KELLY NOGUEIRA DA SILVA GONÇALVES [1]
(orientadora)
RESUMO: Atualmente o ordenamento jurídico brasileiro, através de Projetos de Lei, tem apresentado uma nova percepção acerca dos direitos dos animais, principalmente em relação aos animais domésticos. O Projeto de Lei 27/2018 com tramitação encerrada no ano de 2019 no Senado acrescentou um novo dispositivo à Lei nº 9.605, de 12 de fevereiro de 1998 - Lei de Crimes Ambientais, dispondo sobre a natureza jurídica dos animais não humano, determinando que os animais não humanos possuem natureza jurídica sui generis e são sujeitos de direitos despersonificados, dos quais devem gozar e obter tutela jurisdicional em caso de violação, vedado o seu tratamento como coisa. Esta matéria foi modificada no Senado e, portanto, retorna para a Câmara dos Deputados para. Nessa perspectiva, este estudo pretende analisar esse novo dispositivo jurídico, para isso foi realizada uma explanação histórica sobre a evolução histórica do direito dos animais, além de apresentar breves considerações sobre os maus tratos e a tutela jurídica aos animais no ordenamento jurídico brasileiro. No decorrer do estudo sobre a personalização jurídica dos animais domésticos, foi importante trazer à baila a questão da senciência dos animais de estimação e o afeto familiar para posteriormente fazer um delineamento dos projetos de lei que já tratavam em suas respectivas matérias sobre a personalização jurídica dos animais não humanos.
Palavras-Chave: Animais de estimação. Proteção. Projeto de Lei 27/2018.
ABSTRACT: Currently, the Brazilian legal system, through bills, has presented a new perception about the rights of animals, mainly in relation to domestic animals. The Draft Law 27/2018, which was closed in 2019 in the Senate, added a new provision to Law No. 9,605, of February 12, 1998 - Law on Environmental Crimes, providing for the legal nature of non-human animals, determining that non-human animals have sui generis legal nature and are subject to depersonified rights, which they must enjoy and obtain judicial protection in case of violation, being prohibited from being treated as a thing. This matter was modified in the Senate and, therefore, returns to the Chamber of Deputies to. In this perspective, this study intends to analyze this new legal device, for that, a historical explanation was made about the historical evolution of animal law, in addition to presenting brief considerations about the mistreatment and legal protection of animals in the Brazilian legal system. During the study on the legal personalization of domestic animals, it was important to bring up the issue of pet sentience and family affection to later outline the bills that they already dealt with in their respective matters on the legal personalization of pets. non-human animals.
Keywords: Pets. Protection. Bill 27/2018.
SUMARIO: 1. Introdução – 2. Evolução histórica do direito dos animais no Brasil - 2.1. Os maus tratos e a tutela jurídica aos animais no ordenamento jurídico brasileiro – 3. A senciência dos animais de estimação e o afeto familiar - 3.1. Delineamento dos projetos de lei que versam sobre a personalização jurídica dos animais não humanos - 3.2. A nova concepção da natureza jurídica dos animais de estimação - “pets” à luz do projeto de lei n. 27/2018 – 4. Considerações finais – 5. Referencias.
1 INTRODUÇÃO
Não é novidade que a relação entre os seres humanos e os animais de estimação está baseada em sentimentos. Com isso é importante que cada vez mais o ser humano é responsável por tratá-los dignamente e zelar pela proteção de um ser que é completamente indefeso, principalmente diante os inúmeros casos que ganharam repercussão na mídia.
A questão norteadora deste estudo partiu da seguinte problemática: as mudanças advindas com o Projeto de Lei 27/2018 que trata da personalização jurídica dos animais não humanos trará mudanças significativas no tratamento facultado aos animais?
Com a ocorrência dos grandes casos de negligência em relação aos animais, em outros momentos já haviam sido apresentados ao Congresso Nacional outros projetos de lei que buscavam dar uma nova percepção jurídica para os animais, principalmente os de estimação.
Só então em 2018, a Câmara dos Deputados por iniciativa do Deputado Federal Ricardo Izar que apresentou o Projeto de Lei n. 27/2018 buscou aumentar a pena na lei de maus-tratos aos animais e tirar os animais da denominação jurídica “coisas” inserindo assim um novo dispositivo à Lei nº 9.605, de 12 de fevereiro de 1998, para determinar sobre a natureza jurídica dos animais não humanos.
O Projeto de Lei acima mencionado foi aprovado no ano de 2019 pelo Senado Federal e como foi modificado por essa casa legislativa, retornará a Câmara dos Deputados. De fato, ainda é um pequeno passo em relação as mudanças já ocorridas em outros países, dentre eles a Áustria, Holanda, França, Portugal no que tange ao direito dos animais, contudo pode se considerar um passo significativo no Brasil.
