RESUMO: O presente artigo se propõe a analisar a relação entre a teoria do direito da intervenção proposto por Winfried Hassemer e o direito administrativo sancionador, em especial a ação civil pública por ato de improbidade administrativa. Nesse sentido, ainda que se trata de uma ação de natureza e sanções cíveis, é possível observar que guarda relação com o direito penal e, em especial a teoria trazida por Winfried Hassemer quando trata da esfera de abrangência e limites de atuação do direito penal. Para tanto, serão analisadas posições de doutrinadores que tratam dos temas abordados, além de artigos científicos acerca do tema, utilizando-se do método dedutivo para se chegar a uma conclusão.
Palavras-chave: Direito da intervenção. Improbidade administrativa. Sanção
ABSTRACT: This article aims to analyze the relationship between the theory of intervention law proposed by Winfried Hassemer and the sanctioning administrative law, in particular public civil action for administrative misconduct. In this sense, although it is an action of a civil nature and sanctions, it is possible to observe that it is related to criminal law and, in particular, the theory brought by Winfried Hassemer when it comes to the scope and limits of criminal law. To this end, positions of doctrines dealing with the topics covered will be analyzed, in addition to scientific articles on the subject, using the deductive method to reach a conclusion.
Keywords: Right of intervention. Administrative dishonesty. Sanction
SUMÁRIO: Introdução. 1. O direito da intervenção segundo Winfried Hassemer. 2. A relação entre o direito de intervenção e o direito administrativo sancionador. Considerações finais. Referências Bibliográficas
INTRODUÇÃO
O direito da intervenção foi criado por Winfried Hassemer, integrante da Escola de Frankfurt e defende que em razão das respostas insatisfatórias dadas pelo direito penal, tendo em vista que não resolve os problemas criminais existências na sociedade, o direito penal deveria ficar adstrito às questões centrais da referida disciplina, relacionadas às condutas lesivas aos bens jurídicos individuais e que causam perigo concreto, deixando para o direito da intervenção as demais questões, utilizando de um sistema de regras e procedimentos mais flexíveis, uma vez que não tratam do bem jurídico da liberdade.
Nesse diapasão, defendendo Winfried Hassemer que as demais questões deveriam ser resolvidas pelo direito administrativo, se busca aqui analisar a relação entre a referida teoria e o direito administrativo sancionador, responsável pela punição do ilícito praticados na seara da Administração Pública e, em especial a relação com a ação civil pública por ato de improbidade administrativa, uma vez que traz sanções, previstas constitucionalmente, mais severas que alcançam inclusive o âmbito da cidadania em razão da suspensão dos direitos políticos.
1. O direito da intervenção segundo Winfried Hassemer
Segundo Winfried Hassemer[1], ex-vice-presidente do Tribunal Constitucional Alemão, o desenvolvimento da sociedade acarreta o aperfeiçoamento de todas as formas de interação, em especial as econômicas, culturais e científicas, razão pela qual outros ramos do direito diversos do direito penal passam a ter uma maior preponderância, tendo em vista que menos gravosos.
Nesse diapasão, Hassemer defende que “um direito penal mais brando, ou normas meramente de direito administrativo para a tutela efetiva dessa nova demanda social, mas um novo ramo do direito que apresentasse uma resposta qualitativa à criminalidade”¹seria bastante para resolver os conflitos sociais.
Dessa forma, podemos observar que o direito de intervenção atua como um instrumento de seletividade de condutas criminalizadas, deixando para ramos diversos a sanção pelas condutas que refogem, de maneira direta, do âmbito do direito penal, entre as quais se incluem as sanções pela prática de atos de improbidade administrativa.
Ainda dentro da concepção de Winfried Hassemer, os atos tipificados como de improbidade administrativa, apesar de possuírem uma proximidade com os tipos penais, inclusive no que diz respeito à dosimetria das sanções, em razão da aplicação da teoria do direito da intervenção, devem ser punidos na seara do direito civil e administrativo, como restou definido constitucionalmente no Brasil.
De acordo com Rafael Munhoz de Mello[2] o poder punitivo estatal está limitado pelo Estado de Democrático de Direito e pelas disposições constitucionais, a exemplo do princípio da legalidade e do devido processo legal. Assim, qualquer sanção, inclusive as cíveis, aí incluídas as sanções pela prática de atos de improbidade administrativa, devem ser pautadas pelos princípios constitucionais, sob pena de ferir os preceitos básicos da norma maior pátria.
