FABRÍCIO DE FARIAS CARVALHO
(Orientador)[i]
RESUMO: O presente estudo recai sobre a problemática do acesso à justiça, destacando as Constelações Familiares, denominada, também, Direito Sistêmico, como nova política pública no tratamento dos conflitos. Nesta vereda, busca-se promover a compreensão do termo acesso à justiça em uma perspectiva contemporânea, difundir a cultura dos Métodos Adequados de Solução de Conflitos (MASC) e, tecer considerações sobre a implantação da Constelação Familiar na vida judicial do país. Sendo assim, construir um estudo sobre a temática justifica-se em face da necessidade de aparelhar o Poder Judiciário com mecanismos ou meios capazes de alcançar os reclames sociais, além disto, traz em debate uma nova forma terapêutica de mediar os conflitos. Para tanto, a concretização deste estudo ocorre a partir de pesquisas bibliográficas e, na fase de investigação, adotou método dedutivo, porquanto parte de uma análise genérica do acesso à justiça ao exame específico da Constelação familiar como meio de conduzir aqueles que batem na porta do judiciário à ordem jurídica justa. Ao se debruçar sobre o referido tema, pôde-se compreender que o judiciário em suma não é vocacionado para resolver toda e qualquer demanda, a resolução de conflitos e a pacificação social não podem ser atribuição exclusiva dos juízes, outros atores devem ser chamados também para intervir.
Palavras-chave: Acesso à Justiça, Solução de Conflito, Constelação Familiar, Direito Sistêmico
ABSTRACT: This study presents the problem of justice access highlighting the Family Constellations, called Systemic Law, as a new public policy in dealing with conflicts. In this sense, the study aims to promote the understanding of the term access to justice, in a contemporary perspective, propagate the culture of Appropriate Methods of Conflict Resolution (MASC) and raise considerations on the implementation of the Family Constellation, to judicial life of the country. Thus, the importance of this theme justifies the study, because it needs to equip the judiciary with mechanisms or means capable of reaching the social acclamations, besides, it brings into debate a new therapeutic way to mediate conflicts. To this end, this study development is based on a bibliographic research that, in the investigation phase, adopted a deductive method, therefore begins with a generic analysis of access to justice to the specific examination of the family constellation, to conduct those who require the judiciary, fair legal order. When investigating this theme, the study concluded that the judiciary is not able to solve every demands, not all conflict resolution and social pacification can be the exclusive attribution of judges, others actors must also can intervene.
Keywords: Access to Justice, Conflict Resolution, Family Constellation, Systemic Law
Sumário: Introdução. 1. Considerações sobre o acesso à justiça. 1.1. Evolução histórica do acesso à justiça. 1.2. Da reforma no Poder Judiciário. 1.2.1 Lei dos Juizados Especiais – Lei n°. 9.099 de 1995. 1.2.2. Emenda Constitucional n°. 45/04. 1.2.3 Resolução n°. 125/2010 do Conselho Nacional de Justiça. 1.2.4. Código de Processo Civil - Lei n°. 13.105 de 2015. 1.2.5 Lei da Mediação - Lei n°. 13.140 de 2015. 1.3. A crise no Poder Judiciário brasileiro. 2. Em busca de meios adequados na resolução dos conflitos. 3. Nova consciência jurídica por meio da Constelação Familiar. 3.1. Primeiros caminhares de Bert Hellinger. 3.2 Visão sistêmica e o método de Bert Hellinger. 3.3 Aplicação da Constelação Familiar no judiciário. 4 Conclusão
Referências
INTRODUÇÃO
Desde que a humanidade se civilizou, ficando privada de exercer justiça em causa própria, entregando ao Estado a responsabilidade de solucionar todos os seus conflitos, a problemática do acesso à justiça sempre foi uma questão a ser solucionada.
Hoje, nosso sistema procedimental não é flexível e veloz o bastante para adequadamente cumprir as garantias constitucionais existentes, por outro lado, decisões absolutamente intocáveis, repetidas vezes, tornam se inapropriadas, impedindo a efetividade dos direitos reconhecidos. Afinal, como podemos otimizar a resolução de conflitos no Brasil para evitar que a garantia constitucional de acesso à justiça não passe de meras promessas?
Em vista ao questionamento levantado, o presente estudo discute a problemática do acesso à justiça, abordando as Constelações Familiares, também, denominada de Direito Sistêmico, como nova política pública no tratamento dos conflitos. A escolha desse tema se justifica em face da necessidade de aparelhar o Poder Judiciário com mecanismos ou meios capazes de alcançar os reclames sócias, de outra banda, traz ao debate uma nova forma terapêutica de mediar os conflitos, que vem sendo aplicada em caráter experimental, devendo, pois, ser objeto de pesquisas, estudos e aprofundamentos.
Assim, o presente estudo estrutura-se em três capítulos, sendo que o primeiro propõe, promover o entendimento do que seja acesso à justiça, as soluções práticas para sua efetivação, abordando os aspectos normativos pertinentes ao tema, seguindo esses passos, traz a lume a crise na prestação jurisdicional desse direito. O segundo, por sua vez, fará uma reflexão sobre a cultura dos métodos adequados de solução de conflitos. E por fim, no terceiro capítulo, debruçará sobre a origem, os princípios e fundamentos da Fenomenologia terapêutica de Bert Hellinger, destacando sobretudo a sua aplicação no âmbito jurídico.
1 CONSIDERAÇÕES SOBRE O ACESSO À JUSTIÇA
O direito de acesso à justiça vem sendo compreendido a partir de um sistema de proteção de direitos humanos nacional e internacional, extremamente abrangente e, como direito indispensável para a satisfação de todos os demais direitos, também englobando outras formas de acesso à justiça e resolução de conflitos, que não se limitam a mera esfera processual. Nesta oportunidade, convém abordar os significativos contornos que ampliaram o acesso à justiça, ao longo dos anos, para uma compreensão que vai muito além da possibilidade de acessar o sistema de justiça.
