RESUMO: O presente estudo buscou compreender o instituto das imunidades tributárias no Brasil, seus mecanismos e desdobramentos no cotidiano do aplicador do direito, abordando os aspectos legais, doutrinários e jurisprudenciais sobre o tema. Partindo do pressuposto que as imunidades tributárias se prestam, essencialmente a proteger determinados valores sociais considerados fundamentais para o legislador originário, à exemplo da liberdade religiosa, da liberdade de expressão, dentre outros, analisamos as principais formas de imunidade tributária trazidas pela Constituição Federal. A pesquisa faz-se necessária, pois resta evidente a necessidade de angariar receitas pelo ente público em contraposição a vedações constitucionais explícitas para arrecadar tributos, que limitam a incidência do poder coercitivo de arrecadação dos entes federados. A pesquisa abordou a conceituação das imunidades tributárias sob diferentes perspectivas, trazendo ainda as disposições legais e divergências doutrinárias e principalmente, as constantes inovações e modificações sobre o tema nos tribunais superiores, traçando um panorama atual sobre o assunto.
Palavras-chave: Imunidade Tributária; Brasil; Constituição Federal.
SUMÁRIO: INTRODUÇÃO. CAPÍTULO 1 – CONCEITUAÇÕES INICIAIS. 1.1. Breve histórico das Imunidades Tributárias no Brasil. 1.2. Distinção entre Não incidência, Imunidade e Isenção. 1.3. O conceito de Imunidade Tributária. 1.4. Classificações das Imunidades Tributárias. CAPÍTULO II - AS IMUNIDADES TRIBUTÁRIAS PREVISTAS NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. 2.1. As imunidades no texto constitucional. 2.2 As principais espécies de Imunidades Tributárias. 2.2.1. A Imunidade Tributária Recíproca. 2.2.2. As imunidades dos templos de qualquer culto. 2.2.3. A imunidade dos Partidos Políticos, Instituições Assistenciais e Educacionais. 2.2.3.1 A imunidade dos partidos políticos. 2.2.3.2 A Imunidade das entidades sindicais dos trabalhadores.
2.2.3.3 A Imunidade das instituições de educação e de assistência social sem fins lucrativos. 2.2.4. A Imunidade tributária cultural. 2.2.4.1 Imunidade Tributária da Música Nacional. 2.3 Outros julgados sobre a imunidade tributária. CONSIDERAÇÕES FINAIS. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.
Após um longo período de regime ditatorial que vigorou no país, emerge a Constituição de 1988, também denominada “Constituição Cidadã”, permeada pela proteção de valores fundamentalmente democráticos que são perceptíveis, não só no texto constitucional vigente, mas também em todo o ordenamento jurídico nacional. A presença desses valores torna-se evidente, por consequência, na atividade financeira e tributária do Estado.
A Constituição Federal de 1988 é considerada uma constituição analítica, que traz em seu texto os mais diversos assuntos, ultrapassando a mera organização do Estado e proteção de direitos individuais.
A tributação é, sem dúvida, um instrumento fundamental para o desenvolvimento da economia de um Estado Soberano. A arrecadação e posterior aplicação dos recursos é o que mantém o funcionamento da máquina pública, embora notadamente existam distorções e inadequada gestão desses recursos no âmbito político-administrativo.
Sendo o Brasil um Estado Federado, cujos entes políticos são dotados de autonomia, a instituição de tributos é tratada a partir do art. 145 da Constituição, Título VI, Da Tributação e Orçamento, Capítulo I Do Sistema Tributário Nacional, se estendendo até o artigo 162, dispondo sobre os tributos e seus princípios gerais; limitações ao poder de tributar; os impostos de competência de cada ente político (União, Estados, Distrito Federal e Municípios); e da repartição das receitas tributárias.
A Constituição Federal de 1988 recepcionou o Código Tributário Nacional de 1966 enquanto lei complementar. O fenômeno da recepção implica na manutenção de leis anteriores a promulgação da Constituição, no que forem com ela compatíveis. Caso o conteúdo legal não seja compatível com o texto constitucional, tem-se o fenômeno da revogação, que constitui na retirada da vigência da lei.
Alguns dispositivos do Código Tributário Nacional não foram recepcionados, pois eram incompatíveis com a Constituição Federal. No restante, portanto, o conteúdo jurídico foi recepcionado com o status de lei complementar.
O conceito de tributo, por exemplo, pode ser extraído do artigo 3º do Código Tributário Nacional, que nos diz: “Tributo é toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada”.
Desse conceito, pode-se inferir a obrigatoriedade da prestação pela presença da palavra “compulsória”, excluindo a autonomia da vontade do contribuinte. A necessidade da prestação ser em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, apresenta certa redundância, pois todos os bens materiais são suscetíveis de avaliação monetária. Em seguida, o tributo deve provir de atividade lícita, o que significa que a lei não pode incluir na hipótese de incidência tributária o elemento ilicitude. No entanto, um fato gerador pode ocorrer em circunstâncias ilícitas, ensejando o recolhimento do tributo, a exemplo da aferição de renda através do tráfico de drogas. Mesmo que a atividade seja ilícita, o imposto de renda será devido pela ocorrência do fato gerador. (MACHADO, 2004).
A partir do conceito de tributo percebe-se a supremacia do interesse público de arrecadação em detrimento da vontade particular. Nesse aspecto, o constituinte originário optou por proteger algumas situações jurídicas da incidência da tributação, especialmente através das imunidades tributárias, que serão detalhadas nesse estudo.
Vale ressaltar que o conceito de tributo também está disposto na lei 4320/64 que estatui as normas gerais de direito financeiro para elaboração e controle dos orçamentos e balanços da União, dos Estados, dos Municípios e do Distrito Federal. No artigo 9º da referida lei, temos:
“Tributo é a receita derivada instituída pelas entidades de direito público, compreendendo os impostos, as taxas e contribuições nos termos da constituição e das leis vigentes em matérias financeira, destinando-se o seu produto ao custeio de atividades gerais ou especificas exercidas por essas entidades”.
A conceituação de tributo da lei 4320/64 traz a definição do termo a partir da perspectiva do direito financeiro, em que as espécies tributárias são apenas três: impostos, taxas e contribuições. Embora seja notadamente distinto do Código Tributário Nacional, ambas as definições são válidas e aplicáveis, diferindo-se em relação a arrecadação tributária (direito tributário) e aplicação dos recursos (direito financeiro).
Em relação às espécies tributárias, a Constituição Federal elenca em seu artigo 145, que a União, Estados, Distrito Federal e os Municípios poderão instituir os seguintes tributos: impostos; taxas, em razão do exercício do poder de polícia ou pela utilização, efetiva ou potencial, de serviços públicos específicos e divisíveis, prestados ao contribuinte ou postos à sua disposição e a contribuição de melhoria, decorrente de obras públicas. Ocorre que embora conste nesse dispositivo legal as três espécies tributárias, a doutrina e os tribunais superiores, principalmente o Supremo Tribunal Federal, entendem que, no âmbito do direito tributário, adota-se no país a teoria pentapartida dos tributos, que significa que também se incluem no rol das espécies tributárias o empréstimo compulsório e as contribuições especiais, dispostos nos artigos 148, 149 e 149-A.
Sendo assim, temos cinco espécies de tributos existentes no sistema jurídico brasileiro: os impostos, as taxas, as contribuições de melhoria, os empréstimos compulsórios e as contribuições especiais, que serão retratados resumidamente a seguir para a melhor compreensão do assunto.
Segundo o artigo 16 do Código Tributário Nacional, imposto é o tributo cuja obrigação tem por fato gerador uma situação independente de qualquer atividade estatal específica, relativa ao contribuinte. O fato gerador do dever jurídico de pagar imposto é uma situação da vida do contribuinte, relacionada a seu patrimônio, independente do agir do Estado (MACHADO, 2004).
As taxas, conforme se depreende do artigo 145, inciso II da Constituição Federal e do artigo 77 do Código Tributário Nacional, são espécies de tributo cujo fato gerador é o exercício regular do poder de polícia ou serviço público específico e divisível, prestado ou posto à disposição do contribuinte. Podem ser cobradas por todos os entes federativos: União, Estados, Distrito Federal e Municípios.
As contribuições de melhoria elencadas no artigo 145, inciso II e 81 do Código Tributário Nacional igualmente podem ser cobradas por todos os entes federados: União, Estados, Distrito Federal e Municípios no âmbito de suas atribuições, para fazer face ao custo de obras públicas de que decorra valorização imobiliária, tendo como limite total a despesa realizada e como limite individual o acréscimo de valor que da obra resultar para cada imóvel beneficiado. O artigo 82 do Código Tributário Nacional traz ainda os requisitos a serem observados para a instituição desse tributo.
Os empréstimos compulsórios, dispostos no artigo 148 da Constituição Federal são instituídos apenas pela União, pela edição de lei complementar. Trata-se de um tributo vinculado, que terá como função atender despesas extraordinárias decorrentes de calamidade pública, de guerra externa ou sua iminência, ou investimento público de caráter urgente e de relevante interesse nacional. Os empréstimos compulsórios têm como característica fundamental a ulterior devolução ao contribuinte, constituindo uma espécie de “empréstimo” tomado pelo Poder Público.
As contribuições sociais são tratadas no artigo 149 e 149-A da Constituição Federal. O artigo 149 diz que compete exclusivamente à União instituir contribuições sociais de intervenção no domínio econômico e de interesse das categorias profissionais ou econômicas, como instrumento de sua atuação nas respectivas áreas, incluindo as contribuições sociais previstas no artigo 195 da Constituição.
Essas contribuições se subdividem em: contribuição de intervenção no domínio econômico, chamadas “CIDE”; contribuição de interesse das categorias profissionais e econômicas, que são aquelas instituídas pelos Conselhos Profissionais; contribuição da seguridade social, que custeiam a assistência, previdência e saúde; e as contribuições para o custeio de iluminação pública (“COSIP”).
Ultrapassada a breve conceituação de tributo e suas espécies, é evidente no texto maior, que somente as pessoas jurídicas de direito público detém a competência tributária, exercendo seu poder de império através da arrecadação de receitas públicas derivadas, ou seja, através da exploração do patrimônio dos contribuintes. A autonomia da vontade torna-se mitigada, prevalecendo os princípios da supremacia do interesse público e da indisponibilidade dos bens públicos, necessários e fundamentais para a manutenção da máquina pública e da estrutura social.
Uma vez que a arrecadação tributária é um instrumento fundamental à manutenção do Estado, as limitações ao poder de tributar constituem importantes determinações legislativas da Constituição Federal, e emergem enquanto limites impostos ao Estado pelo Constituinte, relativizando seu poder de império e arrecadação, através da proteção jurídica de algumas situações e institutos elencados no texto constitucional.
As principais imunidades tributárias, integram a seção II, “Das limitações ao poder de tributar”. O artigo 150, inciso VI, estabelece o rol de imunidades tributárias, no qual é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios instituir impostos sobre o patrimônio, renda ou serviços, uns dos outros; templos de qualquer culto; patrimônio, renda ou serviços dos partidos políticos, inclusive suas fundações, das entidades sindicais dos trabalhadores, das instituições de educação e de assistência social, sem fins lucrativos, atendidos os requisitos da lei; livros, jornais periódicos e o papel destinado a sua impressão; fonogramas e videofonogramas musicais produzidos no Brasil contendo obras musicais ou literomusicais de autores brasileiros e/ou obras em geral interpretadas por artistas brasileiros bem como os suportes materiais ou arquivos digitais que os contenham, salvo na etapa de replicação industrial de mídias ópticas de leitura a laser.
Em seguida, os parágrafos 2º, 3º e 4º, trazem um detalhamento maior a respeito das imunidades tributárias, sua aplicabilidade, vedações e extensão.
Outras hipóteses de imunidade tributária estão dispostas no texto constitucional, no entanto, embora o termo “imunidade” não esteja expresso na Constituição Federal, infere-se sua interpretação partindo do pressuposto que, em suma, as imunidades são as vedações ao poder de tributar expressas na Constituição.
Traçada uma contextualização inicial sobre o tema, o presente estudo abordará os principais aspectos das imunidades tributárias no cenário atual, fornecendo subsídios para uma melhor compreensão do assunto
1.1. Breve histórico das Imunidades Tributárias no Brasil
Na histórica política brasileira, nem sempre as imunidades tributárias figuraram nas Constituições Federais.
A primeira constituição brasileira, do ano de 1822 era denominada constituição luso-brasileira, e reproduzia os valores portugueses, nada dispondo sobre o tema das imunidades tributárias. A Constituição Brasileira seguinte, de 1824 do Império do Brasil se caracterizava fundamentalmente pela existência de um 4º poder, ao lado do Executivo, do Legislativo e do Judiciário, chamado de Poder Moderador. Esse poder consistia em uma verdadeira anomalia e permitia uma intervenção direta e muitas vezes inadequada do monarca nos outros poderes.
Essa Constituição era omissa em relação ao tema das imunidades, e, diferentemente dela, a Carta Magna seguinte (1891), traça alguns aspectos importantes sobre a imunidade tributária:
“Sob o aspecto das imunidades tributárias, a CF/91 previa duas hipóteses expressas, porém com terminologia inadequada para o Direito Tributário atual, uma vez que os dispositivos mencionam ”isenção” para casos em que hoje, tecnicamente denomina-se “imunidade”, quando o Estado exportar produtos produzidos em outros Estados, e, sobre tributos estaduais que incidiriam sobre produtos estrangeiros importados. Afirma ainda Ichiara, que há duas outras hipóteses de imunidade tributária que, por suas palavras são “o embrião” do que hoje se chama de imunidade recíproca (“é proibido aos Estados tributar bens rendas federais ou serviços a cargo da União, e reciprocamente”) e imunidade dos templos de qualquer culto. Todavia, é de se notar que inexiste previsão expressa acerca dessas espécies de imunidades” (DANELI FILHO, PILAU SOBRINHO, 2010: 5).
Da leitura do trecho transcrito acima, vislumbra-se os primeiros contornos legais das imunidades tributárias no Brasil.
Os anos subsequentes seguiram a linha traçada pelo Brasil Colônia e Brasil Império, ou seja, da prevalência de uma sociedade marcada por profundas desigualdades sociais, com uma elite dominante sem preocupação com o social. A sociedade clamava por direitos sociais, como a educação e saúde emergindo nesse contexto o líder populista Getúlio Vargas.
