RESUMO: O presente artigo tem por designo analisar os fundamentos técnicos, jurídicos e controversos acerca da tributação do imposto de circulação de mercadoria e serviços incidente nas tarifas de transmissão e distribuição da energia elétrica no Brasil. Partindo desse prelúdio, de acordo com a metodologia utilizada do tipo pesquisa descritiva, bibliográfica desempenhado em doutrinas e jurisprudências mais recentes, ficou corroborado ao enfático permissivo da pesquisa, que a vertente demanda de ajuizamento de ações impugnadas utilizando o fundamento legal do ente estatal para a o delineamento da cobrança do imposto ICMS é bastante utilizado. Dessa forma, conforme a realização da pesquisa ficou norteada que esta temática de fundamento para o reconhecimento do termo jurídico da mercadora energia elétrica, pressupõe em sua indivisibilidade e assim a tributação em todas suas fases de produção até o consumidor final.
Palavras-chave: direito tributário, icms, energia elétrica.
ABSTRACT: The purpose of this article is to analyze the technical, legal and controversial foundations about the taxation of the circulation tax of goods and services on transmission and distribution tariffs of electric power in Brazil. From this prelude, according to the descriptive, bibliographic research methodology used in more recent doctrines and jurisprudences, it was corroborated to the emphatic permissive of the research, that the current demand for filing contested actions using the legal basis of the state entity for the ICMS tax collection is widely used. Thus, as the research was conducted, it was guided that this fundamental theme for the recognition of the legal term of the electric energy merchant, presupposes its indivisibility and thus taxation in all its production phases until the final consumer.
Keywords: tax law, icms, electricity.
Sumário: 1 Introdução. 2 Da Cobrança de Energia Elétrica no Brasil. 3 Definição Jurídica de Energia. 4 Síntese Técnica de Energia Elétrica. 5 Da cobrança de ICMS. 6 Sujeito Passivo do ICMS. 7 Fato Gerador nos termos da Lei Complementar 87/1996. 8 Análise Processual e Jurisprudencial. 9 Conclusão. 10 Referências.
1 INTRODUÇÃO
A conta de energia elétrica é um problema atemporal nas finanças dos brasileiros. Independentemente da Companhia de energia, o recebimento da conta referente a esse gasto acompanha uma sensação de que o consumidor estar sendo lesado, como também a insatisfação em relação à frequente incidência de reajustes. Contudo, é cabível a discussão de que existem abusos na conta de energia e são diversos os posicionamentos na justiça em relação a esse tema.
O que pertence à ignorância pública é que a reversão dessa situação é possível, principalmente por ocorrer uma cobrança sem qualquer previsão legal ou constitucional, as tarifas TUSD e TUST, que são cobradas no preço final da conta do contribuinte, quais sejam: Tarifa de uso do sistema de transmissão de energia elétrica (TUST) e Tarifa de uso do sistema de distribuição de energia elétrica (TUSD); ambas embutidas na fatura de energia elétrica.
Com base nas doutrinas utilizadas bem como o estudo de jurisprudências, ficou claro o entendimento de que estas tarifas não são referentes aos serviços de fornecimento de energia elétrica, sendo uma forma abusiva de cobrar mais do consumidor, ora contribuinte de imposto, em virtude de uma imposição arbitrária destas tarifas na fatura em consonância com uma hipossuficiência técnica do cidadão brasileiro, que pode ser saneada a princípio por uma assessoria jurídica.
A cobrança de ICMS sobre energia elétrica encontra-se no artigo 155, inciso II, da Constituição Federal, e foi considerada mercadoria para fins de incidência do ICMS pela Constituição Federal e, nos termos da Lei Complementar nº 87/96, a incidência ocorre na efetiva transferência de sua titularidade com a respectiva entrega definitiva ao seu destinatário.
O Superior Tribunal de Justiça já teve a oportunidade de analisar o tema em algumas ocasiões e determinou ser ilegal a inclusão da TUST e da TUSD na base de cálculo do ICMS. Como principal fundamento dessas decisões do STJ é justamente o de que não existe previsão legal e constitucional para cobrança do ICMS neste serviço de transporte de energia.
Consoante ao entendimento do STJ, o Ministério Público já apresentou parecer no sentido de que o ICMS não compõe a base de cálculo da Taxa de Uso do Sistema de Transmissão de Energia Elétrica e a Taxa de Uso do Sistema de Distribuição de Energia Elétrica.
