Resumo: Criada com o escopo de criticar, de forma satírica, a intervenção estadunidense na América Latina, sobretudo em terras mexicanas, através da manipulação presente nos produtos vendidos pela indústria cultural, a série El Chapulín Colorado foi responsável por romper com o estigma do modelo norte-americano como um molde a ser seguido, conforme o enfoque da Teoria do Espelho de Próspero, de Richard Morse. Mediante a elaboração de um personagem que se preocupa e se empenha em ajudar as vítimas, empreendendo uma crítica ao capitalismo imperialista dos Estados Unidos, o lendário Chespirito escreveu seu nome na História da arte e da cultura não só mexicana, mas também de toda a América Latina. A referida crítica à diferença no modelo de desenvolvimento estadunidense em relação ao da América Latina encontra sua maior referência nos episódios que envolvem Super Sam.
Palavras-chave: Indústria Cultural. Chapolin Colorado. América Latina. Influência estadunidense. Super Sam.
Sumário: 1. Introdução – 2. A Comunicação de Massa como mecanismo de imposição ideológico-cultural estadunidense. 3. A metáfora “O Espelho de Próspero”. 4. Detectando a presença do inimigo: intervenção estadunidense no México. 5. Um herói para a América Latina. 6. Super Sam: a personificação da intervenção estadunidense. 7. Conclusão . 8. Referências.
1 Introdução
A manipulação presente nos produtos vendidos pela indústria cultural concebe o molde capitalista difundido pelos Estados Unidos como um modelo a ser seguido. Por exemplo, incutindo a ideia da colônia representada pela América Latina que se espelha na metrópole, qual seja, EUA. Essa afirmativa emerge de forma cristalina na cultura dos super-heróis americanos, tão difundida em solo latino-americano.
Diante desse ambiente, a América Latina viu a necessidade de criar um super-herói exclusivo, específico para suas terras, dotado de suas características e particularidades. Com isso, em 1970, um artista mexicano genial teve a ideia brilhante de criar o seriado El Chapulín Colorado. Idealizado justamente com o escopo de criticar, de forma satírica – algumas vezes, utilizando-se, inclusive, de ironia –, a imagem do capitalismo imperialista norte-americano como um ideal a se espelhar. O personagem logo caiu nas graças do público latino. Tanto que atualmente é visto como o herói latino-americano.
Em contraponto a Chapolin Colorado, é trazida à baila a figura de Super Sam, o super herói estadunidense e rival de Chapolin, representando o sistema capitalista sob a égide do imperialismo norte-americano.
Oportuno mencionar que o personagem Chapolin Colorado não empreende uma crítica à nação norte-americana, mas sim às atitudes imperialistas e etnocêntricas propaladas pelo modelo político, econômico, social e cultural capitalista presente nos Estados Unidos. Tampouco seria aquele o intuito de seu criador, o que fica evidente no trecho do livro”O Diário do Chaves” quando narra:
Depois escreveu uma coisa no quadro e mandou que a gente copiasse. Foi isso que eu copiei:
“Devemos estudar História sem gerar sentimentos de ódio; sem espírito de vingança. Não para piorar as coisas, e sim para melhorá-las. Em uma palavra: com Amor”.
E como não entendemos muito bem o que ele queria dizer, depois nos explicou que há livros e professores que, com suas lições de história, o que fazem é nos ensinar a odiar o próximo. Por exemplo: os espanhóis, por terem conquistado o México; ao americanos, por terem ficado com a metade do território mexicano; os franceses, por terem nos imposto um imperador que não era daqui etc. Mas isso é muito ruim. Não devemos odiar ninguém. E, menos ainda, odiar uma pessoa pelo que seus antepassados fizeram de errado. [...]
[...]
Depois o Professor Girafales nos disse que também não devemos odiar os norte-americanos (que continuam sendo os gringos) por terem tirado a metade do território do México (aliás, Seu Madruga contou que tiraram a melhor parte, ou seja, onde estão as melhores estradas e tudo o mais). Porque o professor disse que não foi culpa só deles, mas também de muitos mexicanos que preferiam lutar entre si a se defender deles. E isso está errado, porque, se entram na sua casa pra roubar, o mais importante é se defeder dos ladrões, antes de brigar com seus irmãos.
E, de qualquer jeito, acho que aqueles gringos também não são os mesmos de hoje. Ou seja: é pra rezar e pedir a Deus que os de hoje não sejam piores do que aqueles. (BOLAÑOS, 2006, p. 93-95).
Assim, o presente ensaio crítico visa promover um enfoque e análise da série El Chapulín Colorado sob a ótica da teoria do “Espelho de Próspero”, de Richard Morse, notadamente dos episódios cuja influência estadunidense é abordada (e criticada), a saber, naqueles em que Chapolin contracena com Super Sam.
