RESUMO: Todas as pessoas sonham com a felicidade, não obstante a dificuldade de defini-la. O presente artigo é construído com base na reflexão de que a felicidade não é um direito, mas um estado de espírito. Todavia, a todos assiste um direito de buscar esse estado emotivo. Assim, esse estudo analisou a matéria do direito fundamental de buscar a felicidade, decorrente do princípio da dignidade da pessoa humana e suas implicações quando da violação desse direito. Ademais, esse artigo analisou se a técnica da ponderação/proporcionalidade seria a forma mais adequada de resolução de conflitos quando houver a colisão do direito fundamental de buscar a felicidade, com outro direito, também fundamental, particularmente o da liberdade. A metodologia utilizada foi a descritiva, por meio de pesquisa bibliográfica, documental e jurisprudencial. Por fim, concluiu-se que não necessariamente a violação do direito fundamental de busca da felicidade consiste em ato ilícito passível de reparação. E, que a técnica apropriada para resolução de conflitos de direitos fundamentais que deve ser utilizada é o princípio da proporcionalidade desde que utilizado com amparo na argumentação lógica da análise dos fatos envolvidos.
Palavras chaves: direito de busca à felicidade; princípio da proporcionalidade; argumentação lógica.
ABSTRACT: All people dream with happiness, despite the difficulty of defining it. This article is built on the reflection that happiness is not a right but a state of mind. However, everyone has a right to seek this emotional state. Thus, this study analyzed the matter of the fundamental right of pursuit of happiness, arising from the principle of the dignity of the human person and its implications when violating this right. In addition, this article analyzed whether the technique of weighting / proportionality would be the most adequate form of conflict resolution when there is a collision of the fundamental right to right of pursuit of happiness, with another right, also fundamental, particularly the freedom one. The methodology used was descriptive, through bibliographical, documentary and jurisprudential research. Finally, it was concluded that not necessarily the violation of the fundamental right of pursuit of happiness consists of an unlawful act that can be repaired. And, that the appropriate technique for resolving fundamental rights conflicts that must be used is the principle of proportionality provided that it is used when based on the logical argumentation of the analysis of the facts involved.
Keywords: right of pursuit of happiness; proportionality principle; logical argumentation.
Sumário: 1.Introdução. 2. Do direito de buscar a felicidade: da contextualização à responsabilização pelo dano. 3. A colisão do direto fundamental de busca da felicidade e do direito de exercício da liberdade: do princípio da proporcionalidade à ponderação dos interesses envolvidos. 4. Considerações finais. 5. Referências.
Apesar da dificuldade de conceituar o que venha a ser felicidade, há uma unanimidade de que todas as pessoas buscam/almejam/sonham com ela. Aristóteles já mencionava que a felicidade é a finalidade da natureza humana: “toda arte e toda indagação e todo propósito, visam a algum bem; por isto foi dito acertadamente que o bem é aquilo que todas as pessoas visam"[1].
As pessoas ordinárias identificam como algum bem obvio e visível, tais como o prazer, ou a riqueza ou a honra, umas dizendo uma coisa e outras algo diferente; na verdade, com muita freqüência o mesmo indivíduo diz coisas diferentes em ocasiões diferentes: quando fica doente, pensa ser a saúde a felicidade; quando é pobre, julga ser a riqueza a felicidade[2].
Importa mencionar que não há como definir a felicidade, da mesma forma como não há como definir os sentimentos, somente há como senti-los. Felicidade, do ponto de vista individual está estritamente ligada à sensação de bem-estar experimentado em virtude de vários acontecimentos/atributos de nossa vida, desde a compreensão de que se alcançou sucesso profissional à satisfação afetiva[3].
Por outro lado, cumpre mencionar que o objeto desse estudo não pretende traçar a evolução histórico/filosófica da etimologia da palavra felicidade, mas sim analisá-la como valor jurídico e, por conseguinte se o direito civil assegura o direito de buscá-la, sem interferências indesejadas.
A reflexão proposta é a de que felicidade, per se, não é um direito, mas um estado de espírito. E, portanto, não há falar em transferência desse ônus/bônus (estado de se estar feliz) ao Estado ou até mesmo a outrem, nem tampouco, encontrar o responsável pela sua frustração[4]. Entretanto, a todos assiste um direito à busca desse estado emotivo[5].
Nas palavras de Thomas Jefferson, o direito à felicidade consta no preâmbulo da Declaração de Independência dos Estados Unidos, 1976, “consideramos estas verdades como evidentes por si mesmas, que todos os homens são criados iguais, dotados pelo Criador de certos direitos inalienáveis, que entre estes estão a vida, a liberdade e a procura da felicidade.”[6]
No Brasil, o direito à busca da felicidade não está destacado, formalmente, na Constituição Federal nem tampouco é contemplado na legislação infraconstitucional. Entretanto, não há qualquer dúvida de que se trata de um direito fundamental, materialmente constitucional, decorrência lógica do dever do Estado de promover o bem de todos e de garantir o respeito à dignidade da pessoa humana[7].
