LUCAS AMADEU LUCCHI RODRIGUES[1]
(Coautor)
Resumo: O estudo proposto, restringe-se o estudo aos contratos preliminares, abordando-se a legítima expectativa criada pela promessa de contratar, os seus principais requisitos, a responsabilidade contratual decorrente do possível descumprimento do pacto e os pontos pertinentes que envolvem o direito de arrependimento. Para tanto será feita a análise consciente dos dispositivos legais constantes do Código Civil pátrio e sem olvidar os importantes ensinamentos consolidados pela doutrina jurídica brasileira. O contrato preliminar constitui, verdadeira modalidade contratual, e sujeitam as partes contratantes ao adimplemento do seu objeto, que é sempre uma obrigação de fazer, a de concretizar o pacto definitivo. Assim, conclui-se no presente artigo que a força vinculante dos contratos que faz com que os contraentes se obriguem a cumprir aquilo que foi efetivamente acordado, guardando a boa-fé, confiança e solidariedade recíproca ao longo de todo o iter contratual, se estende prontamente sobre todos os contratos preliminares, dotando as promessas de valor jurídico incontestável e blindando as legítimas expectativas criadas dos dissabores da liberdade contratual sem responsabilidades.
Palavras-chave: Contrato Preliminar; Pressupostos; Consequências do descumprimento.
Abstract: The proposed study is restricted to preliminary contracts, addressing the legitimate expectation created by the promise to contract, its main requirements, the contractual liability arising from the possible breach of the pact and the relevant points involving the right to repent. For this purpose, a conscious analysis will be made of the legal provisions contained in the Brazilian Civil Code and without forgetting the important lessons consolidated by the Brazilian legal doctrine. The preliminary contract is a true form of contract, and subject the contracting parties to the performance of its object, which is always an obligation to do, to execute the definitive agreement. Thus, it is concluded in this article that the binding force of contracts that obliges contractors to comply with what was actually agreed, maintaining good faith, trust and mutual solidarity throughout the contractual iter, extends promptly over all preliminary contracts, endowing promises of undisputed legal value and shielding the legitimate expectations created from unfettered contractual freedom.
Keywords: Preliminary Contract; Assumption; Consequences of non-compliance.
SUMÁRIO: Introdução. 1. O contrato Preliminar. 1.1 O valor jurídico da promessa. 1.2 Pressupostos do contrato preliminar. 1.3 Direito de arrependimento. 2. Consequências do descumprimento. Conclusão. Referências.
Introdução
O advento do Código Civil brasileiro de 2002, de certo, conduziu o direito contratual a um novo patamar no cenário jurídico brasileiro, suprindo omissões evidentes no antigo diploma de 1916. Em se tratando do contrato preliminar ou pactum de contrahendo (como era denominado no direito romano), ou ainda contrato-promessa, andou bem o legislador pátrio ao positivar normas que até então não estavam expressamente contidas no ordenamento civil, mas que já vinham sendo implementadas costumeiramente nas relações civis cotidianas.
Ocorre que, ao dispor sobre o instituto, o legislador mostrou-se inibido e não adentrou o tema com profundidade, mirando a promessa de compra e venda e abstendo-se de mencionar a aplicação do contrato preliminar em relação a outros institutos do direito civil, como por exemplo o caso da promessa de doação. Tal quadro desencadeou uma série de dúvidas, o que se traduz no seguinte questionamento: Quais são os entendimentos legais e doutrinários acerca do valor jurídico do contrato preliminar, os pressupostos, da vinculação e da possibilidade de arrependimento no direito brasileiro?
O objetivo do presente artigo consiste em analisar a instituição dos contratos preliminares em geral, abordando-se a legítima expectativa criada pela promessa de contratar, os seus principais pressupostos, a responsabilidade contratual decorrente do possível descumprimento do pacto e, por fim, os pontos pertinentes que envolvem o direito de arrependimento nos contratos preliminares.
Utiliza-se, para tanto, a linha de raciocínio metodológica de caráter dedutiva e dialética, promovendo-se a exposição e o estudo de cada umas das correntes de pensamento que divergem sobre a aplicabilidade do contrato preliminar, sempre utilizando-se da pesquisa bibliográfica e documental em livros, artigos e revistas, encontrados tanto em bibliotecas quanto no meio eletrônico.
No Capítulo 1, O contrato preliminar, restringe-se o estudo aos contratos preliminares, abordando-se a legítima expectativa criada pela promessa de contratar, os seus principais requisitos, e o direito ao arrependimento. Já no capítulo 2, Consequências do descumprimento, será abordado sobre a responsabilidade contratual decorrente do possível descumprimento do pacto e os demais pontos pertinentes que envolvem o direito de arrependimento.
1. O contrato Preliminar
Por meio da análise consciente dos dispositivos legais constantes do Código Civil pátrio e sem olvidar os importantes ensinamentos consolidados pela doutrina jurídica brasileira é que se propõe o estudo aprofundado dessa espécie de contrato que se convencionou denominar contrato preliminar.
1.1 O valor jurídico da promessa
Os contratos algumas vezes se formam depois de um longo período de negociações, a que se costuma definir como a fase de negociações preliminares ou de pontuação. Ocorre, entretanto, de forma corriqueira, que, após prolongado período de propostas e fixação de condições, “[...] não se mostra conveniente aos contraentes contratar de forma definitiva [...]” (GONÇALVES, 2013, p. 163), e é aí que se faz presente a figura do contrato preliminar.