1.1 Evolução histórica do acesso à justiça
O significado da expressão acesso à justiça reflete a concepção de Estado próprio de um determinado momento histórico. Na ótica dos Estados liberais dos séculos XVIII e IX, embora o acesso à justiça fosse visto como um direito natural, não se oferecia uma prestação jurisdicional preventiva desse direito, não era preocupação do Estado afastar os obstáculos econômicos e sociais que impossibilitavam as posições menos favorecidas de utilizar plenamente a justiça e suas instituições (CAPPELLETTI; GARTH, 1988).
Em suma, percebe-se que na época do Estado liberal, apenas se definia os direitos, por acesso à justiça entendia-se apenas a possibilidade de propor ou contestar uma ação, bastava proclamar o direito de ingresso em juízo, pouco importava sua eficiência prática ou efetividade, de modo que o acesso à justiça se resumia essencialmente na igualdade formal, mas não efetiva.
Já no século XX, vê-se claramente a incoerência dos valores sonhados pelos Estados liberais, ao tratar todos de forma igual perante a lei, ignorando a dimensão real da sociedade marcada por gritantes distinções sociais, aspirações e necessidades completamente diferentes, o que resultou em uma crise na política liberal, surgindo, então, o Estado preocupado não somente em proclamar direitos, mas também, comprometido com o bem-estar social, passando a objetivar a justiça social (MARINONI, 2000).
Destaca Santos (1986), que caso ficassem destituídos de instrumentos otimizáveis, consubstanciadores para sua materialização, os novos direitos sociais e econômicos consagrados no paradigma social, não se tornariam efetivos, até porque, reconhecer direitos e não os tornar efetivos, certamente representariam meras declarações políticas, de conteúdo e função mistificadores.
Pondera o autor, que tal noção fez perceber que a administração da justiça civil e os processos judiciais não poderiam ficar reduzidos simplesmente a mera regra mecânica, como um direito técnico, neutro, devendo o Estado buscar implementar suas funções sociais, especialmente mecanismos diferenciados para os diversos conflitos.
Arenhart, Marinoni e Mitidiero (2019), nos informam que as declarações políticas do século XX, buscaram interligar o que antes era politicamente distanciado, trabalhando as liberdades clássicas, em particular a teoria processualista, a partir da ideia de justiça social, traçando um caminho que conduz a concreta participação do povo no processo político, instrumentalizado mediante a igualdade na oportunidade de acesso à justiça, aspecto central do moderno Estado social.
Assim, o acesso à justiça ganha uma nova roupagem e dimensão, se no passado prometer acesso formal era suficiente, temos agora uma exigência de torná-lo uma realidade para todos, justamente posta pela Democracia Social.
No lúcido ensinamento de Cappelletti e Garth (1988), à medida que o novo modelo de Estado de bem-estar social passou consagrar novos direitos substantivos aos indivíduos, o acesso à justiça alcançou particular atenção e relevância no quesito fundamental, como o mais básico dos direitos humanos de um sistema jurídico moderno e igualitário, apto a garantir e não apenas proclamar os direitos de todos.
Muito se tem caminhado no sentido de fazer valer este direito, fala-se com muita propriedade de uma nova perspectiva de acesso, que não só habilite o cidadão a tutelar seus interesses, mas que, ainda, permita soluções pacificadoras e capazes de eliminar os conflitos, por meio de instrumentos que assegurem ao cidadão um acesso à justiça imparcial, ético, que clame por uma solução de forma mais adequada ao contexto em que as pessoas se inserem (CINTRA; GRINOVER; DINAMARCO, 2017).
Nas palavras lapidares de Kazuo Watanabe (1988, p. 128), “não se trata apenas de possibilitar o acesso à justiça, enquanto instituição estatal, mas sim de viabilizar o acesso à ordem jurídica justa”. E, segundo o mesmo autor, são dados elementares desse direito:
[...] o direito à informação; o direito à adequação entre a ordem jurídica e a realidade socioeconômica do país; o acesso a uma Justiça adequadamente organizada e formada por Juízes inseridos na realidade social e comprometidos com o objetivo de realização da ordem jurídica justa; o direito à pré-ordenação dos instrumentos processuais capazes de promover a objetiva tutela dos direitos; o direito à remoção dos obstáculos que se anteponham ao acesso efetivo à Justiça com tais características. Uma tarefa dessas dimensões exige, antes de mais nada, nova postura mental (WATANABE, 1988, p. 128 – 135).
Marinoni (2000), nos ensina que o acesso à ordem jurídica justa, sobretudo, é uma questão de cidadania. Logo, entende-se que a nova concepção do acesso à justiça deve estar inserida pelo viés da democracia participativa, uma vez que a participação do povo na gestão do bem comum representa um mecanismo essencial para garantir a efetiva proteção de os outros direitos.
Dando maior dimensão a esta garantia, Dinamarco (2001, p. 305), afirma que “é pois mais do que um princípio, o acesso à justiça é a síntese de todos os princípios e garantias do processo, seja no âmbito constitucional ou infraconstitucional, seja em sede legislativa ou doutrinária e jurisprudencial”.
Nestes termos, conclui-se que pensar o acesso apenas em uma perspectiva conceitual constitui página virada, e que este, não se reduz apenas ao poder de ingresso do indivíduo em juízo, por sua vez, deve propiciar ao cidadão o caminho mais adequado, afim de alcançar a paz social.