No período em que vigorou a Constituição de 1934, houve um significativo avanço e aperfeiçoamento de competências tributárias de cada ente federativo. No entanto, sobre as imunidades:
“Na CF/34, novamente não havia previsão acerca das imunidades como se conhece hoje; as imunidades recíprocas e dos templos, da mesma forma que na Constituição de 1891, foi uma previsão “embrionária” desse tipo de imunidade que hoje está expressamente prevista na CF. Houve, contudo, um alargamento significativo de hipóteses de imunidade na Carta Política de 1934 em relação à Constituição anterior. Dentre elas, pode-se destacar: taxas sobre produtos que sobre os quais já houvesse incidido o imposto de importação; impostos de vendas e consignações, quando da primeira operação efetuada por pequeno produtor, sobre a incidência de adicionais sobre a exportação de mercadorias e sua exportação; sobre os combustíveis produzidos no país; a vedação de tributos que obstem o livre trânsito de veículos e bens ou pessoas; sobre emolumentos e custas aos necessitados à assistência judiciária; para profissões de escritor, jornalista e professor; a gratuidade do casamento; o reconhecimento de filhos naturais; sobre as instituições de educação particulares de ensino primário ou profissional gratuito” (DANELI FILHO, PILAU SOBRINHO, 2010: 6).
Em seguida, a Constituição de 1937 implementou o “Estado Novo”, rompendo com as características democráticas da Carta Política anterior e mitigando liberdades individuais sob o pretexto de proteger o Brasil da ameaça dos países de regimes comunistas. Também ficou conhecida como a constituição “Polaca”, pois foi inspirada no modelo fascista de governo polonês, com forte caráter autoritário.
No campo da tributação não ocorreram mudanças significativas, permanecendo o texto legal praticamente idêntico à constituição anterior. As disposições sobre tributação e imunidades que vigoravam até então, se extinguiram com o advento da Constituição de 1946, uma nova carta política democrática. Pode-se inferir que a Constituição de 1946 é a que mais se assemelha ao texto constitucional atual, trazendo expressamente as imunidades relativas aos templos de qualquer culto, bens e serviços de partidos políticos, instituições de educação e assistência social e o papel destinado a impressão de livros, jornais e periódicos.
Com o golpe de Estado ocorrido no ano de 1964, temos na história brasileira mais uma ruptura de um momento político-democrático com o início do regime militar no país. No campo tributário destaca-se a reforma tributária de 1965, e o advento do Código Tributário Nacional em 1966.
A respeito das imunidades tributárias no período ditatorial, dispõe Daniel Filho e Pilau Sobrinho:
“Desse modo, a CF/67 amplia mais as imunidades tributárias estabelecidas na Constituição anterior. As novas imunidades são: sobre o imposto de renda incidente sobre a ajuda de custo e diárias pagas pelos cofres públicos; à incidência de outros tributos sobre as mesmas operações; sobre os direitos de garantia no imposto de transmissão a qualquer título de bem imóveis ou de direitos reais sobre imóveis; sobre impostos de qualquer dos entes da federação incidentes sobre a transferência de propriedade decorrente de desapropriação de imóvel rural; do imposto de transmissão da incorporação de bens e direitos na realização de capital, ou transmissão decorrente da fusão, incorporação ou extinção de capital de pessoa jurídica; no imposto sobre a circulação de mercadoria incidente sobre produtos industrializados para o exterior; a não-inclusão do imposto sobre o produto industrializado quando configure a incidência deste e do imposto sobre circulação de mercadoria. Entrementes, não houve alteração nas opções políticas do legislador ao fixar as imunidades nessa carta política” (DANELI FILHO, PILAU SOBRINHO, 2010: 8).
Com o fim do regime ditatorial no país, as relações jurídicas, incluindo seus aspectos tributários, passam a ser reguladas pela Constituição de 1988, cujas imunidades tributárias do texto constitucional serão apresentadas nesse estudo.
Nesse aspecto nota-se que a atividade tributária do Estado Brasileiro, especialmente em relação às imunidades, foi ganhando diferentes contornos ao longo da história.
A Constituição Federal de 1988, também denominada “Constituição Cidadã” apresentou importantes avanços no que se refere a mecanismos e princípios para a existência de uma tributação mais justa.
A justiça e a equidade surgem enquanto valores fundamentais do estado, e a igualdade ganha contornos materiais, ou seja, prevalecendo a busca pela igualdade efetiva, real, e não apenas formal, simplesmente apresentada pela lei.
No campo da tributação não é diferente: os princípios constitucionais, como o da legalidade, da capacidade contributiva, da irretroatividade e anterioridade tributária, da vedação ao confisco, da liberdade de tráfico, a uniformidade geográfica, dentre outros extraídos do texto constitucional, demonstram a clara intenção do constituinte originário em proteger situações e pessoas de uma carga tributária injusta e desigual, buscando, ao menos no âmbito do texto legal, uma mínima garantia de justiça.
Nesse sentido, as imunidades tributárias na Constituição Federal de 1988, também são consideradas importantes mecanismos de efetivação de uma justiça tributária, através da proteção de determinados valores, considerados fundamentais para o desenvolvimento de um Estado Democrático de Direito.
Assim, o presente estudo busca analisar essas imunidades tributárias no contexto atual, trazendo as conceituações básicas sobre o assunto, os principais dispositivos legais e sua interpretação doutrinária e jurisprudencial, traçando um panorama atual desses institutos, que constituem diretrizes fundamentais na atuação tributária do Estado.
1.2. Distinção entre Não incidência, Imunidade e Isenção
Parte da doutrina se debruça em diferenciar os institutos da imunidade, da não incidência e isenção. Nesse tópico traremos uma breve diferenciação entre os três institutos para a melhor compreensão do tema.
Inicialmente, a “não incidência” possui sentido amplo e significa que o tributo não incidirá em determinado caso. Configura-se em face da própria norma de tributação, sendo objeto da não-incidência todos os fatos que não estão abrangidos pela própria definição legal da hipótese de incidência. Isso significa que constitui o inverso da incidência, ou seja, a situação fica fora dos limites tributários pois não ocorre o fato gerador, e a lei, consequentemente, não descreve a hipótese de incidência (BARROS, 2012).
Já a isenção é a retirada por lei, de parte da hipótese de incidência, elucidada nos artigos 176 a 179 do Código Tributário Nacional. A isenção, conforme esses dispositivos legais, é sempre decorrente de lei, que especificará suas condições e requisitos exigidos para sua concessão, os tributos que se aplica, e sendo o caso o prazo de duração. O artigo 176 também dispõe no parágrafo único que a isenção pode ser restrita a determinada região do território da entidade tributante, em função das condições a ela peculiares. Em seguida, o artigo 177 do Código Tributário Nacional nos diz que salvo disposição de lei em contrário, a isenção não é extensiva às taxas e às contribuições de melhoria e aos tributos instituídos posteriormente a sua concessão.
Em relação as imunidades tributárias, a maioria dos doutrinadores considera como aquelas vedações a instituição de tributos elencadas no texto constitucional, sendo um obstáculo a incidência da regra jurídica de tributação. Ou seja, diversos dispositivos constitucionais definem o âmbito dos mais diversos tributos, e a imunidade tributária surge como a retirada de uma parcela desse âmbito, tornando imunes alguns institutos.
A distinção fundamental entre a isenção e a imunidade está no fato de que a isenção opera no campo do exercício da competência e a imunidade, na própria delimitação da competência (ALEXANDRE, 2017).
Inseridas no art. 150 inciso VI e outros da Constituição Federal, as principais imunidades tributárias se encontram na seção “Das Limitações ao poder de Tributar”, juntamente com outros dispositivos que trazem normas e princípios no sentido de restringir a atividade tributária estatal.
Embora a literalidade do artigo 150, inciso VI da Constituição Federal se refira apenas a impostos, veremos mais adiante que a maioria dos autores entende que as imunidades tributárias são aplicáveis a todos os tributos, em razão da existência de outros dispositivos constitucionais dispersos. O artigo 150 dispõe: “Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: (...) VI – instituir impostos sobre: (...)”.
No entanto, já houve um significativo debate doutrinário sobre o alcance da imunidade tributária em relação a sua aplicação somente aos impostos, como disposto no texto constitucional, ou se ela se estenderia aos outros tributos.
Reforçando o exposto, o autor Luciano Amaro também destaca a diferenciação necessária entre imunidade e a supressão do poder de tributar, afirmando “Não se trata de uma amputação ou supressão do poder de tributar, pela boa razão de que, nas situações imunes, não existe (nem preexiste) poder de tributar” (AMARO, 2012: 158).
Traçadas essas breves diferenciações, passaremos a análise dos aspectos da imunidade tributária.
1.3. O conceito de Imunidade Tributária
O conceito de imunidade tributária não é previsto expressamente em lei, diferentemente de alguns outros institutos do direito tributário. Sendo assim, serão expostos aqui os conceitos trazidos por alguns autores.
Ricardo Alexandre elucida que as imunidades são as vedações ao poder de tributar inseridas ao longo do texto constitucional. Assim dispõe:
“Ressalte-se que a Constituição usa diversas terminologias para se referir às imunidades, embora em nenhum momento em que estatui regras tributárias use a própria palavra imunidade. Mas, como ressaltado, não importa a terminologia usada, se a limitação consta da própria Constituição, trata-se de imunidade”. (ALEXANDRE, 2017: p.204).
No que se refere ao conceito de imunidade tributária, em sua obra, Paulo Carvalho de Barros faz considerações acerca do instituto, dizendo “cravada a premissa, não temos por que aludir às imunidades como barreiras, embaraços ou obstâncias à incidência dos tributos, como se tem copiosamente difundido” (BARROS, 2012). Além de outras considerações, traz o Autor o conceito de imunidade:
“Recortamos o conceito de imunidade tributária, única e exclusivamente, com o auxílio de elementos jurídicos substanciais à sua natureza, pelo que podemos exibi-la como a classe finita e imediatamente determinável de normas jurídicas, contidas no texto da Constituição da República, e que estabelecem, de modo expresso, a incompetência das pessoas políticas de direito constitucional interno para expedir regras instituidoras de tributos que alcancem situações específicas e suficientemente caracterizadas” (BARROS, 2012: p.187).
Para a melhor compreensão do conceito, descreveremos resumidamente o conceito e as características da competência tributária.
Conceitualmente, a competência tributária é entendida como a aptidão para instituir e legislar sobre tributos conferida pela Constituição ao ente político. Dentre suas principais características, podemos listar a facultatividade, que consiste na possibilidade dada ao ente para exercer ou não sua competência; a incaducabilidade, pois o tributo pode ser instituído a qualquer tempo; a irrenunciabilidade, pois o ente político não pode renunciar a sua competência tributária, e a indelegabilidade, pois não é possível que o ente delegue sua competência conferida constitucionalmente para a instituição de tributos. Vale ressaltar que diferentemente da competência tributária, a capacidade tributária ativa constitui no poder de fiscalizar, administrar e arrecadar tributos, podendo, portanto, ser delegada, em contraposição a possibilidade de instituir e legislar sobre o tributo, que se relaciona a competência tributária, essa sim, indelegável.
Nota-se que ao conceituar o instituto da imunidade, Paulo Carvalho de Barros faz referência a incompetência das pessoas jurídicas de direito público, ou seja, para ele ocorre uma supressão da competência do ente federativo de instituir o tributo. O autor se refere também a tributos, e não somente a impostos conforme disposto no texto constitucional.
Divergindo desse entendimento, Hugo Machado de Brito:
“Imunidade é o obstáculo decorrente de regra da Constituição à incidência de regra jurídica de tributação. O que é imune não pode ser tributado. A imunidade impede que a lei defina como hipótese de incidência tributária aquilo que é imune. É limitação da competência tributária” (BRITO, 2004: p.266).
Nota-se que para o Hugo Machado de Brito, a imunidade constitui justamente um obstáculo ao poder de tributação, o que é negado por Paulo Carvalho de Barros, conforme exposto acima. Os conceitos trazidos, a título de exemplificação, demonstram que não há uniformidade no debate em relação a conceituação de imunidade tributária, com a delimitação de elementos distintos para cada autor.
A norma de imunidade também é entendida por parte da doutrina como uma norma de competência invertida (a norma de competência está na Constituição Federal e é o mecanismo político por meio do qual a entidade tributante institui o tributo: é um mecanismo de outorga, de atribuição de poder, por meio do qual o Estado institui o tributo). Se a norma de competência tributária está expressa na Constituição e a de imunidade também, uma vai ser a “face negativa” da outra.
Para outra parte da doutrina, a norma de imunidade é uma norma de “incompetência tributária”. O campo de não tributação, demarcado pela imunidade, não pode ser desafiado por emendas constitucionais ou leis infraconstitucionais.
Conforme já exposto, outro questionamento se refere a possibilidade da imunidade tributária ser direcionada apenas a impostos, como na redação do artigo 150, inciso VI da Constituição Federal, ou se estão incluídos os demais tributos. Nesse sentido Paulo de Barros Carvalho:
“Querem quase todos que a imunidade seja uma instituição jurídica que diga respeito unicamente aos impostos, forrando-se a ela as taxas e as contribuições de melhoria. Tudo sobre o fundamento de que o texto do Diploma básico, ao transmitir as hipóteses clássicas veiculadas pelo artigo 150, VI, cita, nominalmente a espécie de tributos que Geraldo Ataliba nomina de não vinculados. Além do mais, insistem alguns na circunstância de que os impostos são concebidos para o atendimento de despesas gerais que o Estado se propõe, ao passo que as taxas e contribuição de melhoria, antessupondo uma prestação direta, imediata e pessoal ao interessado, não comportariam o benefício da imunidade, por todos os títulos incompatível com aqueles tipos impositivos.
Nada mais infundado! A redução é descabida, transparecendo como o produto de exame meramente literal (e apressado) ou como o resultado de considerações metajurídicas, que não se prendem ao contexto do direito positivo que vige. Que motivo de ordem superior ditaria o princípio de que o legislador constituinte, no exercício de suas prerrogativas, pudesse estar impedido de organizar as competências tributárias, de tal modo que tolhesse a decretação de certas taxas ou impossibilitasse a criação de contribuições de melhoria? Como assomos jurídicos, nenhum. Se a Constituição fala e refala nos impostos, tratando-os com a intimidade de quem os conhece pelo nome, é natural que utilize expedientes como a imunidade para lhes tracejar a feição. Com os gravames vinculados, sendo as menções constitucionais mais reduzidas, nem por isso deixou o constituinte de alcança-los, como prova o versículo do art. 151, I, que estatui o primado da uniformidade”. (CARVALHO, 2012: p.181/182).
No trecho acima, resta evidente que o Autor entende que a imunidade não se refere exclusivamente aos impostos, pois são os tributos não vinculados presentes em nosso ordenamento jurídico, ou seja, não se destinam a uma atividade estatal específica, custeando serviços públicos em geral. Na pesquisa realizada, percebe-se que essa é a interpretação doutrinária dominante.