A partir deste estudo, percebeu-se a viabilidade da divisão de etapas do fornecimento de energia para fins de incidência do ICMS, pois conforme se mostra: há uma incidência de tarifas em cada etapa, que pode ser delineada para o fim de uma tributação diversa da outra.
Importante destacar que o fornecimento de energia elétrica inclui custos de geração, transmissão e distribuição, entretanto quando ocorrem às etapas de transmissão e distribuição ainda não foi efetuada a transferência de titularidade, ou seja: não ocorreu o fato gerador. Transferência esta indispensável para a incidência do ICMS, constituindo-se como atividade meio, que não poderá ensejar o que a obrigação recaia sobre o contribuinte, em virtude de estar o mesmo adimplido além da energia efetivamente consumida, o que enseja um pagamento em excesso.
Embora as taxas de distribuição e transmissão formem o conjunto de elementos essenciais, é possível o fracionamento das etapas que percorre a energia elétrica até chegar ao consumidor e o fato gerador do ICMS apenas ocorre no momento da transmissão de propriedade de mercadoria, comprova-se assim a controvérsia acerca da incidência das tarifas TUST/TUSD na base de cálculo do ICMS, que pode ser objeto de ação judicial.
Diante do exposto, indaga-se por qual seja o amparo legal que o Estado fundamenta a base de cálculo referente à cobrança de ICMS sobre as tarifas de transmissão e distribuição da energia elétrica diante do suntuoso ingresso judicial que se discute o supracitado mérito.
Em assim sendo, a presente pesquisa analisou a legalidade das ações judiciais que buscam uma reparação econômica a partir da redução destas taxas na base de cálculo do ICMS, através de um estudo técnico e jurídico de cada pressuposto.
2 DA COBRANÇA DA ENERGIA ELÉTRICA NO BRASIL
A energia elétrica é considerada mercadoria para fins de incidência do ICMS pela Constituição Federal, e nos termos da Lei Complementar nº 87/96, a incidência ocorre na efetiva transferência de sua titularidade com a respectiva entrega definitiva ao seu destinatário. Contudo, os negócios alheios e o custo relativo ao fornecimento da energia elétrica não podem compor a base de cálculo do tributo porque não integram o conceito de mercadoria nem lhe podem ser equiparados.
A transmissão e distribuição da energia são etapas na cadeia de fornecimento da mercadoria que é a energia elétrica em si. Mesmo que se entenda que são serviços acessórios e essenciais ao fornecimento de mercadoria, não se trata de serviço caracterizador do fato gerador do imposto estadual por absoluta falta de previsão legal.
Cumpre salientar que o fornecimento de energia elétrica se sujeita á incidência de um imposto estadual, denominado imposto sobre operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual, municipal e de comunicação (ICMS).
Entretanto, o que os entes estatais têm feito é uma cobrança de ICMS sobre a Tarifa de Uso do Sistema de Transmissão (TUST) e Tarifa do Uso do Sistema de Distribuição (TUSD), que se referem ao uso da rede básica de energia elétrica. (GOMES, 2017).
3 DEFINIÇÃO JURÍDICA DE ENERGIA
Conforme a interpretação do texto de Carta Magna e da Lei Complementar 87 de 1996, refletida literalmente na legislação tributária do ICMS em cada Estado, a energia elétrica é considerada uma mercadoria. Nesse sentido, é possível observar:
“Art. 2º O imposto incide sobre:
§ 1º O imposto incide também:
(...)
III – sobre a entrada, no território do Estado destinatário, de petróleo, inclusive lubrificante e combustíveis líquidos e gasosos dele derivados, e de energia elétrica (...)”.
Importante informar que o direito considera a energia elétrica como bem móvel, conforme previsto no artigo 82, II, do Código Civil.
Desse modo, a partir da conclusão de que energia elétrica é considerada, para fins jurídicos uma mercadoria, passa-se a uma análise do procedimento realizado até que a mesma chegue à residência dos consumidores.
4 DA SÍNTESE TÉCNICA DE ENERGIA ELÉTRICA
Em conformidade com o entendimento da Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL, 2019), a rede básica de energia elétrica, é construída por subestações de transmissão e outros equipamentos que operam em tensões médias, altas e muito altas.