Nesse sentido, cumpre destacar que a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 19 de 2010, apesar de não ter sido aprovada, trouxe ainda mais relevância para a matéria, mormente, pois, buscava incluir o direito à busca da felicidade por cada indivíduo e pela sociedade, com amparo do Estado e da própria sociedade, por meio das adequadas condições de exercício desse direito[8].
Assim, o presente trabalho tomou como marco teórico o artigo do Professor Doutor Mario Luiz Delgado, “Responsabilidade civil por violação do direito fundamental à busca da felicidade: reflexões sobre um novo dano” trazido como uma das temáticas abordadas no livro “Responsabilidade Civil: 50 anos em Portugal e 15 anos no Brasil”.
Dessa forma, o propósito desse estudo foi o de contribuir para a reflexão acerca do direito fundamental de busca à felicidade, e ainda verificar se a técnica da ponderação/proporcionalidade é a mais adequada quando este direito encontra-se em colisão com outro direito, também, fundamental.
Para tanto o primeiro capítulo contextualizou a temática do direito de busca à felicidade, perpassando as etapas de responsabilização civil de forma bastante breve e ponderando as questões pertinentes ao possível dano.
Já o segundo capítulo dedicou-se ao estudo do princípio da proporcionalidade, mormente no que diz respeito à ponderação de direitos em colisão, momento em que foi trazido/analisado um caso concreto de colisão do direito fundamental de exercício da liberdade e o direito de busca da felicidade.
Nas considerações finais entendemos, de acordo com as referências aqui adotadas que, o princípio da proporcionalidade, através da técnica de ponderação, é o meio adequado para resolução de conflitos do direito fundamental da busca de felicidade e do exercício da liberdade, desde que balizado pela teoria da argumentação, logicamente fundamentada.
No âmbito da ordem jurídica brasileira, não há que se falar de normas constitucionais e infraconstitucionais, expressamente dirigidas à tutela jurídica do direito à busca da felicidade, entretanto o direito brasileiro “protege e confere eficácia normativa a grande parte dos fatores materiais e imateriais que contribuem para o seu alcance” [9].
A dignidade da pessoa humana é considerada um dos fatores imateriais mais relevantes para a construção da felicidade. O princípio fundamental da dignidade da pessoa humana, enunciado no art. 1º da Carta Magna, traz dupla concepção. A primeira dispõe acerca do direito protetivo individual “seja em relação ao próprio Estado, seja em relação aos demais indivíduos”. A segunda estabelece o dever fundamental de tratamento igualitário dos semelhantes, “esse dever configura-se pela exigência do indivíduo respeitar a dignidade de seu semelhante tal qual a Constituição Federal exige que lhe respeitem a própria” [10].
A dignidade é, portanto, um valor que perpassa o próprio ser humano, pois se impõe, como um princípio-mor, sempre a ser respeitado quando se estiver diante de um ser humano, ainda que se recuse tal dignidade, deve ser garantida, pois a dignidade da pessoa humana é indissociável da vida do homem.
O princípio constitucional da dignidade da pessoa humana legitima a felicidade como um valor, no âmbito jurídico. Assim, felicidade é o valor e a busca da felicidade é o princípio normativo. Ou seja, a felicidade é a idealização concreta da pessoa humana em sua existência. A felicidade, por ser um valor social é também uma questão política de educação pública[11].
Os valores, diferentemente das normas em sua obrigatoriedade, se traduzem em preferências dignas de serem desejadas em determinada coletividade. Ademais, as normas tem validade binária, ou seja, só podem ser válidas ou inválidas compondo um sistema. Enquanto que os valores expressam relações de preferência em relação à determinada cultura.
Logo, os valores não existem, na verdade, eles são. Isso porque não existem de forma autônoma, mas valem uns mais que outros, ou ainda valem para uns mais que para outros. Mario Luiz Delgado exemplifica essa afirmativa da seguinte forma: “para um esteta a beleza física valerá mais do que a sabedoria, enquanto que para o hedonista o prazer vale mais que o conhecimento” [12].
Assim, ainda que os valores não possuam existência autônoma, eles podem se tornar realidade quando realizados/veiculados pelos objetos que lhes conferem uma qualidade específica/especial.
