RESUMO: O presente artigo tem como objetivo demonstrar a evolução da responsabilidade civil no direito e, consequentemente, com novas lesões, as quais surgiram com as novas demandas da sociedade, assim como novas tecnologias. A forma com que a sociedade interage vem mudando, assim como a forma com que o direito deve agir também deve evoluir, acompanhando a sociedade tecnológica. Com base nisso, há a pretensão de se analisar duas figuras relativamente recentes em nosso cenário social, o cyberbullyng e o cyberstalking, devendo ser visto como tais condutas são e serão regulamentadas pelo direito pátrio e quais consequências jurídicas os causadores dos danos devem responder.
Palavras-chave: Responsabilidade civil. Dano em tempo integral. Cyberbullying. Cyberstalking.
SUMÁRIO: Introdução – 1. Evolução da sociedade e da responsabilidade civil - 2. Lesões em tempo integral – 2.1. Cyberbullying – 2.2. Cyberstalking – 2.3. Cybermobbing – 3. Da responsabilidade civil – 4. Da cessação e reparação dos danos – 4.1. Da cessação dos santos – 4.2. Da reparação dos danos – 5. Da responsabilidade civil dos pais do ofensor – 6. Da responsabilidade civil das escolas – 7. Da responsabilidade civil dos meios de comunicação – Considerações finais – Referências bibliográficas.
Introdução
O presente trabalho tem como foco o estudo de uma nova espécie de lesão em nosso mundo, as lesões em tempo integral, também chamadas de dano em tempo integral. Como exposto a seguir, o mundo moderno trouxe inovações na forma com que a sociedade vive, com isso, também houveram alterações nas lesões ocorridas e, por consequência, na responsabilidade civil.
Primeiramente será demonstrada a evolução da sociedade, principalmente após a revolução industrial, com uma mudança nas relações interpessoais e como a responsabilidade civil precisou ser alterada para acompanhar os danos ocasionados por um novo formato de relações.
No segundo capítulo, são apresentadas novas espécies de lesão, as lesões em tempo integral, também chamadas de dano em tempo integral. Trata-se aqui das figuras do stalking, bullying e mobbing.
No terceiro capítulo novamente volta-se para a nova figura da responsabilidade civil, seus novos arranjos, novos conceitos.
Já no quarto capítulo é exposto a forma como deverá haver a responsabilidade civil nos casos de dano em tempo integral, qual o arcabouço jurídico utilizado, com as devidas consequências para o ofensor e para a vítima.
Os capítulos quinto, sexto e sétimo são dedicados para a responsabilização por atos de terceiro, analisando as hipóteses de responsabilidade objetiva de terceiros quando houver condutas que gerem dano em tempo integral, como no caso dos pais aos filhos menores, da escola em relação a seus alunos e até mesmo de sites em casos que ocorram na rede mundial de computadores.
1.Evolução da sociedade e da responsabilidade civil
A evolução histórica da sociedade traz reflexos para o Direito. O ordenamento jurídico, como regulador das condutas entre as pessoas, deve sempre se adequar às mudanças ocorridas no mundo. O Direito Civil, principal matéria reguladora das relações particulares, por óbvio, tende a ser aquela em que mais necessita sofrer atualizações, sob o risco de não contemplar as premissas e anseios da população.
Assim, dentro do Direito Civil, a responsabilidade civil ao longo dos anos necessitou ser adequada a novas relações interpessoais. O mundo pós revolução industrial trouxe mudanças nas formas em que as pessoas se relacionam, além de que aumentou de forma muito significativa a população urbana, já que as pessoas que viviam em zonas rurais buscaram empregos e condições de vida melhores nos centros urbanos.
A responsabilidade civil clássica era vista como o conjunto de três fatores: a ação ou omissão, o nexo causal entre a conduta e o dano e, por fim, o próprio dano. Além dos três fatores, era necessário que houvesse a figura da culpa ou dolo.
Quantos aos pressupostos da responsabilidade civil, para que esta se configure é indispensável a existência de uma ação ou omissão qualificada juridicamente, vale dizer, a prática de um ato ilícito (responsabilidade subjetiva), no qual se constatará a existência de culpa ou dolo, ou um ato ilícito (responsabilidade objetiva) em que não se examinará o fator culpa, diante do risco da atividade. Este é o primeiro pressuposto. Não haverá responsabilidade civil se inexistir dano, (...). Sendo assim, o segundo pressuposto é a inexistência de um ano. O terceiro pressuposto da responsabilidade civil é o nexo de causalidade, ou seja, para que haja o dever de indenizar é mister que o dano existente seja consectário da ação ou omissão do agente (...).[1]
Tereza Ancona Lopeza firma que:
a responsabilidade civil no século XXI vai sair robustecida com a recepção em seu sistema de princípios da precaução e da prevenção e da reparação integral das vítimas de fundos de garantia e seguros obrigatórios no caso de o acidente acontecer.
Segundo o entendimento da autora, o instituto da responsabilidade civil passa a assumir, diante da complexidade e riscos da sociedade contemporânea, uma função preventiva, além de mera figura reparatória, deixando de ser um sinônimo de perdas e danos.
A exposição de riscos inerentes a uma sociedade pós-moderna, resultado de um desenvolvimento tecnológico, transformaram a figura da responsabilidade civil.
Nesse sentido, cabe expor interessante passagem de Alvin Toffler:
Nós, exploradores do futuro, nos parecemos com os antigos cartógrafos, e é com esse espírito que o conceito de ‘Choque do Futuro’ e a teoria do alcance de adaptação são aqui apresentados – não como uma palavra final, mas como uma aproximação preliminar a novas realidades, impregnada de perigos e promessas, produzidas pelo impulso acelerador que nos atira para os domínios do amanhã. [2]
A citação do escritor e futurista norte-americano traz uma preocupação entre o que já ocorreu com aquilo que ainda ocorrerá, o conservador e o contemporâneo, demonstrando que a evolução causa transformações, exigindo alterações nas relações sociais e humanas.
