.
Aos poucos, a jurisprudência e os precedentes vêm assumido uma importância mais elevada no ordenamento jurídico brasileiro. Cumpre mencionar que o Brasil adota o sistema da civil law.
O modelo da civil law considera a lei como a fonte primária do Direito, o qual é positivado e escrito. Nesse modelo, o julgador atua como intérprete e aplicador da lei. Por sua vez, no sistema jurídico da common law, as normas e as regras não preponderam sobre os costumes e a jurisprudência, fonte primária no referido sistema. São institutos do common law: a) Stare decisis – origina-se do direito inglês, constituindo-se na doutrina em que as decisões proferidas pela corte de superior hierarquia têm caráter vinculante para todas as cortes de instância inferior, traduzindo-se, dessa feita, em uma confirmação de submissão dos tribunais aos seus próprios precedentes; b) Precedente – aqui defendido como uma decisão judicial tomada à luz de um caso concreto, cuja a ratio decidendi, núcleo primordial da decisão, pode servir como diretriz para o julgamento posterior de casos análogos; c) Jurisprudência – compreendida como um conjunto de decisões e interpretações das leis realizado pelos tribunais; d) Distinguish – técnica utilizada para averiguar a distinção entre o caso concreto e o paradigma para se analisar a identidade ou não entre eles; e e) Overrunlling - superação do precedente em razão da modificação dos valores sociais ou de equívoco em sua aplicação.
Com a edição do novo Código de Processo Civil, tornou-se possível a utilização de todos esses institutos, não sendo demais rememorar que a Emenda Constitucional nº 45, de 2004, iniciou uma significativa reforma no que tange aos precedentes, inovando em nosso ordenamento jurídico com a permissão de inserção das súmulas vinculantes, da repercussão geral e dos recursos repetitivos.
Nesse desiderato, as decisões judiciais adquirem importância ímpar, seja para estabelecer soluções para o caso concreto, seja para criar diretrizes jurisprudenciais que contribuem para a própria conformação do ordenamento jurídico como um todo.
O novo Código de Processo Civil cuidou muito bem do sistema de precedentes judiciais, com o intuito de alcançar a uniformização e estabilização da jurisprudência, dispensando especial atenção à fundamentação dos atos judiciais, sejam eles interlocutórios, sentenciais ou oriundos de colegiado, no sentido de não considerar fundamentada decisão que se limita a invocar precedente ou enunciado de súmula, sem identificar seus fundamentos determinantes, nem demonstrar que o caso sob julgamento se amolda àqueles fundamentos ou quando deixar de adotar enunciado de súmula, precedente ou jurisprudência trazidos pela parte, sem comprovar a existência de distinção (distinguish) ou superação do entendimento (overruling).
Feitas essas breves considerações, neste momento, cumpre saber se se aplica ou não o sistema de precedentes do Código de Processo Civil no âmbito da justiça criminal.
Oportuno destacar, primeiramente, que o Código de Processo Penal e o Código de Processo Civil não podem ser vistos como ilhas estanques. Ambos diplomas se complementam, seja por meio dos dispositivos do Código de Processo Penal que fazem menção expressa à aplicação do Código Processual Civil, como é o caso do art. 362, do CPP, que dispõe que a citação por hora certa no processo penal seguirá a lei processual civil, seja por meio da aplicação da teoria geral do processo. Teoria esta que permite um diálogo de fontes entre as leis processuais civis e penais para solucionar problemas oriundos de anomia.
Nesse sentido, tem-se, por exemplo, o uso do art. 28 do Código de Processo Penal nos procedimentos de natureza cível, como é o caso das ações civis públicas. Explicando de modo bem sucinto, o uso do art. 28 do CPP dar-se-á nos casos em que o membro do Ministério Público promove um arquivamento implícito por meio da restrição do alcance da ação civil pública, deixando de fundamentar expressamente sobre outros ilícitos já investigados em sede de inquérito civil. Nessa hipótese, cabe ao magistrado rever o arquivamento implícito do inquérito civil utilizando-se analogicamente o art. 28 do CPP.
Ainda, quanto ao sistema de precedentes, ressalte-se que o dever de fundamentação das decisões judiciais, extraído do inciso IX do art. 93 da Constituição Federal, sofre uma releitura com o advento do novo Código de Processo Civil. O referido diploma processual impõe ao magistrado um maior ônus quanto ao dever de fundamentação.