Após a produção de energia elétrica, essa se direciona para os municípios por meio de linhas e torres de transmissão de alta tensão. Essas mencionadas linhas e torres são visíveis nas estradas, que objetivam a condução de energia por longas distâncias.
No instante em que a energia elétrica chega às cidades, ocorre sua passagem por transformadores nas subestações, a fim de se reduzir a tensão, sendo este um procedimento técnico importante para sua posterior utilização pela rede de distribuição, esta, por sua vez, por meio de fios instalados nos postes, é responsável pelo transporte de energia até as ruas ou avenidas.
Momento anterior ao ingresso nas residências, à energia elétrica ainda se desloca pelos transformadores de distribuição que rebaixam a tensão para 127 ou 120 volts, adequando-se a sua utilização aos consumidores, ora contribuintes do tributo.
Diante disto, inconteste a viabilidade e a efetiva separação entre as fases do procedimento de fornecimento de energia elétrica, é o que se entende (BRASIL.GOV, 2014):
“Antes da privatização do setor, no início dos anos 2000, as empresas eram verticalizadas e não havia separação dos negócios da cadeia produtiva (geração, transmissão e distribuição). Hoje independentes, as distribuições são o elo entre o setor elétrico e a sociedade: essas instalações recebem das companhias de transmissão a maior parte do suprimento de energia elétrica destinado ao abastecimento do país”
É cristalino afirmar que o entendimento de que o fato gerador do ICMS só pode ocorrer na efetiva entrega de energia ao consumidor, de modo que exigir o ICMS sobre as tarifas que remuneram a transmissão e a distribuição da energia elétrica, é fazer incidir o tributo sobre o fato gerador não previsto nas legislações supracitadas.
Inobstante, se entende que tal abusividade tributária viola frontalmente o princípio constitucional da reserva legal prevista no art.150, inciso I, da Constituição Federal, segundo o qual é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios exigir ou aumentar tributos sem lei que o estabeleça.
Destaca-se também, que a base de cálculo do ICMS deverá constar apenas o preço da operação final, excluindo o custo de eventuais operações anteriores como a transmissão e distribuição da energia elétrica.
Portanto, torna-se indispensável atestar que houve Proposta de Emenda à Constituição e Projeto de Lei Complementar, PEC 285/2004 e PLC 352/2002, cujos textos não foram aprovados no âmbito legislativo, o que ratifica ainda mais o tema exposto da abusividade da cobrança de taxas ilegais na base de cálculo do ICMS na conta de energia elétrica.
Concomitante à infrutífera tentativa legislativa de legalizar tal abusividade tributária, o entendimento jurisprudencial que foi estudado acerca da matéria, entende pela ilegalidade da incidência do ICMS sobre TUST/TUSD, nos quais acórdãos sustentam a impossibilidade da incidência, tendo em vista que o fato gerador só se verifica quando a energia sai do estabelecimento fornecedor e é efetivamente consumada.
5 DA COBRANÇA DE ICMS
O ICMS, imposto estadual, que substituiu o antigo Imposto de Vendas e Consignações (IVC), foi instituído pela reforma tributária da Emenda Constitucional n. 18/65 e representa cerca de 80% da arrecadação dos Estados, o que representa a principal receita de tributação destes entes políticos. (BRASIL, 1966).
Conforme se preceitua o artigo 155 da Constituição Federal da República, a tributação do ICMS é de competência dos Estados e do Distrito Federal, que tem como principal fato gerador a circulação de mercadoria ou prestação de serviços interestadual ou intermunicipal de transporte e de comunicação. O conceito de circulação é entendido como uma alteração da titularidade jurídica do bem. Conforme define Sabbag (2017):
“a) Circulação: é a mudança de titularidade jurídica do bem (não é mera movimentação “física”, mas circulação jurídica do bem). O bem sai da titularidade de um sujeito e passa à titularidade definitiva de outro. Exemplo: na saída de bens para mostruário não se paga ICMS, pois não ocorre a circulação jurídica do bem, apenas a movimentação “física”, não havendo mudança de titularidade; o mesmo fato ocorre na mera movimentação física de bens entre matriz e filial”. (SABBAG, 2017, p.1224) .