1.2 Da reforma no Poder Judiciário
Alinhado ao movimento mundial de acesso à justiça, no Brasil foram criados e alterados diplomas legais, em prol da autocomposição. Podemos dizer, que a autocomposição tornou-se um instrumento jurídico, visto que o acesso à justiça passou a se relacionar com a satisfação do usuário e não com o mero acesso ao judiciário. Eis, portanto alguns aspectos legais que vislumbram os esforços e a implantação empreendidos pelo Poder Judiciário na busca da pacificação social.
1.2.1 Lei dos Juizados Especiais – Lei n°. 9.099 de 1995
No campo das inovações legislativas merece destaque a Lei n. 9.099/1995, que instituiu os Juizados Especiais Cíveis Criminais, um aperfeiçoamento de outras práticas dos Juizados Informais de Pequenas Causas. Nesse aspecto, oportunos os dizeres Júnior e Neto (2007, p. 44):
Buscou-se, desde então, concretizar o oferecimento de uma nova forma de Justiça com o advento do novo milênio, de maneira a equacionar o acesso à jurisdição federal com a instrumentalidade e a efetivação do processo (acesso a ordem jurídica justa) mediante a redução da litigiosidade contida, diminuindo-se de maneira reflexa a carga de demandas da Justiça Federal comum e solucionando-se as lides criminais envolvendo delitos de “menor potencial ofensivo.
Consciente desta nova realidade, preocupou se na simplificação dos procedimentos e especialização da Justiça com vistas a aproximá-la cada vez mais do cidadão e a atender as particularidades especificas das situações litigiosas. Desta forma, a lei n°. 9099/95 no seu artigo 2° criou importantes princípios que orientam todo o regimento nos Juizados Especiais. São eles: oralidade, simplicidade, informalidade, economia processual e celeridade (CHIMENTI, 2012).
Ressalta Bacellar (2012), que no contexto do movimento de acesso à justiça, os microssistemas de Juizados Especiais, ainda que de forma tímida, abriram as portas para surgimento de alguns métodos híbridos (consensuais e adversariais), preconizando a ideia da justiça dita “alternativa”. Importante elucidar que tais princípios se mostram de suma importância para a garantia do acesso à justiça no Brasil, uma vez que, estes não se limitam tão somente aos conflitos de menor complexidade, em nome da efetividade da garantia constitucional de acesso à justiça, também norteiam a todos os procedimentos judiciais.
Desta feita, pode se dizer que a lei marca o início de uma nova era na prestação jurisdicional, principalmente por privilegiar o estabelecimento de um novo modelo de justiça acessível e desburocratizada, desenhada especialmente para tentar conciliar as partes.
1.2.2 Emenda Constitucional n°. 45/04
Para melhorar esse quadro, a Emenda Constitucional n°. 45 de 2004, conhecida como “Reforma do Judiciário” introduziu mudanças significativas na legislação brasileira em direção a uma realidade de maior efetividade na prestação dos serviços jurisdicionais, a partir da maior disponibilidade de ferramentas de acesso à justiça. Dentre suas inovações destacam:
[...] um novo modelo de organização para o Poder Judiciário que priorizou, no texto constitucional, o acesso à Justiça, a celeridade dos trâmites judiciais e o planejamento, antes inexistente, de políticas judiciais. Também foram criados órgãos basilares como o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), além de terem sido apresentadas propostas inovadoras para as defensorias públicas e outras melhorias importantes para o sistema judicial (BRITTO; SOARES, 2014, p. 16).
Sem dúvida, uma das inovações mais importantes previstas pela emenda foi a criação do Conselho Nacional de Justiça – CNJ, que trabalha pelo aperfeiçoamento do agir do Poder Judiciário por meio de estratégias visando “desenvolver políticas judiciárias que promovam a efetividade e a unidade do Poder Judiciário, orientadas para os valores de justiça e paz social” (CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA, 2019).
O desembargador federal do TRF/4ª Região, Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz resumiu as grandes expectativas em torno do CNJ à época de sua criação:
Será ele, portanto, um órgão de grande destaque nos quadros da magistratura nacional, pelas relevantes funções censórias que a Carta Magna lhe confere, bem como por incumbir a ele supervisionar a administração superior do Judiciário, mediante a investigação e o exame dos casos de emperramento da máquina judiciária, formulando propostas e sugestões para o melhor funcionamento da justiça, tornando-a efetiva e pronta, como agora o quer a Constituição, em seu art. 5.º, LXXVIII, da CF/1988 (LENZ, 2006, p. 9).
Entre outras atribuições do CNJ, previstas pelo art. 103- B §, 4° da Constituição Federal/88, frisamos o inciso VII do referido dispositivo, que atribui ao CNJ o papel de entender o comportamento em números da Justiça brasileira e propor no uso das suas atribuições constitucionais e regimentais as providências que julgar necessárias.
Consoante a essa tarefa, cumpre salientar que o CNJ promoveu a transparência sobre o quanto o acesso à justiça ainda precisa ser consubstanciado e, em verdade, foram importantes peças para consolidar desenvolvimento e incentivo dos mecanismos consensuais de solução de conflitos.
1.2.3 Resolução n°. 125/2010 do Conselho Nacional de Justiça
Uma das primeiras medidas que repercutiu de maneira muito salutar, foi a Resolução n°. 125/2010 do CNJ, que procurou não apenas a mera institucionalização, mas também, a disciplina da Política Judiciária Nacional de Tratamento de conflitos e interesses, in verbis:
Art. 1º - Fica instituída a Política Judiciária Nacional de tratamento dos conflitos de interesses, tendente a assegurar a todos o direito à solução dos conflitos por meios adequados à sua natureza e peculiaridade. Parágrafo único. Aos órgãos judiciários incumbe, além da solução adjudicada mediante sentença, oferecer outros mecanismos de soluções de controvérsias, em especial os chamados meios consensuais, como a mediação e a conciliação, bem assim prestar atendimento e orientação ao cidadão (BRASIL, 2010).
