RESUMO: A presente pesquisa dedica-se a realizar uma análise da judicialização do direito social e fundamental a saúde, associado à sua concretização de fato por meio de uma intervenção do poder judiciário. Isso se deve ao aumento visto nas demandas que objetivam o fornecimento de tratamentos por vezes não ofertados pelo Sistema Único de Saúde, bem como de medicamentos, o que, recentemente, foi tema de discussão do Supremo Tribunal Federal. Assim, com a intensificação do denominado fenômeno da judicialização do direito à saúde, com a expedição de diversas demandas em todo o país, cria-se uma certa insegurança não apenas quanto ao provimento das demandas, como também para o próprio Estado, haja vista o maior despendimento de verbas para o atendimento de um número reduzido de pessoas.
Palavras-chave: judicialização; saúde; direito social, poder judiciário.
ABSTRACT: This research is dedicated to perform an analysis of the judicialization of the social and fundamental right to health, associated with its realization through an intervention of the judiciary. This is due to the increase seen in demands aimed at providing treatments sometimes not offered by the Unified Health System, as well as medicines, which has recently been the subject of discussion by the Supreme Court. Thus, with the intensification of the so-called phenomenon of the judicialization of the right to health, with the dispatch of various demands throughout the country, it creates a certain insecurity not only regarding the provision of demands, but also for the State itself, given the greater expenditure of funds to serve a small number of people.
SUMÁRIO: 1. Introdução; 2. A garantia do direito à vida e à saúde no Brasil; 3. A judicialização da saúde e seus impactos no Direito; 4. A limitação na atuação do Poder Judiciário quanto ao direito à saúde; 5. A conciliação entre a atuação do Judiciário e aas políticas públicas ligadas à saúde; 6. Conclusão; 7. Bibliografia.
1.INTRODUÇÃO
Considerado como uma das garantias mais básicas do cidadão brasileiro, o direito à saúde é tratado pela Constituição Federal 1988 como um dever do Estado para com a população. Tal previsão vista dar garantia a outro direito de caráter fundamental, o direito à vida.
Porém, mesmo com essa previsão constitucional, o que se percebe atualmente é um sistema público de saúde defasado, que já não tem capacidade para atender as altas demandas da população, que, por vezes, acabando recorrendo para um socorro junto à saúde privada, esta, um privilégio para poucos,
A implementação de um atendimento abrangente e que esteja apto a atender toda a demanda atualmente vista tem como obstáculo a falta de investimento em uma estruturação capaz de suportar tal demanda, considerando a dificuldade que o Poder Público tem em aplicar, de forma correta, uma verba limitada para a garantia de um atendimento eficaz.
Como consequência dessa limitação de recursos do Estado e falta de uma garantia eficaz do direito à saúde é a busca, por meio do poder judiciário, da efetivação desse direito, gerando assim uma grande judicialização de uma questão que, em teoria, não deveria ocupar as mesas de juízes e tribunais.
Quando tal poder é acionado para dirimir questões desta seara, é notável a criação de um verdadeiro risco às políticas públicas a serem promovidas pelo Estado, além de decisões conflitantes a respeito da possibilidade de concessão, pela via judicial, de remédios e tratamentos que não estão sendo garantidos pelo sistema público.
Além disso, é certo que essa atuação do judiciário acaba por potencializar os gastos dos cofres públicos com casos específicos, criando apenas mais um obstáculo na efetivação do sistema público de qualidade. Outra questão que advém desse tema é a legitimidade da intervenção judicial nas políticas públicas, e até onde este pode interferir diretamente no modo como os recursos do Estado são despendidos.
Todavia, por outro lado, há ainda a consideração da possibilidade de se pleitear o provimento do direito à saúde pela via judicial conforme previsão da própria Constituição Federal, a qual estabelece meios para que seja invocada a proteção judicial quando da violação dos direitos sociais e a morosidade que afeta o sistema público de saúde do Brasil.
Logo, ante essa perspectiva, tem-se como necessária uma maior atuação do próprio Poder Público para o estabelecimento de mecanismos visando a concretização, bem como a proteção aos direitos fundamentais, como o direito à uma saúde de qualidade, de um modo mais eficiente, afastando o provimento desta garantia por meio de decisões judiciais, haja vista o comprometimento estabelecido pela Constituição Federal para com a implementação dos direitos sociais por parte do Estado.