2 A Comunicação de Massa como mecanismo de imposição ideológico-cultural estadunidense
Empregada pela primeira vez no livro “Dialética do Esclarecimento”, de Theodor Adorno (1903-1969) e Max Horkheimer (1895-1973), a expressão “indústria cultural” se presta a enfatizar o caráter mercadológico presente nos bens de cultura - filmes, livros, música popular, programas de TV etc. - produzidos pelas sociedades capitalistas. Isto é, os bens artísticos ou culturais não têm mais necessidade de serem empacotados como tais, mas como produtos de consumo (mercadorias) e como estratégia de controle social. Em suma, nas palavras de Silva (2012, p. 25), “a cultura passa a ser utilizada como produto de uma indústria midiática voltada para o entretenimento das massas”.
Tendo em vista que, segundo Adorno, a Indústria Cultural é utilizada com o objetivo de massificação da sociedade, no contexto do capitalismo monopolista, a ordem é garantida sempre que se mantém as pessoas "alienadas" da realidade.
Para Silva (2012, p. 26):
A produção de “heróis” pela Indústria Cultural caracteriza esse propósito, pois a estruturação das histórias dessas personagens serve para legitimar o sistema capitalista e vender a ideologia do mesmo. Heróis como Super-Homem, Capitão América, Batmam, Mulher Maravilha foram criados para demonstrar a superioridade que os norte-americanos acreditam ter e conquistar, junto ao público, adeptos ao estilo americano de viver. O maniqueísmo contido nas histórias deixa claro qual lado o grande público deve seguir, o “super-herói” sempre representa o bem e o vilão o mal a ser combatido. Haja vista que o enredo é repetitivo e previsível, além de tornar o interlocutor cada vez mais “adestrado” a uma estrutura implícita. Adorno (1996) afirma que um dos propósitos desse tipo de literatura é integrar o indivíduo ao todo, diminuindo ou, até mesmo, anulando sua capacidade crítica.
No caso da série El Chapulín Colorado, a indústria cultural é utilizada para criticar a influência estadunidense.
3 A metáfora “O Espelho de Próspero”
O autor Richard Morse, um teórico norte-americano, em sua obra “Cultura e ideia nas Américas”, de 1988, advoga a tese de que a América Latina se apropria de uma visão anglo-saxônica, que, segundo ele, é um “modelo a ser seguido”.
Silva (2012, p. 23) acentua que
Essa metáfora é uma crítica ao hábito latino de se espelhar nos Estados Unidos, pois o país é visto como próspero e construtor de uma ideologia influente e maniqueísta entre a cultura totalmente capitalista e materialista dos mesmos; em relação à América Latina, a posição analítica de Morse é de querer demonstrar as vantagens e desvantagens da cópia do modelo civilizacional norte-americano para o ambiente latino. Assim, como um espelho físico reflete uma imagem tal como ela é, Richard Morse critica veemente essa ideia plagiadora dos latinos em relação ao protótipo neoliberal burguês norte-americano.
Igualmente, com propriedade, Ianni (2000, p. 09) leciona que
A metáfora “espelho de Próspero” inspirada nos escritos de José Enrique Rodo no início do século 20, alude a Próspero, conquistador e colonizador, europeu ou norte-americano, no contraponto com Caliban, transfiguração de canibal, nativo, conquistado, colonizado.
O que quer significar que Morse buscou explicar essa relação colonizador versus colonizado através da metáfora do espelho, na qual os latino-americanos só se viam pelas lentes refletidas dos outros, qual seja os norte-americanos. É como se os nativos se enxergassem com os olhos de seus conquistadores, mediante a adaptação aos moldes estrangeiros ou a cópia dos mesmos.
A teoria do “Espelho de Próspero”, de Morse, pode ser perfeitamente aplicada no contexto latino-americano para analisar o personagem Chapolin Colorado, “criado, justamente, com o intuito de criticar o pensamento latino-americano, que concorda ou aceita a ideia de ver os moldes capitalistas desenvolvidos como sendo um modelo a seguir, tanto político, econômico, social e culturalmente” (SILVA et al, 2012, p. 24).