Desta feita, “normas, direitos e interesses jurídicos veiculam valores”, de modo que todo “dever ser” representa a efetivação de um valor, que estabelece o seu fundamento. Ou seja, a positivação de uma norma é sempre um ato decisório que leva em conta juízos de valor[13].
Talvez a principal característica dos valores seja exatamente esse relativismo, em outras palavras, a impossibilidade de uma só apreensão do seu conteúdo (monismo axiológico). A felicidade pode ter conteúdos diversos, a depender do intérprete e de seu respectivo juízo de valor. A fortuna ou o infortúnio jamais serão sorte ou azar para todas as pessoas. Sempre haverá alguém que achará pontos positivos em situações que, para outras pessoas, terão a aparência de mais repugnante e absoluta tragédia. Todos os valores são relativos. Aquilo que para uns é valor pode ser para outros desvalor. Não há valores absolutos[14].
Logo, não obstante a felicidade, em si, não seja um direito, mas um estado de espírito, a todos assiste um direito de busca da felicidade, tanto que a Constituição Federal Brasileira assegura, embora apenas materialmente, o direito de buscá-la, sem que a ninguém caiba o impedimento desta busca, sob pena de incorrer em ato ilícito[15].
Podemos situar a felicidade no topo da hierarquia dos valores, porque é decorrente da dignidade da pessoa humana, valor mais fundamental, sendo a felicidade um valor que compõe, integra e complementa a dignidade[16].
Entretanto, cumpre fazer diferença entre alcançar a felicidade e buscá-la[17]. Isso, pois, todas as pessoas são titulares do direito inalienável de buscar a sua felicidade, sem que ninguém possa obstar essa busca, consoante dito, anteriormente.
Assim, tem-se que devemos considerar a felicidade um direito fundamental social, tal qual intentou a PEC 19 de 2010, que previa alteração constitucional do artigo 6º, a fim de incluir o direito à busca da Felicidade por cada indivíduo e pela sociedade, com amparo do Estado e da própria sociedade, por meio das adequadas condições de exercício desse direito[18].
Buscar a felicidade é o direito de fazer as escolhas (em grande parte afetivas) que darão sentido à nossa existência. É o direito de projetar, no exercício de nossa liberdade e no âmbito de nossa personalidade, o estado pessoal e afetivo que pretendemos alcançar com a finalidade dar sentido à vida. O projeto de felicidade é a liberdade pura, a autonomia de uma escolha diante das oportunidades apresentadas, visando a realização das vocações da pessoa humana (e da personalidade) em todas as suas possibilidades de manifestação (família, sexualidade, religião, saúde etc), para atingir um estado interior de bem-estar[19].
O direito à busca da felicidade, implícito ao art. 1º, III, da Constituição, eleva o indivíduo ao centro do ordenamento jurídico-político ao passo que reconhece as suas capacidades de autodeterminação, autossuficiência e liberdade de escolha de seus objetivos[20].
Assim, delimitado o direito de busca à felicidade resta saber se a violação a esse direito configuraria um dano autônomo ao dano moral, ou seja, se a restrição ao exercício desse direito, cerceando uma escolha de vida, culminaria no comprometimento do projeto de busca da felicidade do atingido?
Se possível a identificação de mais de um dano suscetível de reparação, a princípio, a consequência lógica seria a fixação de parcelas autônomas indenizatórias a cada um dos danos. Isso porque o princípio da reparação integral não limita o acolhimento de apenas uma modalidade dano, sempre que o mesmo evento danoso ocasionasse mais de um prejuízo extrapatrimonial[21].
Todavia, na prática, com exceção do dano estético não vem sendo acolhidas parcelas indenizatórias autônomas para cada modalidade de prejuízo. Diferentemente do direito estrangeiro, no Brasil as várias parcelas de prejuízos extrapatrimoniais vem sendo denominadas genericamente de dano moral[22].
Do ponto de vista aqui analisado, tem-se que a obrigação de indenizar decorre do vínculo de causalidade, o qual se determina entre a conduta humana e o próprio resultado danoso. Ou seja, comprovando-se que o dano sofrido pela vítima decorreu, diretamente, de condutas do causador, verifica-se a violação à busca da felicidade[23].
A pretensão de reparação civil, nesses casos, exige uma conduta (ação ou omissão) culposa (negligente ou imprudente) do agente, violadora de direito (busca da felicidade) e causadora de (ou passível de causar) dano. O dano decorre diretamente dessa conduta. Não fosse a ação ou omissão, o dano não existiria. Não existe, nessa seara, por ausência de previsão legal, espaço para a responsabilidade objetiva[24].