O parágrafo 1° do art. 489 do Código de Processo Civil estabelece as hipóteses que não são consideradas fundamentadas as decisões judiciais. Como já mencionado, tem destaque o inciso VI do referido dispositivo que disciplina que não são consideradas fundamentadas as decisões que deixarem “de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela parte, sem demonstrar a existência de distinção no caso em julgamento ou a superação do entendimento”.
Desse modo, o artigo 489 do Código de Processo Civil veio para disciplinar como o dever de fundamentação das decisões judiciais deverá ser realizado, servindo como instrumento de compliance da decisão judicial para com o dever constitucional extraído do art. 93, inc. IX, da CF.
Ademais, o Poder Judiciário necessita da fundamentação de suas decisões para exercer o compromisso democrático de prestação de contas, ou seja, de accountability. A fundamentação da decisão permite que a sociedade e o réu saibam os motivos pelos quais poderão ter seus direitos fundamentais, liberdade e patrimônio, restringidos pelo Estado. Portanto, no âmbito do processo penal, assim como no processo civil, as decisões devem ser devidamente fundamentadas, aplicando-se extensivamente o art. 489, § 1°, inc. VI, do CPC.
Por esses motivos, identificar se determinada decisão pode ser considerada como precedente tem uma importância maior no ordenamento jurídico. Caso determinado precedente seja desconsiderado pelo magistrado, a decisão deverá possuir um ônus argumentativo maior, demonstrando, conforme dispõe o art. 489, § 1°, inc. VI, do CPC, a existência de distinção com o caso sob julgamento ou a superação do entendimento firmado no precedente invocado pelas partes.
Nesse desiderato, torna-se necessário, em razão da aplicabilidade do sistema de precedentes e do dever de fundamentação do art. 489, § 1°, inc. VI, do CPC, aplicável no processo penal, definir se a decisão exarada no HC 470.937/SP trata-se de precedente de caráter vinculante ou meramente persuasivo. E ainda, se caso entendido como precedente persuasivo, o fato de ter sido proferido por uma das cortes de vértice dá a ele qualidade diferenciada sobre os demais precedentes.
4. A DECISÃO NO HC 470.937/SP COMO PRECEDENTE PERSUASIVO
Antes do advento do CPC de 2015, já era possível verificar no sistema jurídico brasileiro uma valorização dos precedentes judiciais. Com a Emenda Constitucional nº 45, no ano de 2004, houve a criação da súmula vinculante.
Com o surgimento desse instituto, observou-se que as decisões judiciais proferidas pelas cortes de vértice, no caso o Supremo Tribunal Federal, ocuparam uma posição de primazia no ordenamento jurídico. Não só como norma do caso concreto, as decisões judiciais qualificadas servem para regular situações futuras. Pode-se, inclusive, falar na existência de um poder legiferante do judiciário brasileiro.
O CPC de 2015 veio para ampliar a aplicação do sistema de precedentes no ordenamento jurídico brasileiro. Como é cediço, o art. 927 do CPC/2015 estabelece que os Juízes e Tribunais deverão observar os precedentes. Por sua vez, o artigo 332 do mesmo código disciplina as hipóteses que autorizam o julgamento liminar de improcedência, quando o pedido da parte contrariar os precedentes, desde que a ação dispense instrução probatória.
O Código de Processo Civil, tendo em vista as consequências da não aplicação do sistema de precedentes, permite que a doutrina faça uma classificação dos precedentes qualificando-os como precedentes com força vinculante e precedentes persuasivos.
Os precedentes vinculantes são aqueles que devem ser observados sob pena de gerar nulidade da decisão. Além de autorizarem o julgamento de liminar de improcedência do pedido e o julgamento monocrático pelo relator, geram, também, como consequência grave da sua inobservância, a inexigibilidade de título executivo judicial e a possibilidade de ação rescisória.
De modo contrário, a não observância dos precedentes persuasivos não impõem a nulidade da sentença. Contudo, o uso do precedente exige um esforço argumentativo menor do magistrado para elaboração de sua decisão que deverá verificar se a situação fática, a ele apresentada, enquadra-se na situação paradigma disposta no precedente persuasivo.