Não é que o contrato preliminar esteja contido na fase pré-contratual de um contrato, ou seja, nas negociações preliminares, pois que as “[...] tratativas preliminares possuem como característica essencial a circunstância de não vincularem as partes a uma relação jurídica” (SILVA, 2017). O pré-contrato ou contrato preliminar constitui, diferentemente, verdadeira modalidade contratual, e sujeitam as partes contratantes ao adimplemento do seu objeto, que é sempre uma obrigação de fazer, a de concretizar o pacto definitivo. A professora Karina Nunes Fritz (2016), analisando Messineo, aduz que “[...] como as negociações constituem um estágio imaturo no qual as partes discutem um eventual e futuro contrato, não seriam as mesmas movidas por uma vontade de contratar, mas por uma vontade de discutir”; por ocasião do pré-contrato a vontade de contratar já é inclusive declarada, faltando tão somente às partes a formalização do ato de celebração do negócio.
As partes contraentes podem ter inúmeros motivos para abdicar da celebração do contrato, transferindo-o para um momento futuro, seja em razão da espera pela concessão de um financiamento seja porque o pagamento será feito em muitas parcelas ou, até mesmo, por mera conveniência (PEREIRA, 2010), essa motivação, porém, não interessa do ponto de vista jurídico. A opção pela pactuação do contrato preliminar, alocando a celebração do contrato definitivo com todas as suas cláusulas e condições já acordadas para outro momento definido, ocorre, conforme as pontuais palavras do professor Paulo Nader (2010, p. 130), “[...] quando não se quer ou não é possível celebrar o contrato definitivo no momento”. É do referido professor, inclusive, o conceito mais completo e perspicaz de contrato preliminar:
Contrato preliminar consiste na promessa não formal, efetuada por uma ou mais partes, de celebrar determinada modalidade contratual, no futuro e geralmente com definição de prazo ou condição, com expressa indicação das regras a serem observadas (NADER, 2010, p. 130. grifos do autor).
Observa-se, mais uma vez, que o objeto único dessa espécie de contrato é a conclusão do pacto definitivo e, por isso mesmo, é que não se deve confundi-lo com a fase de negociações preliminares, cujo objeto é, antes de mais nada, o alcance de condições que agradem ambas as partes contraentes, a busca pelo consenso e um passo à frente para a pactuação de um contrato que pode nem mesmo acontecer naquele exato momento por inúmeros motivos, como já se relatou anteriormente. Da mesma forma pela qual não se pode enlear as concepções concernentes aos contratos preliminares e negociações preliminares, não se pode confundir também a responsabilidade do pré-contrato com a responsabilidade pré-contratual. Como ensina a professora Karina Nunes Fritz (2016), “[...] a responsabilidade pré-contratual não surge a partir da violação de um contrato preliminar ou pré-contrato, como uma semelhança terminológica poderia sugerir”.
Ora, como fora explicitado anteriormente, o pré-contrato não está contido na fase pré-contratual e constitui, de fato, um negócio jurídico apto a ser celebrado, cujo inadimplemento implica a responsabilidade contratual propriamente dita, uma vez que se trata de uma modalidade de contrato. Diante da simples recusa em cumprir-se a obrigação de fazer estipulada no pré-contrato, torna-se possível, dentre outras medidas que ainda serão analisadas, a execução coativa da obrigação como se faria normalmente em razão do descumprimento de qualquer outro contrato, devendo assim denominar-se o conjunto de atos que cuidem do descumprimento do pacto preliminar como responsabilidade do pré-contrato ou, simplesmente, responsabilidade contratual.
Por outro lado, “A responsabilidade pré-contratual decorre da violação de dever oriundo da boa-fé objetiva (e não do negócio jurídico!) durante a fase negocial, entendida como o período de preparação do negócio [...]” (FRITZ, 2016), é o caso daquele que é convidado a negociar, viaja até o local das negociações e lá chegando descobre que aquele que o convidou já celebrou o contrato com terceiro.
Em situações como essa é possível à parte prejudicada exigir o ressarcimento das despesas efetuadas e pleitear concomitantemente as perdas e danos (aquilo que deixou de ganhar e o que efetivamente perdeu), não pode, contudo, exigir a tutela específica da obrigação, como aconteceria em sede do descumprimento de um contrato preliminar, pois que não há nesse caso qualquer formação contratual. É assim que Thais Borges da Silva (2017) e Karina Nunes Fritz (2016) estabelecem a distinção dessas responsabilizações civis e proclamam que a violação de negócios jurídicos, tais como o contrato preliminar, caracteriza obrigatoriamente, para fins de classificação, responsabilidade contratual e não responsabilidade pré-contratual.
Apesar do Código Civil brasileiro de 1916 não haver contemplado disposições acerca dos contratos preliminares e responsabilidade do pré-contrato e a introdução dessa espécie contratual no direito civil pátrio só haver ocorrido em 2003, com o início da vigência do novo Código Civil, essa não é uma figura inovadora. É bem verdade que a doutrina já o admitia e os romanos já o conheciam, generalizando os contratos preliminares sob a denominação de pactum de contrahendo (PEREIRA, 2010). Atualmente, os juristas também se referem ao contrato preliminar, denominação expressamente erigida em seção própria (artigos 462 usque 466) do atual Código Civil, como sendo promessa de contrato, pré-contrato, contrato-promessa, compromisso, antecontrato, promessa de contratar, contrato preparatório, contrato provisório ou contrato inicial.