Conquanto empreenda uma crítica ao molde imperialista norte-americano, evidentemente o Chapolin Colorado representa um mecanismo de consumo, ou seja, um produto da indústria cultural. Vale dizer que, em que pese a crítica realizada pela referida série, ela não desmerece os EUA, apenas acentua que as conquistas angariadas em aspecto material não têm o condão de medir a grandeza de um povo, mas sim, as concebe como “atitudes imperialistas e etnocêntricas do modelo capitalista difundido pelos Estados Unidos” (SILVA et al, 2012, p. 24). Para tanto, o meio utilizado a fim de concretizar a crítica se dá justamente pela prática do inverso à lógica capitalista. Isto é, o personagem age de modo contrário à lógica capitalista com o escopo de levar a cabo a crítica. Por exemplo, como adiante exposto, o personagem Chapolin é justamente o avesso ao que a ideologia capitalista norte-americana prega (e impõe) ao perfil de um super-herói.
Chapolin foi ideado com o intuito de satirizar a imagem que a cultura estadunidense veiculava até então (e ainda veicula) dos povos e da cultura latino-americana, de modo a demonstrar que o “Espelho do Próspero” não é, e nunca foi a solução para a América Latina, sem embargo de que muitas mentes atrasadas (e equivocadas também) ainda vejam na adaptação aos moldes estrangeiros ou na cópia dos mesmos a saída para esse intento.
4 Detectando a presença do inimigo: intervenção estadunidense no México
Que a influência estadunidense na América Latina é uma realidade muito nítida, não só devido à proximidade geográfica, mas também à política imperialista adotada pelos norte-americanos desde o século XIX, não há dúvidas.
Tratando desse tema, intelectuais latinos, como Martí e Rodó, já haviam alertado, respectivamente, para os perigos do imperialismo da parte norte do continente e para necessidade de se formar uma cultura latino-americana "autêntica" (SILVA et al, 2012, p. 26-27).
Assim, necessária se fazia a figura de um herói latino-americano, com o escopo de legitimar a autenticidade cultural dessa região, tão marcada pela intervenção estrangeira, sobretudo a norte-americana, bem como pelo imperialismo característico anglo-saxão.
Consoante defendido com propriedade pelo Doutor Chapatin, também interpretado por Chespirito, no episódio “Uma Conferência sobre o Chapolin” (Conferencia Sobre Un Chapulin, no original), de 1976: “tudo começou quando o povo da América Latina se deu conta que seria urgente que tivéssemos um herói local, um herói autóctone, um herói que falasse a nossa língua. Em outras palavras, um herói como você e como eu”.
5 Um herói para a América Latina
O seriado El Chapulín Colorado surgiu no contexto de turbulência que assolava a America Latina durante o período da Guerra Fria (1947-1991).
Idealizado pelo ator e escritor mexicano Roberto Gómez Bolaños, também conhecido como Chespirito,[1] a estreia da série El Chapulín Colorado ocorreu no México, em 1970, mesmo ano em que o país sediava a Copa do Mundo de futebol e dois anos após ter sido sede dos Jogos Olímpicos.
Sob dependência do capital estrangeiro, esse continente tornava-se cada vez mais suscetível às influências cultural, ideológica, política e econômica das duas super potências mundiais da época (EUA e URSS).
Nesse cenário, a série representa a gênese da esperança mexicana, de modo a demonstrar para o mundo a irrelevância dos “heróis importados” diante da existência de um super herói latino.
Por meio do seu discurso, Chapolin faz constantes críticas ao modelo norte-americano, consubstanciado na imposição e aceitação da indústria cultural, que é imposto aos países latino-americanos. Consoante enfatizado por Rodrigues (2012, p. 55):
Ao analisarmos a forma como Bolaños trata determinadas questões sociais em sua obra, podemos considerar que o autor faz uso da sátira como um recurso linguístico para apresentá-las sob a ótica de um juízo negativo. Ora apresentando os indígenas de forma estereotipada, como uma civilização ‘atrasada’ que não conhece as ‘benesses’ do progresso, ora satirizando a intervenção estadunidense no México na figura do ganancioso herói Super Sam, a sátira é um elemento que perpassa a obra de Bolaños, sendo o próprio personagem Chapolin uma visão satírica do que seria um modelo de herói latino-americano: tonto, estúpido, atrapalhado, sem recursos, medroso, porém com um bom coração e rígidos valores morais.
O Chapolin Colorado (também conhecido como Vermelhinho e Polegar Vermelho, no Brasil), é justamente uma sátira ao modelo dos heróis norte-americanos, vez que, como uma espécie de super-herói às avessas, desconstrói a ideia mítica do que seu criador considerava como “super-heróis importados”, tais como Batman e o Super-Homem, que são verdadeiros deuses, dotados de agilidade fora do comum e poderes sobrenaturais. Porém, mesmo sob essas condições, propõe-se a promover o seu senso de justiça tendo como escudo o seu coração.
Em vários episódios essa relação é explorada, notadamente para evidenciar os elementos que reforçam a identidade de Chapolin em contraponto aos heróis estadunidenses.