Em face da importância de identificar qual precedente possui força vinculante e qual possui caráter persuasivo, a doutrina utiliza-se do art. 927 do CPC/2015 como ferramenta para apontar a qualidade do precedente. Conforme o referido artigo, os juízes e tribunais devem seguir os seguintes precedentes: as decisões do Supremo Tribunal Federal em controle concentrado de constitucionalidade, os enunciados de súmula vinculante, os acórdãos em incidente de assunção de competência ou de resolução de demandas repetitivas e em julgamento de recursos extraordinário e especial repetitivos, os enunciados das súmulas do Supremo Tribunal Federal em matéria constitucional e do Superior Tribunal de Justiça em matéria infraconstitucional, a orientação do plenário ou do órgão especial aos quais estiverem vinculados. Todas as hipóteses aqui descritas são tidas pela doutrina como precedentes qualificados pela sua força vinculante.
Após breve definição de precedente e suas diferentes classificações, calha definir se a decisão proferida no HC 470.937/SP é um precedente judicial e que tipo de força exercerá no ordenamento jurídico.
Como dito, precedente é a decisão tomada no caso concreto, formada após contraditório substancial, cujos fundamentos servirão de paradigma para julgamentos de casos futuros. Com base nesse conceito, pode-se entender que a decisão tomada no HC 470.937/SP é um precedente, podendo ser utilizado como paradigma para casos futuros.
Contudo, observa-se pela leitura do art. 927 do CPC que não se está diante de um precedente com força vinculante. A presente decisão é um precedente de caráter persuasivo. A matéria possui como pano de fundo discussão de cunho constitucional, qual seja, a possibilidade de outros órgãos e pessoas privadas desempenharem funções ligadas à área de segurança pública.
A ratio decidendi extraída do HC 470.937/SP definiu que apenas os órgãos elencados no art. 144 da CF/88 poderiam executar o procedimento de busca pessoal, sendo ilegal o procedimento executado por particulares, com a consequente declaração de ilegalidade das provas obtidas por tal meio.
Portanto, tendo em vista que o princípio da segurança pública, extraído da interpretação constitucional do art. 144 da CF, está sob o prisma de análise no HC 470.937/SP, além da liberdade do cidadão, entende-se que cabe à Corte Constitucional definir a ratio decidendi com conteúdo vinculante.
Por essa razão, por não ser da competência do Superior Tribunal de Justiça definir com força vinculante questões de cunho constitucional, verifica-se que o precedente do HC 470.937/SP não possui força vinculante, constituindo-se, entretanto, precedente de grande caráter persuasivo em virtude do órgão que proferiu a decisão.
5. A DECISÃO NO HC 470.937/SP E A APLICAÇÃO DA TÉCNICA DO DISTINGUISHING.
Apesar de ser defendida a tese de que a decisão no HC 470.937/SP proferida pelo Superior Tribunal de Justiça não ser um precedente de força vinculante, é necessário mencionar que a ratio decidendi de um precedente persuasivo pode vir a ter esse caráter vinculante dentro do sistema jurídico, por meio de outros institutos, entre eles o julgamento de recursos repetitivos.
Nesse sentido, faz-se necessária a devida análise do precedente firmado no referido HC, pois possui uma ratio decidendi forte, apta a influenciar outras situações aparentemente análogas.
Conforme mencionado, os precedentes vinculantes são de observância obrigatória por parte dos magistrados em suas decisões. Contudo, com a finalidade de averiguar se é a hipótese de ser utilizado o precedente, é necessário realizar o exame e a interpretação do caso fático sob julgamento com o caso que originou o precedente.
Sem a realização desse cotejo analítico entre o caso sob julgamento e o precedente invocado, não há como se falar em uma devida fundamentação da decisão. Por esse motivo, com o intuito de se evitar uma aplicação equivocada dos precedentes firmados pelas cortes de vértice, deve-se utilizar das técnicas de confronto analítico dos precedentes, chamado no sistema de common law de distinguishing.
O distinguishing, segundo Fredie Didier Jr., é uma técnica de confrontação analítica entre precedentes judiciais e situações concretas. Por meio da técnica da distinção permite-se a comparação e a eventual distinção entre a ratio decidendi do precedente e as condições fáticas e jurídicas do caso sob julgamento. A referida técnica pode ser usada para deixar de aplicar o precedente ou para aplica-lo a casos não semelhantes, mas que, por uma questão de coerência, pode ser utilizado (DIDIER JR., 2018).