Boaventura de Souza Santos alerta para a “crise da consciência especular”[3], em que os sistemas sociais (direito, educação, informação, religião e a tradição) deixam de refletir a realidade vivida, indicando a necessidade de “transição paradigmática e gestão reconstrutiva da hermenêutica jurídica”.
Com efeito, é importante e necessária a mudança nos instrumentos do Direito, a fim de que haja uma efetividade no controle de riscos, o que significa uma nova formatação das construções jurídicas tradicionais, principalmente com relação à responsabilidade civil.
Para o professor Rogério Donnini[4] uma das características da pós-modernidade é a insegurança jurídica como conhecida no século passado, justamente porque não há uma noção única daquilo que pode ser chamado como segurança jurídica. O autor ainda afirma que os conceitos de segurança jurídica estavam atrelados ao positivismo jurídico, movimento este que sofreu duras críticas após a Segunda Grande Guerra Mundial.
O positivismo certamente está ligado a mudanças lentas no ordenamento jurídico, uma vez que para os positivistas o Direito só existira naquilo que foi posto em Lei. Logo, as alterações, reformas no ordenamento jurídico dependeriam sempre de reformas legislativas pelo legislativo, o que, como é sabido, é extremamente lento e não acompanha a realidade social, principalmente no mundo pós-moderno.
Donnini define a segurança jurídica atualmente da seguinte forma:
Em verdade, segurança jurídica está na fundamentação adequada das decisões judiciais, imposição constitucional (art. 93, IX, da CF) que atualmente ganha relevo com o novo Código de Processo Civil (Lei n. 13.105, de 16 de março de 2015), que exige, no art. 489, de maneira categórica, em uma decisão judicial, justificativas convenientes, que não mais se limitem à mera indicação de ato normativo, cuja incidência deve estar em consonância com a causa, bem como na hipótese de emprego de conceitos legais indeterminados, que necessitam de explicação na sua escolha. Nessa mesma direção, foi vedada o uso de argumentos que poderiam ser invocados em qualquer outra decisão, ou mesmo a ausência de enfrentamento, pelo julgador, de todas as alegações suscitadas ou, ainda, o simples enunciado precedente ou enunciado de súmula, assim como no caso de sua não utilização. [5]
É claro que a fundamentação adequada pelo julgador deve estar baseada numa Lei, no entanto, não apenas nela, mas também deve basear-se no direito e na justiça, respeitando, por evidente, a dignidade da pessoa humana.
Com base nas exposições realizadas, o Direito não pode mais ser visto apenas e tão somente nas figuras positivadas em códigos e leis esparsas, assim como seus institutos. A responsabilidade civil, um dos institutos do Direito, para resguardar a dignidade da pessoa humana, deve cumprir com seu dever de prevenir e reparar o dano.
Qualquer que seja a sociedade, a ordem jurídica tem como fundamento a proteção da licitude e combate à ilicitude.
Vem do Direito Romano o dever geral de não prejudicar alguém (princípio neminem laedere), o qual é ponto chave da responsabilidade civil. Tal dever geral deve sempre estar imposto na ideia de responsabilidade civil, juntamente com a dignidadade da pessoa humana, solidariedade, liberdade, boa-fé, dentre outros deveres.
No Brasil, o novo formato da responsabilidade civil se deu com a Constituição Federal de 1988, o Código de Defesa do Consumidor e, por fim, o Código Civil de 2002. O Código de Defesa do Consumidor trouxe a figura da responsabilidade objetiva, já o Código Civil trouxe tanto a responsabilidade objetiva como a subjetiva.
Importante ressaltar que os três instrumentos legais trouxeram como base a dignidade e a proteção humana, reforçando a chamada iustitia proctetiva. A noção antiga de responsabilidade civil como forma de punição ao ofensor deixou de ser preponderante, já que essa ideia trazia a obrigatoriedade de demonstrar que a ação ou omissão desse agente tenha sido ilícita
A Constituição Federal trouxe, de forma importante, a preocupação com a vítima na responsabilização civil. Assim, os princípios da dignidade da pessoa humana e da solidariedade dão base constitucional para que o foco principal da responsabilidade seja a vítima.
Com o avanço tecnológico, nem sempre é possível a análise de culpa ou dolo do agente. Assim, andou bem o Código de Defesa do Consumidor, seguido posteriormente pelo Código Civil de 2002, a criação da figura da responsabilidade objetiva, aquela que independe da existência do dolo ou culpa, já que algumas atividades tem o risco como figura inerente. Assim, aquela atividade, ao exercer aquele risco, deverá ser responsável por eventuais danos independentemente da culpa ou dolo.
Outra possibilidade para responsabilização sem a comprovação de culpa ou dolo é quando a própria lei trouxer disposição nesse sentido, como, por exemplo, a responsabilidade dos pais pelos filhos menores.
A simples noção de retribuição do dano causado transformou-se em reparação fundada na justiça distributiva, privilegiando a solidariedade disposta na Constituição Federal, bem como pela necessidade de prevenção de danos. Dessa forma, a consequência foi uma flexibilização do nexo de causalidade, já que em inúmeras áreas ou atividades é impossível a análise do nexo de causalidade entre o dano e a ação/omissão do agente, o que, antigamente, trazia injustiças à vítima.
Exemplos no sentido do dever de prevenção a lesões ou ameaças de lesões são encontradas no Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei n. 8.069/90) e o Estatuto do Idoso (Lei n. 10.741/03)
Com relação à flexibilidade da retribuição do dano, a reparação com fundamento na justiça distributiva, sob o amparo do princípio da solidariedade, foi ao encontro da função social do Direito Privado, criando mecanismos para a responsabilização do agente causador do dano
Da mesma forma que as relações interpessoais vão se alterando, obrigando a reformulação do nexo de causalidade para responsabilidade civil, as lesões também sofreram e continuam a sofrer mudanças.