Desse modo, investigar a culpa em sentido lato é essencial, de modo que, imperiosa a identificação da ação ou omissão (negligencia ou imprudência) que viola o direito de busca da felicidade, a fim de validar seu elo com o dano. Sendo certa ainda a verificação da inexistência de excludentes de ilicitudes, quando da responsabilização civil: força maior, culpa exclusiva de terceiro e estado de necessidade[25].
Portanto, ao se reconhecer um direito à busca da felicidade, materialmente constitucional, respaldado pelo princípio da dignidade da pessoa humana, forçoso anuir que a violação a essa busca interfere na ordem jurídica, sempre, que causar dano ou prejuízo, sob pena de cometer ato ilícito.
A colisão de direitos fundamentais é uma problemática constitucional, pois trata da colisão de direitos reconhecidos, direta ou indiretamente, por normas constitucionais. A solução da colisão desses direitos depende de interpretação constitucional associada à análise da teoria dos princípios, de forma fundamentada, mediante a aplicação do princípio da proporcionalidade, sobretudo da ponderação de bens (proporcionalidade em sentido estrito)[26].
Diferentemente das regras, os princípios possuem um grau maior de abstração, sendo hierarquicamente superiores a elas, dentro do ordenamento jurídico como pirâmide normativa. E, ao contrário das regras, os princípios não permitem uma subsunção direta de fatos, podendo, inclusive, se contradizer, sem implicar que um deles perderia a validade jurídica. É nessa situação de conflito entre princípios que o princípio da proporcionalidade[27] tem grande significado/importância, pois, se apresenta como a melhor forma de solucionar o conflito, acatando um princípio e desatendendo o outro[28].
O princípio da proporcionalidade, portanto, determina que seja estabelecida uma correspondência entre o fim a ser alcançado por uma disposição normativa e o meio empregado, que seja juridicamente a melhor possível[29].
Diante do abordado no capítulo anterior, temos que a busca da felicidade é um direito fundamental, e, portanto, pode entrar em colisão com outros direitos fundamentais, principalmente, no âmbito das relações conjugais, com o direito fundamental de liberdade. Isso, pois, o exercício de liberdade de um dos parceiros pode atingir o projeto de felicidade de vida do outro, de modo a causar abalo/sofrimento emocional, alcançando a integridade psíquica, sem que isso implique em dano indenizável, se admitido o afastamento da ilicitude da conduta lesiva, no caso concreto[30].
Desta forma, se identificado o conflito entre o direito fundamental de busca da felicidade e outro direito também fundamental, aplicar-se-ia o princípio da proporcionalidade para solucioná-lo.
O princípio da proporcionalidade tem um conteúdo que se reparte em três “princípios parciais” (Teilgrundsätze): “princípio da proporcionalidade em sentido estrito” ou “máxima do sopesamento” (Abwägungsgebot), “princípio da adequação” e “princípio da exigibilidade” ou “mandamento do meio mais suave” (Gebot des mildesten Minéis). O “princípio da proporcionalidade em sentido estrito” determina que se estabeleça uma correspondência entre o fim a ser alcançado por uma disposição normativa e o meio empregado, que seja juridicamente a melhor possível. Isso significa, acima de tudo, que não se fira o “conteúdo essencial” (Wesensgehalt) de direito fundamental, como desrespeito intolerável da dignidade humana, bem como que, mesmo em havendo desvantagens para, digamos, o interesse de pessoas, individual ou coletivamente consideradas, acarretadas pela disposição normativa em apreço, as vantagens que traz para interesses de outra ordem superam aquelas desvantagens[31].
Ou seja, no sopesamento/ponderação os princípios continuam a ser aplicados, pois não são eliminados/extintos de aplicação, consoante seriam as regras conflitantes, em casos de controles de antinomias (calcadas em hierarquia, especialidade e sucessão temporal). A ponderação garante uma solução fundamentada na razoabilidade dos valores envolvidos[32].
Mario Luiz Delgado apresenta um caso concreto de uma ação indenizatória em virtude do rompimento de noivado, tendo em vista a existência de relacionamento afetivo paralelo da parte adversa (o outro nubente), de modo que estariam em conflito o princípio da liberdade de casar ou não casar e o princípio da busca da felicidade e da proteção à honra, à imagem e à integridade psíquica do autor da ação.
Assim considerando a existência das três fases, na técnica de aplicação da ponderação (princípio da proporcionalidade em sentido estrito), o primeiro momento seria justamente o de identificação das normas em colisão, bem como as normas que seriam relevantes para solução do caso.
No segundo momento, o aplicador do direito, por sua vez leva em consideração o contexto fático, momento em que são verificadas as justificativas e as repercussões de cada uma das normas/interesses em conflito.