Isso porque há, atualmente, uma complexidade na relação entre o Estado, e a sua atuação na prestação e efetivação de direitos fundamentais e sociais, e o poder judiciário, junta da sua legitimidade para intervenção na utilização e direcionamento de verba pública.
Diante da complexidade deste tema, o presente estudo tem como objetivo analisar a judicialização da saúde no Brasil, e os impactos que esta vem a causar não apenas na garantia de tal direito social, como também nas demais áreas do Estado. Da mesma forma, será apresentado aqui as mudanças em aspectos ligados a tal judicialização e como ela é tratada por nossos tribunais.
A realização deste estudo justifica-se em razão da relevância em compreender mais como se dá a judicialização da saúde no território brasileiro, além dos impactos trazidos pela interferência do poder judiciário nas verbas da Administração Pública, além dos limites compreendidos para tal intervenção, visando a prestação de uma assistência e atendimento à saúde para com a população.
2.A GARANTIA DO DIREITO À VIDA E A SAÚDE NO BRASIL
Como asseverado anteriormente, o direito à saúde está previsto em nossa Constituição Federal de 1988, em seu título II, denominado “Dos Direitos e Garantias Fundamentais, previsto como um dos direitos sociais do capitulo II, presente no art. 6º. Vejamos:
Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição (BRASIL, 1988).
Tais direitos, dentre os quais está o direito à saúde, são considerados em uma análise mais profunda, como de segunda geração, incluindo-se aqui as liberdades sociais, a educação, o trabalho e a assistência social por parte do Estado. SARLTE (2006, pg. 56) indica que os direitos sociais trazidos pela segunda geração, em sua natureza atribuem ao Poder Público a necessidade de se adotar um comportamento mais atuante na concessão e efetivação da justiça social.
Sendo assim, quanto ao direito à saúde, o Estado detém um papel proativo, visando assegurar aos seus cidadãos o que a Constituição estabelece como um direito básico e essencial não apenas para promover a saúde, como também assegurar a igualdade entre cada indivíduo. Tal entendimento é trazido pela própria Constituição Federal, em seu art. 196:
Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação (BRASIL, 1988).
Tal fato salienta que o direito à saúde não possui uma auto-aplicabilidade, assim como os demais direitos sociais. Apenas a criação de normas e regulamentos, e a imposição de uma atividade desempenhada pela Administração Público faz com que tal garantia saia do mundo das normas e passe a ter uma efetividade de fato.
Uma das normas criadas com esse objetivo foi a que implementou o Sistema Único de Saúde, mas que, em contrapartida, acabou por não materializar os recursos essenciais para a sua aplicação e, consequentemente, alcançar um atendimento pleno para com a população.
Resta evidente, então, que os recursos para a garantia do direito à sociedade são deveras escassos, o que faz com que a atuação do Poder Judiciária, quando provocado, acabe por retirar recursos de outras áreas, destinados a políticas públicas que não ligadas à saúde, objeto este de questionamento tanto por parte de juristas e doutrinadores, quando desta pesquisa.
Porém, é certo dizer que a saúde é um direito social amplamente relacionado com outros elementos, previstos pela norma jurídica brasileiro, em especial os que se referem aos demais direitos sociais, como a educação, o trabalho, o meio-ambiente e o lazer, estes de essencial importância para a promoção daquele, que não apenas se limita ao tratamento de doenças e distúrbios de caráter físico e mental.
Logo, diferente do que se retira do entendimento comum, a saúde pode ser compreendia como um aspecto mais amplo e complexo do que apenas a busca por um bem-estar físico e mental para a coletividade, abrangendo outros direitos sociais abarcados pela norma constitucional, visando ainda a garantia de outro direito fundamental, o direito à vida.
3.A JUDICIALIZAÇÃO DA SAÚDE E SEUS IMPACTOS NO DIREITO
Conforme amplamente debatido acima, é latente do dever do Estado quanto à efetivação e garantia dos direitos sociais do cidadão, dentre os quais está o direito à saúde e o seu provimento por meio de um atendimento eficiente para o tratamento de doenças e enfermidades, além do fornecimento de medicamentos aptos a auxiliar na garantia do bem-estar físico e mental.
Porém, mesmo com a previsão Constitucional visando fomentar o acesso à saúde de forma isonômica e universal, por meio de políticas públicas e ações sociais equivalentes, é certo que o alcance de tal objetivo a muito já se mostra distante, haja vista a discrepância entre as necessidades da população e os recursos dispendidos pelo Estado.