Principalmente o avanço tecnológico aumenta o potencial lesivo de uma ação ou omissão causadora de danos, seja pela velocidade com que a informação é divulgada e propagada a várias pessoas, seja pelo tempo em que circula tal informação.
Antigamente, a relação entre o agente causador do dano e o ofendido era presencialmente física, sendo o dano instantâneo, ou mesmo com efeito temporal curto. Atualmente, há também a figura da agressão/ofensa ser de forma virtual, podendo até mesmo ser permanente. Tais lesões são chamadas de “lesão incessante” ou “lesão em tempo integral”.
2. Lesões em tempo integral
Com base nas lesões em tempo integral, três figuras vêm chamando a atenção no cenário jurídico, são elas: bullying, stalking e o mobbing.
2.1. Cyberbullying
O bullying, palavra inglesa que não apresenta significado na língua portuguesa, vem da palavra bully, a qual em inglês, significa brigão, valentão, representando uma série de atitudes agressivas, com intenção de serem realizadas, de forma repetitiva. O dicionário britânico Cambridge define da seguinte forma:
bully obj FRIGHTEN / phonetic symbol / v [T] to hurt or frighten other people, often forcing them to do something they do not want to do * Our survey indicates that one in four children is bullied at school * Don’t let anyone bully you into doing something you don’t want to do. [6]
Tradução livre: machucar ou assustar outras pessoas, frequentemente forçando-as a fazer algo que elas não querem fazer * Nossa pesquisa indica que uma em cada quatro crianças sofre bullying na escola * Não deixe ninguém coagi-lo a fazer algo que você não queira fazer. Nota-se que o exemplo utilizado remete diretamente ao ambiente escolar, citando provavelmente uma notícia de jornal, fonte frequentemente usada pelos dicionários britânicos em busca de precisão sobre o contexto dos vocábulos. Necessário também perceber que as palavras “machucar” e “assustar” remetem a tipos diferentes de agressão, física e psíquica.
O Dicionário Analógico da Língua Portuguesa [7]relaciona a palavra bullying com o termo desrespeito, além de uma série de expressões e verbos.
Tais atitudes há algum tempo eram ocorridas principalmente em ambiente escolar. Entretanto, como exposto acima, com o avanço da tecnologia, foi criada a figura do cyberbullying, a qual gera certamente uma lesão ainda maior, visto que a divulgação da lesão e os efeitos temporais são enormes, as vezes até mesmo permanente.
As vítimas do cyberbullying tendem a procurar isolamento, faltar às aulas, mudar casa, ter problemas de eficiência nos estudos e/ou no trabalho, além de atingir familiares e amigos próximos, gerando um sofrimento intenso, até mesmo com a saúde afetada.
2.2. Cyberstalking
Outro exemplo de lesão em tempo integral é cyberstalking. Trata-se de modalidade virtual do chamado stalking. Stalker é o perseguidor, aquele que escolhe uma vítima, e a molesta insistentemente, pelas mais diversas razões, sempre contra a sua vontade.
Para ocorrer o stalking, é necessária não só a presença do stalker e da vítima, mas também que ocorra um dano, ou vários danos, ou, ao menos, uma ameaça fundada e real do dano. Interessante apontar que a conduta do stalker não necessariamente será agressiva ou ofensiva, mas há inúmeros casos de atitude lisonjeira. Entretanto, para que se configure o stalking, é necessário que esses atos sejam indesejados pela vítima, a ponto de causar constante angústia.
Porém, não há um parâmetro sobre qual a quantidade de repetição de atos para a configuração do stalking. O Judiciário italiano já analisou esse tema, mas não chegou a fixar um parâmetro. Conforme expõe Alessia Micoli:
em decisão datada de 4 de fevereiro de 2010, por exemplo, o Tribunal de Roma declarou que não são suficientes apenas duas condutas de agressão, sendo necessária, para a configuração do stalking, uma constância da conduta.[8]
Orit Kamir, professora israelense, com base em algumas leis americanas, concluiu que é necessário, para caracterização do stalking, “uma linha de conduta direcionada a uma pessoa específica que envolve repetidos atos de proximidade física ou visual, comunicação não consentida, ou ameaças verbais, escritas ou implícitas”[9]
Assim, não se pode colocar um critério objetivo para a configuração do stalking, já que tais condutas podem ser realizadas por inúmeras atitudes, impossíveis de serem previstas. Para a configuração, o importante é a frequência em que ocorre, além da percepção da vítima sobre a perseguição.
De acordo com Doris M. Hall, os danos causados às vítimas são assustadores:
A experiência da vítima de stalking ao longo de meses ou anos é equivalente ao terrorismo psicológico. Sua vida inteira sofre mudança. Muitas delas trocam de emprego ou até mesmo o abandonam. Algumas mudam de nome, outras se tornam pessoas depressivas, deixando para trás amigos e parentes em uma tentativa de fugir do terror. Várias vítimas do stalking transformaram sua aparência, tingindo o cabelo, ganhando peso e até mesmo se submetendo a algum tipo de cirurgia estética, na esperança de não serem mais reconhecidas pelo stalker.[10]
Considerando ainda a modalidade do stalking cibernético, o cyberstalking, o qual é constante, é possível imaginar o desespero da vítima, já que o perseguidor deixa de fazer o ato presencialmente e de forma física, mas virtualmente, acompanhando todos os passos da vítima de forma virtual, seja por meio de redes sociais, por meio de e-mails, em blogs, dentre inúmeros outros meios.