Nesse diapasão, pertinente elencar a descrição a seguir:
[...] Chapolin é um herói atrapalhado, feio, magro, medroso, sem nenhum tipo de poder, com poucos recursos e, além disso, mulherengo. Seu embaraço é tamanho, que em um momento de confusão, de desentendimento, ele troca as palavras, dizendo: “palma, palma, não priemos cânico”. Ao contrário dos heróis norte-americanos, que salvam o mundo com seus superpoderes, o Chapolin atua no cotidiano da população latina. Salva uma família que vai ser despejada por não pagar o aluguel, aconselha um menino mimado que joga fora os seus brinquedos velhos, guarda um hotel na possibilidade de um criminoso que está à solta invadi-lo, defende uma manicure de uma barbearia que está cansada dos abusos do chefe e das investidas dos clientes (SILVA et al, 2012, p. 27-28).
Ademais, “Bolaños acaba por utilizar de Chapolin para representar as disparidades econômicas entre as nações da América Latina, como o México, e os EUA” (RODRIGUES, 2015, p. 66). Nas palavras de Chapolin, durante o episódio “Pedintes em Família” (Limosnero y Con Garrote, no original), de 1975: “Eu não sou como o Batman ou o Super-Homem, que resolvem os assuntos na base do dólar. Eu sou um herói do terceiro mundo” (RODRIGUES, 2015, p. 66).
O próprio Bolaños afirma o caráter satírico de Chapolin em uma entrevista realizada, no ano de 1977, no Chile. Ao responder a respeito do surgimento do personagem, o autor relatou a forma pela qual aquele fora criado:
como una sátira a esos superheroes (...) tipo Batman, Superman, etc. Que hablan ingles, que son importados. Yo no digo que Chapolin es mexicano. Es ibero-americano. Hago un héroe auténtico. Un héroe ser humano. Um héroe que tiene medo, que es torpe, que es fraco (...) y miesmo sabiendo que es torpe, fraco e tiene medo, enfrenta el perigo. És el autentico heroi en mi manera de ver. No es lo que no tiene medo e es todo poderoso.[2]
A influência estrangeira nos países subdesenvolvidos foi tema recorrente nos episódios do Chapolin Colorado, senão vejamos.
Nos episódios “O descobrimento da tribo perdida” (La tribu perdida), de 1973, e “A cidade Perdida” (No tiene la culpa el índio, sino lo que hace Fernández, no original), de 1976, que possuem o mesmo enredo, sendo o segundo um mero remake do primeiro com alterações na organização do elenco e de algumas poucas falas, um dos personagens zomba do herói, afirmando preferir os serviços de Batman ou do Super-Homem em vez dele. Ao que Chapolin, sentindo-se extremamente incomodado com tal preferência, responde: “Em primeiro lugar, Batman não está porque está em lua de mel com Robin. Em segundo lugar, o Chapolin Colorado estando aqui, vou lhes mostrar que não precisam de heróis importados”.
No episódio “O pelotão de fuzilamento” (No es lo mismo el pelotón de la frontera, que la pelotera del frontón, no original), de 1976, Chapolin, ao usar um cipó para se deslocar, comenta que ensinou o método “a um tal de Tarzan dos macacos, mas ele não aprendeu muito bem”. Enfim, Chapolin se enche de patriotismo ao declarar que seus defendidos não precisam de “heróis importados”.
É forçoso concluir, pois, que há um orgulho nacional no discurso de Chapolin, em resposta à interferência dos EUA no desenvolvimento de mercadorias e indústria cultural nativos do México. Eis uma concepção de que o México pode sim produzir seus próprios heróis, sem necessidade de se servir do modelo estadunidense.
6 Super Sam: a personificação da intervenção estadunidense
A hegemonia estadunidense nos países subdesenvolvidos, sobretudo na América Latina (e, mais precisamente, em terras mexicanas) é simbolizada, no seriado Chapolin Colorado, através do personagem Super Sam, interpretado por Ramón Valdés, o qual fora criado a partir de uma amálgama entre Super-Homem e Tio Sam, ícone estadunidense.
Esse paradigma do poderio norte-americano é personificado em um herói que, trajado com uniforme tal qual ao do Super-Homem e cartola cujas cores predominnates são as mesmas da bandeira dos Estados Unidos da América (azul, vermelho e branco), fala espanhol com forte sotaque inglês e que, tal como o Chapolin, não possui quaisquer superpoderes. Apenas carrega consigo "a arma mais poderosa" (uma sacola de dinheiro) com o símbolo do cifrão que contém, nas suas palavras, “poquitos [dólares], pero muy poderosos”. Essa arma costuma ser utilizada para atingir a cabeça dos malfeitores ou do próprio Chapolin Colorado, já que ambos não se dão muito bem. Sempre que Super Sam utiliza sua arma, reproduz-se o som de uma caixa registradora. Referências simbólicas do herói que sugerem uma relação íntima entre os EUA e o capital. E, o seu único bordão (“Time is Money. Oh Yeah!”) apresenta o caráter satírico contido também em Super Sam.