Na mesma linha, Hugo Machado de Brito também entende que as imunidades se referem a todos os tributos. Vejamos:
“Em edições anteriores afirmamos que a imunidade refere-se apenas aos impostos. Não aos demais tributos. Hoje, porém, não pensamos assim. A imunidade, para ser efetiva, para cumprir suas finalidades, deve ser abrangente. Nenhum tributo pode ficar fora de seu alcance” (BRITO, 2004: p. 266).
Essa também é a interpretação do conceito de imunidade tributária prevalente no STF:
"A jurisprudência constitucional do Supremo Tribunal Federal já identificou na cláusula inscrita no art.· 195, § 7º, da Constituição da República, a existência de uma típica garantia de imunidade (e não de simples isenção) estabelecida em favor das entidades beneficentes de assistência social.
Precedente: RTJ 137/965. Tratando-se de imunidade - que decorre, em função de sua natureza mesma, do próprio texto constitucional -, revela-se evidente a absoluta impossibilidade jurídica de a autoridade executiva, mediante deliberação de índole administrativa, restringir a eficácia do preceito inscrito no art. 195, § 7.0, da Carta Política, para, em função de exegese que claramente distorce a teleologia da prerrogativa fundamental em referência, negar, à entidade beneficente de assistência social que satisfaz os requisitos da lei, o benefício que lhe é assegurado no mais elevado plano normativo" (STF, 1. ª T., RMS 22.192/DF, Rei. Min. Celso de Mello, j. 28.11.1995, DJ 19.12.1996, p. 51.802 apud ALEXANDRE, 2017, p. 205).
Conforme será demonstrado adiante, o presente estudo seguirá os entendimentos expostos acima, no qual as imunidades encontram-se dispersas no texto constitucional, e não necessariamente, se referem apenas aos impostos.
Sabe-se que os tributos são divididos entre vinculados e não vinculados. Os primeiros destinam-se ao custeio de atividades estatais específicas, a exemplo das taxas (taxa de polícia, taxa de fiscalização, etc), enquanto os não vinculados são utilizados de forma ampla, financiando serviços públicos em geral, cuja contraprestação ao contribuinte não é específica, como é o caso dos impostos.
Ao avançarmos para o estudo das razões da existência da imunidade tributária, os autores parecem convergir em suas obras. A justificativa da existência das imunidades tributárias está em proteger determinadas situações e valores relevantes para a sociedade. Nesse sentido, Luciano Amaro:
“O fundamento das imunidades é a preservação de valores que a Constituição reputa relevantes (a atuação de certas entidades, a liberdade religiosa, o acesso à informação, a liberdade de expressão, etc.), que faz com que se ignore a eventual (ou efetiva) capacidade econômica revelada pela pessoa (ou revelada na situação), proclamando-se, independentemente da existência dessa capacidade, a não tributabilidade das pessoas ou situações imunes”. (AMARO, 2012: 158).
As razões para a existência das imunidades tributárias se assemelham no estudo dos diferentes autores de direito tributário: a proteção de determinados valores, considerados importantes para o constituinte originário. Esses valores têm ligação com as liberdades, a exemplo da liberdade religiosa, sindical, liberdade de expressão, dentre outros. Assim aduz Ricardo Alexandre:
“A generalidade das vedações decorre da importância dos valores protegidos pela regra imunizante, como é o caso do pacto federativo (na imunidade recíproca da alínea a), da liberdade religiosa (na imunidade de templos de qualquer culto prevista na alínea b) e da liberdade de expressão e de informação (na imunidade cultural da alínea d). (ALEXANDRE, 2017, p. 207).”
Demonstrados os aspectos relativos ao conceito de imunidade tributária, analisaremos as principais classificações das imunidades tributárias trazidas pela doutrina.
1.4. Classificações das Imunidades Tributárias
Alguns doutrinadores também trazem à luz as denominadas classificações da imunidade tributária, relativas aos critérios e parâmetros que direcionam as disposições trazidas pelo legislador.
Quanto ao parâmetro para concessão, temos as imunidades subjetivas, objetivas e mistas. A imunidade subjetiva é conferida em razão da natureza jurídica da pessoa ou do ente. Um exemplo dela encontra-se no artigo. 150, inciso VI, alínea “a” da Constituição, que impede a tributação do patrimônio, renda ou serviços dos entes políticos. Nota-se que a imunidade, nesse caso, é conferida a pessoa jurídica de direito público integrante da federação. Temos ainda a imunidade objetiva, que é outorgada em razão de determinados fatos, bens ou situações: a imunidade é do objeto. Um exemplo dela está expresso no artigo 150, inciso VI, alínea “d”, CF (livros, jornais e papéis destinados a sua impressão). A imunidade mista envolve a pessoa e um fato, bem ou situação. Um exemplo está expresso no artigo 153, §4º, inciso II da Constituição (imunidade de ITR às pequenas glebas e, desde que, possuidores não possuam outro bem imóvel).
Quanto à origem, temos as imunidades ontológicas e políticas. As imunidades ontológicas devem ser concedidas, mesmo sem a previsão constitucional, pois ela se depreende dos princípios tributários, como o princípio do pacto federativo, da isonomia, da capacidade contributiva, etc. Exemplo: art. 150, inciso VI, alínea “c”, CF (imunidade das instituições de educação e assistência social sem fins lucrativos). Nesse caso, o legislador buscou proteger essas instituições em razão de seus recursos escassos, privilegiando a aplicação dos mesmos em suas atividades-fim. Na imunidade política há necessidade de expressa previsão, pois a concessão envolve a proteção de outros princípios em razão da opção política do legislador constituinte. O exemplo está expresso no art. 150, inciso VI, alínea “b” da Constituição Federal (imunidade dos templos de qualquer culto).
Quanto ao alcance, são classificadas em imunidades gerais e específicas. As chamadas gerais, estabelecem vedações a todos os entes tributantes, alcançando diversos tributos. As hipóteses se encontram no artigo 150, inciso VI da Constituição, que impede qualquer ente político de instituir os impostos elencados nesse dispositivo. Essa generalidade se relaciona diretamente aos valores constitucionais de liberdade religiosa, de expressão, etc., que busca proteger o legislador. Já a imunidade específica, tópica ou especial, que é aquela relacionada a restringe a aplicação da imunidade de determinado tributo de um ente, exemplo: art. 155, §2º, inciso X, alínea “a” (imunidade ao ICMS para a exportação de mercadorias) da Constituição. Nota-se que no último dispositivo mencionado, a Constituição Federal fala em “isenção”, no entanto é considerada pela maioria dos autores como imunidade tributária, uma vez que é concedida pela norma constitucional.
Quanto à forma de previsão, poderão ser explícitas ou implícitas. Em regra, as imunidades estão expressas no texto constitucional, sendo assim, consideradas explícitas. Já aquelas não previstas expressamente, são consideradas implícitas, mais frequentes nos países de sistema “common law”, e não tão evidente em constituições analíticas, como é o caso da brasileira.
Por fim, quanto à necessidade de regulamentação, temos as imunidades condicionadas e incondicionadas.
A imunidade incondicionada basta por si só, possuindo eficácia plena e aplicabilidade direta e imediata, gerando seus efeitos independentemente de regulamentação, a exemplo das imunidades recíprocas, artigo 150, inciso VI, alínea “a”. Já na condicionada, há a necessidade de preenchimento de alguns requisitos, possuindo eficácia contida, aplicabilidade imediata e restringível. O exemplo se encontra no artigo 150, inciso VI, alínea “c”, referente às instituições de educação, que devem observar o disposto no artigo 14 Código Tributário Nacional, que dispõe:
Art. 14. O disposto na alínea c do inciso IV do artigo 9º é subordinado à observância dos seguintes requisitos pelas entidades nele referidas:
I – não distribuírem qualquer parcela de seu patrimônio ou de suas rendas, a qualquer título;
II - aplicarem integralmente, no País, os seus recursos na manutenção dos seus objetivos institucionais;
III - manterem escrituração de suas receitas e despesas em livros revestidos de formalidades capazes de assegurar sua exatidão.
Nota-se que o último inciso se refere a condições relativas às obrigações acessórias, ou seja, aquelas que “decorrem da legislação tributária e tem por objeto as prestações, positivas ou negativas, nela previstas no interesse da arrecadação ou da fiscalização dos tributos”, expressa no artigo 113, §2º do CTN. As obrigações acessórias se relacionam, portanto a obrigatoriedade de fazer e não fazer, não se relacionando a nenhuma prestação pecuniária, diferindo-se nesse aspecto da obrigação principal, que, prevista no artigo 113, §1º, surge com a ocorrência do fato gerador, e tem por objeto o pagamento de tributo ou penalidade pecuniária e extingue-se junto ao crédito dela decorrente.
A expressão “lei” no final ao artigo 150, incido VI, alínea “c” deve ser interpretada com lei complementar, conforme decisão recente do Supremo Tribunal Federal, o que será demonstrado mais adiante nesse estudo em tópico específico.
Abordados alguns pontos relativos a conceituação do assunto, serão tratadas a seguir, as espécies de imunidades previstas na Constituição Federal. Longe da intenção de esgotar o tema, serão abordados os principais aspectos legais, doutrinários e jurisprudências referentes a cada uma das espécies, visando uma compreensão abrangente do assunto.
CAPÍTULO II - AS IMUNIDADES TRIBUTÁRIAS PREVISTAS NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL
2.1. As imunidades no texto constitucional
As imunidades tributárias estão previstas principalmente no artigo 150, inciso VI, alíneas “a”, “b”, “c”, “d”, “e”, parágrafos 2º, 3º e 4º da Constituição Federal. Nesses dispositivos, a letra da lei se refere exclusivamente aos impostos, no entanto, é possível encontrar imunidades dispostas em outros artigos no texto constitucional, partindo do pressuposto que a imunidade é uma hipótese constitucional de dispensa do pagamento do tributo. Alguns exemplos estão previstos no art. 5º, XXXIV, alíneas “a” e “b”, que dispõe:
“Art 5º (...) XXXIV – são a todos assegurados, independentemente do pagamento de taxas:
a) O direito de petição aos Poderes Públicos em defesa de direitos ou contra ilegalidade ou abuso de poder
b) A obtenção de certidões em repartições públicas, para defesa de direitos e esclarecimento de situações de interesse pessoal;”
A dispensa nesse caso é do pagamento de taxas, e tem o condão de proteger direitos constitucionais. Outra hipótese, também no artigo 5º, se refere a ação popular, que é um importante instrumento de defesa dos cidadãos quanto às irregularidades praticadas contra o patrimônio e os interesses públicos. Assim dispõe:
“Art. 5º (...) LXXIII – qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular, que vise anular ato lesivo ao patrimônio público ou entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural, ficando o autor, salvo comprovada má-fé, isento de custas judicias e do ônus da sucumbência.”
A lei nº 4717/65 regulamenta a ação popular citada no texto constitucional, seus requisitos e detalhamentos legais.
As custas judicias são consideradas taxas, sendo portanto, espécies de tributos. Assim, quis o legislador privilegiar o direito do cidadão através da facilitação do acesso ao judiciário pela dispensa do pagamento de custas. Embora o trecho acima se refira a “isenção”, conceitualmente, estamos diante de uma hipótese de imunidade tributária, pelas razões já apresentadas nesse estudo.
No art. 5º, inciso LXXIV, temos “o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos”. O disposto nesse inciso é regulado pela lei da Assistência Judiciária nº1060/1950, que estabelece as normas para a concessão da isenção de custas em juízo, dispensando, portanto, o pagamento de tributos inerentes às demandas judiciais.
Mais uma hipótese que visa garantir os direitos dos cidadãos hipossuficientes, está prevista no art. 5º, inciso LXXVI que diz: “são gratuitos para os reconhecidamente pobres, na forma da lei: a) o registro civil de nascimento; b) a certidão de óbito”. O inciso seguinte do mesmo artigo, LXVII diz que são gratuitas as ações de “habeas corpus” e habeas data, e na forma da lei, os atos necessários ao exercício da cidadania”; garantindo também o amplo acesso a esses remédios constitucionais.
No artigo 149, §2º, temos a imunidade referente as contribuições sociais e CIDE: “§2º As contribuições sociais e de intervenção no domínio econômico de que trata o caput deste artigo: I – não incidirão sobre as receitas decorrentes de exportação”. Trata-se de uma hipótese clara de imunidade tributária que visa estimular a economia nacional, desonerando o exportador do pagamento de algumas espécies tributárias.
O artigo 195, §7º diz que “são isentas de contribuição para a seguridade social as entidades beneficentes de assistência social, que atendam às exigências estabelecidas em lei”. Embora o texto legal se refira à isenção, trata-se também de uma hipótese de imunidade prevista constitucionalmente. Mais adiante, será exposto ainda o entendimento do STF sobre a necessidade de que a lei exposta no artigo, seja uma lei complementar.
Embora os exemplos tratados acima sejam significativos para o entendimento do tema, as hipóteses de imunidade tributária mais relevantes encontram-se de fato no artigo 150, inciso VI, alíneas “a”, “b”, “c”, “d”, “e”, parágrafos 2º, 3º e 4º da Constituição Federal, e serão mais detalhadas no decorrer desse trabalho.
Conforme se depreende da literalidade do artigo 150, inciso VI, é vedado a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios instituir impostos sobre: o patrimônio, a renda ou os serviços uns dos outros; templos de qualquer culto; patrimônio, renda ou serviços dos partidos políticos, inclusive suas fundações, das entidades sindicais dos trabalhadores, das instituições de educação e de assistência social, sem fins lucrativos, atendidos os requisitos da lei; livros, jornais periódicos e o papel destinado a sua impressão; fonogramas e videofonogramas musicais produzidos no Brasil contendo obras musicais ou literomusicais de autores brasileiros e/ou obras em geral interpretadas por artistas brasileiros bem como os suportes materiais ou arquivos digitais que os contenham, salvo na etapa de replicação industrial de mídias ópticas de leitura a laser.
Em seguida, o §2º do mesmo artigo elucida que a vedação do inciso VI, ou seja, de instituir impostos sobre as situações acima elencadas é extensiva às autarquias e às fundações instituídas e mantidas pelo Poder Público, no que se refere ao patrimônio, a renda e aos serviços, vinculados a suas finalidades essenciais ou às delas decorrentes. O §3º ainda diz que essas vedações são extensivas às autarquias e às fundações instituídas e mantidas pelo poder público, no que se refere ao patrimônio, a renda e aos serviços, vinculados a suas finalidades essenciais ou às dela decorrentes. Tanto é verdade, que o parágrafo seguinte (§4º) deixa claro que a imunidade não se estende ao patrimônio, renda e serviços relacionados com a exploração de atividade econômica regidas pelas normas aplicáveis a empreendimentos privados, ou em que haja contraprestação ou pagamento de preços ou tarifas pelo usuário, nem exonera o promitente comprador de da obrigação de pagar imposto relativamente ao bem imóvel.