Diante ao exposto, o autor traz a baila que o principal requisito para que se consuma a circulação deferida no imposto, é necessário que aconteça a mudança de titularidade jurídica do bem, não obstante, salutar informar que não basta apenas à transferência física, ratifica-se assim o entendimento majoritário da doutrina e dos tribunais, por conseguinte.
No mesmo sentido a Súmula n. 166 do Superior Tribunal de Justiça (STJ) que dispõe “não constitui fato gerador do ICMS o simples deslocamento da mercadoria de um para outro estabelecimento do mesmo contribuinte”, o que se assemelha com o entendimento doutrinário.
Ainda, acerca da cobrança do ICMS, dispõe (MACHADO, 2015, p.344): “é fonte de receita bastante expressiva para os Estados e para o Distrito Federal”. Desse modo, qualquer decisão que vise à redução no recolhimento do supracitado imposto afeta o ente estatal, que tende a demonstrar sua desconsideração em defesas desprovidas de constitucionalidade em processo.
6 SUJEITO PASSIVO DO ICMS
Consoante o texto constitucional em seu art. 155, a lei determina que competirá à lei complementar a definição dos contribuintes, que se definem pelo sujeito passivo da obrigação principal que tenha relação pessoal e direta com a situação que constitua o respectivo fato gerador. (BRASIL, 1988).
A partir da Lei Complementar n. 87/96, nos termos do art. 4º, o sujeito passivo do ICMS poderá ser: “a) pessoas que pratiquem operações relativas à circulação de mercadorias; b) importadores de bens de qualquer natureza; c) prestadores de serviços de transporte interestadual e intermunicipal; d) prestadores de serviços de comunicação” (BRASIL, 1996).
Entretanto, há a possibilidade de figurar no polo passivo da relação jurídica o responsável tributário, quando escolhido por lei para pagar o tributo, sem que tenha realizado o fato gerador. Forte a isto, a própria Constituição Federal, em seu art. 150 admite o fenômeno da responsabilidade indireta ao ICMS, no contexto da substituição tributária progressiva, que enseja na escolha de uma terceira pessoa para recolher o tributo antes da ocorrência do fato gerador, o que ocorre de forma exemplificativa na indústria automobilística. (BRASIL, 1988).
Com o intuito de esclarecer a ocorrência da substituição progressiva, analisou-se por meio desta pesquisa o exemplo antes exposto, onde o veículo ao sair da fábrica com destino à concessionária, o fato gerador ocorrerá em momento posterior, qual seja: a venda do veículo no estabelecimento comercial ao consumidor, porém o ICMS é recolhido antes da ocorrência do fato imponível, caracteriza-se assim a substituição “para frente”, pois o fato gerador só ocorrerá em momento futuro.
No momento da escolha desta terceira pessoa para recolher o tributo, há uma nítida antecipação do recolhimento perante um fato gerador presumido, e em se tratando de ICMS, existe também com até mais disparidade a ocorrência do fenômeno da substituição tributária regressiva, marcada pela ocorrência do fato gerador em um momento anterior ao pagamento do tributo, cuja sua efetivação fica postergada ou diferida, tem-se aqui o fenômeno do diferimento.
O diferimento é a postergação do recolhimento do tributo indireto para um instante futuro ao da ocorrência do fato gerador. Inserido assim no contexto da tributação do ICMS, portanto, há a efetiva extinção do crédito tributário pelo contribuinte, então sujeito passivo, de fato, e não pelo contribuinte de direito.
Nessa situação, surgem as figuras do contribuinte de fato e contribuinte de direito. Enquanto este se revela como mercador e, portanto, escolhido pela lei para o pagamento do ICMS, aquele não pode ser senão o contribuinte, quem efetivamente acaba por realizar a oneração do débito, pelo fato de que os valores a título deste imposto de competência estadual vêm sempre embutidos no preço da mercadoria ou do bem, no caso em tela: a fatura de conta de energia elétrica.
É imprescindível destacar que este fenômeno só é possível por existir a conveniência do sujeito ativo – Estado ou Distrito Federal – que vê no responsável tributário alguém com maior aptidão a efetuar o pagamento do tributo, embora não tenha realizado o fato gerador.