Um dos principais reflexos do não provimento do direito à saúde é o aumento na busca por tratamentos e medicamentos por meio da via judicial, com o estabelecimento de diversas demandas junto aos tribunais do país.
Todavia, esse fenômeno da judicialização da saúde no Brasil acaba por trazer diversos riscos para o Poder Público, em especial na organização e execução de políticas voltadas para a garantia de direitos sociais. Tal fato decorre da escassez de recurso do Estado, agravado pelo descompasso entre a efetivação do direito coletivo e a busca de direitos individuais.
Dentre o principal impacto percebido é no orçamento público do país, dando ao judiciário um aspecto de instrumento de efetivação de políticas públicas, por meio de sua intervenção nestas, o que, por outro lado, agrava a dificuldade que o Estado tem em administrar e gerir seus recursos dentro de uma política já considerada inadequada e incipiente.
Isso faz desse modelo de judicialização uma ferramenta perigosa, tanto para a segurança jurídica nas demandas interpostas, quanto aos cofres públicos, fazendo surgir o entendimento de que os direitos sociais, apesar de seu caráter fundamental, devem ater-se ao princípio da reserva do possível.
Por tal entendimento, notadamente distante do que assevera a Constituição, os direitos de segunda dimensão, dentre os quais estão os direitos econômicos, culturais e sociais, dependem da disponibilidade orçamentária do Estado para o seu provimento, sendo que este, em tese, poderia eximir-se da implementação, mesmo que parcialmente, das políticas públicas para a efetivação de tais garantias.
Sob uma ótica constitucional, o entendimento acima descrito traz uma grande insegurança jurídica e social, haja vista que, ao estabelecer a possibilidade de se negar um tratamento adequado para a população, coloca-se em dúvida o que indica o próprio texto constitucional, tornando-o, assim, uma simples norma decorativa. Afirmar tal possibilidade é o mesmo que dizer que o legislador não pretendia fazer-se cumprir o que ali foi determinado.
Todavia, faz-se mencionar que esse entendimento já foi superado pelo poder judiciário brasileiro, sendo objeto de atuação do próprio Supremo Tribunal Federal, destacando-se que, apesar dos questionamentos quanto uma possível transgressão ao princípio da separação dos poderes, a interferência do judiciário é necessária ante a incapacidade dos demais poderes em se fazer cumprir o que ordena a Constituição.
Apesar de se entender pela possibilidade de se exigir a garantia do direito à saúde por meio da via judicial, é importante se realizar uma avaliação da repercussão que tal atuação pode ter no que se refere ao interesse coletivo que, indiretamente, acaba sendo impacto pelas decisões pleiteadas por particulares.
É certo que diversos indivíduos que demandam pelo fornecimento de tratamentos e medicamos buscam por alternativas que, por vezes, não estão previstas no protocolo do Sistema Único de Saúde ou não possuem um registro da Agência de Vigilância Sanitária (Anvisa), fazendo com que recursos anteriormente não previstos no orçamento acabem sendo despendidos para custear o tratamento indicado por decisão judicial.
Justamente por isso é que se faz indispensável definir certos critérios para a possibilidade do pleito jurisdicional quanto ao direito à saúde. Apesar do entendimento de que o princípio da reserva do possível não deve ser aceito em um Estado Democrático de Direito, não se deve também ser aceita uma insegurança jurídica quanto às decisões conflitantes quanto ao provimento de tratamentos e medicamentos que não estejam previstos pela legislação brasileira.
Não se pode olvidar que, apesar da possiblidade de se pleitear pela garantia da efetivação dos direitos sociais e fundamentais por meio da via jurisdicional, é preciso realizar uma apreciação dos impactos causados por seu provimento.
Isto é, faz-se necessária avaliar como a demanda de um indivíduo que busca um tratamento ou medicamento de alto custo pode prejudicar o direcionamento de verbas orçamentária para políticas públicas que visem o atendimento de toda a coletividade, haja vista a força das decisões judiciais que vinculam a atuação do Poder Público para com os direitos individuais em casos específicos.
Paradoxalmente, com a judicialização da saúde, cria-se uma situação de conflito entre o que garante a Constituição para com todos os indivíduos, estabelecendo um atendimento isonômico e a garantia da efetividade dos direitos sociais, e o interesse da coletividade, afetado pelas decisões que beneficiam pacientes de forma individual.