Já para Marcelo Adriano Mazzola[11], autor italiano, o cyberstalking conta com três características se comparado ao stalking, são elas: a) a possibilidade de se comunicar a distância; b) possibilidade de entrar em contato também como pessoas desconhecidas; c) a garantia do anonimato. Segundo o autor italiano, o stalking cometido por e-mail já corresponde a 80% dos casos, mas são as redes sociais e sites interativos que mais causam preocupação.
Preocupante fato é que na maioria das vezes é a própria vítima quem fornece suas informações, já que há clara exposição de informações pessoais na internet, principalmente em redes sociais. Um exemplo é o check-in feito no Facebook ou Instagram, onde demonstra onde a pessoa está naquele exato momento, ou mesmo apresenta os locais de maiores gosto da vítima. Além disso, é possível verificar através das redes sociais o local onde trabalha e até mesmo os amigos, colegas de trabalho ou estudo.
No entanto, mesmo o cyberstalking ocorrendo no mundo virtual, seus efeitos são sentidos no mundo físico, principalmente em razão do anonimato e a rapidez na divulgação de dados e informações, fugindo ao controle das pessoas e autoridades.
O médico e psicanalista brasileiro Francisco Daudt afirma que o stalking vem sendo substituído pelo instrumento de perseguição mais diabólico já inventado: a internet. Na internet é permitido vasculhar toda a vida da vítima, não só o lixo, mas também é possível difamar, não apenas com palavras, mas também com filmagens e fotos íntimas. Para o médico brasileiro, o inferno tornou-se muito pior na era da informática.[12]
2.3. Cybermobbing
Os atos persecutórios geralmente cometidos por crianças e adolescentes são chamados de bullying. No entanto, quando praticados em local de trabalho por um grupo contra uma pessoa, o nome dado é mobbing. É possível afirmar que mobbing está inserido num contexto de relações e contratos em que o sujeito passivo é marginalizado por um grupo de pessoas, o qual de forma uníssona decidem praticar o assédio.
A palavra inglesa mob significa uma ação em que vários pássaros ou animais pequenos atacam um pássaro ou outro animal maior e mais amedrontador que os está perseguindo, obrigando-os a agir de uma só vez em conjunto.
3. Da responsabilidade civil
Como já exposto neste trabalho, a sociedade atual, com a evolução da tecnologia, da massificação das relações, nota-se o aumento das relações que levam para a responsabilidade objetiva. Diante disso, o contexto social impôs a necessidade de reformulação da aplicação da responsabilidade civil, alterando uma visão individualista do instituto para um olhar civil-constitucionalista, procurando a pacificação social.
Nesse sentido José de Aguiar Dias:
Seja dom dos deuses, seja criação dos homens, o direito tem como explicação e objetivo o equilíbrio, a harmonia social. Estivesse o homem sozinho no mundo, como seu primeiro habitante ou seu último sobrevivente, não haveria a necessidade de direito, por ausência de possibilidade de intepretação e conflito de interesses, cuja repercussão na ordem social impõe a regulação jurídica, tendente à pacificação, ou, pelo menos, à contenção desses conflitos. [13]
Com a finalidade de obter a pacificação social ou contenção dos conflitos, juntamente com a evolução das relações sociais, houve a necessidade de mudança da visão do direito privado, deixando de ter um intuito patrimonialista para uma visão do próprio indivíduo.
Flávia Viveiros de Castro relata o seguinte:
Da postura tradicional que via a codificação do direito privado como ‘locus’ privilegiado do indivíduo, no qual a realização maior do sujeito se dava especialmente pela proteção patrimonial, passa-se à concepção atual, que aponta para a leitura do Código Civil sob a perspectiva da efetivação das normas e dos princípios constitucionais. Ele deve ser interpretado a partir da Constituição, e não do inverso. Desde tal constatação, a pessoa tornou-se o centro das relações civis e seu patrimônio adquiriu papel secundário. [14]
No mesmo sentido Igor Volpato Bedone:
Além de novos valores e princípios introduzidos pelo texto constitucional, as próprias mudanças socioeconômicas implicaram uma mudança de avaliação da responsabilidade civil. Consumo de produção em, massa, com a consequente multiplicação de danos, tornaram insuficientes as estruturas antigas da responsabilidade civil, com inspiração liberal e individualista, para satisfazer as novas e numerosas vítimas.
(...) o quadro que se coloca pode ser assim descrito: de um lado, há um sistema clássico de responsabilidade civil, cujos institutos foram criados sob a ótica liberal burguesa do final do século XVIII, começo do século XIX. De outro lado, há uma sociedade de consumo e produção em massa, bem como de ocorrência de danos, com uma profusão de vítimas, clamando por reparação. Soma-se a isso um sistema jurídico calcado em valores constitucionais da dignidade da pessoa humana e da solidariedade, que induzem ao pleno ressarcimento das vítimas de danos.
(...) Em verdade, o que se nota é que o fundamento da responsabilização, independentemente de culpa, mais que o risco, é a preocupação do legislador de não deixar as vítimas em descoberto, em um verdadeiro processo de socialização de perdas. [15]
Portanto, chega-se à conclusão de que o século XIX teve como base o individualismo, tendo o século XX trazido a revalorização da pessoa e sua dignidade, com o desenvolvimento do solidarismo. Foi a partir do século XX que houve uma mudança da responsabilidade civil, a qual, anteriormente, a teoria da responsabilidade se focava na culpa (ato ilícito) e na reparação, ocorrendo a chamada justiça retributiva. Hoje o foco é muito maior da teoria do risco, intrínseco às atividades potencialmente danosas, e no dano injusto, chamando, assim, de justiça distributiva, a qual decorre do princípio da solidariedade social.