7 FATO GERADOR NOS TERMOS DA LEI COMPLEMENTAR 87/1996
A Lei Complementar 87/96 não define os fatos geradores do ICMS, no entanto no art. 2°, enumera os fatos em que o legislador estadual pode atuar tipificando as hipóteses de incidência, a saber:
Art. 2°. Operações relativas à circulação de mercadorias, inclusive o fornecimento de alimentação e bebidas em bares, restaurantes e estabelecimentos similares;
I • prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal, por qualquer via, de pessoas, bens, mercadorias ou valores;
II • prestações onerosas de serviços de comunicação, por qualquer meio, inclusive a geração, a emissão, a recepção, a transmissão, a retransmissão, a repetição e a ampliação de comunicação de qualquer natureza;
III • fornecimento de mercadorias com prestação de serviços não compreendidos na competência tributária dos Municípios;
IV - Fornecimento de mercadorias com prestação de serviços sujeitos ao imposto sobre serviços, de competência dos Municípios, quando a lei complementar aplicável expressamente o sujeitar à incidência do imposto estadual.
Com intuito de melhor compreensão, entende-se por mercadoria, os bens móveis que estão no mundo dos negócios com a finalidade comercial. Ou seja, é o bem móvel que serve de comércio. Sendo assim, as legislações estaduais, têm definido como um dos fatos geradores do ICMS a saída da mercadoria do estabelecimento comercial, copiando ipsis litteris o que diz o art. 12° da Lei Complementar 87/96.
Então, segundo a supracitada lei, o ICMS deve ter por hipótese de incidência a operação jurídica que, praticada por comerciante, produtor ou industrial, acarrete circulação de mercadoria, isto é, a transmissão de sua titularidade.
Convém destacar, dessa forma, o estabelecido no Enunciado da Súmula nº 166 do STJ diz que não constitui fato gerador do ICMS o simples deslocamento de mercadoria de um para o outro estabelecimento do mesmo contribuinte, em que:
“SÚMULA 166 - NÃO CONSTITUI FATO GERADOR DO ICMS O SIMPLES DESLOCAMENTO DE MERCADORIA DE UM PARA OUTRO ESTABELECIMENTO DO MESMO CONTRIBUINTE.” (BRASIL, 2010).
Isto posto, a saída física de certo bem não justifica a cobrança do ICMS. Para a incidência do imposto deve existir, portanto, uma operação que faça circular como mercadoria com fins mercantis ocorrendo a transferência de domínio.
Conclui-se, portanto, que a saída da mercadoria do estabelecimento comercial é que servirá como fato gerador do ICMS, só podendo ser exigido quando o comerciante, industrial ou produtor pratica um negócio jurídico que transfere a titularidade de uma mercadoria, pois o simples deslocamento de mercadorias entre estabelecimentos do mesmo contribuinte não constitui fato gerador.
Inobstante, com relação ao contribuinte do ICMS, a definição encontra-se no art. 4° da Lei Complementar nº 87/1996 que é qualquer pessoa física ou jurídica que realiza, com habitualidade operações de mercadorias ou prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que se iniciem no exterior. (BRASIL, 1996).
Pode-se afirmar que o sujeito passivo é o produtor da mercadoria, quando vende ou troca; o industrial quando modifica a natureza, o funcionamento, o acabamento, a apresentação ou a finalidade do produto ou o aperfeiçoa para o consumo ou finalmente o comerciante que destina a mercadoria à revenda ou à industrialização ou o seu próprio uso ou consumo.
Em síntese, o sujeito passivo das obrigações tributárias é o chamado contribuinte de direito, ou seja, aquele que realiza com habitualidade as operações em volume que caracterize intuito comercial para que os bens sejam considerados mercadoria.
Além disso, a carga fiscal pode também ser exigida de pessoa diversa da que praticou o negócio jurídico, é o caso do contribuinte de fato, que é quem suporta o encargo do tributo, principalmente dos impostos indiretos como é o caso do ICMS.
8 ANÁLISE PROCESSUAL E JURISPRUDENCIAL
Em contínua análise e considerando o previsto em súmulas e leis constitucionais e infraconstitucionais, é vertente o ingresso judicial de ações que impugnam se a base de cálculo do ICMS deverá constar apenas o preço da operação final, excluído o custo de eventuais operações anteriores com a produção e distribuição da energia elétrica.
Para Pires (2019) as ações propícias para a defesa desse direito são, essencialmente, a Ação de Repetição do Indébito ou Restituição de Débito, esta regularmente, e, caso haja necessidade e urgência do cliente, preenchendo-se os requisitos de uma liminar, é viável a impetração de Mandado de Segurança.