A figura de Super Sam aparece quatro vezes ao longo do seriado, especificamente nos Capítulos 34, 126, 183 e 201.
A estreia do herói na série aconteceu em 1973, em seu Capítulo 34, no episódio “Livrai-nos dos metidos, Senhor!” (De los metiches, libranos, señor!, no original). Nele, o criminoso soviético Dimitri Panzov, interpretado por Édgar Vivar, deseja se casar à força com uma camponesa já comprometida. Logo, ela entoa o bordão “Ó! E agora, quem poderá me ajudar?”, mas, para a sua surpresa, aparece o herói errado, Super Sam (e não Chapolin). Ao perceber o equívoco, a mexicana agradece a ajuda do estadunidense, mas insiste, dizendo preferir “um dos seus” (gracias, pero prefiro uno de los mios). Eis que finalmente surge a figura de Chapolin Colorado, tropeçando, como sempre.
Vale ressaltar que, sob a ótica de Roberto Bolaños, as representações e dinâmicas deste episódio têm o fito de representar os conflitos da Guerra Fria, senão vejamos: A invasão da ameaça comunista no México é simbolizada por Dimitri Panzov; Enquanto a presença invasiva em terras mexicanas da outra potência da Guerra Fria também está presente no episódio sob a figura de Super Sam.
Um herói bem educado, polido, sempre disposto a ajudar, contudo cuja presença é constantemente vista como inoportuna, por aparecer sem ter sido convidado e que insiste em ficar apesar de as vítimas deixarem claro sua preferência por um um herói nacional e latino-americano, em detrimento dos importados.
Deve-se enfatizar que a dinâmica entre Chapolin e Super Sam, tanto neste episódio quanto nos demais, não é a de inimigos – muito embora conflitem constantemente, almejando o protagonismo – posto que sempre buscam a mesma causa, qual seja, a defesa e o bem-estar daquele(a) que pede auxílio.
Durante o episódio, Chapolin e Super Sam duelam para decidir quem protegerá a pobre senhorita.
A partir de uma análise com afinco da relação entre Chapolin e Super Sam, é forçoso concluir que “a ajuda estadunidense, ao mesmo tempo que recebe resistência da população local e por parte de Chapolin, de forma alguma é negada por completo” (RODRIGUES, 2015. p. 71).
A última cena do episódio é antológica. Com o soviético e o norte-americano dentro da residência da camponesa, Chapolin, acidentalmente, senta no detonador da bomba anteriormente plantada por Dimitri Panzov. A moradia explode com os personagens dentro, o que conota não só a resistência por parte do herói mexicano em relação às interferências estrangeiras, mas também evidencia o seu orgulho nacional. Momentos depois, do interior da casa, saem Dimitri Panzov e Super Sam, abatidos. O soviético sai usando cartola; o estadunidense, o típico chapéu russo. Eis a resposta do povo mexicano às duas superpotências exploradoras: Fora do nosso país!
Todavia, nesse aspecto, imperioso se faz destacar a mensagem a ser propalada mediante esse episódio: a URSS é concebida como uma presença indesejável e um inimigo a ser combatido a todo custo, ao passo que a presença dos EUA é vista com desconfiança, mas sem descartar uma possível e estratégica aliança com o país para se alcançar determinados fins, ou combater inimigos em comum. O que quer significar uma interferência a ser mantida até certo ponto, qual seja, enquanto lhe for conveniente.
No capítulo 126, intitulado “A velha mina abandonada prestes a desabar”(Historia de una vieja mina abandonada que data del siglo XVII y que está a punto de derrumbarse, no original), de 1976, vislumbra-se novamente a presença de Super Sam. No referido episódio, repete-se o mesmo argumento do capítulo 34, porém está localizado em uma mina de ouro.
O intrigante é que, nesse episódio, a aparição de Super Sam apresenta como plano de fundo a trilha sonora de Yanke Doodle, uma canção símbolo dos Estados Unidos.
Desta vez a ambição do super-herói anglo-saxão se torna evidente quando Chapolin, com o intuito de tentar despistar Super Sam, menciona que existe ouro na mina. Sendo que aquele, extremamente interessado, deixa de dar assistência à vítima para partir em busca do suposto ouro. No seu retorno, Chapolin questiona se o herói estadunidense encontrou ouro. Ao que Super Sam responde que não encontrou ouro, mas sim diamantes e mostra para ele.