Assim, em vez da procura ser pelo culpado do dano, é importante analisar a pessoa do indivíduo lesado, a qual precisa da respectiva reparação pela lesão causada, como bem aponta Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka:
Hoje, os danos são outros e maiores e provêm de situações causadoras outras e novas. Hoje, a previsão de situações danosas ainda não conhecidas de torna difícil, embora haja certeza de que existirão. Hoje, a vítima deve ser a possiblidade de ressarcimento da garantia em escala de maior segurança. Com este perfil, a responsabilidade civil, hoje, muito pouco guarda de similitude com a responsabilidade que foi conhecida e desenvolvida nos dois séculos anteriores. O foco primordial de atenção destacou-se, nas últimas décadas, de uma preferência por atender ao interesse do responsável, por meio da exoneração de sua responsabilidade, para atender ao interesse da vítima e seu direito de ser ressarcida. Um fenômeno de deslocamento da ênfase de justificação da responsabilidade civil, como até então preferencialmente levada a efeito, para o reverso desta relação jurídica que junge a vítima ao autor do dano, exatamente para que se deixasse de destacar e de evidenciar o dever, para prestigiar o direito e o seu efetivo exercício. [16]
Diante disso, nota-se que o enfoque no solidarismo mudou a posição doutrinária e jurisprudencial sobre a responsabilidade civil, havendo flexibilização dos pressupostos do instituto da responsabilidade civil (como o nexo causal), tendo a finalidade de proteger de uma forma mais efetiva a vítima de danos injustos.
Por fim, cabe apontar que o artigo 2.043 do Código Civil italiano[17]considera que um dano é injusto ainda que decorrente de conduta lítica, afetando um aspecto fundamental da dignidade da pessoa humana, não sendo certo que a vítima deixe de ser amparada por ausência de nexo de causalidade entre o ato do agente ofensor e a lesão sofrida.
4. Da cessação e reparação dos danos
4.1. Da cessação dos danos
Após analisada a evolução da sociedade e, consequentemente, a responsabilidade civil, deve ser verificado quais instrumentos jurídicos são necessários para fazer cessar a ameaça e a até mesmo para a reparação dos danos.
No plano constitucional, cabe apontar o artigo 5, XXV,[18] da Constituição Federal, o qual garante o acesso à justiça e deriva o princípio nenimem laedere, conforme também expõem os artigos 1, III (dignidade da pessoa humana), 3, I (solidariedade) e 6, caput, (segurança).
No plano infraconstitucional, a cessão da ameaça ou da lesão pode ter como fundamento legal o artigo 12 do Código Civil, o qual é disposto da seguinte forma: “Pode-se exigir que cesse a ameaça, ou a lesão, a direito da personalidade, e reclamar perdas e danos, sem prejuízo de outras sanções previstas em lei”.
Outro instrumento relevante para cessar a ameaça é mediante ação de obrigação de não fazer, consistente no pagamento de astrientes, na hipótese de descumprimento de ordem judicial, a qual certamente seria sobre a necessidade do ofensor parar com os atos e manter distância do ofendido.
4.2. Da reparação dos danos
Para a reparação dos danos causados pelo cyberbullying, cyberstalking e cybermobbing não há um dispositivo específico para isso, mas a doutrina[19] e jurisprudência[20] vêm utilizando os dispositivos do artigo 186 e 187 do Código Civil, já que os atos estão sendo definidos como atos ilícitos. Para a aplicação do artigo 186, a conduta do ofensor deve ser dolosa ou culposa, com a intenção de cometer o ato, já para configuração do abuso de direito, há a necessidade de que o ofensor extrapole o uso comum de seu direito.
Nesse sentido explica o professor Rogério Donnini:
No Brasil há escassas decisões acerca desse tema e, embora inexista previsão expressa, tem sido acertadamente definidas situações dessa natureza como atos ilícitos, ora ao abrigo do art. 186, ora do art. 187 (abuso do direito). No primeiro dispositivo a conduta do lesante é sempre dolosa, pois há o intuito de perseguição (pessoal, virtual ou ambas); no segundo há um abuso no direito de conquistar ou reconquistar uma pessoa fruto de um relacionamento desfeito por meio de atos que transgridem a boa-fé e os bons costumes e atingem a esfera da privacidade e intimidade do ofendido. [21]
O artigo 186 do Código Civil está disposto da seguinte forma: “Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”. Trata-se de regra de violação dolosa do direito de outrem, com o consequente dano. Já o artigo 187, o qual trata do abuso de direito, está no Código Civil assim: “Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes”.
Limingi França define o abuso de direito:
O abuso de direito consiste em um ato jurídico de objeto lícito, mas cujo exercício, levado a efeito sem a devida regularidade, acarreta um resultado que se considera ilícito. [22]
Para Maria Helena Diniz, “o abuso de direito para sua configuração requer uma valoração axiológica do exercício de um direito subjetivo (LICC, art. 5), tendo por base os valores contidos na Constituição Federal. Isto é, por constituir uma limitação ao exercício daquele direito, e não uma forma de ato ilícito”.[23]
Assim, considerando o espírito do legislador ao definir o abuso de direito também como ato ilícito, os atos aqui discutidos (cyberbullying, cyberstalking e cybermobbing), seja pela ação voluntária seja pelo exercício de um direito manifestamente além dos limites impostos pelo seu fim social, pela boa-fé e pelos costumes, serão eles considerados ilícitos.
Por consequência desse ato ilícito, gerará ao ofensor o dever de indenizar a vítima, como disposto no artigo 927 do Código Civil, o qual faz menção expressa aos artigos 186 e 187 do mesmo Diploma Legal.
O artigo 927 do Código Civil, conjugado com o artigo 186 do mesmo Diploma Legal, deriva uma cláusula geral de responsabilidade subjetiva. O artigo 927 ao também ser conjugado com o artigo 187, dá ensejo à responsabilidade subjetiva pelo abuso de direito.