O pactum de contrahendo, ou qualquer outra forma que se queira denominá-lo, é peculiar em relação aos contratos em geral principalmente pelo que concerne ao tempo da celebração, isto porque por mais acertada que esteja a convergência de vontades, posterga-se a formalização, a concretização do acordo definitivo em razão da vontade manifesta dos mesmos contratantes. Tendo em vista, porém, que o consentimento bilateral alcançado constitui ato jurídico e se fixa em torno de uma finalidade jurídica comum, ensina Caio Mário da Silva Pereira (2010, p. 70) que, “[...] é de reconhecer-lhe autonomia e de precisar que não constitui meramente um tempo na celebração do contrato principal, senão que traz o selo de um ato negocial completo”.
Essa natureza de ato negocial completo a que faz menção o referido jurista é exatamente o que torna exigível, também nos contratos preliminares, a observância aos princípios da função social e da boa-fé contratual, bem como dos usos e costumes (NADER, 2010). Certamente, a pactuação do pré-contrato gera uma legítima expectativa de adimplemento do seu objeto único, principal e futuro, que é o contrato definitivo. Por se equiparar a este como um ato jurídico-obrigacional completo é que se aplica ao pré-contrato ou contrato preliminar as mesmas disposições gerais que, mormente, são destinadas aos contratos, dentre as quais merecem destaque o exercício da liberdade de contratar nos limites da função social do contrato, prevista no artigo 421 da Carta Civil, e a observância aos limites da probidade e boa-fé, assim revelados pelo artigo 422 da mencionada carta: “Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé” (BRASIL, 2013a).
Nesse sentido, há grande discussão doutrinária acerca da obrigatoriedade de observância da boa-fé objetiva nas fases pré e pós-contratual, haja vista que, na redação do dispositivo legal supramencionado, o legislador foi econômico nas palavras, dando margem à interpretação de que os contraentes só estariam vinculados àquilo que foi disposto no contrato por ocasião da sua execução e conclusão. A doutrina majoritária, entretanto, rechaça essa interpretação literal do dispositivo e admite a obrigatoriedade de observância da probidade e boa-fé, inclusive, na fase das tratativas preliminares. Segundo a professora Karina Nunes Fritz (2016), “A fase pré-contratual é dotada de vinculabilidade, pois nela incide o princípio da boa-fé objetiva criando uma gama de deveres específicos de conduta a fim de conferir eticidade à relação e evitar lesões a bens, direitos e interesses dos envolvidos”.
Sabe-se, porém, conforme análise já realizada, que o contrato preliminar não está contido na fase pré-contratual e que pré-contrato não se confunde com negociação preliminar, porquanto configura verdadeira modalidade contratual. Assim, se a doutrina admite obrigar-se à observância de boa-fé no momento das negociações preliminares, muito mais se obrigam os contraentes em razão da pactuação de um pré-contrato. A legítima expectativa que é criada diante do estabelecimento de um contrato preliminar é estupenda, e isso acontece porque, por ocasião de sua pactuação, a vontade de contratar se encontra declarada e todos os pontos atinentes ao negócio jurídico que se propõe já foram analisados e fixados entre as partes. A força obrigatória e vinculante das disposições do pré-contrato, sobre a qual incide o princípio da boa-fé objetiva, é o que impõe “[...] aos envolvidos o dever de agir corretamente, com lealdade e honestidade para com o outro, considerando não apenas seus interesses pessoais, mas ainda os interesses da contraparte” (FRITZ, 2016).
Em que pese a importância exacerbada com que alguns juristas exaltam a necessidade de que haja livre vontade de pactuar no momento da celebração do contrato definitivo, principalmente quando se analisa o contrato preliminar de doação ou pactum de donando, este é um argumento caro aos que defendem tal posicionamento. Compõe, destarte, uma tese retrógrada, cujo maior mérito é o aumento relativo da importância da liberdade contratual e a diminuição excessiva da influência dos atuais princípios contratuais da boa-fé, da eticidade e da confiança, em detrimento do valor jurídico da promessa. Como leciona sabiamente a professora Maria Celina Bodin de Moraes (2016):
[...] são tempos em que a autonomia da vontade e a concepção liberalista cederam a posição de centralidade no direito civil, dando lugar a princípios tais como a boa-fé, a confiança e a solidariedade, quer em virtude da aplicação direta da Constituição às relações intersubjetivas, quer pela renovação da disciplina codicista.
Ademais, admitir alternativa ao dever de cumprir a palavra empenhada, isto é, admitir a escusa ao cumprimento da promessa de contratar simplesmente por não haver exercício liberal da vontade individual no momento da concretização do contrato definitivo é retirar força e eficácia a todo e qualquer tipo de contrato preliminar, inclusive a promessa de compra e venda, tão usualmente pactuada nas relações civis cotidianas. A filosofia jurídica dos países europeus, permeada ao longo do século XIX, e representada pelo lema “a vontade é a causa primeira do direito” (RIEG, apud MORAES, 2016), é algo que não pode mais ser concebido em pleno século XXI, não diante da atual Carta Magna e do ordenamento civil brasileiro que limitam os parâmetros da autonomia privada e consagram a ordem principiológica da boa-fé objetiva.