Desta feita, ainda não há falar, ainda, em solução ou mesmo em alguma novidade. A Identificação das normas aplicáveis e compreensão dos fatos relevantes fazem parte de todo e qualquer processo interpretativo, sejam os casos fáceis ou difíceis. É, no entanto, na terceira etapa que a ponderação irá singularizar-se, em oposição à subsunção. Isso, pois, os princípios, por sua estrutura e natureza, ressalvados certos limites, podem ser aplicados com maior ou menor intensidade, em certas circunstâncias jurídicas ou fáticas, sem que isso, repita-se, afete sua validade[33].
Nessa fase dedicada à decisão, os diferentes grupos de normas e a repercussão dos fatos do caso concreto estarão sendo examinados de forma conjunta, de modo a apurar os pesos que devem ser atribuídos aos diversos elementos em disputa e, portanto, o grupo de normas que deve preponderar no caso. Em seguida, é preciso ainda decidir quão intensamente esse grupo de normas – e a solução por ele indicada – deve prevalecer em detrimento dos demais, isto é: sendo possível graduar a intensidade da solução escolhida, cabe ainda decidir qual deve ser o grau apropriado em que a solução deve ser aplicada[34].
Ou seja, a decisão corresponde à terceira etapa, de modo que consiste na escolha realizada pelo aplicador do direito, momento em que será realizado o sopesamento para concluir se o interesse lesivo justifica, no caso concreto, a desconsideração do interesse lesado[35].
Atente-se ao fato de que na ponderação, em qualquer uma de suas três etapas, existe a presença de uma carga subjetiva, as quais podem ser influenciadas, pelas circunstâncias pessoais valorativas e carecem de referências materiais que vinculem o operador do direito nesse sentido, o que muitas vezes implica em um exagero da discricionariedade do judiciário[36].
Entretanto, o risco de tal disfunção não desmerece a utilização da ponderação como técnica descisória, nem tampouco, obsta a doutrina de buscar parâmetros melhor definidos para sua aplicação. Da mesma forma, não se pode dizer que a existência de ponderação valida um ativismo judicial exarcerbado/indiscriminado. Sendo certo que esse controle de legitimidade das decisões obtidas através da ponderação tem sido realizado através do exame da argumentação desenvolvida[37].
Assim, ao retomarmos ao exemplo proposto anteriomente, no qual há o confronto entre a liberdade de uma parte e o direito de busca à felicidade da outra, diante da utilização da ponderação (princípio da proporcionalidade), o aplicador do direto desenvolverá uma argumentação lógica[38], com base nos demais elementos fáticos[39], a fim de decidir qual o direito fundamental será afastado em virtude do outro, e, afastar, se for o caso, a ilicitude da conduta, ainda que tenha dado ensejo a frustração do projeto de felicidade de uma das partes[40].
Essa decisão, que afasta a ilicitude e a consequente obrigação de indenizar, mesmo não conduzindo a única solução possível, deve se mostrar suficiente para angariar a adesão de grande contigente de pessoas bem-intencionadas e esclarecidas, comprovando, assim, a consistência da argumentação e, consequentemente, a legitimidade da ponderação[41].
O exemplo em análise não é um caso fácil, pois, trata de conflito entre direitos fundamentais, no qual não existe no ordenamento jurídico, ao menos em tese, a solução constitucionalmente adequada. O juiz, terá de fazer a ponderação entre os valores conflitantes e realizar escolhas.
Entretanto, é importante notar, ainda, que pessoas esclarecidas e de boa-fé poderão produzir soluções distintas para o mesmo problema. Sendo certo, portanto, que o ponto crucial a ser analisado é a verificação da demonstração lógico argumentativa da decisão.
A matéria felicidade tem sido discutida desde os filósofos da Grécia antiga até os dias atuais. Por outro lado, é certo que não há bem como definir o que vem a ser felicidade, senão senti-la, tal qual ocorre com os nossos sentimentos. Normalmente o estado de felicidade está intimamente ligado à sensação de bem estar associado ao sucesso na seara profissional, afetiva etc.
Dessa forma, resta evidente que se trata de uma questão subjetiva, sendo certo que felicidade para uma pessoa, não necessariamente significará o mesmo que para outra. Ou ainda que para a mesma pessoa, em determinado momento estar feliz signifique uma coisa e não outra.
Entretanto, diferentemente da subjetividade que envolve a temática, o direito de buscar a felicidade é garantido, materialmente, no ordenamento jurídico brasileiro. Isso, pois apesar de não ter sido formalmente recepcionado, não restam dúvidas de que seja uma decorrência lógica do dever do Estado em promover o bem de todos e de garantir o respeito à dignidade da pessoa humana. E, a ninguém convém impedir esse direito de buscá-la, podendo incorrer em ato ilícito.