Cabe apontar que o instituto do abuso de direito vem sendo mais adequado para a figura do cyberstalking. A frequência com que o stalker insiste, mesmo diante das negativas da vítima, é um dos elementos definidores do stalking, sendo justamente na insistência a configuração do abuso de direito.
5. Da responsabilidade civil dos pais do ofensor
A responsabilidade dos pais de filhos menores é chamada de responsabilidade por ato de terceiro. O artigo 932 do Código Civil estabelece que:
Art. 932. São também responsáveis pela reparação civil:
I - os pais, pelos filhos menores que estiverem sob sua autoridade e em sua companhia;
II - o tutor e o curador, pelos pupilos e curatelados, que se acharem nas mesmas condições; [...]
Art. 933. As pessoas indicadas nos incisos I a V do artigo antecedente, ainda que não haja culpa de sua parte, responderão pelos atos praticados pelos terceiros ali referidos.
Dessa forma, a responsabilidade dos pais é ampliada, como bem observa Carlos Roberto Gonçalves:
A responsabilidade paterna independe de culpa (Código Civil, art. 933). Está sujeito à reparação do dano, por exemplo, o pai que permite ao filho menor de 18 anos sair de automóvel. Se o filho, culposamente, provoca acidente de trânsito, o lesado tem direito de acionar o pai, para obter a indenização. Da mesma forma, responde pelo ressarcimento do dano causado pelo filho o pai que não o educa bem ou não exerce vigilância sobre ele, possibilitando-lhe a prática de algum delito, como o incêndio, o furto, a lesão corporal e outros. Em todos esses casos, comprovado o ato ilícito do menor, dele decorre, por via de consequência e independentemente de culpa do pai, a responsabilidade deste. [24]
Conforme disposto no artigo 933 do Código Civil, os pais responderão pelos atos dos filhos menores, ainda que não tenham culpa. Os pais, em consequência ao poder familiar e do poder-dever, são civilmente responsáveis pelos atos ilícitos praticados por seus filhos menores. Isso se deve também porque cabe aos pais educar e manter vigilância sobre seus filhos. Mesmo se os filhos não tiveram consciência do ilícito ocorrido, os pais deverão responder independente da culpa.
Sérgio Cavalieri Filho aborda o tema da seguinte forma:
Observe-se, todavia, que os pais só são responsáveis pelos filhos menores que estiverem sob sua autoridade e em sua companhia. Essa espécie de responsabilidade tem por fundamento o vínculo jurídico legal existente entre pais e filhos menores, o poder familiar, que impõe aos pais obrigações várias, entre as quais a de assistência material e moral (alimentos, educação, instrução) e de vigilância, sendo esta nada mais que um comportamento da obra educativa. Esses os motivos que justificam a responsabilidade dos pais. Um filho criado por quem observe à risca esses deveres não será, ordinariamente, autor de fato danoso a outrem. [25]
Álvaro Vilaça argumenta que essa responsabilidade dos pais sobre os filhos menores se dá pelo não cumprimento do dever de cuidado dos filhos menores, já que responderão por culpa de não haver vigilância:
Tanto os pais têm o dever de cuidar de seus filhos menores, que com os mesmos se encontrem, como os tutores e curadores de seus tutelados e curatelados, sendo certo que a quebra desse dever de por eles zelar faz surgir, automaticamente, sua culpa por falta de vigilância (culpa in vigilando). Como se vê, a culpa dessas pessoas foi presumida, na lei, presunção essa iuris et iure (absoluta), pois não pode ser ilidida por comprovação em contrário, consoante se nota pelo exame do art. 933, cuja disposição assenta que essa responsabilidade existe ainda que não haja culpa das pessoas indicadas nesses incisos I e II (...).[26]
Diante do exposto acima, o agente ofensor, caso seja incapaz, não havendo possibilidade de reparar os danos causados, estes deverão ser suportados pelos responsáveis do menor. Especificamente sobre o tema bullying, Luis Flávio Gomes traz hipóteses que estimula a prática da criança de realizar o bullying em outras crianças, como um ambiente de intolerância e maus tratos dentro da própria casa, na maioria das vezes causados pelos próprios pais do ofensor:
a carência de afetividade ou coesão familiar, isto é, a relação entre pais e filhos estremecida; o desequilíbrio estrutural na família (falta de um ou de ambos os pais); o excesso de tolerância ou a ausência de limites na educação dos filhos; a prevalência de violência e a prática de maus-tratos por parte dos pais dentro do convívio familiar (violência doméstica), propiciam condições para que a criança ou o adolescente, inserido neste contexto, torne-se um bully (o agressor) ou o próprio alvo do bullying. [27]
6. Da responsabilidade civil das escolas
O artigo 932, inciso IV, do Código Civil estabelece a responsabilidade dos donos de estabelecimentos de ensinos:
Art. 932. São também responsáveis pela reparação civil:
[...]
IV - os donos de hotéis, hospedarias, casas ou estabelecimentos onde se albergue por dinheiro, mesmo para fins de educação, pelos seus hóspedes, moradores e educandos;
[...]
Art. 933. As pessoas indicadas nos incisos I a V do artigo antecedente, ainda que não haja culpa de sua parte, responderão pelos atos praticados pelos terceiros ali referidos.
Os donos de estabelecimento de ensino deverão responder objetiva e solidariamente pelos danos causados a um aluno durante o tempo que exercerem a vigilância e autoridade. Isso se deve não somente por falta do dever de vigilância, mas também por exercerem uma atividade de risco.