2. A relação entre o direito de intervenção e o direito administrativo sancionador
Pela explanação realizada no item anterior é certo concluir que o direito administrativo sancionador também deve observar os princípios constitucionais, em especial o princípio da legalidade, contraditório e ampla defesa.
Através da leitura do conceito de sanção administrativa de Fábio Osório Medina[3], verifica-se que o direito administrativo sancionador em seu sentido lato sensu engloba tanto as decisões administrativas como as judiciais, razão pela qual as sanções pela prática por ato de improbidade administrativa previstas no art. 37, §4º, da Constituição Federal também se enquadram nesse conceito.
Dessa forma, podemos então verificar a conexão entre o direito de intervenção e a opção do legislador constituinte brasileiro no momento da definição das sanções pela prática de atos de improbidade administrativa, razão pela qual as referidas sanções estão compreendidas na seara de atuação do direito administrativo sancionador, em seu sentido lato, ou seja, englobando as sanções aplicadas administrativa e as judicialmente, dentro da perspectiva do conceito trazido por Fábio Osório Medina, já mencionado.
Corroborando com essa conclusão, Rafael Munhoz de Mello defende que a sanção administrativa é uma medida aflitiva[4], quer dizer que além da função repressiva, possui também a preventiva, ou seja, de desestimular a prática de outras infrações similares pelos agentes públicos, o que acaba por se enquadrar no papel das sanções elencadas na Lei n.º 8.429/92 pela prática de atos de improbidade administrativa previstos nos seus arts. 9º, 10 e 11.
Configurada a possibilidade e a necessidade da aplicação de sanções pela prática de atos de improbidade administrativa em especial em razão da necessidade da preservação do princípio constitucional da moralidade e do combate à corrupção, é possível então observar que que algumas das condutas previstas nos dispositivos acima mencionados se referem a ações que também são punidas pelo direito penal, a exemplo do peculato, no entanto são sancionados mediante sanções cíveis que restringem, por tempo determinado, inclusive o direito à cidadania, uma vez que a suspensão dos direitos políticos e também a possibilidade de contratar com a Administração Pública.
CONCLUSÃO
Diante da análise realizada, é possível então observar que o legislador constituinte ao definir as sanções pela prática de ato de improbidade administrativa teve como uma das suas influências a teoria do direito da intervenção criada por Winfried Hassemer, isso porque concedeu às referidas sanções uma natureza cível, conforme mencionado em tópico anterior.
Nesse sentido, ainda que tratem de sanções severas não têm o condão de intervir no direito de liberdade do réu, o que afasta uma das principais características do direito penal, razão pela qual podemos então concluir que o Constituinte de 1988 seguiu as ideias trazidas pelo direito da intervenção no momento da definição das sanções pela prática de ato de improbidade administrativa, vertente do direito administrativo sancionador.
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[2] VORONOFF, Alice. Direito Administrativo Sancionador no Brasil. Justificação, Interpretação e Aplicação. 1ª edição. Editora Fórum. Belo Horizonte. 2018.
[3] OSÓRIO, Fábio Medina. Direito Administrativo Sancionador. 5ª ed. São Paulo. Editora Revista dos Tribunais, 2015. “(...) um mal ou castigo, porque tem efeitos aflitivos, com alcance geral e potencialmente pro futuro imposto pela Administração Pública, materialmente considerada, pelo Judiciário ou por corporação de direito público, a um administrado, jurisdicionado, agente público, pessoa física ou jurídica, sujeitos ou não a especiais relações de sujeição com o Estado, como consequência de uma conduta ilegal, tipificada em norma proibitiva, com uma finalidade repressora ou disciplinar, no âmbito de aplicação formal e material do Direito Administrativo.”
[4] VORONOFF, Alice. Direito Administrativo Sancionador no Brasil. Justificação, Interpretação e Aplicação. 1ª edição. Editora Fórum. Belo Horizonte. 2018. “pune-se para prevenir a ocorrência de novas infrações, desestimulando a prática de comportamentos tipificados como ilícitos”
Juíza de Direito Substituta do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios, Especialista em Função Social do Direito pela Universidade do Sul de Santa Catarina – UNISUL, Mestranda em Políticas Públicas pelo Centro Universitário de Brasília – UNICEUB, Professora de Direito Constitucional e Administrativo da Escola de Magistratura do Distrito Federal – ESMA.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SA, Acacia Regina Soares de. Direito de intervenção - A influência de Winfried Hassemer e o direito administrativo sancionador Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 22 maio 2020, 04:50. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/54563/direito-de-interveno-a-influncia-de-winfried-hassemer-e-o-direito-administrativo-sancionador. Acesso em: 22 nov 2024.
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