A competência para conhecimento da ação é analisada caso a caso, podendo, dependendo do estado e da comarca, ser fixada nos Juizados Especiais Fazendários ou nas Varas Cíveis. É mister esclarecer ainda que o Supremo Tribunal Federal afastou a repercussão geral, determinando a competência do Superior Tribunal de Justiça o posicionamento definitivo sobre o tema, porém a decisão que arremata definitivamente o debate está pendente de julgamento, o que sobrestou todos os processos em instâncias inferiores.
Logo, destacam-se no cenário jurídico, jurisprudências que analisaram teses a respeito da temática que vêm sendo discutida nas últimas décadas, sendo de especial relevância o entendimento apurado do Recurso Especial N. 1135984 - MG (2009/0073360), que dispõe sobre o mero deslocamento de mercadoria. Merece destaque o voto do relator Ministro Humberto Martins:
TRIBUTÁRIO. ICMS. DISTRIBUIÇÃO DE ENERGIA ELÉTRICA. "SERVIÇO DE TRANSPORTE DE MERCADORIA". INEXISTÊNCIA DE PREVISÃO LEGAL. CIRCULAÇÃO DE MERCADORIA NA TRANSMISSÃO DA ENERGIA ELÉTRICA. NÃO OCORRÊNCIA. SÚMULA 166/STJ - PRECEDENTES - SÚMULA 83/STJ. 1. Inexiste previsão legal para a incidência de ICMS sobre o serviço de "transporte de energia elétrica", denominado no Estado de Minas Gerais de TUST (Taxa de Uso do Sistema de Transmissão de Energia Elétrica) e TUSD (Taxa de Uso do Sistema de Distribuição de Energia Elétrica). 2. "Embora equiparadas às operações mercantis, as operações de consumo de energia elétrica têm suas peculiaridades, razão pela qual o fato gerador do ICMS ocorre apenas no momento em que a energia elétrica sai do estabelecimento do fornecedor, sendo efetivamente consumida. Não se cogita acerca de tributação das operações anteriores, quais sejam, as de produção e distribuição da energia, porquanto estas representam meios necessários à prestação desse serviço público." (AgRg no REsp 797.826/MT, Rel. Min. Luiz Fux, Primeira Turma, julgado em 3.5.2007, DJ 21.6.2007, p. 283). 3. O ICMS sobre energia elétrica tem como fato gerador a circulação da "mercadoria", e não do "serviço de transporte" de transmissão e distribuição de energia elétrica. Assim sendo, no "transporte de energia elétrica" incide a Súmula 166/STJ, que determina não constituir "fato gerador do ICMS o simples deslocamento de mercadoria de um para outro estabelecimento do mesmo contribuinte". Agravo regimental improvido. (STJ - AgRg no REsp: 1135984 MG 2009/0073360-1, Relator: Ministro HUMBERTO MARTINS, Data de Julgamento: 08/02/2011, T2 - SEGUNDA TURMA, Data de Publicação: DJe 04/03/2011). (JUSBRASIL, 2011).
Em síntese, o ínclito ministro e julgador analisa o caso concreto da impugnação da tributação do ICMS no estado de Minas Gerais, o qual chega à decisão de que o ICMS sobre a energia elétrica tem como fato gerador a circulação da energia elétrica como mercadoria e não o serviço de transporte, e que nos termos da Súmula 166 do STJ, resta incabível constituir fato gerador do ICMS.
Insta trazer à baila que a Primeira Turma do STJ assentou o posicionamento segundo o qual o ICMS deve incidir sobre o valor da energia elétrica efetivamente consumida:
TRIBUTÁRIO. ICMS. ENERGIA ELÉTRICA. CONTRATO DE DEMANDA RESERVADA DE POTÊNCIA. FATO GERADOR.
INCIDÊNCIA.
1 - O valor da operação, que é a base de cálculo lógica e típica no ICMS, como era no regime de ICM, terá de consistir, na hipótese de energia elétrica, no valor da operação de que decorrer a entrega do produto ao consumidor (Gilberto Ulhôa Canto).
2 - O ICMS deve incidir sobre o valor da energia elétrica efetivamente consumida, isto é, a que for entregue ao consumidor, a que tenha saído da linha de transmissão e entrado no estabelecimento da empresa.