Por conseguinte, reconhecida a fundamentalidade do direito de buscar à felicidade, é de se reconhecer a possibilidade de colisão com outros direitos fundamentais. E, quando em confronto, a solução dependerá da interpretação constitucional aplicada em conjunto com o princípio da proporcionalidade, sempre de maneira bem fundamentada.
O princípio da proporcionalidade garantirá uma solução ponderada ao caso concreto, isso, pois, se fundamenta na razoabilidade/sopesamento dos valores envolvidos, de modo que o aplicador do direito realizará/concluirá pela escolha cujo interesse lesivo se justifique em desconsideração ao interesse lesado.
Nesse sentido, a ponderação como técnica decisória apresenta uma enorme carga subjetiva que poderá contaminar os julgados, caso identificado um exagero do uso da discricionariedade do aplicador do direito. Entretanto, esse risco não pode ser utilizado como justificativa para a não utilização da técnica de ponderação, mormente, porque, o controle da legitimidade dessas decisões é realizado através do exame da argumentação desenvolvida/utilizada logicamente pelo juiz.
É importante, portanto, ter a consciência de que é possível alcançar soluções distintas para o mesmo problema, se o caso concreto for apresentado a pessoas diferentes, ainda que sejam guiadas pela boa-fé e bem esclarecidas, tornando-se essencial, a análise e a verificação de demonstração lógico argumentativa da decisão.
Logo, nos casos em que houver confronto do direito à liberdade de uma parte e à felicidade da outra, por exemplo, imperioso decicidi-lo pela utilização da técnica de ponderação (princípio da proporcionalidade), levando-se em consideração os elementos fáticos, e desenvolvendo-se uma argumentação lógica, a fim de decidir pelo afastamento de um ou outro direito, para posteriormente examinar se se verifica a ilicitude da conduta.
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[1] ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. Tradução de Edson Bini. Bauru: Edipro, 2002, p. 17
[2] ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. Tradução de Edson Bini. Bauru: Edipro, 2002, p. 42.
[3] DELGADO, Mário Luiz. Responsabilidade civil por violação do direito fundamental à busca da felicidade: reflexões sobre um novo dano. In: MUNIZ, Francisco Arthur de Siqueira (coord.). Responsabilidade Civil: 50 anos em Portugal e 15 anos no Brasil. Salvador: Juspodivm, 2017.
[4] Trata-se da análise das questões de autorresponsabilidade, consoante pregava Mahatma Ghandi, “a diferença que nós fazemos e que somos capazes de fazer resolveria a maioria dos problemas do mundo”.
[5] DELGADO, Mário Luiz. Responsabilidade civil por violação do direito fundamental à busca da felicidade: reflexões sobre um novo dano. In: MUNIZ, Francisco Arthur de Siqueira (coord.). Responsabilidade Civil: 50 anos em Portugal e 15 anos no Brasil. Salvador: Juspodivm, 2017.
[6] DIAS, Maria Berenice. Direito Fundamental à Felicidade. Revista Jurídica da Universidade do Sul de Santa Catarina. Disponível em: ‹http://www.portaldeperiodicos.unisul.br/index.php/U_Fato_Direito/article/view/1079/900› em: 05 fev. 2019.
[7] Cabe a extensão da responsabilidade de busca à felicidade não somente ao Estado, mas a todos, como conclui Maria Berenice Dias: o direito à felicidade corresponde ao anseio de toda a sociedade, por isso deve ser o norte dos princípios constitucionais e das normas que compõe o sistema jurídico. Daí ser um compromisso que precisa ser assumido por todos. Não só pelo Estado, mas por cada um, que além de buscar a própria felicidade, precisa tomar consciência que este é um direito coletivo e não individual. A felicidade não é só um direito fundamental do cidadão, é um direito que precisa ser garantido a todos. DIAS, Maria Berenice. Direito Fundamental à Felicidade. Revista Jurídica da Universidade do Sul de Santa Catarina. Disponível em: ‹http://www.portaldeperiodicos.unisul.br/index.php/U_Fato_Direito/article/view/1079/900› em: 05 fev. 2019.
[8] O texto previsto na PEC pretendia alterar o artigo 6º, in verbis: “Art. 6º São direitos sociais, essenciais à busca da felicidade, a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição”. RUBIN, Beatriz. O DIREITO À BUSCA DA FELICIDADE. Revista Brasileira de Direito Constitucional – RBDC n. 16 – jul./dez. 2010 Disponível em: ‹http://www.esdc.com.br/seer/index.php/rbdc/article/view/225›. Acesso em: 28 jan. 2019.