Nesse mesmo sentido Maria Helena Diniz:
Deverão responder objetiva e solidariamente (Código Civil, arts. 932 e 942, parágrafo único) pelos danos causados a um colega ou a terceiros por atos ilícitos dos alunos durante o tempo que exercerem sobre eles vigilância e autoridade”. É preciso não olvidar que tal responsabilidade, que não mais está fundada na culpa in vigilando, estende-se ao diretor do estabelecimento de ensino e aos mestres não por exercerem sobre seus discípulos um dever de vigilância, mas por assumirem risco da sua atividade profissional e por imposição da lei (Código Civil, art. 933). [28]
O Código de Defesa do Consumidor (Lei n. 8.078/90) adotou a responsabilidade objetiva ao dispor que o fornecedor do produto ou serviço deve responder objetivamente pelos danos causados ao consumidor.
7. Da responsabilidade civil dos meios de comunicação
Muitas vezes o meio utilizado para o cyberbullying é pelo Facebook, Google, Whatsapp, dentre outros instrumentos oferecidos gratuitamente na rede mundial de computadores. Diante dessa gratuidade, considerando que tais empresas dão o suporte para a realização dessas lesões, seria possível seu enquadramento perante o Código de Defesa do Consumidor?
Código de Defesa do Consumidor
Capítulo I
Art. 3° Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços. (Grifo Nosso)
...
§ 2° Serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista. (Grifo Nosso)
Entretanto, em que pese esses serviços informáticos não cobrem alguma quantia em dinheiro, não podem ser considerados como serviços que não tenham qualquer remuneração. Muitos autores colocam que a expressão remuneração trazida no Código de Defesa do Consumidor é qualquer tipo de ganha direto ou indireto pelo fornecedor. Essas empresas recebem certamente remuneração indireta, seja pela coleta de dados de seus usuários, pela publicidade, além de oferecer serviços diferenciados ou mesmo créditos em jogos.
Diante de tal fato, tais empresas respondem com base no Código de Defesa do Consumidor. No entanto, a vítima deverá também produzir provas, devendo o autor demonstrar o dano e o nexo de causalidade entre dano e o serviço prestado, conforme observa Cláudia Lima Marques:
A responsabilidade imposta pelo art. 14 do CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR é objetiva, independe de culpa e com base no defeito, dano e nexo causal entre o dano ao consumidor-vítima (art. 17) e o defeito do serviço prestado no mercado brasileiro. Com o CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR, a obrigação conjunta de qualidade-segurança, na terminologia de Antônio Herman Benjamin, isto é, de que não haja um defeito na prestação do serviço e consequente acidente de consumo danoso à segurança do consumidor-destinatário final do serviço, é verdadeiro dever imperativo de qualidade (arts. 24 e 25 do CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR), que expande para alcançar todos os que estão na cadeia de fornecimento, ex vi art. 14 do CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR, impondo a solidariedade de todos os fornecedores da cadeia, inclusive aqueles que a organizam, os servidores diretos e os indiretos (parágrafo único do art. 7º do CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR). [29]
Considerações finais
Como demonstrado no presente trabalho, a sociedade moderna é composta de novos tipos de relações interpessoais. A revolução industrial, a mudança da população para a zona urbana, juntamente com a massificação das demandas transformou os atos provocados pelas pessoas, os quais são passíveis de gerarem danos.
Com base nisso, foi também necessária uma nova perspectiva de responsabilidade civil, com alteração em seu conceito clássico (ato doloso ou culposo, nexo de causalidade e dano). A proteção à figura da vítima, o enaltecimento de uma justiça protetiva fez com que os métodos para verificar uma responsabilidade civil flexibilizassem o nexo de causalidade entre a conduta do ofensor e o dano à vítima.
Da mesma forma, que o ordenamento jurídico necessitou flexibilizar o nexo de causalidade, inaugurando a chamada responsabilidade objetiva, novas figuras danosas também surgiram. Dentre elas estão os danos em tempo integral, também chamados de lesões em tempo integral.
Trata-se do dano nitidamente do tempo moderno, em que as lesões não cessam, já que não são resultado da presença física do ofensor com a vítima, mas sim por meio da internet, com a prática de bulllying, stalking e mobbing.
Em que pese não haver em nosso aparato legal qualquer disposição expressa às figuras expostas, a Constituição Federal, assim como nosso Código Civil trazem proteção e ordenam a cessação dessas atitudes, com a devida reparação do dano.
Assim, é possível verificar, seja pelo artigo 186, seja pelo artigo 187, ambos do Código Civil, a autorização legislativa para reprimir tais condutas. Juntamente com o artigo 927 do mesmo Diploma Legal, é possível a reparação ao dano causado.
Portanto, é certo que o direito sempre será mais lento que as mudanças na sociedade. No entanto, em que pese tratar-se de uma nova espécie de dano, o ordenamento jurídico pátrio dá a sustentação legal de proteção à vítima, indo em perfeita sintonia à ideia de justiça protetiva.
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[1] DONNINI, Rogério. Prevenção de danos e a extensão do princípio neminem laedere. In: NERY, Rosa Maria de Andrade; DONNINI, Rogério (Coord.). Responsabilidade civil: estudos em homenagem ao professor Rui Geraldo Viana. São Paulo: RT, 2009, P. 490-491.
[2] TOFFLER, Alvin. O choque do futuro. Trad. Marco Aurélio de Moura Matos. Rio de Janeiro: Artenova, 1973, p. 14.
[3] SANTOS, Boaventura de Sousa. Para um novo senso comum: a ciência, o direito e a política na transição paradigmtica. Vol. 1. A crítica da razão insolente: contra o desperdício da experiência. 4. ed. São Paulo: Cortez, 2002, p. 48.
[4] DONNINI. Rogério. Responsabilidade civil na pós-modernidade: felicidade, proteção, enriquecimento com causa e tempo perdido. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2015, p. 27.
[5] DONNINI. Rogério. Responsabilidade civil na pós-modernidade: felicidade, proteção, enriquecimento com causa e tempo perdido. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2015, p. 32.