Desse modo, entendendo o distinguishing como técnica que realizará o confronto analítico entre a situação que originou a formação do precedente e o caso fático sob julgamento, deve-se utilizar a referida técnica para obter a resposta para o seguinte questionamento: a decisão no HC 470.937/SP veda que agentes da segurança institucional, não listados dentre aqueles previstos no art. 144 da CF, pratiquem o procedimento de busca pessoal?
Respondendo ao questionamento tem-se que, apesar de a ratio decidendi da decisão proferida no HC 470.937/SP ter sido a vedação da prática do procedimento de busca pessoal pelos agentes não listados no art. 144 da CF, verifica-se que o caso fático apresentado ao STJ distingue-se daquele hipoteticamente proposto, qual seja, a possibilidade de ser realizada a busca pessoal pelos agentes de segurança dos tribunais de justiça.
Os agentes de segurança dos tribunais são servidores públicos, com vínculo estatutário. De modo diverso, os empregados da Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM) possuem vínculo contratual com a empresa concessionária de serviços públicos. Ademais, a Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM) é pessoa jurídica de direito privado, diferente dos tribunais de justiça, que são órgãos da administração pública federal.
Destarte, resta evidente que se está diante de situações fáticas completamente diversas que não permitem o uso da mesma ratio decidendi. Oportuno destacar que a administração pública federal e seus agentes podem utilizar-se de procedimentos minimamente invasivos, como é o caso da busca pessoal. Vedar a prática do referido procedimento é restringir, de maneira irrazoável, o poder de polícia da administração para execução de suas atividades.
Destaque-se que a decisão tomada no referido habeas corpus não analisa a situação de servidores que, apesar de não estarem listados no art. 144 da Constituição Federal de 1988, auxiliam na execução do dever constitucional de promoção da segurança pública, como é o caso dos guardas municipais.
Por essa razão, tendo em vista que a ratio decidendi tem como alcance apenas as atividades de policiamento e investigação realizadas por particulares, vedando-as, pode-se afirmar que a mesma razão de decidir não se aplica a servidores da administração pública federal, estadual e municipal.
Contudo, apesar de entender que não é aplicável a ratio decidendi do HC 470.937/SP para fins de vedar a prática dos procedimentos de busca pessoal pelos agentes de segurança dos tribunais de justiça, ainda se deve realizar uma análise sobre a legalidade do procedimento. A falta de previsão legal para sua prática, conforme será visto, é passível de questionamentos por parte do cidadão face ao inegável constrangimento que está submetido quando da realização da busca pessoal.
6. A BUSCA PESSOAL EXECUTADA POR AGENTES DE SEGURANÇA NOS TRIBUNAIS DE JUSTIÇA
O artigo 244 do Código de Processo Penal dispõe sobre a busca pessoal. A doutrina entende que a busca pessoal é gênero que se subdivide em duas espécies, busca pessoal por razões de segurança e busca pessoal de natureza processual penal (LIMA, 2016).
A busca pessoal por razões de segurança é aquela realizada em festas, boates, aeroportos, rodoviárias e no ingresso dos usuários em órgãos públicos. Destaque-se que não há regulamentação legal para a prática da busca pessoal. Contudo, a falta de previsão legal não a impede de ser realizada, devendo, no entanto, seguir parâmetros objetivos razoáveis em sua execução.
Mesmo inexistindo previsão legal que regule os procedimentos de busca pessoal por razões de segurança, alguns princípios constitucionais, em virtude da sua força normativa, devem ser seguidos como instrumentos norteadores para a execução da atividade. A proporcionalidade, a razoabilidade e a necessidade são alguns desses princípios que devem ser observados na execução do procedimento.
Pede-se vênia aos leitores para utilizar de jargão conhecido dentro da Academia de Polícia do Distrito Federal: “abordar por abordar é crime!”. Conforme dito, o ato de abordar, aqui entendido como ato de execução da busca pessoal, deve seguir um parâmetro mínimo e objetivo para sua realização, sob pena de configurar o crime de constrangimento ilegal. Da mesma forma que para a instauração do processo penal depende da presença da justa causa, para a execução do procedimento de busca pessoal há a necessária presença da fundada suspeita.
Assim, o Código de Processo Penal, em seu artigo 244, dá um norte para aqueles que executam a busca pessoal e define como legal aquela realizada desde que baseada em uma “fundada suspeita”. Mas o que seria essa tal ‘fundada suspeita’? É um critério puramente objetivo, com requisitos de fácil aferição, ou é um critério unicamente subjetivo que varia de acordo com o entendimento do executor da medida?