Assim sendo, destaca-se, mais uma vez, a necessidade de se estabelecer critérios capazes de limitar a atuação do poder judiciário e, ao mesmo tempo, permitir que cada cidadão tenha a possibilidade de buscar por seus direitos pela via judicial, sem que, com isso, haja um impacto nas diretrizes da Administração Pública para com as políticas que visem o atendimento da população como um todo.
Por encontrar-se como uma previsão constitucional, o direito à saúde, objeto de políticas públicas, pode também ser objeto de demandas judiciais, para suprir eventual violação aos direitos fundamentais do cidadão, que está sujeito ao precário Sistema Único de Saúde, mas não deixa de, ao mesmo tempo, ter suas limitações, essenciais para que um verdadeiro caos não se assenhorei das políticas de promoção da saúde e demais direitos sociais.
4.A LIMITAÇÃO NA ATUAÇÃO DO PODER JUDICIÁRIO QUANTO AO DIREITO À SAÚDE
Como já demonstrado, a judicialização da saúde no Brasil tende alguns impactos dentro da sociedade, em especial quanto a organização e execução de políticas públicas e no despendimento de recurso para o fomento destas para a coletividade, haja vista o agravo da dificuldade que se observa quanto a aplicação de recursos e o seu caráter finito.
Porém, a possibilidade de atuação dos três poderes para a garantia do direito à saúde e dos demais direitos sociais e fundamentais não é apenas possível, como também deve de fato ocorrer, tendo em vista que, de tal maneira, há uma maior segurança quanto ao fomento de tais garantias.
Nesta linha de raciocínio está o pensamento de Germano Schwartz:
Dentro do caráter sistêmico da saúde, a procura pela sua efetivação/solução não é problema apenas do Judiciário ou de um único estamento social, mas de todos os componentes do Poder e da sociedade, de vez que o problema sanitário abrange a todos os integrantes de uma nação, possuindo característica interdisciplinar e holística. (SCHWARTS, 2001, p. 156).
Todavia, deve a atuação do poder judiciário ater-se a realidade fática vivida pelo Estado Brasileiro. Em outras palavras, é preciso que se estabeleça limitações para a intervenção judicial nas políticas públicas e no despendimento de verbas orçamentárias por meio de uma análise das políticas já existentes, bem como quanto à capacidade financeira que possui o Estado para suprir a demanda do paciente.
Neste aspecto, destaca MOREIRA (2015) que, por vezes, tal limitação não é observando, onde, em casos mais distintos, a Administração Pública acaba sendo condenada até mesmo a arcar com tratamentos experimentais, fora daqueles previstos pelas diretrizes do Sistema Único de Saúde.
Na mesma égide, estão as decisões que estabeleciam a obrigação do Estado fornecer ao cidadão medicamentos sem o devido registro da Agência de Vigilância Sanitária (Anvisa). Tal tema foi discutido pelo Supremo Tribunal Federal que, neste ano, estabeleceu o entendimento de que a concessão de remédios fora do registro da Anvisa deve nos casos em que não há um substituto terapêutico registrado para o medicamento pleiteado.
Em votação para decidir sobre a obrigatoriedade no fornecimento de medicamentos fora da a lista da Anvisa, o Ministro Ricardo Lewandowski argumentou que “em princípio, não é possível exigir-se sempre um remédio que não consta na lista da Anvisa, mas, em circunstâncias excepcionais, isso pode sim ser deferido”[1].
A referida decisão é influencia dos impactos causados pelo aumento no fenômeno da judicialização da saúde no país e os reflexos causados no âmbito coletivo, adequando-se as decisões judiciais a realidade do Estado, o que, de certo modo, serve como um limitador para a propositura de ações futuras em relação ao fornecimento de medicamentos.
Além disso, da referida compreensão, é possível ainda retirar o entendimento de que as leis e normas brasileiras devem prevalecer quanto ao fornecimento, por via judicial, de medicamentos, e até mesmo tratamentos, sendo que aqueles que não estiverem previstos em tais normas serão uma exceção, analisados especificamente em cada caso, não mais havendo uma exigibilidade de concessão por parte do poder judiciário.