Outro argumento tendente a demonstrar a ambição desmedida de Super Sam gira em torno da disputa pela bolsa de diamantes, que muda de mãos várias vezes, visto que o malfeitor, interpretado por Carlos Villagrán, abandona seu interesse em forçar a mocinha, vivida por Florinda Meza, a se casar com ele, empenhando-se na caça à bolsa repleta de diamantes.
Segundo Aguasaco (2010, p. 72), “essa representação paródica da ambição colonialista incorporada no Super Sam [...] revela a incapacidade latino-americana de explorar recursos naturais de forma eficiente”.[3]
Em suma, a América Latina é representada como um território permeado de riquezas, contudo ainda não exploradas plenamente pelos latino-americanos. Nesse sentido, os norte-americanos, ambiciosos por natureza, não medem esforços para empreender os mais diversos meios exploratórios. Por essa razão, não satisfeitos em explorar apenas as suas matérias-primas, partem para explorar os recursos presentes em outros países.
No capítulo 183, denominado “Hospedaria sem estrelas” (Todos caben en un cuartito, sabiéndolos acomodar, no original), de 1977, Super Sam e Chapolin dividem um quarto de hotel (e inclusive o banheiro e a cama), contudo, sem que um perceba a presença do outro.
Algo no mínimo curioso está na distinção da bagagem que os heróis carregam: Chapolin chega no estabelecimento com apenas uma mala e a leva sozinho para o seu quarto; já Super Sam traz consigo seis pesadas malas e pede que o recepcionista do hotel carregue todas. Verifica-se, assim, que os excessos e o consumismo americano são especialmente satirizados nessa cena.
Para Aguasaco (2010, p. 74), além de compartilhar o mesmo espaço, o fato de um super-herói não ser visualizado pelo outro demonstra, de forma simbólica, a relação entre o México e os Estados Unidos. Mais do que o compartilhamento do mesmo quarto, banheiro e cama, em uma “intimidade silenciosa e escura”[4] representa uma relação exploratória de um pelo outro, na qual um herói (metrópole - Estados Unidos), literalmente, lucra e consome seis vezes mais do que o outro (colônia – México).
Assim, “América Latina e Estados Unidos entram em conflito: enquanto Chapolin fecha a janela do quarto, Super Sam a prefere aberta. Super Sam prepara seu café-da-manhã sozinho” (SANTOS, 2015, on-line) – representando o individualismo presente nos norte-americanos –enquanto Chapolin devora o seu desjejum. Enfim, ocupando o mesmo quarto, os dois heróis, sem perceber, pernoitam na mesma cama, ilustrando a famosa frase do, na época, presidente mexicano Lázaro Cárdenas (1934-1940): “Pobre México, tão longe de Deus e tão perto dos Estados Unidos”.
A quarta e última aparição do Super Sam se dá no capítulo 201, sob o título “A volta do Super Sam” (El retorno de Súper Sam, no original), de 1978.
Poucas Trancas, um malfeitor terrível interpretado por Rubén Aguirre, está à solta. Assustada, a mocinha, interpretada por Florinda Meza, invoca Chapolin, mas é Super Sam que, de forma intrometida, aparece. Depois, o Chapolin também aparece e os dois resolvem agir juntos para deter o bandido.
O primeiro ponto a ser destacado se encontra, logo no início, em uma cena na qual todos aparecem sentados em uma poltrona. Exaustivamente, Super Sam lê um relatório policial que contém todos os delitos praticados por Poucas Trancas. Por fim, ele conclui que o bandido também atacou o Chicago Express, invadiu o banco de Nova York e destruiu o museu de Washington. E Chapolin completa, utilizando-se de uma paródia satírica, dizendo que o procurado também passou uma parada na Avenida Juarez.
Ao mesmo tempo em que Chapolin eleva uma infração de trânsito ao nível de roubos e mortes (paródia da diferença material, em termos econômicos), assim como re-contextualiza a ação no centro da Cidade do México, uma das personagens faz uma definição emblemática de Super Sam, segundo a qual o herói estadunidense seria uma espécie de Chapolin Colorado, mas com conta bancária.