A propósito, durante o século XX é que houve, de fato, uma passagem gradual “[...] da teoria da vontade para a teoria da declaração, e desta para a teoria da confiança, numa evolução em direção ao plano da ética social e da solidariedade contratual” (MORAES, 2016). Atualmente, todo o ordenamento jurídico pátrio converge para a preservação da confiança e da boa-fé entre os contratantes e para a proteção das legítimas expectativas que decorrem da pactuação dos contratos, inclusive, os preliminares. Assim, pode-se efetivamente afirmar que o valor jurídico da promessa encontra-se resguardado e a sua pactuação vincula, de um modo geral, todos os seus contraentes ao adimplemento do contrato definitivo.
1.2 Pressupostos do contrato preliminar
O artigo 462 do Código Civil prevê que: “O contrato preliminar, exceto quanto à forma, deve conter todos os requisitos essenciais ao contrato a ser celebrado” (BRASIL, 2013a). Ora, trata-se tais requisitos daqueles previstos no artigo 104 do código supracitado, os quais tendem a ser divididos pela doutrina jurídica em requisito subjetivo, objetivo e formal. É a presença desses requisitos determinantes para a validade do negócio jurídico que torna possível a obtenção do adimplemento do contrato definitivo, sobretudo quando ocorre por via coativa (judicial). O exercício da função jurisdicional supre, nos casos mais extremos, a declaração de vontade, mas não se pode dizer o mesmo em relação às faltas intrínsecas, pelas quais o próprio contrato definitivo deixa de se realizar (PEREIRA, 2010).
Por requisito subjetivo, entende-se, de forma genérica, a capacidade para os atos da vida civil, sobretudo o ato de alienar, necessitando, inclusive, “Se casado, [...] da outorga uxória para celebrar o contrato preliminar” (GONÇALVES, 2013, p. 164). Quanto ao requisito objetivo, previsto no inciso II do artigo 104 da Carta Civil, revela-se a necessidade de que o objeto seja lícito, possível, determinado ou determinável, não se admitindo que o objeto determinante do contrato preliminar, isto é, o contrato definitivo, atente contra lei imperativa ou contra a ordem pública ou os bons costumes (RIZZARDO, 2006).
Em relação ao requisito formal, disciplinado no inciso III do artigo já mencionado, segundo o qual se exige forma prescrita ou não defesa em lei, faz preciosa ressalva o artigo 462 da referida carta. O legislador pátrio abdicou de toda a formalidade legal caracterizadora dos contratos para privilegiar o formato rápido, célere e consensual dos contratos preliminares. “Para quem se preocupa em assegurar o negócio jurídico, evitando gasto de tempo com as providências administrativas, a opção é o contrato preliminar” (NADER, 2010, p. 131). Esse parece ter sido o sincero pensamento do legislador ao dispensar a formalidade dos contratos definitivos no momento da pactuação dos contratos preliminares, permitindo sabiamente que, mesmo os negócios jurídicos que tenham de se formalizar mediante instrumento público, conforme ditames do artigo 108 do diploma civil, sejam preliminarmente acordados por instrumento particular.
Além dos requisitos essenciais, alguns juristas como Monteiro, Maluf e Da Silva (2010), Paulo Nader (2010) e Silvio Rodrigues (2004) apontam como fatores indispensáveis à formação dos contratos preliminares a presença inequívoca dos elementos essenciais ou das elementares do contrato definitivo a ser celebrado, tal como acontece no caso da compra e venda, cujo objeto, preço e forma de pagamento já devem constar definidos no pré-contrato. É facultada, porém, a aposição de condição ou termo e, ainda, a inclusão de cláusulas especiais, tais como a de preempção, venda com reserva de domínio, retrovenda, entre outras, as quais se não constam do contrato preliminar, “[...] não se poderá exigi-las no contrato definitivo” (NADER, 2010, p. 131).
Outrossim, é oportuno destacar que a promessa de contratar pode ter como objeto contratos definitivos de qualquer espécie, embora a doutrina admita a promessa de compra e venda como a mais frequente. Nesse sentido, a promessa de contrato gera sempre uma obrigação de fazer, a qual sempre consiste em declarar uma vontade, que pode variar segundo os interesses dos contraentes, estabelecendo, por conseguinte, os mais diversos tipos de contratos. Isso só é possível graças à exponencial evolução do instituto, inclusive com a sua codificação, e a crescente afirmação dos seus efeitos, compatibilizando-se com as necessidades comerciais das relações cotidianas (NADER, 2010; PEREIRA, 2010).
Para efeito de classificação, divide-se ainda a promessa de contrato em unilateral ou bilateral. Apesar de em ambos os casos haver a consensualidade que denota o caráter contratual do negócio celebrado, a diferença encontra-se na forma como as partes contraentes se obrigam uma perante a outra. Na promessa unilateral, apenas uma das partes se obriga a celebrar o posterior contrato, enquanto na promessa bilateral persiste a obrigação dúplice, uma via de mão dupla, em que tanto um quanto o outro contraente encontram-se previamente obrigados a contribuir, de uma forma ou de outra, para a consecução do contrato definitivo. Belo exemplo é dado pelo professor Paulo Nader (2010), segundo o qual o indivíduo que se compromete a vender determinado apartamento para outrem realiza uma promessa unilateral de contrato, ao passo que, quando este se compromete a vender e o outro contraente se compromete definitivamente a comprar o apartamento, se está diante, então, de uma promessa bilateral.