Os limites entre a legalidade e a ilegalidade dos atos de busca pessoal são tênues. Apesar de o art. 244 do Código de Processo Penal definir que sua prática dependerá de uma ‘fundada suspeita’, o mencionado conceito depende de uma intepretação do executor, devido a seu alto grau de subjetivismo. O Supremo Tribunal Federal, na decisão do HC 81.305/GO, negou a presença de fundada suspeita diante do fato de o revistado trajar um blusão suscetível de esconder uma arma. Segundo o Pretório Excelso, “a ‘fundada suspeita’ prevista no artigo 244 do CPP não pode fundar-se em parâmetros unicamente subjetivos, exigindo elementos concretos que indiquem a necessidade da revista, em face do constrangimento que causa”.
Dessa feita, a Suprema Corte entende que há certo grau de subjetivismo apto a fundamentar a realização do procedimento de busca pessoal. Assevera, no entanto, que este deve estar amparado por outros elementos, não podendo ser utilizados parâmetros unicamente subjetivos.
No entanto, que outros parâmetros objetivos seriam esses? Não há na decisão e na jurisprudência da Suprema Corte nenhum julgado que defina parâmetros objetivos a serem seguidos e aptos a legitimar a prática da busca pessoal.
O Supremo Tribunal Federal, ao decidir sobre a legalidade das provas obtidas por meio do procedimento de busca pessoal, fixa precedentes conforme a casuística apresentada. Nenhum dos casos levados à Suprema Corte serviu de paradigma para definir quais critérios devem ser utilizados para fins de legitimar o procedimento e eventuais provas auferidas.
Desse modo, constata-se ser cabível, com intuito de legitimar a prática do procedimento, o uso de diplomas normativos infralegais que o discipline de modo expresso. Ou, ainda, que vede a prática de determinado ato a ser coibido por meio da prática do procedimento de busca pessoal. Nesse último caso, entende-se que a há a presença de um parâmetro objetivo devido ao poder-dever implícito do agente em realizar o procedimento de busca pessoal para se atingir os fins pretendidos pela norma.
Cita-se, por exemplo, a Resolução nº 16, de 2015, do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT), que proíbe o ingresso de pessoas armadas nos fóruns do Tribunal. Como coibir o ingresso dessas armas se não há a possibilidade do uso de esteiras de raio-x, portas giratórias e, em último caso, da busca pessoal.
Analisando o exemplo da Resolução nº 16, de 2015, do TJDFT, apesar de não haver previsão expressa quanto à prática do procedimento de busca pessoal pelos agentes de segurança do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios, fica ressalvada sua prática pelos diplomas infralegais que disciplinam questões de controle de acesso e proteção de magistrados, servidores e jurisdicionados. Vedar a prática do referido procedimento afasta um dos instrumentos aptos a dar efetividade às normas de segurança interna e respectivo controle de acesso.
De modo diverso do que ocorre no ingresso em festas, boates e aeroportos, em que há uma relação contratual, no caso de ingresso de jurisdicionados ao fórum verifica-se uma relação de submissão à lei.
Nas hipóteses em que há uma relação contratual, aquele que não se submete à medida não poderá valer-se do serviço ofertado, nem tampouco frequentar o estabelecimento. Consequência, esta, não presente caso o jurisdicionado não se submeta aos normativos internos de controle de acesso. Negar o ingresso do jurisdicionado às dependências da corte é negar a prestação do serviço jurisdicional, direito fundamental previsto no art. 5°, inciso XXXV, da CF.
Acrescente-se, ainda, que há situações onde o ingresso do jurisdicionado dá-se de modo cogente, exemplo disso é a testemunha que ingressa no fórum apenas em razão de uma condução coercitiva. Nesses casos, não cabe falar que é de livre escolha do jurisdicionado o ingresso no fórum, devendo, para fins de ingresso às dependências do Tribunal, presente a fundada suspeita, o cidadão submeter-se ao procedimento de busca pessoal para verificar se está portando armas ou algum objeto que coloque a vida de servidores, magistrados e outros jurisdicionados em risco.
Nesse sentido, entende-se que está presente o parâmetro objetivo que descaracteriza a discricionariedade e o critério unicamente subjetivo, o qual é vedado, conforme precedente do STF.