Tal entendimento vai ao encontro do que preceitua Davi Antônio Moreira:
Como referencial para moderação desejável em matéria de controle de atos, normas e mesmo políticas públicas gerais de assistência farmacêutica, deve-se ter em vista que ao Poder Judiciário, no contexto do Estado Constitucional e Democrático de Direito, cabe, precipuamente, a interpretação da Constituição e das leis, de maneira a serem assegurados os direitos e a estabilidade do próprio ordenamento jurídico. (MOREIRA, 2015, p. 180).
É notável, assim, que a tendência vem se posicionado para uma limitação na atuação do poder judiciário no que se refere a interferência em políticas públicas e o direcionamento de verbas do Estado em questões ligadas ao direito à saúde, o que não pode ser dar de forma contínua e sem o estabelecimento de critérios, tendo em vista que uma atuação sem precedentes do judiciário acabaria por impactar a longo prazo a eficácia das ações da Administração Pública que visem o fomento de tratamentos de doenças e distúrbios para com a população.
Essa atuação jurisdicional deve ser buscada em casos excepcionais, em situações que de fato demandem a efetivação de direitos sociais e fundamentais, sem que, por outro lado, se deixe de seguir o que preconiza o ordenamento jurídico pátrio, em especial quanto as normas que regulamentem a saúde no país.
5. A CONCILIAÇÃO ENTRE A ATUAÇÃO DO JUDICIÁRIO E AS POLÍTICAS PÚBLICAS LIGADAS À SAÚDE
A recente decisão do Supremo Tribunal Federal poder ser considerada como uma forma de compatibilizar a atuação do poder judiciário com a norma vigente no país, possibilitando a aplicação mais incisiva das políticas públicas relacionadas ao fornecimento de um atendimento aos cidadãos, sem deixar de lado a possibilidade de apreciação jurisdicional de casos excepcionais quanto à busca pela garantia de tal direito social.
Porém, a distancia entre o que se estabeleceu no papel e a realidade nos postos de atendimento ainda é grande, sendo resultado de uma administração ineficiente quanto o direcionamento de recursos para ações que visem a garantia da saúde para a coletividade, indo desde políticas de prevenção ao atendimento em hospitais e postos de saúde.
Essa ineficiência aliás continua sendo um dos principais fatores que possibilita a intervenção judicial ante às violações dos direitos fundamentais ligados à saúde, em vista da previsão Constitucional para que está seja dada, mesmo que de forma mínima, a todos os indivíduos indistintamente.
Além disso, é de se destacar que o poder judiciário possui um papel fundamental dentro da sociedade, sendo o ente responsável por garantir a aplicação e efetividade da norma constitucional quando da omissão por parte dos demais poderes, característica indissociável da figura de um Estado Democrático de Direito, para não apenas resguardar o que assevera nossa Carta Magna, como também para delimitar a interpretação quanto ao conteúdo de seus artigos.
Esse entendimento é visível na decisão acima comentada, emanando-se a compreensão de que o Estado de fato é responsável por fornecer medicamentos a população, mas delimitando essa possibilidade de acordo com normas infraconstitucionais, entendimento este que decorre da interpretação do próprio texto constitucional.
Da mesma forma, salienta-se que a conciliação dentre as políticas públicas e a atuação do judiciário faz com que seja respeitado o princípio do mínimo existencial, destacando o dever do Estado em garantir à população ações que permitam ao menos a sobrevivência da população.
Porém, para que haja uma verdadeira conciliação, é indispensável o estabelecimento de critérios mínimos que visem a coletivização das demandas relacionadas à saúde. Ou seja, é preciso realizar um dimensionamento de parâmetros que garantam que as decisões emanadas nos tribunais sigam um mesmo padrão, sem que se deixe de analisar as particularidades de cada caso, fomentando assim um atendimento igualitário, mesmo nos casos em que o atendimento fora realizado após uma decisão judicial.
Um importante passo dado para que essa conciliação possa ser uma realidade foi a Resolução nº 238 de 2016, onde o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), discorre a respeito da criação de Comitês Estaduais de Saúde, por parte dos Tribunais de Justiça e Tribunais Regionais Federais, para que possa haver um auxilio por parte destes na criação de Núcleos de Apoio Técnico ao Judiciário, sendo possível a elaboração de pareceres sobre tratamentos medicinais experimentais.