Reforçando que a imunidade somente se aplica às atividades essenciais, o §4º diz que as vedações previstas no inciso VI, alíneas “b” e “c”, compreendem somente o patrimônio, a renda e os serviços, relacionados com as finalidades essenciais dessas entidades. Esses dispositivos mencionados acima, demonstram a intenção do legislador em não conceder a imunidade tributária a instituições com finalidades lucrativas.
Cada uma das hipóteses referentes às imunidades tributárias elencadas no artigo 150, inciso VI, será tratada detalhadamente nesse estudo.
2.2 As principais espécies de Imunidades Tributárias
2.2.1. A Imunidade Tributária Recíproca
A imunidade recíproca está prevista no artigo 150, VI, “a”, dispondo em sua literalidade que a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios não podem cobrar impostos sobre o patrimônio, a renda ou os serviços, uns dos outros.
Embora o dispositivo legal se refira aos impostos relativos ao “patrimônio, renda ou serviços”, o STF já se manifestou no sentido de que esse rol deve ter uma interpretação ampla, extensiva, abrangendo quaisquer impostos, embora expressas apenas essas três espécies. Vale ressaltar que nesse caso, a imunidade refere-se apenas aos impostos, e não às demais espécies tributárias.
Pode-se também falar da ausência da capacidade contributiva das pessoas políticas, no sentido de que o patrimônio das pessoas políticas não pertence a elas próprias, mas sim à coletividade, não podendo ser atingido por impostos. Dois vetores axiológicos justificam essa imunidade: a federação e ausência da capacidade contributiva das pessoas políticas.
Em relação às autarquias e fundações mantidas pelo Poder Público, essas instituições também gozam da imunidade tributária recíproca, no que se refere ao patrimônio, à renda e aos serviços, vinculados a suas finalidades essenciais ou às delas decorrentes. Isso está expressamente previsto no §2º, artigo 150 da Constituição Federal.
Diversos julgados do Supremo Tribunal Federal retratam o tema das imunidades recíprocas. Trataremos dos principais nesse tópico.
Nota-se pelos dispositivos legais, que o constituinte originário buscou restringir a extensão da imunidade àquelas entidades que não desenvolvem atividade econômica. Assim, as empresas públicas e sociedades de economia mista, por exemplo, não estariam abarcadas pelo benefício. Nesse sentido, aduz Hugo Machado de Brito:
“É plenamente justificável a exclusão da imunidade quando o patrimônio, a renda e o serviço estejam ligados a atividade econômica regulada pelas normas aplicáveis às empresas privadas. A imunidade implicaria tratamento privilegiado, contrário ao princípio da liberdade de iniciativa. Ocorre que também não há imunidade quando haja contraprestação ou pagamento de preços ou tarifas pelo usuário. Isto quer dizer que um serviço, mesmo não considerado atividade econômica, não será imune se houver cobrança de contraprestação, ou de preço, ou de tarifa.” (BRITO, 2004: 267).
No que se refere às empresas públicas e sociedades de economia mista, o STF, ao pacificar o tema, considerou que as sociedades de economia mista prestadoras de serviços públicos podem, excepcionalmente, ser alcançadas pela imunidade tributária recíproca, prevista no mencionado art. 150, VI, a, da CF. Porém, o entendimento não se aplica a toda e qualquer entidade dessa natureza que presta serviço público. Alguns parâmetros devem ser observados para que seja legítima a extensão da imunidade. O primeiro deles diz respeito ao fato de que a referida imunidade “se aplica apenas à propriedade, bens e serviços utilizados na satisfação dos objetivos institucionais inerentes ao ente federado, cuja tributação poderia colocar em risco a respectiva autonomia política”. O segundo se refere ao fato de que não podem ser objeto de imunidade tributária recíproca “as atividades de exploração econômica, destinadas primordialmente a aumentar o patrimônio do Estado ou de particulares”, por se apresentarem como “manifestações de riqueza e deixarem a salvo a autonomia política, e o terceiro parâmetro refere-se ao fato de que a desoneração não deve ter como efeito colateral relevante a quebra dos princípios da livre concorrência e do exercício de atividade profissional ou econômica lícita”. Isso porque, segundo o STF, “o sucesso ou a desventura empresarial devem pautar-se por virtudes e vícios próprios do mercado e da administração, sem que a intervenção do Estado seja fator preponderante”.
Portanto, o STF reconhece ser possível a extensão da imunidade tributária recíproca, desde que presentes tais premissas.
A título de elucidação do que foi exposto acima, destaca-se a decisão proferida pelo STF no julgamento da ação cível ordinária 1460 (Rel. Min. Dias Toffoli, julgamento 7/10/2015):
“(...) Imunidade tributária recíproca. Art. 150, inciso VI, a, da Constituição Federal. Sociedade de economia mista. Companhia Catarinense de Águas e Saneamento (CASAN). Não preenchimento dos parâmetros traçados por esta Corte para a extensão da imunidade tributária recíproca. Precedente. Agravo não provido. 1. Não há error in procedendo ou violação da ampla defesa por alegada afronta ao Regimento Interno do STF, em seus arts. 250 (que prevê julgamento colegiado para as ações cíveis originárias) e 251 (que dispõe sobre a concessão de palavra às partes e ao PGR na sessão de julgamento), uma vez que esta Corte admite a possibilidade de o relator decidir, monocraticamente, pretensão sobre a qual a jurisprudência da Corte já tenha se posicionado, nos termos do art. 21, § 1.º, do RISTF. Precedentes. 2. A Corte já firmou o entendimento de que é possível a extensão da imunidade tributária recíproca às sociedades de economia mista prestadoras de serviço público, observados os seguintes parâmetros: a) a imunidade tributária recíproca se aplica apenas à propriedade, bens e serviços utilizados na satisfação dos objetivos institucionais imanentes do ente federado; b) atividades de exploração econômica, destinadas primordialmente a aumentar o patrimônio do Estado ou de particulares, devem ser submetidas à tributação, por apresentarem-se como manifestações de riqueza e deixarem a salvo a autonomia política; e c) a desoneração não deve ter como efeito colateral relevante a quebra dos princípios da livre-concorrência e do livre exercício de atividade profissional ou econômica lícita”. Precedentes: RE n.º 253.472/SP, Tribunal Pleno. Relator para o acórdão: Min. Joaquim Barbosa, DJe de 1.º/2/11 e ACO 2243/DF, decisão monocrática, Rel. Min. Dias Toffoli, DJe de 25/10/13.
Outro clássico exemplo de empresa pública que goza de imunidade tributária é a Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos. Os Correios são uma empresa prestadora de serviço público obrigatório e exclusivo do Estado que não explora atividade econômica, embora também ofereça serviços dessa natureza.
Ao longo das ações impetradas junto ao STF em relação aos Correios, os julgados em relação a essa empresa pública aumentaram gradativamente, conferindo aos poucos quase uma completa equiparação dos Correios à Fazenda Pública, no que se refere às suas prerrogativas e formas de figurar em juízo.
Mesmo desenvolvendo atividades típicas da iniciativa privada, a exemplo das entregas de encomendas, o STF considerou que prevalece a imunidade tributária recíproca, em razão da existência de peculiaridades no serviço postal.
Sendo serviço postal, a ECT é obrigada a realizar a entrega mesmo para os lugares mais distantes do Brasil por se tratar de uma empresa pública. Assim, por exemplo, existem localidades onde as empresas privadas não fazem entregas por não ser economicamente viável, mas os Correios, no entanto, têm o dever de realizar. A imunidade emerge como uma forma de compensar tais peculiaridades.
Além disso, esses serviços de transporte de bens e mercadorias constituem a maior fonte de arrecadação de recursos para os Correios e tais verbas são posteriormente destinadas a financiar os serviços postais menos rentáveis, como a entrega de cartas, que tem ainda hoje uma grande importância social. Desse modo, a imunidade tributária para a entrega de encomendas dos Correios é uma forma de conferir subsídio cruzado para os demais serviços postais. Isso significa que o exercício de atividades lucrativas, a exemplo da entrega de encomendas propicia recursos para a manutenção de atividades menos lucrativas, como as cartas e impressos, cuja manutenção dessas últimas é obrigatória pelos Correios.
Em suma, as atividades exercidas pelos Correios sob regime concorrencial (a exemplo do Sedex) acabam custeando as outras atividades desempenhadas sob o regime constitucional de monopólio (privilégio), como é o caso da carta social (que custa apenas alguns centavos). Percebe-se, portanto, que esse modelo cruzado de financiamento dos Correios é a forma encontrada para tornar possível a integração nacional e dar exequibilidade ao direito básico do indivíduo de se comunicar com outras pessoas ou instituições pela via postal.
Vale ressaltar que o STF, ao examinar a incidência ou não de IPTU nos imóveis da ECT, já tinha deixado claro que, para fins de imunidade tributária, é irrelevante que os Correios exerçam naquele imóvel, simultaneamente, atividades em regime de exclusividade e em concorrência com a iniciativa privada. Isso porque, conforme já explicado, o serviço postal possui peculiaridades que justificam esse tratamento diferenciado (STF. Plenário. RE 601392, Rel. p/ Acórdão Min. Gilmar Mendes, julgado em 28/02/2013).
Através das ações constitucionais, o STJ, no 1ª turma, AgRg no AREsp 304.126-RJ, 2013, também declarou imunes à incidência do IPVA os veículos automotores pertencentes aos Correios (equiparando à imunidade dos entes federativos), e o IPTU, presumindo-se que os imóveis de propriedade da empresa pública estão afetados às finalidades essenciais. Assim, se o Município pretende tributar o imóvel, terá o ônus de provar que o bem não merece gozar de imunidade. No ano seguinte o STF concordou com a tese, e expediu um julgado no mesmo sentido.
Situação diferente daquela em que se enquadram as concessionárias de serviços públicos, que, para o STF não gozam de imunidade recíproca por serem empresas privadas com finalidades lucrativas. Assim, embora muitas vezes essas empresas possam prestar serviços públicos, não farão jus a imunidade recíproca.
Prevaleceu o entendimento de que as concessionárias de serviços públicos, se forem remuneradas apenas pelo Estado (ex: Parceria Público Privada, na modalidade concessão administrativa), há imunidade, mas se forem remuneradas também pelo usuário através do pagamento de tarifas, não há imunidade, pois resta caracterizada a finalidade lucrativa.
Dada a importância dessa espécie de imunidade, ela é considerada por muitos autores como um princípio, que busca proteger o pacto federativo. Assim, entende-se que compõe o rol das cláusulas pétreas, artigo 60, §4º, inciso I, no qual não poderá ser objeto proposta de emenda tendente a abolir a forma federativa de Estado.
A concepção da imunidade tributária enquanto princípio não é novidade em nosso sistema jurídico, pois existe precedente do Supremo Tribunal Federal, que declarou a inconstitucionalidade da Emenda Constitucional 3/93, que excepcionou a aplicação da imunidade recíproca para o IPMF (Imposto Provisório sobre Movimentações Financeiras), antecessor da CPMF (Contribuição Provisória sobre Movimentações Financeiras), para tributar a movimentação financeira de Estados e Municípios. A decisão proferida pelo plenário do Supremo Tribunal Federal na ADIn 939-7/DF tem a seguinte ementa:
“EMENTA: – Direito Constitucional e Tributário. Ação Direta de Inconstitucionalidade de Emenda Constitucional e de Lei Complementar. I.P.M.F. Imposto Provisório sobre a Movimentação ou a Transmissão de Valores e de Créditos e Direitos de Natureza Financeira – I.P.M.F. Artigos 5º, par. 2º, 60, par. 4º, incisos I e IV, 150, incisos III, b, e VI, a, b, c e d, da Constituição Federal. 1. Uma Emenda Constitucional, emanada, portanto, de Constituinte derivada, incidindo em violação à Constituição originária, pode ser declarada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal, cuja função precípua é de guarda da Constituição (art. 102, I, a, da CF). 2. A Emenda Constitucional nº 3, de 17.03.1993, que, no art. 2º, autorizou a União a instituir o I.P.M.F., incidiu em vício de inconstitucionalidade, ao dispor, no parágrafo 2º desse dispositivo, que, quanto a tal tributo, não se aplica ‘o art. 150, III, b, e VI’, da Constituição, porque, desse modo, violou os seguintes princípios e normas imutáveis (somente eles, não outros): 1. – o princípio da anterioridade, que é garantia individual do contribuinte (art. 5º, par. 2º, art. 60, par. 4º, inciso IV, e art. 150, III, b da Constituição); 2. – o princípio da imunidade tributária recíproca, que veda à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios a instituição de impostos sobre o patrimônio, as rendas ou os serviços uns dos outros e que é garantia da Federação (art. 60, par. 4º, inciso I, e art. 150, VI, a, da CF); 3. – a norma que, estabelecendo outras imunidades, impede a criação de impostos (art. 150, III) sobre: b): templos de qualquer culto; c): patrimônio, renda ou serviços dos partidos políticos, inclusive suas fundações, das entidades sindicais dos trabalhadores, das instituições de educação e de assistência social, sem fins lucrativos, atendidos os requisitos da lei; e d): livros, jornais, periódicos e o papel destinado a sua impressão; 3. Em consequência, é inconstitucional, também, a Lei Complementar nº 77, de 13.07.1993, sem redução de textos, nos pontos em que determinou a incidência do tributo no mesmo ano (art. 28) e deixou de reconhecer as imunidades previstas no art. 150, VI, a, b, c e d, da CF (arts. 3º, 4º e 8º do mesmo diploma, LC nº 77/93). 4. Ação Direta de Inconstitucionalidade julgada procedente, em parte, para tais fins, por maioria, nos termos do voto do Relator, mantida, com relação a todos os contribuintes, em caráter definitivo, a medida cautelar, que suspendera a cobrança do tributo no ano de 1993.” (ADI 939, Relator(a): Min. SYDNEY SANCHES, Tribunal Pleno, julgado em 15.12.1993, DJ 18.03.1994 PP-05165 EMENT VOL-01737-02 PP-00160 RTJ VOL-00151-03 PP-00755)
Em relação a parte final do artigo 150, inciso VI, §3º, dispõe que a regra da imunidade “não exonera o promitente comprador da obrigação de pagar imposto relativamente ao bem imóvel”, se refere às situações em que há de um lado, um ente público imune enquanto promitente vendedor, e de outro, uma pessoa física figurando enquanto promitente compradora. Nesse caso, como o ente público é imune à tributação, resta evidente que a obrigação se transfere a pessoa física. Tal fato ensejou a edição da súmula 583 do STF, que dispõe que “o promitente comprador de imóvel residencial transcrito em nome de autarquia é contribuinte do imposto predial territorial urbano”.