3 - O ICMS não é imposto incidente sobre tráfico jurídico, não sendo cobrado, por não haver incidência, pelo fato de celebração de contratos.
4 - Não há hipótese de incidência do ICMS sobre o valor do contrato referente a garantir demanda reservada de potência.
5 - A só formalização desse tipo de contrato de compra ou fornecimento futuro de energia elétrica não caracteriza circulação de mercadoria.
6 - A garantia de potência e de demanda, no caso de energia elétrica, não é fato gerador do ICMS. Este só incide quando, concretamente, a energia for fornecida e utilizada, tomando-se por base de cálculo o valor pago em decorrência do consumo apurado.
7 - Recurso conhecido e provido por maioria.
8 - Voto vencido no sentido de que o ICMS deve incidir sobre o valor do contrato firmado que garantiu a "demanda reservada de potência", sem ser considerado o total consumido. (REsp 222.810/MG, Rel. Ministro MILTON LUIZ PEREIRA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 14/03/2000, DJ 15/05/2000). (JUSBRASIL, 2000).
Em caso análogo de temática em tributação, porém acerca de serviço de Internet que se discute o mérito congruente, assentou a Primeira Seção ao pacificar o tema:
[...] a provedoria via Internet é serviço de valor adicionado, pois 'acrescenta informações através das telecomunicações. A chamada comunicação eletrônica, entre computadores, somente ocorre através das chamadas linhas telefônicas de qualquer natureza, ou seja, a cabo ou via satélite. Sem a via telefônica impossível obter acesso à Internet. Cuida-se, pois, de um serviço adicionado às telecomunicações, como definiu o legislador. O provedor é usuário do serviço de telecomunicações. Assim o diz a lei.'
Conclui-se, portanto, que, nos termos do artigo 110 do Código Tributário Nacional, não podem os Estados ou o Distrito Federal alterar a definição, o conteúdo e o alcance do conceito de prestação de serviços de conexão à Internet, para, mediante Convênios Estaduais, tributá-la por meio do ICMS.
Como a prestação de serviços de conexão à Internet não cuida de prestação onerosa de serviços de comunicação ou de serviços de telecomunicação, mas de serviços de valor adicionado, em face dos princípios da legalidade e da tipicidade fechada, inerentes ao ramo do direito tributário, deve ser afastada a aplicação do ICMS pela inexistência na espécie do fato imponível. (EREsp 456.650/PR, Rel. Min. JOSÉ DELGADO, Rel. p/ acórdão Min. FRANCIULLI NETTO, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 11/05/2005, DJ 20/03/2006). (JUSBRASIL, 2006).
Apesar de controvérsia entre o entendimento da 1ª e da 2ª turma do Superior Tribunal de Justiça, a jurisprudência preponderante e habitual da corte é a de que o ICMS incide sobre todo o processo de fornecimento de energia elétrica, tendo em vista a indissociabilidade das suas fases de geração, transmissão e distribuição, sendo que o custo inerente a cada uma dessas etapas, assim como referente à taxa de uso do sistema de distribuição, compõe o preço final da operação e, consequentemente, a base de cálculo do imposto.
9 CONCLUSÃO
A presente pesquisa procurou analisar as Tarifas de Utilização do Sistema de Distribuição (TUSD) e as Tarifas de Utilização do Sistema de Transmissão (TUST), verificando se estas devem ou não ser consideradas como elementos que compõem a base de cálculo do ICMS da energia elétrica.
Após delinear resumidamente o funcionamento da rede elétrica e a questão das tarifas, de um modo geral, foi exposto que apesar do ICMS incidir apenas na circulação da mercadoria, as operações com esse produto detêm peculiaridades as quais acabam por repercutir na forma em que se configura a aludida exação. Isso porque, distante das operações convencionais mercantis, a trajetória da energia elétrica, desde sua produção até o respectivo consumo pelo usuário, passa por três fases, que, por serem distintas, segundo alguns entendimentos não necessariamente implicam a circulação da aludida "mercadoria".
No entanto, fica evidente, diante desse quadro, que a cobrança da TUSD/TUST na base de cálculo do ICMS deve compor sua base, visto que como a energia não pode ser estocada por ser considerada uma mercadoria intangível, a geração, a transmissão e a distribuição formam o conjunto dos elementos essenciais que compõem o aspecto material do fato gerador, integrando o preço total da operação mercantil.