A referida resolução ainda destaca que nas comarcas com mais de uma vara de Fazenda Pública, será estabelecida em uma delas a especialização para que sejam tratadas matérias ligadas a saúde pública. Vejamos:
Art. 3° Os Tribunais Estaduais e Federais, nas Comarcas ou Seções Judiciárias onde houver mais de uma vara de Fazenda Pública, promoverão a especialização de uma das varas em matéria de saúde pública, compensando-se a distribuição (BRASIL. 2016).
Ademais, é possível concluir que o caminho para essa conciliação ainda tem muito a ser percorrido, abrindo-se espaço para novas discussões e entendimentos. Todavia, não se pode olvidar que a judicialização da saúde, apesar dos impactos e reflexos que hoje traz, não deixa de ser um importante instrumento para a busca pela garantia ao direito à saúde.
6.CONCLUSÃO
É certo que o controle por parte do poder judiciário deve ser a última via para que se dê provimento e efetividade para as políticas públicas e ações do Estado no que se refere ao direito sociais à saúde e o atendimento eficiente para a população.
A intervenção do poder julgador deve ser vista como uma exceção, objetivada em casos de urgência, onde não se observa outra saída que não a judicialização de questões ligadas ao direito em comento. Mesmo que tal possibilidade seja prevista por nossa Constituição Federal, é possível dizer que a provocação jurisdicional e sua atuação em demandas que objetivem uma intervenção dentro do Poder Público traz riscos à toda coletividade, haja vista interferir diretamente no orçamento que deveria estar sendo direcionado para a garantia de um atendimento coletivo de qualidade.
De tal forma, temos que a judicialização da saúde no Brasil criou uma maior necessidade do Poder Público em atuar visando a adoção de políticas e ações que perfaçam um benefício amplo à sociedade, atingindo um maior número de pessoas, de forma a evitar que processos sejam instaurados para que essa garantia se dê.
Essa atuação vai desde um atendimento básico, visando o estabelecimento de medidas de prevenção, à assistência farmacêutica, com o fornecimento de remédios dentro do quadro previsto pelo Agência de Vigilância Sanitária (Anvisa).
Todavia, na prática tal atuação não é tão simples, envolvendo diversos fatores e obstáculos que se opõem a esse ideal, principalmente no que se refere aos recursos disponíveis e a sua eficaz aplicação dentro das políticas previamente estabelecidas, o que se agrava pela péssima estruturação que o Sistema Único de Saúde brasileiro possui.
Dessa maneira, para encurtar o caminho entre um efetivo atendimento por meio das políticas e ações governamentais e a atual situação do sistema de saúde, faz-se necessária uma conciliação entre a atuação do Estado e as decisões do poder judiciário, definindo-se critérios para uma atuação conjunta entre todos os poderes, permitindo a garantia não apenas dos pleitos individuais, como também das ações que atinjam a coletividade.
Desse modo, com relação as decisões ligadas à saúde, pautadas em um ativismo judicial, é imprescindível haver uma moderação em como tais decisões irão afetar o orçamento das finanças públicas, prezando-se por uma análise profunda de cada casa em específico, com o intuito de diminuir os reflexos que tais decisões terão futuramente. De fato, as ações afirmativas que buscam pela garantia do direito social à saúde em via judicial é uma importante, mas perigosa ferramenta, sendo essencial que novas discussões e debates sobre o tema sejam efetuados.
Isso porque, como bem assevera nossa Constituição, o direito à saúde é um dever do Estado, e deve ser fornecido por meio de políticas públicas, sendo que a sua violação pode ser objeto de uma demanda jurisdicional, haja vista ser uma clara transgressão a um direito fundamento, este, sujeito à débil estruturação dos serviços públicos, ofertados pelo Poder Público.
7.BIBLIOGRAFIA
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SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 33. ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2010, p. 197.
[1]Supremo impõe restrições para fornecimento público de remédio sem registro na Anvisa. G1. Política. Disponível em: <https://g1.globo.com/politica/noticia/2019/05/22/maioria-do-stf-impoe-restricoes-para-fornecimento-de-remedio-sem-registro-na-anvisa.ghtml> Acesso em 01 jun. 2019.
Graduada em Letras, Direito, e Pós-Graduada em Direito Processual e Direito Administrativo.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SA, Luciana Tonon de Almeida Toledo de. A judicialização do direito à saúde no Brasil Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 02 jan 2020, 04:47. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/54063/a-judicializao-do-direito-sade-no-brasil. Acesso em: 22 nov 2024.
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