[6] CAMBRIDGE International Dictionary of English: Guides you to the meaning. Cambridge University Press: Grã Bretanha, 1995.
[7] AZEVEDO, Francisco Ferreira dos Santos. Dicionário analógico da língua portuguesa: ideias afins/thesaurus. 2. Ed. Atual. E ver. Rio de Janeiro: Lexikon, 2010.
[8] Tradução nossa. Do original: “In giurisprudenza vi è um dibattito su quante volte la condotta deve essere ripetuta per poter essesere considerate ‘reiterata’, per essempio per il Tribunale di Roma, sent. 4 febbraio 2010, non sono sufficienti solo due condotte di agressione essendo richiesta la constanza delle condottte”. MICOLI, Alessia. Il fenomeno dellio stalking. Milão: Giuffrè, 2012, p. 11.
[9] Tradução nossa. Do original: “It must be noted, and emphasized up front, that the survey defines stalking as ‘a course of conduct directed at a especif person what involves repeated physical ou visual proximity, nonconsensual communication, or verbal, written or implied threats”. KAMIR, Orit. Every breath you take – Stalking narratives and the law. Michigan: The University of Michigan Press, 2001, p. 205.
[10] “Respondentes concur that experience of being stalked for months and even years at a time is akin to psychological terrorism. Their entire lives change. Many move ou quit jobs, some change their names, other have gone underground, leaving friends and family behind in order to scape the terror. Several stalking victims changed their appearance by dying their hair, gaining weight, and even getting a breast reduction in the hopes that their stalker might not recognize them.” HALL, Doris M. Victims of stalking. In: MELOY, J. R. The psychology of stalking. San Diego: Elsevier Science, 1998, p. 134
[11] MAZZOLA, Marcelo Adriano. I nuovi Danni. Padova: Dott. Antonio Milani, 2008, p. 1.050.
[12] DAUDT, Francisco. Momento Perigoso. Folha de São Paulo, caderno Cotidiano, de 30 de outubro de 2013.
[13] DIAS, José de Aguiar. Da resposabilidade civil. Rio de Janeiro: Forense, 1995.
[14] CASTRO, Flávia Viveiros de. Danos à pessoa nas relações de consume: uma abordagem civil constitucional. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006.
[15] BEDONE, Igor Volpato. Elementos da responsabilidade civil e presunção de causalidade. Revista brasileira de direito civil constitucional e relações de consumo, vol. 09. São Paulo: Editora Fiuza, jan/mar 2011.
[16] HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Direito Civil: estudos. Belo Horizonte: Del Rey, 2000.
[17] “Art. 2043. Risarcimento per fatto illecito. Qualunque fatto doloso o colposo, che cagiona ad altri ingiusto, obbliga colui che ha commesso il fatto a risarcire il danno”. – Tradução livre: Ressarcimento por fato ilícito. Qualquer fato doloso ou culposo, que causa a outrem um dano injusto, obriga aquele que cometeu o ato a ressarcir o dano.
[18] - “Não se excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”.
[19] DONNINI, Rogério. Responsabilidade civil na pós-modernidade: felicidade, protecão, enriquecimento com causa e tempo perdido. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editos, 2015, p. 135.
[20] TJRJ, Ap. Cív. n. 2008.001.06440 – 20 Câmara Cível – Rel. Des. Marco Antonio Ibrahim, j. 04/06/2008. Ementa. Civil. Responsabilidade civil. Danos morais. Stalking. Ação indenizatória. Abuso do direito. Assédio moral e psicológico. Rompimento de relacionamento amoroso. União estável. Constituição de novo vincula afetivo pela mulher. Ex-companheiro que, inconformado com o término do romance, enceta grave assédio psicológico à sua ex-companheira com envoi de inúmeros e-mails e diversos telefonemas, alguns com conteúdo agressivo. Pereseguição na residencia e no local de trabalho. Ameaça direta de morte. Condutas que evidenciam abuso de direito e, portanto, ilícito a teor do artigo 187 do Código Civil de 2002. Tipificação da conduta ilícita do stalking. Danos morais reconhecidos. Indenização fixada com proporcionalidade e razoabilidade diante das circunstâncias do caso concreto. Sentença mantida. Recurso desprovido.
[21] DONNINI, Rogério. Responsabilidade civil na pós-modernidade: felicidade, protecão, enriquecimento com causa e tempo perdido. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editos, 2015, p. 135 e 136.
[22] FRANÇA, Limongi. Instituições de direito civil, 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1991, p. 889.
[23] DINIZ, Maria Helena. Código Civil anotado. 12. ed. Rev. e atua. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 220.
[24] GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade civil. 13. ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p.167.
[25] CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de responsabilidade civil. 9. ed. São Paulo: Atlas, 2010, p. 195.
[26] AZEVEDO, Álvaro Villaça. Teoria geral das obrigações e responsabilidade civil. 12. ed. São Paulo: Atlas, 2011, p. 262-263.
[27] GOMES, Luis Flávio; Sanzovo, Natália Macedo. Bullying e prevenção da violência nas escolas: quebrando mitos, construindo verdades. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 88
[28] DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil. v7: responsabilidade civil. 27ª ed. São Paulo: Saraiva, 2013, p.582.
[29] MARQUES, Cláudia Lima; BENJAMIN, Antônio Herman V; MIRAGEM, Bruno. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. 3ª ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: RT, 2010.
Defensor Público do Estado de São Paulo. Mestrando em Direitos Difusos e Coletivos - PUC/SP. Especialista em Direitos Humanos e Acesso à Justiça - FGV/SP.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: WALLER, MARCO CHRISTIANO CHIBEBE. Danos em tempo integral: cyberbullying e cyberstalking Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 12 mar 2020, 04:47. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/54308/danos-em-tempo-integral-cyberbullying-e-cyberstalking. Acesso em: 22 nov 2024.
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