O quer significar que o lema de Super Sam não é proteger as "meninas bonitas", como defendido por ele no início do episódio, mas a propriedade privada, especialmente a sua. Enfim, ele não se preocupa com as vítimas, mas com o dinheiro (capital). Daí a razão pela qual, ao ler o relatório sobre Poucas Trancas, destacou os crimes contra o seu patrimônio, a saber: Em desfavor dos EUA. Por sua vez, Chapolin é representado como o herói da coexistência civil, do bem geral, da urbanidade, que, mantendo sua preocupação com a vítima, deixa transparecer seu verdadeiro interesse, o qual não está focado no dinheiro (capital), mas na estabilidade social dentro de sua "nação".
Por derradeiro, o casal lembra que Poucas Trancas os trancou no armário, sendo que, depois, havia engolido a mesma e, por isso, gostariam de saber o que Chapolin fez para recuperá-la. Ele responde que "uma das maiores virtudes é saber como esperar". A partir daí, o espectador é levado a deduzir que o super-herói aguardou o criminoso evacuar para, então, resgatar a chave do armário e libertar o casal .
Consoante interpretado com brilhantismo por Aguasaco (2010, p. 76), enquanto o herói anglo-saxão trocara tiros com o criminoso até que o rendeu, “os latino-americanos cavam pacientemente entre os excrementos com um patriotismo paródico e exemplar.”[5]
7 Conclusão
Como exposto anteriormente, a diferença existente entre o modelo de desenvolvimento estadunidense em relação ao da América Latina são uma marca da série El Chapulín Colorado e encontram uma nuance especial nos episódios que envolvem Super Sam.
Um herói que trazia como escudo o seu coração. Afinal, ao desempenhar sua missão de socorrer vítimas de situações de perigo, vale dizer que Chapolin não fazia acepção de pessoas tampouco desrespeitara as figuras históricas que retratara satiricamente em seus episódios muito menos o seu público. Afirmativa essa que pode ser confirmada em “A despedida de Chapolin” (La ultima escena, no original), de 1979, tido como o último capítulo da série. Caracterizado por um compilado de momentos marcantes do seriado, em uma as cenas selecionadas, ao dialogar com piratas, Chapolin Colorado afirma:
“olha, eu vou continuar te ajudando somente para que vejam que o Chapolin Colorado ajuda a todo mundo. Inclusive, aos tarados, aos que não valem nada, bandidos, Chapolin Colorado é o único que ajuda qualquer um”. Em seguida, os atores Rubén Aguirre e Édgar Vivar reforçam com os seus depoimentos o que estes compreendem como as virtudes do personagem. O primeiro afirma que, a seu ver, Chapolin teve grandes virtudes e que este “brincava, mas jamais permitiu que se denegrissem as figuras históricas do México”. Vivar completa reiterando que o personagem “nunca feriu uma discriminação a raça, credo ou cor” (RODRIGUES, 2015, p. 57).
Através de uma maneira de fazer humor inteligente sem deixar de provocar gargalhadas em seu público, a receita presente na série representa uma experiência única na arte mexicana (e por que não dizer da América Latina?), na qual o seu criador, com maestria, soube dosar o equilíbrio entre o ser satírico sem desrespeitar os personagens históricos ali retratados ou os atores internacionais envolvidos na crítica nem aos seus telespectadores.
Razão pela qual, conquanto passados mais de quarenta anos do seu primeiro episódio, essa produção continua viva na lembrança bem como já faz parte da História cultural latina, sem embargo de ter se tornado uma lenda no seu país de origem, tendo já, inclusive, alçado voos mais altos quando, por exemplo, serviu de inspiração para o personagem "Bumblebee Man", o Homem Abelha, de "Os Simpsons", o qual é uma caricatura do super herói.
A respeito da criação de um super-herói autenticamente latino americano, de modo a operar como uma forma de mantença da identidade cultural, Alves (2012, p. 105) pondera que:
Preservar nossa identidade cultural é defender o direito de sermos donos do nosso próprio destino e garantia também de que poderemos construir nossa própria história. Só então poderemos passar de meros consumidores a produtores de cultura em caráter mundial.
Essa não é obviamente uma tarefa fácil, rápida ou simples, mas é um destino muito bonito, se o escolhermos para nós.
Destarte, muito embora não deixe de constituir uma criação da indústria cultural, o Polegar Vermelho (ou Vermelhinho) representa uma crítica às produções dessa mesma indústria cultural tendentes a “vender” a cultura estadunidense. Destarte, de forma satírica, empreende uma crítica assaz à intervenção norte-americana não só em terras mexicanas, mas ainda em toda a América Latina, sem desrespeitar quaisquer dos envolvidos. Em suma, esse é o Chapolin!
8 Referências
SILVA, Daiana Maria da et al. “Não contavam com minha astúcia!”: a América Latina e o seu herói. Revista História em Curso, Belo Horizonte, v. 2, n. 2, p. 19-32, jan. 2102. Disponível em: <periodicos.pucminas.br/index.php/historiaemcurso/article/download/3450/pdf>. Acesso em: 28 nov. 2017, 22:15.