É imprescindível que, diante dos argumentos expostos, tanto pela Fazenda Pública quanto da nova jurisprudência do STJ, da 1ª Turma, para que a mercadoria energia chegue até o consumidor final é necessário passar por todo o sistema elétrico, vem da geração, transmissão e distribuição, isso significa dizer que essas etapas não devem ser consideradas atividade meio, mas sim atividade inerente ao próprio fornecimento de energia elétrica, sendo, portanto indissociável.
Portanto, de acordo com a pesquisa realizada, conclui-se que o ICMS leva em conta todas as etapas anteriores que tornaram possível o consumo de energia elétrica, pois a geração, transmissão e distribuição são uma mera divisão de tarefas, entre os agentes, econômicos, responsáveis por cada uma dessas etapas para a concretização do negócio jurídico tributável pelo ICMS, ou seja, o fornecimento de energia elétrica ao consumidor final.
Embora seja esse o entendimento dos Estados, há uma oscilação jurisprudencial quanto ao tema, pois a jurisprudência sedimentada é baseada na legalidade da inclusão da TUSD na base de cálculo.
Logo, a base de cálculo da cobrança do ICMS na fatura de energia elétrica levará em conta todas as fases anteriores que tornaram possível o consumo de energia elétrica. Estas fases anteriores, entretanto, não são dotadas de autonomia apta a ensejar incidências isoladas, mas apenas uma, tendo por único sujeito passivo o consumidor final.
Tendo em vista os argumentos apresentados, entendeu-se que todo o custo despendido para a entrega da energia elétrica deveriam sim integrar a base do cálculo do ICMS, levando em conta tanto a Tarifa de Uso do Sistema de Transmissão quanto a Tarifa de Uso do Sistema de Distribuição, de forma que o imposto há de ser calculado sobre o preço praticado na operação final, pois afirmar que a energia seja produzida na empresa de distribuição seria desconsiderar todo o sistema elétrico existente, uma vez que as TUSD/TUST são elementos indissociáveis ao fornecimento de energia elétrica.
REFERÊNCIAS
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BRASIL. Lei Complementar n° 87/1996, de 13 de setembro de 1996. Dispõe sobre o imposto dos Estados e do Distrito Federal sobre operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/LCP/Lcp87.html>. Acesso em 10 de Agosto de 2019.
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JUSBRASIL. STJ - AgRg no REsp: 1135984 MG (2009/0073360-1), Relator: Ministro Humberto Martins, Data de Julgamento: 08/02/2011, T2 - SEGUNDA TURMA, Data de Publicação: DJe 04/03/2011. Disponível em: https://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/18448380/agravo-regimental-no-recurso-especial-agrg-no-resp-1135984-mg-2009-0073360-1 . Acesso em 23 de Outubro de 2019.
JUSBRASIL. STJ – Recurso Especial: 456.650/PR (2017/0013010-3). Relator: Ministro Franciulli Netto, Primeira Turma – Data do Julgamento: 11/05/2005. Data da publicação: 20/03/2016. Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/busca?q=RESP+456650+PR. Acesso em 23 de Outubro de 2019.
JUSBRASIL. STJ – Recurso Especial 222.810/MG. Relator Ministro Milton Luiz Ferreira, Primeira Turma – Data de julgamento: 14/03/2000, Data de publicação: 15/05/2000). Disponível em: https://ww2.stj.jus.br/docs_internet/revista/eletronica/stj-revista-sumulas-2013_36_capSumula391.pdf. Acesso em 23 de Outubro de 2019.
MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. 24 ed. São Paulo: Malheiros, 2015.
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SABBAG, Eduardo. Manual de direito tributário. São Paulo: Saraiva 2013.
Advogado no escritório Loiola Advocacia. Graduado do Curso Bacharelado em Direito no Centro Universitário Santo Agostinho – UNIFSA. Teresina-PI.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: OLIVEIRA, Abílio Diniz Guimarães. Controvérsia jurídica acerca da cobrança de ICMS nas tarifas TUST e TUDS na conta de energia elétrica Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 19 dez 2019, 04:47. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/54010/controvrsia-jurdica-acerca-da-cobrana-de-icms-nas-tarifas-tust-e-tuds-na-conta-de-energia-eltrica. Acesso em: 22 nov 2024.
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