O direito à alimentação saudável é essencial à sobrevivência humana, sendo um “direito humano necessário para assegurar saúde e bem-estar”, conforme preconiza o artigo XXV da Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948. Nesse mesmo sentido o Brasil ratificou o Pacto Internacional de Direitos Sociais, Econômicos e Culturais, que estabelece:
Art 11. 1. Os Estados Partes do presente Pacto reconhecem o direito de toda pessoa a um nível de vida adequado para si próprio e sua família, inclusive à alimentação, vestimenta e moradia adequadas, assim como a uma melhoria contínua de suas condições de vida. Os Estados Partes tomarão medidas apropriadas para assegurar a consecução desse direito, reconhecendo, nesse sentido, a importância essencial da cooperação internacional fundada no livre consentimento. (DECRETO Nº 591, DE 6 DE JULHO DE 1992).
O ordenamento jurídico pátrio assegura que alimentação saudável é um direito social fundamental, conforme estabelecido por meio da Emenda Constitucional 90/2015, que inclui a alimentação no rol do art. 6º da Constituição Federal de 1988. Direito fundamental que vem sendo dia a dia violado pela liberação e uso indiscriminado de agrotóxicos e sementes geneticamente modificadas.
Segundo dados da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), o Brasil ocupou nos últimos três anos o 1º lugar no ranking de consumo de agrotóxicos no mundo. Este dado alarmante e preocupante revela que aproximadamente dois terços dos alimentos consumidos pela população podem estar contaminados por agrotóxicos, o que explicita uma situação de insegurança alimentar e nutricional, com danos à saúde e ao meio ambiente.
Cabe ainda destacar a ameaça à saúde e ao meio ambiente representada pelos alimentos geneticamente modificados, os transgênicos. Recentemente, o documentário do cineasta Sílvio Tendler, intitulado O veneno está na mesa 1 e 2, retrata como agricultura brasileira vem operando segundo os interesses das grandes corporações. A forte defesa do uso de sementes transgênicas para produção em grande escala e os atrativos apresentados para o setor agrícola já colocaram o Brasil como a segunda maior área plantada com uso de transgênicos.
Estudos evidenciam que o consumo de alimentos transgênicos é nocivo à saúde humana e à biodiversidade. Em 2014, a empresa Monsanto revelou que o milho transgênico pode fazer mal à saúde. O próprio Ministério da Saúde reconhece que o cultivo de plantas transgênicas, em larga escala, poderá provocar a disseminação de genes modificados, cujos efeitos, particularmente sobre os componentes da biodiversidade, são difíceis de estimar e, pior, irreversíveis.
A inserção da transgenia nas comunidades de plantas pode proporcionar vários efeitos indesejáveis, como a geração de super plantas daninhas ou superpragas; a poluição genética, dentre tantos outros impactos prejudiciais à cadeia ambiental natural. As consequências são terríveis, tanto para os produtores como para os consumidores. A população tem a insegurança alimentar e nutricional aumentada e o consumidor tem seu direito de escolha violado, na medida em que será transgênico tudo o que não for de genealogia agroecológica integralmente livre de contaminação.
Segundo dados das ONU, mais de 800 milhões de pessoas no mundo não têm acesso a alimentação saudável e nutricional. Contudo, a produção agroecológica e a agricultura em regime de economia familiar estão mudando lentamente este cenário. O setor já é responsável por cerca de 70% da alimentação consumida no pais. A produção diversificada de grãos, proteínas animal e vegetal, fibras, lacticínios, frutas, verduras e legumes coloca a agricultura familiar como a oitava maior produtora de alimentos no mundo, sendo de suma importância para a segurança alimentar e nutricional.
O ramo ainda se destaca no modelo sustentável de produção e manejo dos alimentos, respeitando a biodiversidade, os recursos naturais e ofertando produtos melhores e de maior qualidade orgânica, na medida em que não usa inseticidas e pesticidas, dentre outros agrotóxicos. Ainda promove teias solidárias entre as comunidades locais e as práticas agroecológicas, fortalecendo a produção e o consumo destes produtos.
Cabe ressaltar os resultados abrangentes dos sistemas agroecológicos. Além de proporcionar equilíbrio e proteger o meio ambiente e a vida, fortalece a distribuição de renda em toda a cadeia de produção e comercialização; valoriza o trabalho coletivo e familiar e é muito menos agressivo que a agricultura ostensiva do agronegócio. Em abril de 2019, pesquisas constataram que a produção agroecológica já havia avançado muito no Sul do Brasil, havendo milhares de projetos produtivos de apoio e comercialização de alimentos orgânicos, além de capacitações e assistência técnicas, editais de apoio à produção agroecológica, pesquisas, entre outras ações.
A representante da Federação dos Trabalhadores na Agricultura Familiar de Santa Catarina -Fetraf-SC, Rita Cassia Maraschin, aponta que:
O maior desafio é que o Estado garanta orçamento e entenda a importância desse alimento limpo e seguro. Que nossa sociedade entenda que sim, é possível produzir alimentos sem uso de agrotóxicos (...) Nossa luta é para que tenhamos uma produção/consumo que valorize a cultura alimentar dos povos, e se concretize a economia local e regional de todos os povos e comunidades, valorizando assim a Agricultura Familiar. Comer é um ato político.
Nos próximos dias o Supremo Tribunal Federal (STF) vai julgar a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5553, movida pelo PSOL, que pede o fim da isenção fiscal para agrotóxicos no Brasil. Julgamento da maior relevância, pois acabar com a isenção é essencial para que cresça o consumo de alimentos saudáveis da agroecologia e da agricultura familiar, além de melhorar a arrecadação tributária junto ao agronegócio.
Segundo dados da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (ABRASCO), só em 2017 foram R$ 10 bilhões de isenção, sendo 63,1% de ICMS. Valor que poderia ser investido na produção agroecológica e de economia familiar que gera empregos e renda para milhares de famílias, reduzindo a miséria e as desigualdades de renda e favorecendo a produção de alimentos saudáveis. Para Rochinski, Coordenador-Geral da Confederação Nacional dos Trabalhadores e das Trabalhadoras na Agricultura Familiar do Brasil (Contraf-Brasil), um país que preza pela soberania alimentar e pela proteção ao meio ambiente não pode facilitar o uso indiscriminado de agrotóxicos.
O desafio de tornar efetivo o direito à alimentação, à soberania e à segurança alimentar e nutricional ocupa lugar de destaque na agenda da década da Agricultura familiar (2019 a 2028), como aprovado pela 72ª sessão da Assembleia Geral das Nações Unidas. Trata-se de avanços essenciais para que os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) sejam alcançados, entre eles o de contribuir com o fim da fome e da pobreza. Destarte é necessário fornecer maiores subsídios para que a sociedade tome consciência da importância da produção e do consumo agroecológico para que possa alcançar um patamar de alimentação adequada, reduzindo os riscos e a insegurança alimentar e nutricional.
A agricultura familiar e a agroecologia são estratégicas como instrumentos de promoção e efetivação do direito fundamental à alimentação saudável. A valorização deste ramo produtivo, que já é responsável pela geração de renda, pela redução das desigualdades e pela fixação das famílias no campo é da maior relevância para que avancemos em direção a uma produção sustentável, sem colocar em risco o meio ambiente e a vida.
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