ALVES, Julia Falivene. A invasão cultural norte americana. São Paulo: Moderna, 2012. Disponível em: <https://pt.scribd.com/document/261902594/A-INVASAO-CULTURAL-NORTE-AMERICANA-pdf>. Acesso em: 26 dez. 2017, 12:13.
BOLAÑOS, Roberto Gómez. Diário do Chaves. Trad.: Fabiana Camargos. Rio de
Janeiro: Objetiva, 2006. Disponível em: <https://portugues.free-ebooks.net/ebook/Diario-do-Chaves/pdf>. Acesso em: 26 dez. 2017, 12:27.
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Historia de una vieja mina abandonada que data del siglo XVII y que está a punto de derrumbarse. El Chapulín Colorado. Episódio 126. Direção: Roberto Gómez Bolaños e Enrique Segoviano. Produção: Carmem Ochoa. Roteiro: Roberto Gómez Bolaños. Exibido em: 15/07/1976. Televisa, México D.F., 1976. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=dpqmeRRtWIQ>. Acesso em: 26 dez. 2017, 13:30.
La tribu perdida. El Chapulín Colorado. Episódio 10. Diretor: Róberto Gómez Bolaños. Produção: Enrique Segovian. Roteiro: Roberto Gómez Bolaños. Exibido em: 21/03/1973. Televisa, México D.F., 1973. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=ixtPMQ3EwJM>. Acesso em: 01º dez. 2017, 13:30.
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Limosnero y Con Garrote. El Chapulín Colorado. Episódio 94. Direção: Roberto Gómez Bolaños. Produção: Carmem Ochoa. Roteiro: Roberto Gómez Bolaños. Exibido em: 11/09/1975. Televisa, México D.F., 1975. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=IuutUdaRGn0>. Acesso em: 01º dez. 2017, 15:58.
No es lo Mismo "el Pelotón de la Frontera", que "la Pelotera del Frontón". El Chapulín Colorado. Episódio 137. Diretor: Roberto Gómes Bolaños e Enrique Segoviano. Produção: Carmem Ochoa. Roteiro: Roberto Gómez Bolaños. Exibido em: 13/11/1976. Televisa, México D.F., 1976. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=oYs2zqfJba8>. Acesso em: 01º dez. 2017, 14:15.
No tiene la culpa el indio sino el que lo hace Fernández. El Chapulín Colorado. Episódio 114. Diretor: Roberto Gómes Bolaños e Enrique Segoviano. Produção: Carmem Ochoa. Roteiro: Roberto Gómez Bolaños. Exibido em: 01º/04/1976. Televisa, México D.F., 1976. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=k_lvfK1oKbg>. Acesso em: 01º dez. 2017, 14:15.
Todos caben en un cuartito sabiéndolos acomodar. El Chapulín Colorado. Episódio 183. Direção: Roberto Gómez Bolaños e Enrique Segoviano. Produção. Carmen Ochoa. Roteiro: Roberto Gómez Bolaños. Exibido em: 30/11/1977. Televisa, México D.F., 1977. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=XPdN26PEM48>. Acesso em: 26 dez. 2017, 13:40.
[1] Chespirito é uma analogia a Shakespeare. Que quer dizer Pequeno Shakespeare.
[2] MIGUEL EL LOCUTOR MIL VOCES. El chavo y la vecindad en chile año 1977. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=PrJEqQPCAAY>. Acesso em: 01º dez. 2017, 16:06.
[3] “[...] Esta representación paródica de la ambición colonialista encarnada en Súper Sam es auto reflexiva, puesto que el engaño del Chapulín no funciona y por el contrario revela la incapacidad latinoamericana de explotar los recursos naturales de una forma eficiente.”
[4] “[...] Los personajes no comparten solamente el cuarto sino el baño y la cama en una intimidad silenciosa y oscura donde uno tiene literalmente seis veces más que el otro.”
[5] “[...] Mientras el héroe anglosajón se bate a disparos con el criminal, el latinoamericano escarba pacientemente entre los excrementos con un patriotismo tan paródico como ejemplar.”
Advogada. Graduada em Direito pela Universidade Nove de Julho – UNINOVE (2013). Especialista em Conflitos Internacionais e Globalização pela UNIFESP – Universidade Federal de São Paulo (2019).
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: MARTINS, Rosemary Gonçalves. Chapolin Colorado: o herói latino-americano Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 16 mar 2020, 04:22. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/54323/chapolin-colorado-o-heri-latino-americano. Acesso em: 22 nov 2024.
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