Essa distinção se mostra extremamente pertinente para que se entenda o texto legal do artigo 466 do atual Código Civil: “Se a promessa de contrato for unilateral, o credor, sob pena de ficar a mesma sem efeito, deverá manifestar-se no prazo nela previsto, ou, inexistindo este, no que lhe for razoavelmente assinado pelo devedor” (BRASIL, 2013a). Ora, sendo o caso em que apenas um dos contraentes possa exigir a concretização do pacto definitivo, não é justo que se deixe a seu bel-prazer a escolha do tempo, da oportunidade para que assim o faça. Ademais, a segurança jurídica da relação contratual ter-se-ia por comprometida caso a exigência da promessa pudesse ser feita a qualquer momento. Enfim, “Visando disciplinar este tipo de avença, e evitar que o credor se aproveite da situação [...]” (RIZZARDO, 2006, p. 194) é que o promissário deve se manifestar dentro do prazo previsto no instrumento do pré-contrato ou, então, dentro do interregno assinado pelo devedor, ficando sujeito, caso assim não proceda, à perda de todos os efeitos da promessa estipulada.
Por outro lado, a promessa bilateral torna exigível a celebração do contrato definitivo por qualquer das partes. Assim estipula o artigo 463 do diploma civil:
Concluído o contrato preliminar, com observância do disposto no artigo antecedente, e desde que dele não conste cláusula de arrependimento, qualquer das partes terá o direito de exigir a celebração do definitivo, assinando prazo à outra para que o efetive (BRASIL, 2013a).
Em um compromisso firmado bilateralmente, em que ambas as partes assumem obrigações perante a possibilidade de consecução do contrato definitivo, é natural que, ausentes condições ou prazos pendentes, haja o direito concreto de exigir o adimplemento do compromisso (RIZZARDO, 2006). Contudo, da mesma forma como ocorre na promessa unilateral, há de ser estabelecido por um contraente ao outro a estipulação de um prazo razoável para que se implemente o objeto do pré-contrato. A cláusula de arrependimento, citada no referido dispositivo legal, é condição que pode ser previamente estipulada entre os promitentes e cujo efetivo exercício afasta o adimplemento do contrato definitivo, gerando alguns efeitos práticos que serão, ainda, detidamente analisados.
Entrementes, o ponto que parece suscitar maior discussão em relação ao dispositivo 463 do ordenamento é justamente seu parágrafo único, que, apesar da redação simples e direta, não foi aceito de forma literal pela doutrina jurídica. A maioria esmagadora dos juristas adentra a discussão e o entendimento atualmente pacificado pode ser sintetizado através das sábias palavras do professor Caio Mário da Silva Pereira (2010, p. 76), segundo o qual, o legislador “[...] parece à primeira vista exigir o registro para a validade do contrato preliminar. Essa não é, no entanto, a melhor interpretação desta norma”. A necessidade de registro do pré-contrato é algo que vai de encontro à lei civil, pois que não há amparo legal algum que sustente tal dever.
A execução coativa da promessa que pode ocorrer em caso de inadimplemento, e que ainda será estudada, não está condicionada a tal procedimento. Da mesma forma, não estão condicionados os outros atos que, porventura, venham a ser praticados entre os promitentes. A boa interpretação teleológica da doutrina segue o entendimento de que o registro só deve ser feito para que o pré-contrato tenha eficácia contra terceiros (GONÇALVES, 2013). Nesse sentido, inclusive, há a súmula 239 do Superior Tribunal de Justiça: “O direito à adjudicação compulsória não se condiciona ao registro do compromisso de compra e venda no cartório de imóveis” (BRASIL, 2013b). Evidentemente, caso seja acordado entre os promitentes que se faça o registro da promessa, observar-se-á então a natureza do objeto e, sendo bem móvel, o registro se dará no Cartório de Títulos e Documentos, segundo a Lei de Registros Públicos, ou no caso de bens imóveis, no Cartório de Registro de Imóveis, conforme a localização destes (MONTEIRO; MALUF; DA SILVA, 2010; PEREIRA, 2010).
1.3 Direito de arrependimento
Ao tratar do valor jurídico da promessa viu-se que os contratos preliminares possuem uma natureza de ato negocial completo que os faz receber o mesmo tratamento dispensado aos demais pactos. É assim que a observância dos princípios norteadores dos contratos, tais como o da boa-fé e da confiança, responsáveis por ditar a força vinculante típica das convenções, são aplicados também aos contratos preliminares. Dessa forma, a legítima expectativa criada pela promessa de contratar é sempre resguardada e o adimplemento do pré-contrato, juntamente com todas as suas cláusulas e condições, torna-se exigível pelos contraentes, dos quais se espera, reciprocamente, o cumprimento do pacto definitivo conforme as obrigações que foram previamente acordadas.