A essência da resolução em suma é um cumprimento do mandamento constitucional que põe particular atenção à dignidade da pessoa humana (art. 5°, XXXV), pois a pessoa que não tiver direito ao acesso à ordem jurídica justa, não está sendo tratada de forma digna. Além disso, a resolução determina que se organize junto a conciliação e mediação o serviço de orientação e formação, no sentido de que para alguém exercitar seu direito é preciso que ele os conheça. Segundo Bacellar:
A Resolução 125 do CNJ, de 29 de novembro de 2010 (que traçou a política judiciária de tratamento adequado dos conflitos), estimulou soluções adequadas, em múltiplas portas, inclusive antes do ajuizamento das demandas e pretende consolidar, no Brasil, uma política pública permanente de incentivo e aperfeiçoamento dos mecanismos consensuais de solução de conflitos (BACELLAR, 2012, p. 70).
Nesse contexto, constata-se que o CNJ, por meio da Resolução n°. 125/10, atualiza o conceito de acesso à justiça, ultrapassando o paradigma de acesso justiça voltado apenas para obtenção de uma solução sentencial, ao afirmar expressamente que o judiciário deve oferecer todos os meios adequados para a resolução dos conflitos, em especial a mediação e a conciliação.
1.2.4 Código de Processo Civil - Lei n°. 13.105 de 2015
Com a publicação da Lei n°. 13.105 de 2015, inaugura-se a segunda geração de reformas no Poder Judiciário. O legislador quando tratou de reconhecer dentro do novo Código a mediação e a conciliação, deixou bem claro a sua vocação para soluções consensuais. Desde a Exposição de Motivos, Anteprojeto da Comissão de Juristas, os institutos de resolução consensual de conflitos foram expressamente prestigiados pelo NCPC, senão vejamos:
Pretendeu-se converter o processo em instrumento incluído no contexto social em que produzirá efeito o seu resultado. Deu-se ênfase à possibilidade de as partes porem fim ao conflito pela via da mediação ou da conciliação. Entendeu-se que a satisfação efetiva das partes pode dar-se de modo mais intenso se a solução é por elas criada e não imposta pelo juiz (BRASIL, 2015).
E este prestígio, já encorpado desde a exposição de motivos, encontrou previsão expressa como norma fundamental no sistema do NCPC nos artigos 3°, § 2º e § 3°, ao declarar que o Estado promoverá, sempre que possível, a solução consensual dos conflitos e a conciliação, a mediação e outros métodos de solução consensual de conflitos deverão ser estimulados por juízes, advogados, defensores públicos e membros do Ministério Público, inclusive no curso do processo judicial.
Para facilitar o processo de conciliação a nova lei fixou a criação de centros judiciários, a priorização dos princípios inerentes a conciliação, a obrigatoriedade de registro do profissional conciliador, alterações nos prazos e a criação de um capítulo próprio para tratar do assunto, tamanha a sua relevância.
Diante das mudanças apresentadas, percebe-se claramente que o NCPC incorporou as regulações que o próprio Conselho Nacional de Justiça fez através da Resolução n°. 125/10 e, sem dúvida, prestigiou a inteligência que este desenvolveu ao longo dos anos de procurar regular e incentivar a utilização das soluções de consenso nos processos judiciais.
1.2.5 Lei da Mediação- Lei n. 13.140 de 2015
A Lei n°. 13.140 de 2015, disciplina a mediação entre particulares e os meios auto compositivos de conflitos no âmbito da administração pública. Ao fazer isso, o Brasil deixa de ter apenas a cultura da judicialização e passa a ter, através da mediação, a possibilidade de resolver conflitos fora do Poder Judiciário.
De acordo com o parágrafo único do artigo 1° da referida lei, a mediação consiste em “atividade técnica exercida por terceiro imparcial sem poder decisório, que, escolhido ou aceito pelas partes, as auxilia e estimula a identificar ou desenvolver soluções consensuais para a controvérsia” (BRASIL, 2015).
Pode se dizer, que a lei trouxe outra dimensão ao conferir legitimidade ao instituto da mediação, vindo a se juntar a outros dois diplomas legais, tais como, a Resolução n°. 125/10, de onde erigiu a mediação como uma política pública nacional e, o NCPC, que entrou em vigor quase simultaneamente com a Lei de Mediação, conferindo autorização geral para que o Estado e o particular adotem mediações judiciais e extrajudiciais, constituindo juntos o atual sistema jurídico brasileiro sobre resolução consensual de conflitos.
Importante frisar que a lei n°. 13.140/15 não tratou somente da mediação, ela trouxe mecanismos de autocomposição, e um deles é a mediação, tudo para consolidar uma redefiniçao do Estado.
1.3 A crise no Poder Judiciário brasileiro
Apesar das inegáveis inovações trazidas no processo e no sistema de justiça é público e notório que este padece de uma crescente perda de funcionalidade. Ampliou o acesso à justiça, ampliou o número de magistrados, a autonomia do Poder Judiciário e orçamentos dos tribunais, entretanto, estamos longe de alcançar um equilíbrio entre a qualidade e quantidade, entre celeridade, efetividade da jurisdição e segurança jurídica.