Há ainda um ponto importante no que se refere a tributação dos Estados estrangeiros. Nesse sentido, Ricardo Alexandre:
“Por fim, registre-se que com a incorporação ao direito brasileiro do texto das Convenções de Viena de 1961 e 1963, restou assegurado aos Estados estrangeiros a "imunidade" a impostos e taxas no Brasil, ressalvadas aquelas decorrentes da prestação de serviços individualizados e específicos. Apesar de se utilizar com frequência a palavra imunidade para qualificar a garantia, sua análise -demonstra se tratar de verdadeira isenção, uma vez que não prevista expressamente no texto constitucional, mas sim em convenções internacionais, que, no ponto em que versam sobre matéria tributária são incorporadas ao direito interno com hierarquia meramente legal (conforme exposto no item 3.2.2.1.1 do Çapítulo 3, tratados e convenções internacionais somente têm status constitucional ou supralegal quando versarem sobre direitos humanos). Quanto a este aspecto, reavive-se que, nos termos detalhados no item 2.10.3.2 deste Capítulo, é legítima a concessão de isenção de tributos estaduais e municipais mediante tratado internacional. De qualquer forma, apesar de ser tecnicamente possível a cobrança de taxas de serviço dos Estados estrangeiros, o fato de eles também gozarem de imunidade de jurisdição, impede que sejam executados caso não paguem espontaneamente os valores devidos. A imunidade pode ser expressamente renunciada pelo Estado estrangeiro, que deve ser consultado sobre a questão; caso não abra mão da prerrogativa, ficam os entes tributantes desprovidos de qualquer mecanismo judicial para a cobrança coativa do tributo” (RE 138/RJ apud ALEXANDRE, 2017, p.219).
Traçados os principais aspectos em relação às imunidades recíprocas, passaremos à análise da próxima hipótese constitucional, a denominada “imunidade religiosa”.
2.2.2. As imunidades dos templos de qualquer culto
Um Estado soberano é considerado laico quando separa, oficialmente, Estado e religião. A Constituição Federal de 1988 consagra o Brasil enquanto Estado laico, no qual não há a adoção de nenhuma religião oficial, primando pela liberdade de ideologia e crença. Embora existam longas discussões acerca da efetiva aplicabilidade desse princípio na prática política, partiremos do pressuposto da existência da ampla liberdade religiosa no país.
Ao longo do texto constitucional é possível perceber a liberdade religiosa enquanto direito individual dos cidadãos e também enquanto valor a ser protegido pelo Estado.
O tratamento liberal e democrático dispendido à liberdade religiosa que pode ser depreendido no artigo 5º, incisos VI à VIII, vejamos:
“Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (...)
VI – é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre-exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e suas liturgias;
VII – é assegurada, nos termos da lei, a prestação de assistência religiosa nas entidades civis e militares de internação coletiva;
VIII – ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política, salvo se as invocar para eximir-se de obrigação legal a todos imposta e recursar-se a cumprir prestação alternativa, fixada em lei.”
O artigo 19 da Constituição Federal também traz à baila um importante aspecto referente a laicidade do Estado, vejamos:
“Ar. 19. É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
I – estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvenciona-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse público.”
Pode-se dizer que a imunidade tributária relativa aos templos de qualquer culto também integra o rol dos dispositivos constitucionais que visam proteger a liberdade religiosa. Ela está prevista no artigo 150, inciso VI, alínea “b” da Constituição Federal, que dispõe: “Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: (...) VI. instituir impostos sobre: b) templos de qualquer culto”.
Essa imunidade tributária é chamada pela doutrina de imunidade tributária religiosa, e tem o condão de proteger a liberdade religiosa no país, com a não criação de óbices ao exercício das práticas religiosas.
A imunidade dos templos de qualquer culto, prevista no art. 150, inciso VI, alínea “c” deve ser interpretada de forma extensiva, ultrapassando a literalidade do artigo no sentido de efetivar o princípio da liberdade de consciência e crença enquanto direito fundamental. O templo já foi conceituado a partir de várias teorias. No passado, o templo era entendido apenas como o local do culto religioso. Com a evolução da doutrina e dos valores jurídicos, houve a necessidade de reformular o conceito de templo. Aos poucos, “templo” passou a abranger aquilo que correspondia a ele próprio e, até mesmo, situações ligadas indiretamente ao sentido religioso, no sentido de englobar todas as práticas e organizações religiosas.
Ricardo Alexandre elucida a interpretação extensiva do termo:
“É interessante perceber que o legislador constituinte originário, ao proibir os entes federados de instituir impostos sobre os templos de qualquer culto (CF, art. 150, VI, b), disse menos do que efetivamente queria dizer.
A afirmação baseia-se na distinção entre o templo (prédio fisicamente considerado) e a entidade religiosa, com todas as atividades que lhe são inerentes. Se a imunidade fosse tão somente do templo, estaria impedida apenas a cobrança dos impostos que incidissem sobre a propriedade do imóvel em que está instalado o templo (IPTU ou lTR). Entretanto, nada impediria a cobrança, por exemplo, do imposto de renda sobre as oferendas ou do imposto sobre serviços relativos à celebração de casamentos.” (ALEXANDRE, 2017, p. 220).
Historicamente, nem sempre o Estado Brasileiro privilegiou a liberdade religiosa em suas constituições. Inicialmente, na Constituição de 1824, era evidente que existia uma explícita superioridade da religião católica, cuja relação era ainda mais estreita ao se verificar que os bispos e principais líderes religiosos eram nomeados pelo Imperador. A menção à religião católica aparece várias vezes nesse texto constitucional. Para Daneli Filho e Pilau Sobrinho:
“Vê se que o Chefe do Poder Executivo do Estado estabelecia quem seriam as pessoas com maior poder dentro da Instituição Religiosa oficial, bem como pagaria remuneração para o clero católico, além de ter que jurar lealdade e fidelidade à confissão religiosa que, no texto ao menos, vinha antes da própria Constituição”. (DANELI FILHO, PILAU SOBRINHO, 2010: 3).
A relação entre Estado e Igreja era tão próxima, que os tributos eram arrecadados para angariar recursos para a construção de Igrejas, e outras atividades religiosas.
Em decorrência de inúmeros acontecimentos históricos, a exemplo de uma grave crise econômica que assolou o país na época, a constituição brasileira de 1891 emerge sob um contexto diferente, estabelecendo uma ruptura com a religião católica enquanto religião oficial do país.
No período ditatorial o texto constitucional garantia a liberdade religiosa, no entanto ocorreram perseguições a vários setores religiosos, sendo esse mais um aspecto da restrição às liberdades individuais que provém de uma ditadura, pouco importando a um Estado Autoritário, qualquer valor ou garantia constitucional.
Em relação a disposição atual acerca da imunidade religiosa, com o passar do tempo foram surgindo inúmeros questionamentos práticos sobre a aplicabilidade do instituto, ensejando uma série de decisões provindas dos Tribunais Superiores.
Muito se questionava sobre valores recebidos de aluguel de imóvel pertencente a entidade religiosa. Tais questionamentos frequentes ensejaram a edição da súmula vinculante número 52, que dispõe que, caso o dinheiro seja utilizado nas atividades essenciais da entidade, fará jus o valor auferido a imunidade tributária.
Dentre esses julgados, temos o Recurso Extraordinário 578.562, de relatoria do Ministro Eros Grau em 21/05/2008 no qual houve o questionamento se o cemitério utilizado nas celebrações da Igreja estaria abrangido pela imunidade tributária. O Supremo Tribunal Federal entendeu que sim, pois no caso retratado o cemitério era uma extensão da entidade religiosa, portanto, abrangido pela imunidade.
Já em relação à maçonaria, o Supremo Tribunal Federal entendeu que essas organizações não estão incluídas no conceito de “templos de qualquer culto” ou “instituições de assistência social” para fins de concessão de imunidade tributária prevista no art. 150, VI, b e c da Constituição Federal. Para o STF, a maçonaria seria uma ideologia de vida e não uma religião, estando sujeita, portanto ao pagamento de IPTU e demais impostos (STF, 1ª Turma. RE 562351/RS, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, 4/9/2012).
Mais um caso significativo levado à discussão no STJ se refere a uma Igreja que efetuou a compra de um terreno baldio (imóvel vago) que seria utilizado para a construção de um templo, conforme um projeto que já estava aprovado. O Município então, efetuou o lançamento do ITBI (Imposto sobre transmissão de bens imóveis), afirmando que a Igreja somente gozaria de imunidade tributária quanto ao bem quando o projeto estivesse concluído e o templo construído. A tese do município não foi acolhida pelo STJ. Segundo o Tribunal, por se tratar de entidade religiosa, há presunção relativa de que o imóvel da entidade está vinculado às suas finalidades essenciais, o que impede a cobrança de impostos sobre o imóvel, de acordo com o artigo 150, inciso VI, alínea “c” da Constituição Federal. A descaracterização dessa presunção para que incida ITBI sobre o imóvel de entidade religiosa é ônus da Fazenda Pública Municipal, nos termos do art. 373, inciso II do CPC 2015. Assim, para o STJ, é do município o ônus da prova de que o imóvel pertencente a entidade religiosa não está vinculado a sua destinação institucional (STJ. 2ª Turma. AgRg no AREsp 444.193-RS, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, 04/02/2014).
Pelos apontamentos e julgados acima, nota-se a preocupação dos Tribunais Superiores em preservar o princípio da liberdade religiosa, retirando possíveis encargos tributários do exercício desse direito individual.
Assim, a imunidade dos templos de qualquer culto, prevista no art. 150, inciso VI, alínea “c” deve ser interpretada de forma extensiva, ultrapassando a literalidade do artigo no sentido de efetivar o princípio da liberdade de consciência e crença enquanto direito fundamental.
2.2.3. A imunidade dos Partidos Políticos, Instituições Assistenciais e Educacionais
A imunidade tributária prevista no artigo 150, inciso VI, alínea “c” dispõe em sua literalidade:
“Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios (...):
VI – instituir impostos sobre (...):
c) patrimônio, renda ou serviços dos partidos políticos, inclusive suas fundações, das entidades sindicais dos trabalhadores, das instituições de educação e de assistência social, sem fins lucrativos, atendidos os requisitos da lei”.
Esse dispositivo constitucional também está previsto no artigo 9º do Código Tributário Nacional.
A alínea “c” do artigo 150, inciso VI, não é autoaplicável, ou seja, dependerá de complementação normativa através de uma lei a que se deve obedecer. Em decisão recente, STF no Recurso Extraordinário 566622, de Relatoria do Min. Marco Aurélio, julgado em 23/02/2017 (repercussão geral), decidiu que a lei a que se refere o §7º do artigo 195 da Constituição Federal é uma lei complementar.
Isso pode gerar estranheza porque sabe-se que, quando a Constituição Federal menciona apenas “lei”, sem especificar mais nada, ela está se referindo à lei ordinária. Quando a matéria precisa ser tratada por lei complementar, isso é previsto expressamente.
Assim, entendeu o STF que o § 7º do art. 195, deve ser interpretado em conjunto com o art. 146, II, que dispõe que cabe à lei complementar regular as limitações constitucionais ao poder de tributar. Portanto, a Constituição exigiu lei complementar, não diretamente no § 7º do art. 195, mas sim decorrente da interpretação e aplicação do art. 146, inciso II.
2.2.3.1 A imunidade dos partidos políticos
Em relação aos partidos políticos, uma vez que são fundamentais para a organização política da sociedade, o legislador buscou proteger a liberdade política, pois os partidos são instrumentos fundamentais à representatividade democrática.
Essa categoria de imunidade tributária já figurava em Constituições anteriores, sendo expressa também na Constituição Federal de 1988.
Alguns estudiosos enfatizam o fato de que a imunidade concedida aos partidos se relaciona a necessidade de preservação de sua autonomia, impedindo que imposições fiscais coíbam suas manifestações.
Vale lembrar que predomina o entendimento de que as imunidades não são interpretadas de maneira restritiva, ou seja, referindo-se apenas aos impostos conforme a literalidade do texto legal. No entanto, em relação aos partidos políticos, a imunidade tributária é aplicada com ressalvas. Segundo precedentes jurisprudenciais pesquisados, não há dispensa do recolhimento das contribuições previdenciárias, por exemplo.
Em casos de não atendimento a condições determinadas, é possível que a Receita Federal suspenda a imunidade tributária de partidos políticos em razão de irregularidades cometidas perante o Fisco.
O artigo 150, VI, “b” engloba ainda as fundações dos partidos políticos, que devem ser a eles vinculadas para que sejam englobadas pela imunidade.
Assim, os partidos políticos devem obedecer aos requisitos legais para que façam jus a imunidade, pois não se trata de um benefício autoaplicável sendo necessária a observação de condições na aplicação e utilização dos recursos.
2.2.3.2 A Imunidade das entidades sindicais dos trabalhadores
As entidades sindicais dos trabalhadores também previstas como imunes no artigo 150, inciso VI alínea “c”, se relacionam diretamente com os direitos sociais previstos na constituição, no sentido de proteção jurídica do hipossuficiente em uma relação laboral. Tanto é verdade, que o disposto se refere apenas aos sindicatos dos trabalhadores, não sendo aplicável às entidades sindicais patronais. Esse é o entendimento majoritário da doutrina, a exemplo:
Ao imunizar as entidades sindicais dos trabalhadores, o legislador constituinte quis proteger a liberdade de associação sindical estatuída no art. 8º da Magna Carta. Perceba-se, contudo, que a proteção somente beneficia os sindicatos de trabalhadores, talvez por estes se encontrarem no lado normalmente mais fraco da relação trabalhista. Os sindicatos de empregadores (patronais) não são, portanto, beneficiários da regra imunizante. (ALEXANDRE, 2017, p. 222)
Assim, entendemos que de fato se caracteriza uma situação de hipossuficiência nas relações de trabalho, embora existam alguns autores que tenham opiniões distintas, nesse sentido, Hugo Machado de Brito:
“São também imunes as entidades sindicais. A letra do dispositivo constitucional refere-se apenas a entidades sindicais dos trabalhadores, o que revela seu caráter demagógico. Estariam os sindicatos patronais sujeitos à tributação? Poderia o Estado esmagá-los com impostos? A liberdade de associação seria assegurada apenas aos trabalhadores? Qual a abrangência da palavra trabalhadores no texto em questão? Parece-nos que a imunidade deve abranger as entidades sindicais em geral, mas o dispositivo constitucional está aí, s desafiar a argúcia dos hermeneutas que não pretenderem ficar com sua literalidade” (BRITO, 2004: 271).