Apesar de toda a vinculatoriedade que caracteriza o contrato-promessa e parece trucidar qualquer possibilidade de escusa dos contraentes ao seu adimplemento, há uma hipótese previamente acordada neste pacto provisório que abre as portas da salvação para aquele contratante que resolve antes mesmo do início do cumprimento das disposições pactuadas desistir do negócio formulado, é a bendita cláusula de arrependimento ou direito de arrependimento. Conceituado nas singelas palavras de Monteiro, Maluf e Da Silva (2010, p. 93. grifos dos autores) como o “[...] direito assegurado às partes (jus poenitendi) de não celebrar o contrato definitivo”.
Em que pese a discussão suscitada por Orlando Gomes (1999), o qual defende a adoção do nome contrato preliminar apenas para os pactos que preveem a cláusula de arrependimento, reservando aos demais casos as expressões que evidenciem a irretratabilidade e irrevogabilidade do negócio, este não é um ponto que verdadeiramente interessa ao estudo dos pactos provisórios. O legislador ao disciplinar a promessa de contrato no Código Civil não fez qualquer distinção, tampouco os juristas brasileiros tem se preocupado em estabelecer diferenças entre os pré-contratos com cláusula de arrependimento e aqueles sem a referida cláusula.
Importante, de fato, é entender que o direito de arrependimento, para que excetue a força vinculante com que os pactos provisórios se dirigem rumo à celebração dos contratos definitivos, deve constar expressamente do instrumento pré-contratual, de modo a indicar a possibilidade de qualquer dos contraentes arrepender-se posteriormente, exonerando-se do vínculo mediante o pagamento de multa penitencial (DINIZ, 2012). Frise-se, outrossim, que “[...] o seu exercício é facultado enquanto não cumpridas as prestações, ou, mais propriamente, enquanto não desencadeado o início do cumprimento” (RIZZARDO, 2006, p. 193), isso porque são evidentemente incompatíveis a ação que denote a vontade de implementar o objeto do pré-contrato e a declaração manifesta de desistência, a adoção de qualquer um dos comportamentos automaticamente inibe que o outro se realize. Vale lembrar que a desistência, da mesma forma como ocorre à exigibilidade de adimplemento do pacto definitivo, pode ocorrer também dentro de prazo estipulado pelas partes, dependendo tão somente dos termos pactuados.
Na esteira dos ensinamentos valiosos da professora Maria Helena Diniz (2012), a qual admite a possibilidade do direito de arrependimento decorrer de lei (ex vi do artigo 420 do Código Civil), Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald (2008) ensinam que o supramencionado artigo traz à tona as disposições acerca das arras penitenciais, as quais tendem sempre a acompanhar e servir como correspondente ao direito de arrependimento. Por certo, a presença da cláusula de arrependimento no pré-contrato, possibilitando a escusa dos contraentes ao adimplemento do objeto contratual, não afasta a responsabilidade daquele que se arrepende de arcar com os prejuízos da sua desistência, afinal, há, de uma forma ou de outra, quebra da legítima expectativa criada pela promessa.
Ocorre, todavia, que, nestes casos em que há previsão pré-contratual do direito de arrependimento, as arras penitenciais ou sinal, seguindo os ditames do mencionado artigo 420, “[...] concedem uma espécie de auto-executoriedade para que a parte não-adimplente possa resolver o contrato sem a necessidade de propositura de ação” (FARIAS; ROSENVALD, 2008, p. 478). É dizer, ao contrário dos casos comuns de inadimplência contratual, em que se pode pleitear judicialmente as perdas e danos, multa, juros e demais ressarcimentos, na hipótese em que seja exercido o direito de arrependimento, o preço adiantado pelos contraentes a título de arras ou sinal será simplesmente perdido por quem as deu e posteriormente se arrependeu ou, então, será devolvido o preço mais o equivalente por aquele que as recebeu e posteriormente desistiu de prosseguir na celebração do pacto definitivo. Lembrando que não é cabível indenização suplementar, pois que as arras já são estipuladas previamente pelas partes como valor máximo de indenização em caso de futura desistência (FARIAS; ROSENVALD, 2008).
2. Consequências do descumprimento
A pactuação do contrato preliminar faz com que as partes contraentes assumam como objeto único de convenção a futura celebração do contrato definitivo, isto é, assumem sempre uma obrigação de fazer, que consiste em declarar uma vontade e que pode variar segundo os proeminentes interesses de cada parte. Como já se viu extenuantemente, a força vinculante com que estão dotados os contratos preliminares torna plenamente exigível o cumprimento das obrigações pactuadas e qualquer tentativa de furtar-se ao cumprimento do pré-contrato enseja, por sua vez, a responsabilidade contratual. Nesse sentido, a análise do inadimplemento que decorre do exercício do direito de arrependimento revelou a ocorrência de um mal menor, se é que assim se pode denominá-lo, implicando efeitos práticos que se limitam à perda das arras ou a sua devolução, mais o equivalente. A questão crucial, todavia, circunda aqueles casos em que a promessa de contrato não contém cláusula de arrependimento e o promitente, por um motivo ou outro, torna-se inadimplente de uma obrigação de fazer.
No passado, a doutrina jurídica difundia a concepção de que, em caso de inadimplemento contratual, a responsabilização do devedor se resolveria através do pagamento das perdas e danos (artigo 402 e seguintes do Código Civil), pois a execução coativa da obrigação de fazer representaria uma enorme ofensa à liberdade dos contratantes (RODRIGUES, 2004). Todavia, a passagem gradual da teoria da vontade para a teoria da confiança - já tratada no presente capítulo -, consignando maior importância ao cumprimento irrestrito das disposições pactuadas, provocou uma verdadeira evolução no meio jurídico, de modo que “[...] a doutrina passou a admitir a execução judicial do contrato preliminar, não se reconhecendo, no fato, a violação do princípio da liberdade de contratar” (NADER, 2010, p. 130).