Conforme os dados do relatório Justiça em Números, levantado pelo Conselho Nacional de Justiça, relativos ao ano de 2018, muito embora os tribunais venham demonstrando um índice de atendimento à demanda na ordem 113,7%, em um universo de 450.175 pessoas em sua força de trabalho, sendo 18.141 magistrados (4%), 272.138 servidores (60,5%), 73.926 terceirizados (16,4%), 64.609 estagiários (14,4%) e 21.361, conciliadores, juízes leigos e voluntários (4,75%), o Poder Judiciário finalizou o ano de 2018 com um surpreendente congestionamento no volume de processos na ordem de 78,7 milhões de processos em tramitação, dentre os quais 14,1 milhões estavam suspensos, sobrestados ou em arquivo provisório, aguardando alguma solução definitiva (CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA, 2019).
A propósito, Santos (1986), no trabalho, “Introdução a Sociologia da Administração da Justiça”, já mencionava essa incapacidade do Estado de dar cumprimento aos compromissos insculpido no modelo de Estado do bem-estar social, o que veio a chamar de “crise da administração da justiça”.
Diante desse quadro, percebe-se claramente, a necessidade de aparelhar o Poder Judiciário com mecanismos ou meios capazes de alcançar os reclames sociais, o que requer a reinvenção da própria atividade do judiciário.
2 A BUSCA DE MEIOS ADEQUADOS NA RESOLUÇÃO DOS CONFLITOS
O sistema judicial que hoje está estruturado se encontra defasado e obsoleto frente aos reclames sociais, além do mais, não tem se configurado uma alternativa solucionadora dos conflitos, já que os estes são funcionalizados pelo judiciário e não tratados, o que é, em tese o desejado como escopo magno do Estado, pacificação e eliminação dos conflitos.
De maneira peculiar, tem razão os autores Cappelletti e Garth, quando pesquisando sobre os obstáculos que estreitam as vias de acesso à justiça, destacaram a importância de se reconhecer que a judicialização não é a única forma de solução de conflitos a ser considerada, assim advertem tais autores:
O enfoque sobre o acesso, o modo pelo qual os direitos se tornam efetivos, também caracterizam recentemente o estudo do moderno processo civil. Os juristas precisam, agora, reconhecer que as técnicas processuais servem a funções sociais; que as cortes não são a única forma de solução de conflitos a ser considerada e que qualquer regulamentação processual, inclusive a criação ou o encorajamento de alternativas ao sistema judiciário formal, tem um efeito importante sobre a forma como opera a lei substantiva – com que frequência ela é executada, em benefício de quem e com que impacto social (CAPPELLETTI; GARTH, 1988, p. 13).
Em tal sentido cita-se o processualista Dinamarco, que trata do assunto em alusão, como se vê a seguir:
Uma vez que o processo tem por escopo magno a pacificação com justiça, é indispensável que todo ele se estruture e seja praticado segundo essas regras voltadas a fazer dele um canal de condução à ordem jurídica justa.(...).O que recebe destaque, agora, é a necessidade de incrementar o sistema processual, com instrumentos novos e novas técnicas para o manuseio dos velhos, com adaptação das mentalidades dos profissionais à consciência do emprego do processo como instrumento que faça justiça às partes e que seja aberto ao maior número possível de pessoas (DINAMARCO, 2001, p. 306).
Bacellar (2012, p. 56), traz a lume sua preocupação com a realidade existente e engaja-se nesse movimento moderno, “deslocando a preocupação do acesso à justiça para a saída da justiça de maneira adequada, não qualquer forma de extinguir processos (matar processos) – sem resolução do conflito”. O autor ao examinar o notável trabalho de Mauro Cappelletti e Bryant Garth, que propiciou tanto um diagnóstico do panorama existente sobre o acesso, como das possibilidades de superação dos obstáculos observados por meio das denominadas “ondas renovatórias de acesso à justiça”, coloca na agenda mais uma proposta de onda renovatória, com ações calcadas em dois enfoques: a primeira, de saída da justiça em relação aos conflitos judicializados; por sua vez, a segunda tem intuito de oferta de métodos ou meios adequados à resolução de conflitos, como se ver a seguir:
A quinta onda de saída da justiça tem como desafio inicial o de eliminar o estoque de casos antigos e como desafio permanente o de ampliar e manter um leque de opções colocadas à disposição do cidadão para solucionar seus conflitos na forma alternativa adequada (sistema de múltiplas portas – ou multiportas (BACELLAR, 2012, p. 28).
Relativamente ao segundo componente dessa quinta onda, vem sendo ampliado a percepção de que o processo sozinho, jamais será instrumento suficiente para enfrentar o problema social presente em qualquer conflito, a justificativa da proposta remete a um sistema símile àquele conhecido pelos nortes americanos como “multiportas”, cujo o intuito é a ampla oferta de meios, métodos, formas e mecanismos instrumentos para oferecer ao cidadão as melhores alternativas para solução e acomodação dos seus conflitos, podendo o cidadão exercer a sua autonomia e sua escolha.
Aprofundando o estudo do centro de multiportas, vale transcrever o ensino Ziemann e Alves:
No sistema múltiplas portas, a meta principal é a de oferecer tratamento ás particularidades do litígio de maneira efetiva, célere e com baixo custo. Seu procedimento requer, preliminarmente, uma avaliação, realizada por profissional capacitado, que identificara qual o instrumento de tratamento ou resolução de demandas (ou portas) será mais adequado. Seu plano, constata-se essencial a valorização de experiências e estratégias que fomentam a aproximação entre a justiça e a cidadania. (ZIEMANN; ALVES, 2014, p. 245)
Uma tarefa que exige a busca de novas alternativas e caminhos mais eficazes nas soluções, quanto mais opções forem disponibilizadas ao jurisdicionado, maior a chance de alcançar uma resposta útil e eficiente para impasse vivenciado, afinal, “se o que importa é pacificar, toma-se irrelevante que a pacificação venha por obra do Estado ou por outros meios, desde que eficientes” (CINTRA; GRINOVER; DINAMARCO, 2017, p. 31).