[9] BARROS, Antonio Ozorio Leme. A Busca da Felicidade: Um Outro Olhar para a Missão do Ministério Público. Disponível em: ‹http://api.ning.com/files/CtAHWrZTGSyvECqZ3K5bFYEz5JAmiXgyflGIse*mVjJnZqAdN3asSpnuU0U1XsW6iZWVjfecfKGWHrwX4OAXKN*tf1*RoS*/AbuscadafelicidadeumoutroolharparaamissodoMP.pdf›Acesso em: 05 fev. 2019.
[10] Op cit.
[11] DELGADO, Mário Luiz. Responsabilidade civil por violação do direito fundamental à busca da felicidade: reflexões sobre um novo dano. In: MUNIZ, Francisco Arthur de Siqueira (coord.). Responsabilidade Civil: 50 anos em Portugal e 15 anos no Brasil. Salvador: Juspodivm, 2017.
[12] Op. Cit.
[13]Op. Cit.
[14] DELGADO, Mário Luiz. Responsabilidade civil por violação do direito fundamental à busca da felicidade: reflexões sobre um novo dano. In: MUNIZ, Francisco Arthur de Siqueira (coord.). Responsabilidade Civil: 50 anos em Portugal e 15 anos no Brasil. Salvador: Juspodivm, 2017.
[15] Op. Cit.
[16] Op. Cit.
[17] Interessante trazer aqui a citação de Benjamin Franklin no sentido de que “A constituição só te dá o direito de buscar a felicidade. Tens de ser tu a apanhá-la”. DELGADO, Mário Luiz. Responsabilidade civil por violação do direito fundamental à busca da felicidade: reflexões sobre um novo dano. In: MUNIZ, Francisco Arthur de Siqueira (coord.). Responsabilidade Civil: 50 anos em Portugal e 15 anos no Brasil. Salvador: Juspodivm, 2017.
[18] RUBIN, Beatriz. O DIREITO À BUSCA DA FELICIDADE. Revista Brasileira de Direito Constitucional – RBDC n. 16 – jul./dez. 2010 Disponível em: ‹http://www.esdc.com.br/seer/index.php/rbdc/article/view/225›. Acesso em: 28 jan. 2019.
[19]DELGADO, Mário Luiz. Responsabilidade civil por violação do direito fundamental à busca da felicidade: reflexões sobre um novo dano. In: MUNIZ, Francisco Arthur de Siqueira (coord.). Responsabilidade Civil: 50 anos em Portugal e 15 anos no Brasil. Salvador: Juspodivm, 2017.
[20]STF. RECURSO EXTRAORDINÁRIO: RE 898.060 SP. Relator: Ministro Luiz Fux. Disponível em: ‹http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticianoticiastf/anexo/re898060.pdf› Acesso em: 04 fev. 2019.
[21] Op. Cit.
[22] SANSEVERINO, Paulo de Tarso Viera. Princípio da reparação integral. São Paulo: Saraiva, 2011.
[23] DELGADO, Mário Luiz. Responsabilidade civil por violação do direito fundamental à busca da felicidade: reflexões sobre um novo dano. In: MUNIZ, Francisco Arthur de Siqueira (coord.). Responsabilidade Civil: 50 anos em Portugal e 15 anos no Brasil. Salvador: Juspodivm, 2017.
[24] Op. Cit.
[25] Em alguns eventos, a aferição da conduta culposa e do nexo de causalidade não encontra dificuldades, como é o caso da dissolução do casamento ou da união estável com violação do dever de fidelidade e exposição vexatória da imagem do outro cônjuge, a implicar vulneração, não apenas da imagem, da autoestima, da intimidade ou da privacidade, mas, igualmente, do direito a busca da felicidade daquele que acreditou na construção de um projeto conjugal duradouro. Nesse caso fica evidente à frustração do projeto familiar de realização da felicidade. DELGADO, Mário Luiz. Responsabilidade civil por violação do direito fundamental à busca da felicidade: reflexões sobre um novo dano. In: MUNIZ, Francisco Arthur de Siqueira (coord.). Responsabilidade Civil: 50 anos em Portugal e 15 anos no Brasil. Salvador: Juspodivm, 2017.
[26] STEINMETZ, Wilson Antônio. Colisão de direitos fundamentais e princípio da proporcionalidade. Dissertação de mestrado, 2000. Disponível em: ‹https://acervodigital.ufpr.br/handle/1884/56635›. Acesso em 08 fev. 2019.
[27] A idéia de proporcionalidade revela-se não só um importante — o mais importante, por viabilizar a dinâmica de acomodação dos princípios— princípio jurídico fundamental, mas também um verdadeiro topos argumentativo, ao expressar um pensamento aceito como justo e razoável de um modo geral, de comprovada utilidade no equacionamento de questões práticas, não só do direito em seus diversos ramos, como também em outras disciplinas, sempre que se tratar da descoberta do meio mais adequado para atingir determinado objetivo.