Seguindo essa linha de pensamento, é que o legislador pátrio consagrou o princípio da execução da obrigação de fazer e, ao redigir o texto do artigo 464 do diploma civil, confirmou as normas processuais que já previam “[...] a possibilidade de o juiz, a pedido do interessado, suprir a vontade da parte inadimplente, conferindo assim caráter definitivo ao contrato preliminar, salvo se a isto se opuser a natureza da obrigação” (PEREIRA, 2010, p. 76). Assim também o fez o legislador ao dispor nos artigos 1.417 e 1.418 do ordenamento civil acerca do direito real de aquisição, prevendo a possibilidade do promitente comprador exigir a outorga da escritura definitiva de compra e venda e, em caso de recusa, requerer ao juiz, até mesmo, a adjudicação do imóvel.
Ora, há de se destacar que, antes mesmo da Lei Civil, o Código de Processo Civil, através dos seus revogados artigos 639 e 640, já previa a possibilidade de suprimento do consentimento da parte inadimplente por meio da sentença judicial, inclusive outorgando-a os mesmos efeitos do contrato a ser firmado (NADER, 2010). O novo Código Civil, entretanto, disciplinando os casos de inadimplemento da promessa e consagrando a execução do objeto pré-contratual, sepultou de uma vez por todas a discussão dos juristas acerca da exequibilidade dos contratos preliminares.
Ademais, cumpre ressaltar que a solução legal não está limitada à medida coativa. Apesar do professor Caio Mário da Silva Pereira (2010) referir-se às perdas e danos como solução substitutiva da obrigação de fazer, que só ocorreria em segundo plano, os juristas em geral, bem como o próprio professor, apontam para a alternativa disposta no artigo 465 da Lei Civil: “Se o estipulante não der execução ao contrato preliminar, poderá a outra parte considerá-lo desfeito, e pedir perdas e danos” (BRASIL, 2013a). O pleito indenizatório “[...] é uma alternativa aberta ao contraente pontual [...]” (RODRIGUES, 2004, p. 131), de modo que o credor, perante a inadimplência do pré-contrato em que não fora acordado o direito de arrependimento, pode simplesmente tomá-lo por opção. Essa solução há de ser exercida necessariamente, conforme a parte final do artigo 464 do diploma civil, quando a obrigação pactuada for personalíssima e, assim, só puder ser exercida pessoalmente pelo outro contratante (RIZZARDO, 2006).
É sobremodo importante assinalar que as perdas e danos “[...] tem por finalidade recompor a situação patrimonial da parte lesada pelo inadimplemento contratual” (GONÇALVES, 2011, p. 373) e compõe, segundo os ditames do artigo 402 do Código Civil, aquilo que o credor efetivamente perdeu e também o que razoavelmente deixou de lucrar. No caso específico do inadimplemento da promessa de contrato, as perdas e danos estão diretamente relacionadas aos prejuízos ocasionados ao promissário que, de boa-fé, espera seja adimplido o objeto do pré-contrato, enquanto o devedor (promitente) se abstém, quebrando o círculo harmonioso da relação jurídica e jogando por terra a confiança e solidariedade que deve ser inerente entre os contratantes. A aplicação das perdas e danos segue, por sua vez, os critérios estatuídos entre os artigos 402 e 405 da Carta Civil.
Nesse sentido, cabe o destaque para a minuciosa disposição do artigo 404 da referida carta que prevê, sem prejuízo da pena convencional possivelmente acordada, a abrangência de juros, custas e honorários de advogado ao valor da indenização pecuniária a ser fixada. Ora, a teoria da confiança anunciada no novo Código Civil trouxe consigo verdadeiros instrumentos de defesa, conservação e reparação das relações contratuais. A própria pena convencional estipulada previamente pelas partes para os casos em que haja inadimplemento (artigo 416, CC), bem como as arras penitenciais (artigo 420, CC) - anteriormente analisada -, reforçam essa preocupação. A intenção do legislador de colocar fim às iniquidades perpetradas pelo Código Civil de 1916, que valorizava demasiadamente a liberdade de contratar, fez com que o novo diploma previsse a incidência das perdas e danos, dos juros e da pena em caso de inadimplemento (FARIAS; ROSENVALD, 2008).
Na redação do parágrafo único do artigo 404, o legislador pátrio, inclusive, foi além e ressaltou a possibilidade da concessão judicial de indenização suplementar toda vez que restar provada a inexistência de pena convencional e os juros de mora se revelarem insuficientes à cobertura dos prejuízos. O rigor da norma é celebrado por Carlos Roberto Gonçalves (2011, p. 399), segundo o qual: “A regra é salutar, pois evita o enriquecimento sem causa do devedor, em detrimento do credor [...]”. A propósito, esta é a mesma reação de Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald (2008) ao tratar das arras (artigos 417 usque 420, CC) como instrumento de controle do inadimplemento das obrigações.