Conquanto, esta não é uma tarefa simples, constituindo-se um desafio extremamente complexo, pois a tendência é que os conflitos sejam sempre dirimidos perante o poder judicial pelo método adversarial, com fórmulas processuais tradicionais e uniformizadas.
3 NOVA CONSCIÊNCIA JURÍDICA POR MEIO DA CONSTELAÇÃO FAMILIAR
Claro está, portanto, que o processo sozinho jamais será suficiente para alcançar todas as questões litigiosas que batem à sua porta, devendo o judiciário buscar outras formas de atuação, outros rumos afim de assegurar a ordem jurídica justa. Assim, dada a sua importância e eficácia no trato dos conflitos é que se revela as Constelações Familiares no âmbito do judiciário, cuja a teoria e aplicação serão brevemente expostas a seguir.
3.1 Primeiros caminhares de Bert Hellinger
Antes de adentrar na abordagem conceitual das Constelações Familiares, verifica-se oportuno trazer a lume a breve trajetória de vida do autor que teorizou os seus conhecimentos, amplamente difundidos no mundo e aplicados em diversas áreas profissionais.
Anton "Suitbert" Hellinger, conhecido como Bert Hellinger, durante a sua trajetória, permeou uma diversidade de saberes na teologia, filosofia, pedagogia, além de desenvolver e aprimorar a abordagem de psicoterapia sistêmica. Nasceu na Alemanha em 1925, no intervalo entre as duas guerras mundiais e do Nazismo, foi recrutado para a guerra e logo capturado e confinado em um campo de prisioneiros na Bélgica. Após esse evento retornou para Berlim e trabalhou como membro em uma Ordem Missionaria Católica, sendo enviado mais tarde para a África do Sul, onde dirigiu uma escola e teve contato com as Tribos Zulus, experiência significativa que impactou profundamente nas suas teorias e métodos terapêuticos (HELLINGER; HOVEL, 2006).
Bert Hellinger (2005), em sua obra “A fonte não precisa perguntar pelo caminho”, esclarece o caminho que o levou ampliar seu método de trabalho para outros sistemas, percorrendo uma longa jornada em diversos modelos de terapia como, dinâmica de grupo, a psicanálise, da terapia primária, da análise transacional, analise do Script, hipnoterapia segundo Milton Erickson e a programação neurolingüística (PNL), que somados influenciaram profundamente para desenvolvimento e sistematização da sua própria filosofia que passou a denominar de Constelação Familiar, que sem dúvida introduziu aspectos essencialmente novos na terapia sistêmica e familiar.
O psicoterapeuta alemão morreu em 19 de setembro de 2019, aos 93 anos de idade, com sua generosidade e amorosidade compartilhou com a humanidade a sua filosofia deixando como legado uma nova forma de enxergar os relacionamentos humanos, ultrapassando em muito as fronteiras da psicologia.
3.2 Visão sistêmica e o método de Hellinger
Durante os seus trabalhos, Bert Hellinger institui uma visão sistêmica das relações humanas, olhando para o indivíduo não de forma isolada, mas buscando agregar todo o ceio familiar, bem como, os efeitos desse envolvimento no estilo de vida de cada indivíduo. Na medida em que este passou a olhar o grupo familiar como sistema, começou, então, a refletir sobre as forças que atuam nos destinos de outros membros da família e do grupo familiar, e após detalhadas observações constatou que as pessoas agem pela sua consciência, mas também, em um nível oculto, agem de forma inconsciente honrando os seus antepassados, “uma instância oculta, que Bert Hellinger chama de “consciência familiar” (HAUSNER, 2010, p. 14).
Hellinger (2007), defende que dentro desse sistema existe uma necessidade de vinculo e de compensação, ordens básicas nos relacionamentos humanos que se repetem em todas as famílias e que foram chamadas por ele de “Ordens do Amor”, que se baseiam em três princípios: Pertencimento (todos o que integram ao sistema tem direito de pertencer); Hierarquia (aquele que vem primeiro no sistema tem precedência sobre os outros) e Equilíbrio (entre Dar e Receber). Quando alguma delas é violada, surgem desequilíbrios e muitas vezes ocasionam os conflitos. Para Hellinger as desordens perpetuadas no sistema acarretam os emaranhamentos sistêmico:
Emaranhamento significa que alguém na família retoma e revive inconscientemente o destino de um familiar que viveu antes dele existe uma consciência de grupo que influencia todos os membros do sistema familiar. Se qualquer um desses membros do grupo foi tratado injustamente, existirá nesse grupo uma necessidade irresistível de compensação. Isso significa que a injustiça que foi cometida em gerações anteriores será representada e sofrida posteriormente por alguém da família para que a ordem seja restaurada no grupo. É uma espécie de compulsão sistêmica de repetição. Obviamente, isso tem a ver com a ordem básica dos sistemas familiares (HELLINGER; HOVEL, 2010 p. 8).
Segundo Silva (2019) para Hellinger, as ações realizadas em consonância com essas leis favorecem que a vida flua de modo equilibrado e harmônico e quando transgredidas ocasionam perdas da vitalidade, da realização, dos bons relacionamentos, com decorrente fracasso. Nessa linha de pensamento, Bert Hellinger esclarece que:
Estas são as leis naturais ocultas que modelam e regem o comportamento dos sistemas das relações humanas. Elas constituem, em parte, as forças naturais da biologia e da evolução; a dinâmica geral de sistemas complexos que se manifestam em nossa intimidade; e as forças da Simetria Oculta do Amor que operam no interior da alma (HELLINGER; WEBER; BEAUMONT, 2006, p. 29).