Nesse estudo, preferimos aderir a primeira interpretação, uma vez que as relações de trabalho apresentam, reconhecidamente, desigualdade jurídica em relação às partes envolvidas, sendo necessária uma maior proteção da classe trabalhadora. Compreende-se, portanto, que a imunidade relativa as entidades sindicais são aplicadas somente aos sindicatos dos trabalhadores.
2.2.3.3 A Imunidade das instituições de educação e de assistência social sem fins lucrativos
Em decisão recente nos autos do Recurso Extraordinário 566622 de relatoria do Ministro Marco Aurélio, julgado em 23/02/2017, o Supremo Tribunal Federal proferiu decisão sobre os requisitos para concessão de imunidade a entidades beneficentes. Para a maioria dos ministros, é necessária a edição de lei complementar, e, enquanto não for editada, prevalecem apenas as regras do artigo 14 do Código Tributário Nacional (CTN), que nos diz:
“Art. 14. O disposto na alínea “c” do inciso IV do art. 9º é subordinado à observância dos seguintes requisitos pelas entidades nele referidas:
I – não distribuírem qualquer parcela de seu patrimônio ou de suas rendas a qualquer título;
II – aplicarem integralmente, no país, os seus recursos na manutenção dos seus objetivos institucionais;
III – manterem escrituração de suas receitas e despesas em livros revestidos de formalidades capazes de assegurar sua exatidão;
§1º Na falta de cumprimento do disposto nesse artigo, ou no §1º do artigo 9º, a autoridade competente pode suspender a aplicação do benefício.
§2º Os serviços a que se refere à alínea “c” do inciso IV do artigo 9º são exclusivamente os diretamente relacionados com os objetivos institucionais das entidades de que trata este artigo, previstos nos respectivos estatutos ou atos constitutivos.”
Como já relatado anteriormente, milita em favor das entidades a presunção de que seu patrimônio, renda e serviços estão vinculados às atividades essenciais, competindo a Fazenda Pública comprovar o desvio de finalidade.
Para que as entidades sejam consideradas sem fins lucrativos, é importante salientar que auferir lucro é diferente de ter finalidade lucrativa. Nesse sentido, Ricardo Alexandre:
“Não se deve confundir ausência de fim lucrativo com proibição de obtenção de superávit financeiro. Toda entidade que se pretenda viável e pense em crescimento deve se esforçar para que suas receitas superem suas despesas. O que não pode acontecer, sob pena de configuração de finalidade lucrativa, é a distribuição de excedentes entre os sócios, diretores, gerentes ou quaisquer outras pessoas.” (ALEXANDRE, 2017, p.23)
A súmula vinculante 52 se aplica igualmente aos casos de imunidade das entidades educacionais e assistenciais sem fins lucrativos:
“Ainda quando alugado a terceiros, permanece imune ao IPTU o imóvel pertencente a qualquer das entidades referidas pelo art.150, VI, “c”, da Constituição Federal, desde que o valor dos aluguéis seja aplicado nas atividades para as quais tais entidades foram constituídas”.
No Recurso Extraordinário junto ao STF, nº385091/DF, Relatoria do Ministro Dias Toffoli, julgado em 06/08/2013, questionou se pelo fato de um imóvel pertencente a uma instituição de ensino estar vago ou não edificado, a imunidade permaneceria mantida. Ao apreciar a questão, o STF entendeu que sim, pois apenas o simples fato de ainda não ser utilizado, não retira a garantia constitucional da imunidade tributária, desde que estejam atendidos os demais requisitos legais.
Outro fato interessante se deu em relação às entidades paraestatais: SESC, SESI, SENAI, SEBRAE E SENAC, conhecidas como “Sistema S”, que são pessoas jurídicas de direito privado criadas por autorização legislativa e ligadas à estrutura sindical, que colaboram diretamente com o Estado através do desempenho de atividades não lucrativas e de interesse social.
No Recurso Extraordinário 470520/SP, relatoria do Ministro Dias Toffoli, o STF entendeu que as entidades do “chamado Sistema S” usufruem da imunidade tributária, pois promovem cursos para inserção de profissionais no mercado de trabalho, sendo consideradas instituições de educação e assistência social. Assim, no caso do terreno, já discutido nesse estudo, deverá também incidir a imunidade quando o imóvel for destinado às suas atividades essenciais.
As instituições do “sistema S” prestam atividades consideradas pela doutrina como de “utilidade pública”, embora não sejam considerados serviços públicos em si, atuam ao lado do estado para o desempenho desse papel.
Na mesma linha, uma instituição de assistência social apresentou requerimento administrativo junto à Secretaria de Fazenda do DF para que passasse a gozar da imunidade tributária prevista no art.150, VI, “c”, da CF/88. A autoridade fiscal exigiu a apresentação de uma série de documentos, dentre eles um “certificado de entidade beneficente de assistência social”, expedido pelo Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à fome, nos termos da lei 12101/2009. Como a instituição não conseguiu obter o certificado, ajuizou ação contra o DF requerendo que fosse reconhecido que ela atendia os requisitos da CF/88 e do art.14 do CTN para obter a imunidade tributária. Na ação, foi realizada perícia contábil na instituição e o laudo pericial concluiu que a autora preenchia os requisitos técnico contábeis previstos no art.14 do CTN. Nesse caso, a instituição obteve o direito à imunidade tributária, uma vez que comprovou, através de perícia contábil, que atende os requisitos do art. 150, “c” da CF/88 e do art. 14 do CTN, mesmo que não tinha obtido o documento exigido, pois condicionou-se a concessão da imunidade à apresentação de certificado, sendo que o fato já restava incontroverso em razão da realização da perícia. (STJ. 1ª Turma. AgRg no AREsp 187.172 – DF, Rel. Min Napoleão Nunes Maia Filho, julgado em 18/2/2014, apud Cavalcante, 2017, p. 843).
Outro interessante caso relacionado às entidades beneficentes se refere a venda de bens e o pagamento de ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços).
“O ICMS é tributo indireto. Todo o seu ônus econômico-financeiro é transferido para o consumidor que, ao pagar o preço da mercadoria, paga também o valor do imposto que naquele preço se acha embutido.
Para alguns, como a entidade imune, ao vender a mercadoria, não sofre qualquer encargo direto no seu patrimônio, a venda não estaria abrangida pela imunidade. O STF, na contramão desse raciocínio, entendendo que a não aplicação da imunidade acabaria por onerar os preços praticados pelas entidades assistenciais, diminuindo-lhes a competitividade do mercado, reconheceu que as vendas estariam inseridas dentro do contexto da regra protetiva. Aqui um importantíssimo alerta. Nos casos diametralmente opostos, em que o adquirente imune acaba por sofrer o encargo relativo ao tributo indireto, o STF não tem reconhecido como aplicável o benefício da imunidade, O Tribunal teve a oportunidade de analisar a matéria ao se debruçar sobre um caso em que o Serviço Social da Indústria - SESI invocou a imunidade tributária para se livrar do dever de pagar o ICMS relativo à aquisição de feijão vendido por contribuinte localizado no Estado de São Paulo. Como é sabido, se um comerciante vende determinada mercadoria, ocorre o fato gerador do ICMS, cujo sujeito passivo (contribuinte) é o alienante. No entanto, nos termos da legislação do Estado de São Paulo, cumpria ao adquirente (SESI), na condição de responsável tributário, fazer o recolhimento do imposto (...). Ora, conforme visto, mesmo em se tratando de tributo indireto (como é o caso do ICMS), o STF reconhece a aplicação da imunidade em benefício do contribuinte de direito (comerciante) e não em favor do contribuinte de fato (adquirente, que sofre o encargo do tributo). No entanto, no caso ora analisado, o STF afirmou ser irrelevante investigar quem suportaria a carga tributária para estabelecer o alcance da imunidade, "na medida em que existiria um contribuinte de direito, que seria o produtor-vendedor, descabendo estender-lhe o benefício, se ele não gozar da imunidade" (STF, 2ª Turma,
RE 202-987/SP, ReL Min, joaquim Barbosa, j, 30.06.2009, DJe 25,09,2009, p, L021). Assim, foi mantida a obrigação do SESI de recolher, como responsável tributário, o ICMS cujo contribuinte era determinado comerciante. Perceba-se, por conseguinte, que o ente imune pode ser legalmente nomeado responsável pelo pagamento de tributo, existindo, inclusive, hipóteses em que, na prática) ele acabará sendo onerado por tal gravame. Em suma, devem ser diferenciadas as seguintes situações: a) Se o contribuinte de direito goza de imunidade pessoal, tem-se por aplicável o benefício constitucional mesmo nos casos em que o encargo econômico do tributo iria naturalmente recair sobre outra pessoa (contribuinte de fato). Ver STF, Tribunal Pleno, RE 186,175-Edv-ED, Rei. Min, Ellen Gracie, j, 23,08,2006, DJ 17-11-2006, p, 48; b) Mesmo que o contribuinte de fato goze de imunidade pessoal, o beneficio não será aplicável no que concerne às hipóteses em que o tributo tenha como contribuinte de direito uma pessoa não imune. Nestes casos, não há qualquer vedação a que o ente imune seja nomeado responsável pelo pagamento do tributo devido, podendo até mesmo vir a assumir o encargo econômico da exação. (Ver STF, 2.ª Turma, RE 202.987/SP, Rei. Min. Joaquim Barbosa, j. 30.06.2009, DJe 25.09.2009, p. 1.021)”. (ALEXANDRE, 2017, p. 226/227).
Mais uma controvérsia importante que foi levada aos tribunais superiores, se refere às entidades de previdência privada. Essas entidades, quando fechadas, são destinadas apenas aos beneficiários do sistema (ente ou empresa) quando inativos. O objetivo central é complementar os proventos de aposentadoria que serão pagos pelo Regime Geral de Previdência Social. São os denominados “fundos de pensão” e não tem fins lucrativos.
Já as entidades de previdência privada aberta, são aquelas que qualquer pessoa pode contratar junto a uma instituição financeira. Quanto a essas, que possuem finalidade lucrativa, a imunidade tributária, de fato não se estende.
A dúvida pairava sobre o alcance da imunidade tributária às entidades de previdência privadas fechadas. Existem raros casos em que essas entidades são custeadas exclusivamente pelo empregador, sem a contribuição de seus empregados.
Já em outras, os funcionários da empresa efetivamente contribuem para fazer jus ao benefício. O assunto foi pacificado com a edição da súmula 730 do STF que nos diz: “Somente as entidades fechadas de previdência social privada nas quais não há contribuição dos beneficiários gozam de imunidade tributária”.
Pelo exposto acima e pela análise dos julgados trazidos, fica evidente que a interpretação do dispositivo se dá no sentido de amparar essas instituições em razão da relevância de suas atividades prestadas à sociedade.
2.2.4. A Imunidade tributária cultural
A imunidade tributária cultural está prevista no artigo 150, inciso VI, alínea “d” da Constituição Federal e prevê que “os livros, jornais, periódicos e o papel destinado a sua impressão gozam de imunidade tributária quanto aos impostos”. É denominada pela doutrina como “imunidade tributária cultural ou de imprensa”.
Essa espécie de imunidade tem o condão de facilitar o acesso à cultura, através da não instituição de impostos sobre os objetos enumerados, relacionada diretamente a liberdade de expressão e livre manifestação do pensamento, que são valores fundamentais ao legislador constitucional.
O Min. Dias Toffoli, em rico voto no RE 330817/RJ, aponta as razões históricas que motivaram a previsão desta imunidade.
No período histórico conhecido como Estado Novo (1937 a 1945), o Governo cobrava elevados impostos dos jornais que divulgavam ideias contrárias ao regime quando ocorria a importação de papéis. Por outro lado, concediam benefícios fiscais aos jornais partidários do Governo, constituindo uma forma de censura indireta.
A Constituição Federal de 1946, com o intuito de acabar com este controle estatal da imprensa, conferiu imunidade tributária ao “papel” e, além disso, com o objetivo de estimular a produção editorial, também estendeu esta imunidade para os livros.
A Constituição Federal de 1967 manteve a imunidade, prevendo que era vedado criar imposto sobre “o livro, os jornais e os periódicos, assim como o papel destinado à sua impressão”, e a Constituição Federal de 1969 (para alguns, apenas uma Emenda Constitucional à CF/67) manteve a imunidade, com pequena alteração em seu texto. Finalmente na Constituição Federal de 1988, a imunidade cultural é também expressa, com a intenção evidente de proteger a liberdade de expressão aliada a outros valores fundamentais.
A imunidade cultural é classificada com objetiva (ou real). Isso porque, recai apenas sobre bens (livros, jornais, periódicos e o papel) e não se refere a impostos pessoais, e independe da pessoa que os produza ou comercialize: está relacionada ao objeto.
Ao afirmar que o dispositivo busca baratear o acesso à cultura e proteger os valores de livre manifestação do pensamento, emerge o questionamento sobre a relevância do conteúdo dos livros, jornais e periódicos para que façam jus a imunidade tributária. Assim, o STF se manifestou no Recurso Extraordinário 221.239/SP no seguinte sentido:
“Álbum de figurinhas”. Admissibilidade. A imunidade tributária sobre livros, jornais, periódicos e o papel destinado à sua impressão tem por escopo evitar embaraços ao exercício da liberdade de expressão intelectual, artística, científica e de comunicação, bem como facilitar o acesso da população à cultura, à informação e à educação. O Constituinte, ao instituir esta benesse, não fez ressalvas quanto ao valor artístico ou didático, à relevância das informações divulgadas ou à qualidade cultural de uma publicação. Não cabe
ao aplicador da norma constitucional em tela afastar este benefício fiscal instituído para proteger direito tão importante ao exercício da democracia por força de um juizo subjetivo acerca da qualidade cultural ou do valor pedagógico de uma publicação destinada ao público infanto-juvenil" (STF, 2ª T., RE 221.239/SP, Rei. Min. Ellen Gracie, j. 25.05.2004, DJ 06.08.2004, p. 61).
Vale lembrar que o papel utilizado para a impressão de livros, jornais e periódicos também é imune, não sendo relevante a sua qualidade. No entanto, a imunidade não alcança os insumos para a produção de livros, que não seja o papel, a exemplo do barbante, cola, etc. Esse questionamento levou a edição da súmula 657 do STF: “a imunidade
Nessa perspectiva, o Supremo Tribunal Federal também considerou que o sentido de livro deve ser entendido em sentido amplo, incluindo portanto, os manuais técnicos e apostilas, que são entendidos como um “veículo de transmissão e cultura simplificado”.