[28] GUERRA FILHO, Willis Santiago. O princípio constitucional da proporcionalidade. Revista do TRT da 15ª Região. N. 20. SETEMBRO, 2002. Disponível em: ‹ https://juslaboris.tst.jus.br/bitstream/handle/20.500.12178/109032/2002_guerra_filho_willis_principio_constitucional.pdf?sequence=1›. Acesso em 08 fev. 2019
[29] Op. cit.
[30] DELGADO, Mário Luiz. Responsabilidade civil por violação do direito fundamental à busca da felicidade: reflexões sobre um novo dano. In: MUNIZ, Francisco Arthur de Siqueira (coord.). Responsabilidade Civil: 50 anos em Portugal e 15 anos no Brasil. Salvador: Juspodivm, 2017.
[31] GUERRA FILHO, Willis Santiago. O princípio constitucional da proporcionalidade. Revista do TRT da 15ª Região. N. 20. SETEMBRO, 2002. Disponível em: ‹ https://juslaboris.tst.jus.br/bitstream/handle/20.500.12178/109032/2002_guerra_filho_willis_principio_constitucional.pdf?sequence=1›. Acesso em 08 fev. 2019.
[32] DELGADO, Mário Luiz. Responsabilidade civil por violação do direito fundamental à busca da felicidade: reflexões sobre um novo dano. In: MUNIZ, Francisco Arthur de Siqueira (coord.). Responsabilidade Civil: 50 anos em Portugal e 15 anos no Brasil. Salvador: Juspodivm, 2017.
[33] BARROSO, Luís Roberto e BARCELLOS, Ana Paula de. O Começo da História. A Nova Interpretação Constitucional e o Papel dos Princípios no Direito Brasileiro. Revista da EMERJ, v. 6, n. 23, 2003.
[34] Op. Cit.
[35] DELGADO, Mário Luiz. Responsabilidade civil por violação do direito fundamental à busca da felicidade: reflexões sobre um novo dano. In: MUNIZ, Francisco Arthur de Siqueira (coord.). Responsabilidade Civil: 50 anos em Portugal e 15 anos no Brasil. Salvador: Juspodivm, 2017.
[36] Op. Cit.
[37] BARROSO, Luís Roberto e BARCELLOS, Ana Paula de. O Começo da História. A Nova Interpretação Constitucional e o Papel dos Princípios no Direito Brasileiro. Revista da EMERJ, v. 6, n. 23, 2003
[38] “A demonstração lógica adequada do raciocínio desenvolvido é vital para a legitimidade da decisão proferida”. BARROSO, Luís Roberto e BARCELLOS, Ana Paula de. O Começo da História. A Nova Interpretação Constitucional e o Papel dos Princípios no Direito Brasileiro. Revista da EMERJ, v. 6, n. 23, 2003
[39] Forma e circunstâncias do rompimento do noivado, momento em que ocorreu a quebra de confiança, anterior ou posterior/concomitante ao término do relacionamento, exposição vexatória de fatos intrínsecos a vida privada, expectativas criadas no outro entre outras. DELGADO, Mário Luiz. Responsabilidade civil por violação do direito fundamental à busca da felicidade: reflexões sobre um novo dano. In: MUNIZ, Francisco Arthur de Siqueira (coord.). Responsabilidade Civil: 50 anos em Portugal e 15 anos no Brasil. Salvador: Juspodivm, 2017.
[40] DELGADO, Mário Luiz. Responsabilidade civil por violação do direito fundamental à busca da felicidade: reflexões sobre um novo dano. In: MUNIZ, Francisco Arthur de Siqueira (coord.). Responsabilidade Civil: 50 anos em Portugal e 15 anos no Brasil. Salvador: Juspodivm, 2017.
[41] Op. Cit.
Mestranda em Direito pela Faculdade Damas - FADIC, Pós-graduada em Direito Público pela Universidade Anhanguera-UNIDERP. Especialista em Gestão e Controle Ambiental pela Universidade de Pernambuco- UPE. Advogada inscrita na OAB-PE sob o n. 30.391.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: LORENA SIMÕES FLORÊNCIO, . Novos paradigmas do direito civil na visão de Mario Luiz Delgado: do direito fundamental de busca da felicidade à resolução de conflitos através do princípio da proporcionalidade Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 07 fev 2020, 04:55. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/54219/novos-paradigmas-do-direito-civil-na-viso-de-mario-luiz-delgado-do-direito-fundamental-de-busca-da-felicidade-resoluo-de-conflitos-atravs-do-princpio-da-proporcionalidade. Acesso em: 22 nov 2024.
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