A compreensão desses três princípios conduziu Bert Hellinger a conceber a técnica da constelação, “o método ideal para mostrar os efeitos transgeracionais dessa consciência coletiva oculta é a Constelação Familiar” (HAUSNER, 2010, p. 15). Adhara Campos Vieira (2019, p. 62) em sua obra “Constelação Sistêmica no Judiciário”, explica o motivo do uso do termo constelação. Segundo a autora o termo Constelação Familiar, vem da palavra alemã “Familienaufstellung”, que significa colocar a família na posição ou uma nova mirada.
Busca- se, portanto, a partir das constelações, compreender o que está fora do lugar que gerou algum conflito, conforme o próprio Bert, as Constelações “ajudam-nos a identificar as forças inconscientes que atuam no sistema e a encontrar uma solução” (HELLINGER; WEBER; BEAUMONT, 2006, p. 162).
Silva (2019), reitera que a Constelação Familiar é uma técnica de representação espacial das relações familiares, que tem por escopo identificar bloqueios emocionais de gerações anteriores ou membros da família, capaz de identificar pontos de tensão psicológica ou emocional que conduzem comportamentos humanos. O mesmo autor destaca ainda, que este método é uma ciência sistémica e fenomenológica pois, parte percepção ampliada das relações. Ao explicar os caminhos que levam ao conhecimento Hellinger explica que a fenomenologia significa:
Quando nos detemos durante o esforço exploratório e dirigimos o olhar, não mais para um determinado objeto apreensível, mas para um todo. Assim, o olhar se dispõe a receber simultaneamente a diversidade com que se defronta. Quando nos deixamos levar por esse movimento diante de uma paisagem, por exemplo, de uma tarefa ou de um problema, notamos como nosso olhar fica simultaneamente pleno e vazio. Pois só quando prescindimos das particularidades é que conseguimos expor-nos à plenitude e suportá-la. Assim, detemo-nos em nosso movimento exploratório e recuamos um pouco, até atingir aquele vazio que pode fazer face à plenitude e à diversidade. Esse movimento, que inicialmente se detém e depois se retrai, eu chamo de fenomenológico (HELLINGER, 2007, p. 10).
Noutras palavras, Bert nos ensina a ter um olhar muito mais ampliado para percebermos realmente o conflito em toda a sua dimensão, não só o aspecto visível do conflito, mas também o aspecto invisível, ou seja, para todos os outros fatores que inicialmente parecem imperceptíveis, dessa forma ampliando as possibilidades para construção da cultura de paz.
O direito por si só não nos permite enxergar esses aspectos invisíveis do conflito, que são tão importantes para que este possa efetivamente ser transformador, então, o grande diferencial desse método está justamente em permitir que as pessoas tenham mais amadurecimento para tomar novas decisões em suas vidas, para que elas ampliem seu poder de ação e possam efetivamente se conectar umas às outras.
3.3 Aplicação da Constelação Familiar no judiciário
No Brasil, a Constelação Familiar no âmbito jurídico, vem sendo utilizada como reforço antes das tentativas de conciliação e mediação. Teve início através do juiz Sami Storch, titular da comarca de Castro Alves, interior da Bahia, ao experienciar mais de 90% de sucesso de resolução de conflitos na fase conciliatória dos processos, onde a Constelação Sistêmica foi utilizada, dando origem ao que ele veio chamar de “Direito Sistêmico. (MESSIAS, 2018).
Nesse passo, o Direito Sistêmico surge de uma releitura do conflito a partir da compreensão do pensamento sistêmico de Bert Hellinger, que possibilita não só o operador do direito, mas também, as partes do processo um alcance além do aparente. O magistrado falou um pouco sobre a introdução da Hellinger Science no Direito brasileiro:
Ainda não sabemos o alcance que essa nova abordagem pode ter no âmbito da Justiça, mas, com base nos resultados, já observados a partir das primeiras experiências, vemos que pode ser uma contribuição para a ciência da resolução de conflitos e da pacificação das relações, com potencial para aperfeiçoar o trabalho dos profissionais que se dedicam a tal missão – e também facilitar a solução rápida de questões que atualmente, em grande parte, ainda dependem de processos judiciais longos e desgastantes para todos (STORCH, 2019).
Conforme apontado pela servidora Adhara Campos Vieira, idealizadora do projeto Constelar e Conciliar, o emprego da técnica da Constelação Sistêmica é um importante instrumento para ampliar a cidadania e o direito constitucional de acesso à justiça, “a proposta é que os processos que hoje acumulam-se em estantes virtuais e abarrotam os Tribunais, possam ser vistos, por um olhar, não só do juiz, mas principalmente das partes” (VIEIRA, 2019, p. 241). Ressaltando que:
Esta proposta parte do mesmo referencial da teoria crítica do direito, ao utilizar potenciais sociais criativos para resolução de disputas e participação social. A ideia é produzir conhecimento jurídico acadêmico, instalar uma nova política pública, uma nova forma terapêutica de mediar conflitos de interesses familiares e sociais, abrindo caminho para uma vida diária que busca a justiça além da lei, e não só a partir dessa (VIEIRA, 2019, p. 241).
Ainda não existe uma legislação especifica tratando do tema, no entanto o método ganha respaldo na Resolução n°.125/10 do CNJ, que recomenda mecanismos de soluções de controvérsias dentro do sistema judicial, encontrando, também, amparo no novo Código de Processo Civil, que reforça a adoção de medidas que possibilitam obter uma solução pacífica para os conflitos.