Outra controvérsia sobre a imunidade cultural se relacionava as formas de apresentação de livros e demais objetos:
“A partir do ano de 2009 surgiram decisões mais claras do Supremo Tribunal Federal expressamente afirmando que, como a mídia que dá suporte físico ao livro eletrônico (CD-ROM ou outra) não se confunde nem pode ser assimilada a papel, a imunidade não está configurada (RE 416.579/RJ).
O problema é que, nos dias atuais, o mundo passa por uma rápida disseminação dos livros em meio eletrônico (e-books), o que deve justificar uma evolução na jurisprudência da Suprema Corte, sob pena de frustrar o objetivo que presidiu a elaboração da regra imunizante ora estudada, qual seja, baratear a difusão da cultura e do pensamento. Ao que parece, o mais adequado seria entender que o livro, o jornal e o periódico são imunes, não importando a forma de apresentação. Se for adotada a forma tradicional em papel, este também será imune. Há de se separar o livro (informação) do seu suporte físico (papel, CD-ROM, e-reader etc.), de forma a imunizar todos os livros, mas apenas um suporte físico (papel). Nessa linha, a aquisição do leitor eletrônico (e-reader) não deve ser considerada imune, mas a aquisição do livro eletrônico, mediante download ou outra forma qualquer, deve ser considerada insuscetível de tributação (ALEXANDRE, 2017: p.234/235).
A tecnologia trouxe outras possibilidades de acesso à cultura, não se restringindo mais a literalidade do artigo constitucional:
“Segundo afirmou o STF, a imunidade do art. 150, VI, “d”, da CF/88 não abrange apenas os livros produzidos pelo “método gutenberguiano”.
Antes de prosseguir na explicação do julgado, é importante esclarecer uma curiosidade: Johann Gutenberg foi um alemão que, no século XV, teria inventado (ou aperfeiçoado) a máquina de impressão tipográfica. Antes dele, os livros eram todos manuscritos. Assim, o primeiro livro impresso do mundo foi feito na máquina desenvolvida por este alemão. Trata-se de uma Bíblia em latim, que ficou historicamente conhecida como a “Bíblia de Gutemberg”.
Desse modo, quando o STF fala em livro produzido pelo “método gutenberguiano”, o que ele está querendo dizer é livro impresso.
Voltando ao julgado.
O livro pode ser veiculado em diversos tipos de suporte, seja ele tangível (ex: papel) ou intangível (ex: digital). Aliás, no passado, os livros já foram feitos de diferentes materiais: entrecasca de árvores, folha de palmeira, bambu reunido com fios de seda, placas de argila, placas de madeira, pergaminho (proveniente da pele de carneiro) etc.
Isso tudo nos leva à conclusão de que o papel é apenas um elemento acidental no conceito de livro.
Quando se fala que algo é um elemento acidental, isso significa que ele pode existir ou não. Ao contrário, quando se diz que algo é um elemento essencial, obrigatoriamente ele tem que estar presente.
O papel é um elemento acidental (e não essencial) do conceito de livro. Em outras palavras, existe livro mesmo sem papel.
Nas palavras do Min. Dias Toffoli: “o suporte das publicações é apenas o continente (“corpus mechanicum”) que abrange o conteúdo (“corpus misticum”) das obras e, portanto, não é o essencial ou o condicionante para o gozo da imunidade.”
O fato de os livros eletrônicos permitirem uma maior capacidade de interação com o leitor/usuário (a partir de uma máquina), em comparação com os livros contidos nos códices (livros impressos em papel), não é motivo para se negar a eles a imunidade tributária. O aumento dessa interação é natural e está ligado ao processo evolutivo da cultura escrita trazendo novas funcionalidades como a busca de palavras, o aumento ou a redução do tamanho da fonte etc. Além disso, o usuário pode carregar consigo centenas de livros armazenados no leitor digital. Isso tudo facilita a difusão da cultura. (CAVALCANTE, 2017, disponível em http://www.dizerodireito.com.br/2017/03/os-livros-eletronicos-gozamde.html)
Embora houvesse evidente divergência sobre o assunto anteriormente, o Supremo Tribunal Federal em decisão recente, pacificou o entendimento de que os livros em formato digital estão abrangidos pela imunidade, colocando fim a discussão jurisprudencial:
“A imunidade tributária constante do art. 150, VI, “d”, da Constituição Federal (CF), aplica-se ao livro eletrônico (“e-book”), inclusive aos suportes exclusivamente utilizados para fixá-lo”. (STF. Plenário. RE 330817/RJ, Rel. Min. Dias Toffoli, julgado em 8/3/2017, repercussão geral - Info 856).
O STF afirmou que a imunidade tributária aplica-se ao livro eletrônico e aos “suportes exclusivamente utilizados para fixá-lo”, o que não se aplica aos “smartphones”, “tablets” ou “laptops”, pois não podem ser considerados suportes utilizados exclusivamente para fixar um livro eletrônico. Ao contrário, tais aparelhos possuem centenas de funcionalidades e a leitura de livros digitais neles é apenas uma das possibilidades, podendo até mesmo ser considerada secundária.
Quanto aos jornais, os mesmos também gozam de imunidade, mesmo que contenham publicidade em seu corpo (anúncios, classificados, etc.), considerando que constitui fonte de renda necessária para continuar a difusão da cultura. No entanto, os folhetos separados contendo publicidade não são considerados parte integrante do jornal, e não estão abrangidos pela imunidade.
Na mesma linha de raciocínio, os veículos de publicidade, de caráter predominantemente comercial, e o papel utilizado para a confecção da propaganda não estão abrangidos pela imunidade, uma vez que não atendem aos conceitos constitucionais de livro, jornal ou periódico contido nessa norma.
No que se refere as listas telefônicas, o STF também as considerou imunes, aplicando a elas o disposto no texto constitucional. Para o tribunal, a imunidade prevista em prol de livros, jornais, periódicos e o papel destinado a sua impressão, ostenta caráter objetivo e amplo, alcançando publicações veiculadoras de informações genéricas ou específicas, ainda que desprovidas de caráter noticioso, discursivo, literário, poético ou filosófico. No acórdão:
“O fato de as edições das listas telefônicas veicularem anúncios e publicidade não afasta o benefício constitucional da imunidade. A inserção visa a permitir a divulgação das informações necessárias ao serviço público a custo zero para os assinantes, consubstanciando acessório que segue a sorte do principal" (STF, 2ª T., RE 199.183/SP, Rel. Min. Marco Aurélio, j. 17.04.1998, DJ 12.06.1998, p. 67).
Sabe-se que os serviços de distribuição de livros, papéis, periódicos, etc., também possibilita a difusão dos meios de expressão de cultura. No entanto, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é firme no sentido de que a distribuição de periódicos, revistas, publicações, jornais e livros não está abrangida pela imunidade tributária da alínea “d” do inciso VI do art. 150 da CF/88. (CAVALCANTE, 2017).
Mais um julgado que merece ser destacado se refere as prestadoras de serviço de composição gráfica. Segundo o STF, as prestadoras de serviços de composição gráfica, que realizam serviços por encomenda de empresas jornalísticas ou editoras de livros, não estão abrangidas pela imunidade tributária, prevista no art. 150, VI, “d” da CF. As empresas que fazem composição gráfica para editoras, jornais, etc., são meras prestadoras de serviço, e por isso, a elas não se aplica a imunidade tributária. (CAVALCANTE, 2017).
2.2.4.1 Imunidade Tributária da Música Nacional
A Imunidade que será tratada nesse tópico se refere a obras musicais nacionais, e buscou atenuar a barreira econômica que existe sobre o produto original, aumento o acesso à cultura das classes menos favorecidas. A redação dessa alínea foi introduzida pela Emenda Constitucional nº75/2013, cuja redação nos diz:
“Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: (...)
VI – instituir impostos sobre:
e) fonogramas e videofonogramas musicais produzidos no Brasil contendo obras musicais ou literomusicais de autores brasileiros e/ou obras em geral interpretadas por artistas brasileiros bem como os suportes materiais ou arquivos digitais eu os contenham, salvo na etapa de replicação industrial de mídias ópticas de leitura a laser”.
Nota-se que os motivos da concessão dessa imunidade estão relacionados ao combate à pirataria. No entanto, esse dispositivo recebe várias críticas por parte da doutrina, a exemplo de Ricardo Alexandre:
“Ao que parece, quanto a este aspecto, foi mais feliz o legislador constituinte originário quando, ao imunizar livros, jornais, periódicos e o papel destinado a sua impressão, o fez sem excluir as publicações estrangeiras, algo bem mais consentâneo com a ideia subjacente de propiciar a difusão da cultura e a manifestação do pensamento livres de encargos tributários.
Mesmo que se admita como legítimo o combate somente à pirataria que atinja as produções com algum elemento de conexão nacional, há o risco de a própria desoneração tributária acabar por facilitá-la. Esse efeito paradoxal poderá se verificar com a perda de parte do interesse dos órgãos de fiscalização na matéria, pois, se o produto original deixou de colaborar com os comemorados recordes de arrecadação, talvez o esforço fiscal seja canalizado para operações mais rentáveis em termos arrecadatórios. A isso se soma o fato de que a estimada redução dé até 25% dos preços dos CDs, DVDs e Blu-rays, caso confirmada, ainda manterá bastante distante a diferença de preço entre o produto pirata e o original. Paira também sobre a novidade a crítica relativa à existência de produtos de essencialidade bem mais acentuada que CDs, DVDs e Blu-rays, cuja necessidade de desoneração é bem mais premente, porém ainda não atendida pelo Poder Público, como é o caso dos medicamentos.” (ALEXANDRE, 2017, p. 235/236).
A Lei de Direitos Autorais, nº 9610/98, traz a conceituação de fonogramas no artigo 5º, inciso IX, e conceitua fonograma como "toda fixação de sons de uma execução ou interpretação ou de outros sons, ou de uma representação de sons que não seja uma fixação incluída em uma obra audiovisual". Depreende-se do conceito que se trata de toda obra que contenha música. O videofonograma não tem conceituação legal, mas podemos considerar como sendo o arquivo que apresenta música e vídeo.
Para que faça jus a imunidade, é necessário ainda que essas obras sejam produzidas no Brasil, sem exceção, o que justifica as críticas do Autor trazidas acima. O fato de serem necessários autores brasileiros e/ou obras em geral interpretadas por artistas brasileiros constitui um requisito subjetivo, aliado ao requisito objetivo já enumerado.
Pela redação do artigo, não há dúvidas que também são imunes todos os suportes materiais necessários a essa replicação, não existindo margem para discussão, como no caso dos livros, jornais, etc., relacionados no inciso anterior.
Em relação a parte final do dispositivo, “salvo na etapa de replicação industrial de mídias ópticas de leitura a laser”:
“A ressalva final do dispositivo foi inserida na tentativa de arrefecer a insatisfação do Estado do Amazonas com o fato de que a imunidade aplicada nacionalmente retiraria a exclusividade do benefício existente na Zona Franca de Manaus. Realmente, as indústrias responsáveis pela replicação das mídias digitais somente mantêm suas sedes em Manaus, e não em locais mais próximos dos maiores centros consumidores, em virtude dos benefícios fiscais exclusivos da Zona Franca. A existência de benefício de caráter nacional com extensão semelhante poderia, portanto, resultar em perda de postos de trabalho na Zona Franca.
Para minorar o problema, foi inserida no texto da nova alínea a ressalva ora estudada. Há de se registrar, contudo, que o Estado do Amazonas reclama que somente foi excluída da imunidade a replicação industrial, mas não a distribuição das mídias digitais, de forma que o Estado ainda corre sérios riscos de perda de postos de trabalho.
Perceba-se que a ressalva ora estudada não se aplica ao vinil, que não é mídia óptica, de forma que sua replicação industrial é abrangida pela imunidade. Sobre esse aspecto, relembramos que o Brasil sedia a única fábrica da América Latina que produz a mídia, a Polysorn, em Belford Roxo/RJ.” (ALEXANDRE, 2017: p. 237/238).
Pelo exposto acima, nota-se uma finalidade muito específica que o legislador buscou atingir, protegendo os benefícios fiscais da Zona Franca de Manaus para a permanência das indústrias nesse local, pois caso os benefícios fiscais não existissem, é possível que as grandes indústrias migrassem para outros locais, mais próximos dos grandes centros consumidores.
Vale lembrar que, assim como os demais dispositivos do artigo 150, inciso VI, essas imunidades se referem apenas aos impostos, incidindo portanto, outras espécies de tributos, como o PIS, COFINS, etc.
2.3 Outros julgados sobre a imunidade tributária
Como já exposto anteriormente, as obrigações tributárias se dividem em principais, que constituem o dever de pagar o tributo ou penalidade pecuniária, e acessórias, que se relacionam a obrigações de fazer positivas ou negativas.
No Recurso Extraordinário nº 250844/SP, Rel. Min. Marco Aurelio em 29/05/2012, o STF se manifestou no sentido de que as entidades que gozam de imunidade tributária, embora dispensadas das obrigações principais, tem o dever de cumprir as obrigações acessórias, mantendo os livros fiscais, por exemplo. No direito tributário, o descumprimento das obrigações acessórias enseja sua conversão em obrigação principal, conforme preconiza o artigo 113, §3º do CTN: “A obrigação acessória, pelo simples fato de sua inobservância converte-se em obrigação principal relativamente à penalidade pecuniária”. Sendo assim, caso o ente descumpra determinada obrigação acessória, não estará dispensado de eventual penalidade pecuniária decorrente da inobservância de uma prestação de positiva ou negativa, de fazer ou não fazer.
Outro questionamento que também foi levado ao Supremo Tribunal Federal, se deu em relação a determinação do artigo 146, inciso III, alínea “c”, da Constituição Federal, que determina que a Lei Complementar deve estabelecer adequado tratamento tributário ao ato cooperativo praticado pelas sociedades cooperativas. No entanto, a expressão “adequado tratamento tributário” não significa que essas instituições estejam imunes ao recolhimento de tributos. Tanto é verdade que a lei complementar 123/2006 em seu artigo 12 e seguintes, dispõe sobre o recolhimento tributário através do chamado “Simples Nacional”. Embora haja um procedimento mais simplificado e célere, não significa que houve imunidade em relação às cooperativas (STF.2ª Turma. Al 740269 AgR/SP, Rel. Min. Gilmar Mendes, 18/09/2012).
Em relação a Constituições Estaduais, o STF também declarou que a Constituição Estadual não pode prever imunidade tributária para tributos estaduais e municipais incidentes sobre veículos de radiofusão, declarando assim a inconstitucionalidade de tais disposições no âmbito estadual (STF. Plenário. ADI 773/RJ, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em 20/08/2014 – Info 755).