Ressalta-se, que até o momento foi tratada apenas da busca pessoal por razões de segurança, também chamada de busca pessoal preventiva. O fundamento dessa prática, repita-se, é garantir a segurança de pessoas e dos ambientes. Passa-se agora à análise dos procedimentos de busca pessoal de natureza processual penal, também chamada de investigativa, cujo objetivo é colher provas para eventual instauração de procedimento investigativo ou processo penal.
Como dito, a busca pessoal de natureza processual penal, tem como objetivo a colheita de provas. Regulada pelo art. 244 do Código de Processo Penal a busca pessoal investigativa deve ser realizada quando houver “fundada suspeita de que a pessoa esteja na posse de arma proibida ou de objetos ou papéis que constituam corpo de delito, ou quando a medida for determinada no curso de busca domiciliar”.
O mencionado procedimento poderá ocorrer tanto na execução de busca domiciliar, decretada por meio de mandado judicial, como em carros ou transeuntes, independente de mandado. Apesar de também existir um fundamento de evitar a proliferação de armas e manutenção da segurança pública, a busca pessoal de natureza investigativa possui como principal objetivo a colheita de provas.
Desse modo, verificar a lisura do procedimento de natureza investigativa tem uma importância maior do que a existente no procedimento de natureza preventiva. Mesmo que no procedimento de natureza preventiva haja colheita de provas, a eventual irregularidade não afastará seu objetivo principal, qual seja, a garantia da segurança pública. De modo diverso, nos procedimentos de busca pessoal de natureza investigativa, o principal objetivo é colheita de provas. Provas estas, que não poderão ser aproveitadas em caso de ilegalidade na prática do procedimento.
Portanto, a análise dos parâmetros utilizados pelo Supremo Tribunal Federal, que norteiam a legitimidade dos procedimentos de busca pessoal e colheitas de provas, determinará que tipo de análise deverá ser realizada pelos tribunais de primeira e segunda instância. Reiterando, conforme analisado, tratam-se de precedentes fortes dentro do sistema.
7. A BUSCA PESSOAL E A LEI Nº 13.869, de 2019.
Com a promulgação da recente Lei nº 13.869, de 5 de setembro de 2019, dispondo sobre os crimes de abuso de autoridade, verifica-se a presença de um controle legislativo mais rígido sobre atividades ligadas à área de segurança pública.
O inciso II do artigo 13 do referido diploma dispõe que configura crime o ato de “constranger preso ou detento, mediante violência, grave ameaça ou redução de sua capacidade de resistência, a submeter-se a situação vexatória ou a constrangimento ilegal não autorizado em lei”. E, ainda, o art. 33 do novo diploma dispõe que se considera crime ato de “exigir informação ou cumprimento de obrigação, inclusive o dever de fazer ou de não fazer, sem expresso amparo legal”.
Todos esses novos dispositivos, inaugurados pela Lei nº 13.869, de 2019, reascendem o questionamento realizado anteriormente sobre como a fundada suspeita poderá ser interpretada para fins de diferenciar um procedimento legal, como a necessária prática de atos de busca pessoal, de procedimentos ilegais e criminosos.
Reaparecem, com a Lei nº 13.869, de 2019, questionamentos como quais parâmetros podem ser utilizados para justificar e legitimar a busca pessoal. Será necessária a criação de diploma legislativo para regular o procedimento? Outra dúvida que emerge, deve-se realizar o procedimento apenas quando configurada a hipótese descrita nesta norma hipotética, ainda a ser criada? Caso essa norma não venha a existir, seria justo e razoável o agente deixar de executar o procedimento em razão da falta de previsão legal? Por fim, como fica a legalidade do procedimento e das provas colhidas antes do advento da Lei.
Todos esses questionamentos ainda não possuem uma resposta por parte da jurisprudência ou mesmo da doutrina, em razão de se tratar de uma recentíssima novidade legislativa. De todo modo, entende-se que a falta de um diploma legislativo que regule de modo expresso o procedimento de busca pessoal não representa um verdadeiro óbice para sua prática. Defende-se, ademais, que o parâmetro objetivo, necessário para a prática do procedimento, segundo a decisão do Supremo Tribunal Federal, pode ser extraído de um diploma que regule questões de controle de acesso e segurança de magistrado e servidores. Mesmo com o advento da Lei nº 13.869, de 2019, esse entendimento deve preponderar em razão de uma análise sistemática do referido diploma.