Frisa-se que apesar de não possuir dados nacionais sobre o uso dessa terapia e seus impactos, verifica-se um significante movimento em prol da utilização das teorias sistêmicas de Bert Hellinger, como ferramenta nos processos judiciais, para atingir a autocomposição dos conflitos. À propósito, vale observar o relatório de mapeamento dos projetos e das ações de Justiça Restaurativa, publicado pelo Conselho Nacional de Justiça durante os meses de fevereiro a abril de 2019, no âmbito da justiça Comum, limitando se a 27 Tribunais de Justiça e cinco Tribunais Regionais Federais, que na tentativa de mensurar o grau de desenvolvimento dos programas, evidenciou que 13,6% dos programas de práticas restaurativas utilizam como procedimento a Constelação (CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA, 2019).
Os seguintes precedentes jurisprudências já tem apontado a técnica das Constelações Familiares para maximizar a possibilidade de se obter resoluções mais adequadas aos conflitos que demonstrem intensa complexidade:
AÇÃO DE GUARDA E RESPONSABILIDADE. COLOCAÇÃO EM FAMÍLIA SUBSTITUTA. IMPOSSIBILIDADE. AUSÊNCIA DE SITUAÇÃO DE RISCO. DEVOLUÇÃO À FAMÍLIA NATURAL. RECURSO PROVIDO. Esse detalhe é importante para compreensão da noção de pertencimento fenômeno, que indica que a existência de Bryan na presença da família natural é algo importante não só para ele, mas, igualmente para os seus irmãos, já que todos compõem o sistema familiar. A este título, mister referir à técnica da Constelação Familiar já adotada com sucesso pelo Poder Judiciário brasileiro: Diz ela: Pertencer é antes de tudo um sentimento natural, uma necessidade de qualquer ser humano. Cada pessoa nasce ou é vinculada a um sistema, necessita ser reconhecida como membro integrante e respeitada no seu lugar e papel dentro deste mesmo sistema. No sistema familiar os membros são únicos e todos têm direito de pertencer. Isto equivale dizer que ninguém pode ser excluído, não importando suas características dificuldades ou virtudes pessoais. Todos são importantes. Quando ocorre uma exclusão no sistema familiar acontece um desequilíbrio” (http://fgmaster.com.br/leis-sistemicas-2opertencimento/) Tribunal de Justiça de Goiás. (5.Turma). Apelação 2168121820168090012. Recorrente: E.A.S.A. e Outros. Recorrido: A.M.S.A. Relator: Min. Fábio Cristóvão de Campos Faria, 26 de março de 2019.
PROCESSO CIVIL. AÇÃO DE GUARDA. LIMINAR. REQUISITOS. PRESENÇA. CONFIRMAÇÃO. ESTANDO PRESENTES OS REQUISITOS PARA A CONCESSÃO DA LIMINAR EM SEDE DE AÇÃO DE GUARDA, DEVE SER CONFIRMADA, ESPECIALMENTE QUANDO PROLATADA DENTRO DOS PARÂMETROS DA RAZOABILIDADE. Diante do fato notado, verificamos que a inclusão das partes no Projeto Reordenando o Caminho - Constelar e Mediar (Constelação Familiar Sistêmica), com próximo encontro marcado para 23 de novembro poderá trazer benefícios a todos. Neste momento, poderão refletir sobre os papéis maternos e paternos e dinâmica familiar, aspectos transgeracionais, convivência com os filhos e parentalidade. Recurso provido. Recorrente: J.G.S. Recorrido: Antônio Paulo Selhorst dos Santos. Relator: Min. Rowilson Teixeira, 30 de abril de 2019.
É de se perceber que aos poucos a ideia de Justiça sistêmica está se instalando no Poder Judiciário, e por sua vez, abre mais uma importante porta para aqueles que anseiam justiça, permitindo novas possibilidades de soluções dos conflitos a partir da compreensão filosófica hegeliana de Bert Hellinger.
Assim, na busca de promover a otimização das resoluções de conflitos no Brasil e consequentemente as garantias constitucionais de acesso à justiça concluiu-se, através da aludida análise, que o direito fundamental ao acesso à justiça não pode ser interpretado no sentido de permitir que o judiciário se transforme em um serviço de atendimento ao consumidor, destinado a resolver uma miríade de conflitos, que deveriam encontrar, se não uma solução definitiva, ao menos um primeiro encaminhamento com a utilização dos métodos adequados de resolução de conflitos.
Também se tornou perceptível que a ideia de que o jurisdicionado, quando busca o Poder Judiciário, o faz no desejo de receber a solução de um terceiro para suas questões, vem sendo alterada para uma visão de um Estado que orienta as partes a resolverem, da forma mais consensual e amigável possível, seus próprios conflitos e, só em casos excepcionais, como último recurso, se decidirá no lugar das partes.
Nessa esteira, acredita-se que os Métodos Adequados de Solução de Conflitos, em especial a Constelação Familiar ora analisada, propõem novas formas de se pensar o direito, com um olhar mais humano e sensível na real compreensão dos conflitos, auxiliando não apenas os operadores do direito a dirimir os conflitos, mas também resgatando a dignidade e a autonomia de vontade das partes, empoderando as para que elas mesmas sejam gestoras e protagonizem a cultura da paz. Assim sendo, com vista a continuidade e ampliação da técnica no âmbito do Poder Judiciário, é notória a necessidade de normatização da prática de modo a trazer maior segurança jurídica.
REFERÊNCIAS
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Estudante do curso Bacharelado em Direito pelo Centro Universitário Santo Agostinho- UNIFSA
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SANTANA, MARIA VANDERLANIA FERREIRA DE. A sistemática das constelações familiares na concretização do acesso à justiça Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 16 dez 2019, 04:22. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/53990/a-sistemtica-das-constelaes-familiares-na-concretizao-do-acesso-justia. Acesso em: 22 nov 2024.
Por: JAQUELINA LEITE DA SILVA MITRE
Por: Elisa Maria Ferreira da Silva
Por: Hannah Sayuri Kamogari Baldan
Por: Arlan Marcos Lima Sousa
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