Ao contrário das arras penitenciais, analisadas quando da abordagem ao direito de arrependimento, as arras confirmatórias, previstas entre os artigos 417 e 419 do ordenamento civil, são utilizadas justamente para aquelas situações em que não há cláusula de arrependimento pactuada no instrumento do pré-contrato. Nesse caso, havendo o adimplemento da obrigação de fazer – a celebração do contrato definitivo –, as arras são restituídas a quem as adiantou (artigo 417, CC). Por outro lado, caso haja descumprimento da obrigação, o artigo 418 garante àquele que recebeu as arras o exercício do direito de retenção sobre os valores ou, então, se a parte inocente for quem deu as arras, lhe assegura o desfazimento do contrato e a devolução do valor, em dobro e atualizado monetariamente, abrangendo igualmente os juros e, se necessário, a quantia referente aos honorários de advogado (FARIAS; ROSENVALD, 2008).
Em derradeiro, cumpre observar a possibilidade prevista no artigo 419 de que, independentemente das arras estipuladas, haja o pleito de indenização suplementar em decorrência de maiores prejuízos ocasionados pelo inadimplemento do contrato. Por iguais razões, o legislador manteve nas disposições referentes às arras a mesma linha de pensamento utilizada ao prever a possibilidade de indenização suplementar no capítulo concernente às perdas e danos. Aliás, sabiamente fez constar o novel legislador, na parte final do artigo 419 do diploma civil, a plena aptidão que incumbe à parte inocente de exigir a execução do contrato e pleitear perdas e danos, utilizando-se do valor das arras, não como limitador para o pleito indenizatório, mas “[...] como mero início de indenização, pelo simples fato da inexecução culposa” (FARIAS; ROSENVALD, 2008, p. 477).
Por tudo isso, pode-se finalmente compreender a importância com que a Lei Civil brasileira tem se dedicado no tratamento dispensado aos contratos. As consequências previstas para os casos de inadimplemento dos pactos, sejam eles definitivos ou provisórios, são custosas e intrincadas, representam, em verdade, a nova linha de pensamento que propaga a teoria da confiança, tão difundida nos meandros jurídicos após a instituição do atual Código Civil e assiduamente esgotada no presente capítulo. Em síntese, a força vinculante dos contratos que faz com que os contraentes se obriguem a cumprir aquilo que foi efetivamente acordado, guardando a boa-fé, confiança e solidariedade recíproca ao longo de todo o iter contratual, se estende prontamente sobre todos os contratos preliminares, dotando as promessas de valor jurídico incontestável e blindando as legítimas expectativas criadas dos dissabores da liberdade contratual sem responsabilidades.
Conclusão
O contrato preliminar é perfeitamente admissível no direito brasileiro. O contrato preliminar constitui, verdadeira modalidade contratual, e sujeitam as partes contratantes ao adimplemento do seu objeto, que é sempre uma obrigação de fazer, a de concretizar o pacto definitivo.
Decerto, o legislador dispôs no Código Civil acerca dos contratos preliminares em geral e reservou especial atenção às promessas de compra e venda por se tratar de pacto preliminar mais corriqueiro, presumindo inteligentemente que os demais contratos preliminares simplesmente seguiriam as regras gerais dispostas na lei civil. Afastando o preciosismo formal, característico das correntes de pensamento clássico, e visando privilegiar o formato rápido, célere e consensual dos pactos preliminares é que o legislador pátrio dispensou no artigo 462 da carta civil o requisito formal para a validade dos pré-contratos.
Desta forma, conclui-se no presente artigo que a força vinculante dos contratos que faz com que os contraentes se obriguem a cumprir aquilo que foi efetivamente acordado, guardando a boa-fé, confiança e solidariedade recíproca ao longo de todo o iter contratual, se estende prontamente sobre todos os contratos preliminares, dotando as promessas de valor jurídico incontestável e blindando as legítimas expectativas criadas dos dissabores da liberdade contratual sem responsabilidades, de forma que qualquer tentativa de furtar-se ao cumprimento do pré-contrato enseja, por sua vez, a responsabilidade contratual. Desse modo, pode-se efetivamente afirmar que o valor jurídico da promessa encontra-se resguardado e a sua pactuação vincula, de um modo geral, todos os seus contraentes ao adimplemento do contrato definitivo.
Assim, o trabalho desenvolvido contribui como mais um sustentáculo sobre os contratos preliminares e sua efetividade. A pesquisa realizada abre caminho para que outras tantas sejam feitas, muitas delas confirmando a conclusão aqui apresentada, de modo a reforçar o melhor entendimento doutrinário.
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[1] Advogado. Mestre em Segurança Pública pela Universidade Vila Velha. Pós-graduado em Direito Processual Penal pela Faculdade Damásio. Pós-graduado em Direito Civil e Empresarial pela Faculdade Damásio. Graduado em Direito pela Universidade Vila Velha.
Advogado. Mestre em Segurança Pública pela Universidade Vila Velha. Pós-graduado em Direito Processual Penal pela Faculdade Damásio. Pós-graduado em Direito Processual Civil pela Faculdade Damásio. Graduado em Direito pela Universidade Vila Velha.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: RODRIGUES, RUBEN MAURO LUCCHI. O contrato preliminar e seus efeitos práticos Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 06 jan 2020, 04:11. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/54092/o-contrato-preliminar-e-seus-efeitos-prticos. Acesso em: 22 nov 2024.
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