O artigo 33 da Lei nº 13.869, de 2019, apesar de ser taxativo ao considerar crime o ato de exigir obrigação de fazer ou não fazer sem expresso amparo legal, tem como exigência necessária para sua incidência a presença do elemento subjetivo descrito no parágrafo 1° do artigo 1° da referida Lei. Nesse sentido, dispõe o destacado parágrafo: “As condutas descritas nesta Lei constituem crime de abuso de autoridade quando praticadas pelo agente com a finalidade específica de prejudicar outrem ou beneficiar a si mesmo ou a terceiro, ou, ainda, por mero capricho ou satisfação pessoal”, sendo, portanto, exigido para a configuração do crime, além dos requisitos objetivos descritos no artigo 33, a presença dos elementos subjetivos do crime descritos no artigo 1°, parágrafo 1°, do mesmo diploma.
Por essa razão, entende-se que, apesar de não haver diploma legislativo que regule de modo expresso o procedimento de busca pessoal, a falta dos elementos subjetivos do tipo, quais sejam, prejudicar outrem, beneficiar a si mesmo ou a terceiro, capricho ou satisfação pessoal, afastam a incidência da Lei nº 13.869, de 2019, quando o procedimento de busca pessoal for realizado de modo razoável, proporcional e motivado pela fundada suspeita.
8. CONCLUSÃO
O dever estatal de prestar segurança pública, decorrente do próprio art. 144 da CF/88, não prepondera sobre os direitos fundamentais da pessoa humana. O art. 1°, inc. III, da CF/88, traz como fundamento da República Federativa do Brasil o princípio da dignidade da pessoa humana. Tal princípio serve de vetor interpretativo para a prática de todos atos estatais e privados, incluindo, o procedimento de busca pessoal.
Neste sentido, a decisão exarada pelo STJ no HC 470.937/SP restringe a prática de atos invasivos, de natureza policial, como é o caso dos procedimentos de busca pessoal, apenas aos órgãos vinculados à área de segurança pública destacados no art. 144, da CF.
Contudo, após uso da técnica da distinção, verifica-se que o referido precedente não pode ser utilizado para limitar a prática da busca pessoal apenas aos órgãos listados no art. 144, da CF, tendo em vista que o procedimento de busca pessoal pode ser realizado em caráter preventivo, e não repreensivo ou investigativo; sua prática deve ser permitida desde que realizada de modo razoável, proporcional e com base em fundado motivo.
Nesses termos, entende-se que o fundado motivo para a prática dos procedimentos de busca pessoal pode ser extraído de atos normativos que conferem determinada atribuição aos agentes de segurança institucional, como é o caso da Resolução nº 16, de 2015, do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios. Ao conferir a atribuição de controle de acesso aos agentes de segurança, vedando a entrada de pessoas armadas nos fóruns, os agentes de segurança possuem um fundado motivo, qual seja, a garantia do cumprimento da resolução, para se utilizar dos procedimentos de busca pessoal caso haja suspeita fundada que determinada pessoa esteja armada.
Por fim, verifica-se que, com o advento da Lei nº 13.869, de 2019, não muda o posicionamento ora defendido. Conforme destacado, para a configuração do crime de abuso de autoridade há a necessária presença do elemento subjetivo do tipo, qual seja, “finalidade específica de prejudicar outrem ou beneficiar a si mesmo ou a terceiro, ou, ainda, por mero capricho ou satisfação pessoal”. Portanto, apesar de ainda não existir um marco regulatório para o procedimento de busca pessoal, sua prática pelos agentes de segurança não configura um ilícito, pois o objetivo do procedimento é fazer valer os normativos internos que amparam a segurança de magistrados, servidores e jurisdicionados, tratando-se de instrumento útil e necessário para se atingir a finalidade almejada por normas de controle de acesso e segurança dos tribunais.
REFERÊNCIAS
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BRASIL. Lei 13.869/2019. Disponível em: Acesso em: 08/09/2019.
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Procuradora do Banco Central do Brasil. Pós-graduada em Direito Público e em Direito Penal.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: MACHADO, Maira Virgínia Dutra. A legalidade do procedimento de busca pessoal realizado pelos agentes de segurança nos tribunais de justiça Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 12 nov 2019, 04:28. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/53756/a-legalidade-do-procedimento-de-busca-pessoal-realizado-pelos-agentes-de-segurana-nos-tribunais-de-justia. Acesso em: 22 nov 2024.
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