Inúmeros julgados são constantemente publicados em relação às imunidades tributárias, sendo necessário ao operador do direito, o constante acompanhamento e atualização, em razão das frequentes mudanças de interpretação e aplicação desses institutos.
Diante do exposto, nota-se que, uma característica constante percebida durante a realização da pesquisa, é que os Tribunais Superiores frequentemente realizam interpretações distintas em relação às situações apresentadas, ultrapassando a literalidade da lei. Um exemplo exposto nesse estudo se deu em relação à situação peculiar da empresa de Correios e Telégrafos, que, mesmo sendo uma empresa pública, foi beneficiada com a imunidade tributária pelo Supremo Tribunal Federal. Portanto, é fundamental que as análises sejam realizadas em relação a cada situação concreta, e não somente na perspectiva do que está expresso na literalidade do texto constitucional.
Resta evidente a necessidade de atualização e acompanhamento dos julgados por parte dos operadores do direito, possibilitando a correta e atual aplicação desses institutos no cotidiano forense.
Pelo estudo realizado, conclui-se que as normas das imunidades tributárias se relacionam diretamente a direitos fundamentais consagrados pela Constituição Federal, consistindo em um importante instrumento de efetivação de princípios, como a liberdade de expressão, religiosa, de manifestação política, dentre outros valores caros ao constituinte.
Em razão de se encontrarem dispersas em todo o texto constitucional, faz-se necessária a análise da situação concreta para a verificação das imunidades, sua aplicabilidade, abrangência, etc.
Embora existam algumas divergências sobre os fundamentos de sua existência, prevalece o entendimento de que as imunidades tributárias visam proteger valores fundamentais do Estado. Nesse sentido Sevegnani:
“Outro fato relevante para a compreensão do tema e que ainda é matéria controversa, diz respeito às razões que fundamentam as imunidades tributárias, variando entre aquelas que as justificam sob a ótica jurídica e os que as vislumbram como poderoso instrumento extrafiscal que objetiva o bem-estar social, a proteção dos direitos e liberdades do cidadão, dentre outros valores de substancial importância para a manutenção do Estado.
Para Yoshiaki Ichihara, as imunidades tributárias não se fundam em valores ideológicos, sociais, econômicos ou não jurídicos, cabendo ao operador do direito interpretá-las com os argumentos jurídicos, mediante os instrumentos, as regras e as diretrizes fornecidas pela ciência do direito.
Ao se contrapor, Bernardo Ribeiro de Moraes esclarece que “ao lado da busca de recursos públicos para o Estado (finalidade fiscal), a Constituição assegura certos valores e preceitos básicos do regime político (finalidade extrafiscal).” (SEVEGNANI, 2006, p. 324).
Em razão da pesquisa realizada para a elaboração do presente estudo, concluímos que relacionar as imunidades tributárias a situações puramente jurídicas é posição minoritária dentre os estudiosos do assunto. O direito constitucional e seus valores devem permear toda a atuação e interpretação do direito, não sendo razoável reduzir a aplicação desse instituto a uma razão simplesmente legal.
No que se refere ao alcance dessas normas, a interpretação mais adequada nos parece aquela que atinja um significado ampliativo, ou seja, proporcionando uma amplitude de sua eficácia, não sendo adequado que seja interpretada restritivamente, em razão do contexto democrático e pelos demais valores constitucionais. Assim, ao interpretar a norma, o hermeneuta não pode restringir o alcance de seus postulados, ao contrário, deve interpretá-la no sentido de lhe conferir a maior eficácia possível.
Tamanha é a importância do tema tratado, que a maioria dos autores pesquisados consideram a imunidade tributária um princípio constitucional. Conforme Sevegnani:
“Os comentários até aqui apresentados possibilitam avaliar se as imunidades se caracterizam como regras ou como princípios. Para Bernardo Ribeiro de Moraes, “sem dúvida, a imunidade tributária é um princípio constitucional que veda às entidades tributantes instituírem impostos sobre certas pessoas, bens, coisas, fatos ou situações, considerados relevantes à sociedade e ao Estado”, titulando-o como o Princípio Constitucional de Vedação Impositiva, ligado à estrutura política, social e econômica do país. Por seu turno, o Supremo Tribunal Federal, como instância máxima de julgamento das questões constitucionais, também ao se manifestar sobre imunidades, frequentemente, as tem qualificado como princípio”. (SEVEGNANI, 2006: p. 340).
Na mesma linha, o Supremo Tribunal Federal se manifestou no sentido de conceber a imunidade tributária enquanto princípio, conforme exemplificado nesse estudo. Pelas análises realizadas no presente estudo, concordamos com o posicionamento acima exposto.
Afirmar que as imunidades tributárias são princípios constitucionais significa afirmar que a sua transgressão implica em conduta mais grave do que a simples violação da norma, atingindo todo o sistema jurídico.
No que se refere a distinção entre normas e princípios, a doutrina se diverge em relação a conceituação de ambos. Tradicionalmente, afirma-se que o princípio possui uma maior carga valorativa, desempenhando papel fundamental na estrutura do ordenamento jurídico. Os clássicos doutrinadores como José Gomes Canotilho separam os princípios das regras pelo grau de abstração (princípios são normas com grau de abstração relativamente elevado); grau de aplicação no caso concreto (uma vez que são vagos e indeterminados necessitam de ações concretas); e são fundamentais em razão de sua posição hierárquica e usualmente fundamentam a existência das normas jurídicas.
Em contraposição a essa distinção elucida Sevegnani:
“Os princípios gerais são apenas, a meu ver, normas fundamentais ou generalíssimas do sistema, as normas mais gerais. A palavra princípios leva a engano, tanto que é velha a questão entre juristas se os princípios gerais são normas como todas as outras. E esta é também a tese sustentada por Crisafulli. Para sustentar que os princípios gerais são normas, os argumentos são dois, e ambos válidos: antes de mais nada, se são normas aquelas das quais os princípios gerais são extraídos, através de um procedimento de generalização sucessiva, não se vê por que não devam ser normas também eles: se abstraio da espécie animal, sempre obtenho animais, e não flores ou estrelas. Em segundo lugar, a função para a qual são extraídos e empregados é a mesma cumprida por todas as normas, isto é, a função de regular um caso. E com que finalidade são extraídos em caso de lacuna? Para regular um comportamento não-regulamentado: mas então servem ao mesmo escopo que servem as normas. E por que não deveriam ser normas?” (BOBBIO, 1996? p. 158 apud SEVEGNANI, 2006: p.330).
O Brasil é um país com uma elevada carga tributária, e não raro, o peso dos tributos recai majoritariamente sobre os mais pobres. A correção dessas distorções torna-se difícil, uma vez que depende em sua grande parte de iniciativas concretas e proposições legislativas e políticas. Nesse contexto, as imunidades tributárias emergem enquanto garantias mínimas aos cidadãos, protegendo alguns institutos jurídicos da incidência da tributação.
A interpretação da imunidade recíproca enquanto cláusula pétrea, por exemplo, enseja importantes desdobramentos. A existência das cláusulas pétreas está diretamente relacionada a proteção de valores e garantias mínimas, impedindo que um “clamor momentâneo” possa retirar ou restringir direitos mínimos fundamentais dos indivíduos.
Essa proteção através das cláusulas pétreas é comparada pela doutrina com a história de Ulisses e as sereias. Na Odisseia de Homero, Ulisses pretende navegar por uma região perigosa, na qual as sereias, com seu canto sedutor, atraíam o navegante para o fundo do mar, culminando em sua morte. Assim, Ulisses pede aos seus companheiros que o amarrem fortemente ao mastro e tapem seus ouvidos com cera para que consiga realizar a travessia. Ulisses tem êxito em sua empreitada. Assim, as cláusulas pétreas podem ser comparadas a atitude de Ulisses, buscando proteção em um momento de extremo risco. Infelizmente no momento histórico político atual, o Brasil parece atravessar o mar de Ulisses sem muitas precauções: reformas trabalhista, previdenciária e uma possível reforma tributária recebem inúmeras críticas por reiteradamente desrespeitarem direitos fundamentais.
No entanto, conceitualmente essas disposições constitucionais tratam-se de limitações materiais ao poder de reforma constitucional do Estado. A doutrina entende que essas cláusulas podem ser alteradas somente para aumentar e conferir mais direitos, mas jamais no sentido de suprimi-los.
Assim dispõe o artigo 60 da Constituição Federal:
“A Constituição Federal poderá ser emendada mediante proposta:
I – de um terço, no mínimo, dos membros da Câmara dos Deputados ou do Senado Federal;
II – do presidente da República
III – de mais da metade das Assembléias Legislativas das unidades da Federação, manifestando-se, cada uma delas, pela maioria relativa de seus membros.
§1º A Constituição não poderá ser emendada na vigência de intervenção federal, de estado de defesa ou de estado de sítio.
§2º A proposta será discutida e votada em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, considerando-se aprovada se obtiver, em ambos, três quintos dos votos dos respectivos membros.
§3º A emenda a Constituição será promulgada pelas Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, com o respectivo número de ordem.
§4º Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir:
I – a forma federativa de Estado;
II – o voto direto, secreto, universal e periódico;
III – a separação dos poderes
IV – os direitos e garantias individuais.
§5º A matéria constante de proposta de emenda rejeitada ou havida prejudicada não pode ser objeto de nova proposta na mesma sessão legislativa.
Pela análise do artigo acima exposto, depreende-se que o mecanismo de emenda à Constituição Federal é mais dificultoso, justamente no intuito de que as alterações referentes a esses direitos sejam adequadamente discutidas. No parágrafo 4º, inciso I e III, que dispõe sobre a impossibilidade de emendas constitucionais tendentes a abolir a forma federativa de estado e a separação dos poderes, nota-se que a imunidade recíproca foi elevada a um princípio constitucional fundamental, conforme já exposto nesse estudo.
As imunidades tributárias também possuem viés de estreita ligação com a justiça da tributação, buscando que a oneração seja justa, de acordo com o contribuinte que será atingido. Na prática, nem sempre esse fato se torna possível em razão das inúmeras variáveis que se apresentam nas situações concretas. No entanto, entendemos que a justiça tributária deve ser uma busca constante no campo de atuação dos operadores do direito. Nesse sentido:
“O tema da justiça tributária é tratado na literatura econômica com as figuras da eqüidade horizontal e vertical. Na literatura jurídica esses conceitos correspondem aproximadamente ao que os juristas chamam de igualdade formal e material. De acordo com os princípios da eqüidade vertical e igualdade material, alguns indivíduos estão em posição de pagar tributos mais altos que os outros. Esses princípios tratam, portanto, das exigências de justiça com relação a pessoas que estão em situação desigual. Surge então o problema de saber quem está em posição de pagar tributos mais altos, isto é, qual a desigualdade que deve ser tomada considerada para efeito do estabelecimento de tratamento desigual e quanto mais este que está em posição diferente deve pagar mais que os outros”. (PESSOA, 2010: p. 4876).
É evidente que verificar a efetividade da justiça tributária é algo complexo, que perpassa pelo campo das políticas públicas, econômicas e sociais, tendo caráter eminentemente interdisciplinar:
“Do ponto de vista da avaliação da justiça na tributação, no entanto, esses critérios não podem ser considerados, em si mesmos, como corretos ou incorretos ou, ainda, como superiores um ao outro. Eles são apenas mecanismos para operacionalizar outros princípios existentes sobre o papel que o Estado deve desempenhar e sobre como ele deve arrecadar tributos para assim proceder. Na verdade, a discussão sobre a justiça na tributação desenvolve-se em um outro nível de abstração.” (PESSOA, 2010: p. 4867)
Nesse sentido, as imunidades tributárias, aliadas a outros princípios constitucionais desempenham um importante papel de operacionalização do direito, delimitando uma margem de atuação ao Poder Público enquanto ente tributante arrecadador.
Assim, as imunidades tributárias, mesmo que estejam mais diretamente relacionadas ao campo do direito tributário, não podem ser interpretadas somente sob essa perspectiva:
“É que apesar das imunidades estarem relacionadas ao direito tributário, não podem ser avaliadas somente sob esse prisma, porque o direito tributário tem seu campo de atuação tracejado pela competência tributária, onde se viu, as situações imunizadas não fazem parte. É o caso da imunidade de taxa para o exercício do direito de petição e obtenção de certidão, em que o propósito almejado é a facilitação dos meios de acesso aos poderes públicos, como forma de garantir o exercício da cidadania. De fato, a gratuidade destes serviços, reduz os obstáculos que o cidadão encontra, ao exigir as providências necessárias para que possa exercitar os seus direitos. Por isso, qualifica-se como importante prerrogativa de caráter democrático e garantidora dos direitos fundamentais do cidadão. Nesse contexto, qualquer tentativa de restringir o seu conteúdo na Constituição, ofende, na essência, os valores que lhe dão sustentação” (SEVEGNANI, 2006: p. 325).
Os frequentes questionamentos sobre o assunto nos tribunais superiores ocorrem em razão das diversas situações reais que ensejam dúvidas na efetiva aplicação das imunidades tributárias: o desempenho ou não de serviços públicos, a afetação dos bens às finalidades essenciais, etc.
Os exemplos expostos, evidenciam esse caráter protetivo, como o caso dos imóveis pertencentes às entidades religiosas. Os questionamentos, frequentemente levados à apreciação dos tribunais superiores, ensejam a uniformidade da interpretação e evidente aplicação do princípio em favor das instituições beneficiadas, pois temos o constante conflito entre a necessidade de arrecadação tributária do Estado e a proteção dos valores constitucionais.
No entanto, essas interpretações e aplicações das imunidades tributárias não devem se restringir apenas à apreciações de adequação e legalidade exercida pelos tribunais superiores: faz-se necessário o constante estudo e aprofundamento dos profissionais do direito sobre o tema, no intuito de efetivar a aplicabilidade nos casos concretos de maneira justa e equilibrada, ultrapassando a simples adequação do caso à lei, totalmente desprovida de avaliação crítica.
Assim, o presente estudo buscou traçar um panorama sobre o assunto, com os principais julgados, súmulas e aspectos doutrinários, chamando a atenção para a constante mutação do tema e seus desdobramentos, bem como sua importância no cotidiano do operador do direito tributário, que deve atuar no intuito de promover os valores constitucionais da justiça e a igualdade social.
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Graduada em Direito pela UFU, Advogada na área cível, pós graduada pela Faculdade Damásio de Jesus
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: ELAINE FERNANDES BARIZãO, . A imunidade tributária no Brasil e seus reflexos práticos: um panorama atual Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 13 fev 2020, 04:40. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/54234/a-imunidade-tributria-no-brasil-e-seus-reflexos-prticos-um-panorama-atual. Acesso em: 22 nov 2024.
Por: Roberto Rodrigues de Morais
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