Este artigo pretende analisar a personalização jurídica dos pets a luz do Projeto de Lei 27/2018. Aqui utilizou-se o temo advindo da língua inglesa “pet” por já estar bastante internalizado no brasil como forma de se referir os animais de estimação.
Os tópicos elencados nesta pesquisa tem ainda como objetivos apresentar breves comentários sobre a evolução histórica do direito dos animais, identificar os maus tratos e a tutela jurídica aos animais no ordenamento jurídico brasileiro, compreender sobre a senciência dos animais de estimação e o afeto familiar e por fim, discutir o delineamento dos projetos de lei que versam sobre a personalização jurídica dos animais não humanos e os impactos do Projeto de Lei n. 27/2018 com a nova concepção da natureza jurídica dos animais não humanos.
2 EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO DIREITO DOS ANIMAIS NO BRASIL
Até se chegar ao que se conhece atualmente sobre os direitos dos animais, é importante elencar que os movimentos que levaram a proteção dos animais, a saber:
[...] iniciaram-se em 1822, quando as primeiras normas contra a crueldade direcionada aos animais foram apresentadas pela Inglaterra. Em seguida a Alemanha editou normas gerais em 1838 e, em 1948, a Itália posicionou-se com normas contra os maus-tratos. Em 1911, novamente foi a Inglaterra a pioneira em introduzir a ideia de averiguar a proteção dos animais contra os atos humanos (RODRIGUES, 2012, p. 106).
No Brasil, a Constituição Política do Império do Brasil (de 25 de março de 1824) bem como a primeira constituição republicana, a Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil (de 24 de fevereiro de 1891), nada indicavam no que se refere ao tema dos animais.
Sanches e Ferreira (2014), apontam que a Carta Magna de 1934 (Constituição da Republica dos Estados Unidos do Brasil de 16 de julho de 1934) indicava, todavia, alguma atenção à matéria quando nas disposições preliminares da Organização Federal (Título I, Capitulo I) estabelecia competência privativa da União para legislar sobre caça e pesca e a sua exploração (Art.5º, XIX).
Assim, autorizava referida Constituição a possibilidade de estabelecer no plano infraconstitucional normas jurídicas destinadas ao balizamento da prática de perseguir animais bem como de extração de organismos aquáticos do meio onde se desenvolviam associando claramente uma e outra atividade á possibilidade de extrair resultados econômicos.
No de 1924 o Brasil estatuiu o Decreto 16.590 em defesa dos animais. Uma década depois, surge com total força de lei, o Decreto 24.645 de 1934, definindo trinta e uma figuras típicas de maus-tratos aos animais. Vale considerar que, no Brasil, o reconhecimento do direito dos animais nas considerações de Rodrigues (2012), ocorreu devido as transformações nos sistemas estruturais dos poderes Legislativo, Executivo e Judiciário, na política e práticas econômicas, na reorientação das atividades tecnológicas e sobre o estilo de vida social de cada indivíduo, mas essencialmente, na libertação do homem da visão materialista nele embutida e da manipulação dos animais por ele imposta.
Um elevado número de países adotou legislações parecidas de proteção à fauna. Tal situação levou ao surgimento de declarações de princípios internacionais, como no caso da “Declaração Universal dos Direitos dos Animais”, de 1978, proposta por ambientalistas à Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) (MÓL; VENANCIO, 2014).
O Brasil é signatário da Declaração Universal dos Direitos dos Animais UNESCO/ONU e, por este motivo, o país trata-os com o devido respeito e tem políticas públicas, bem como, jurídicas para o descumprimento dos seus direitos. A declaração em seus primeiros artigos dispõe o seguinte:
[...] todos os animais nascem iguais diante da vida, e têm o mesmo direito à existência. ARTIGO 2: a) Cada animal tem direito ao respeito. b) O homem, enquanto espécie animal, não pode atribuir-se o direito de exterminar os outros animais, ou explorá-los, violando esse direito. Ele tem o dever de colocar a sua consciência a serviço dos outros animais. c) Cada animal tem direito à consideração, à cura e à proteção do homem. ARTIGO 3: a) Nenhum animal será submetido a maus tratos e a atos cruéis. b) Se a morte de um animal é necessária, deve ser instantânea, sem dor ou angústia (DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS DOS ANIMAIS, 1978. ARTIGO 1).
A Declaração dos Direitos dos Animais (ONU, 1978), faz referência ao trato e cuidados que devem ser aplicados aos animais. Este documento legal prevê que, todos os animais têm o mesmo direito a vida, ao respeito e a proteção do homem. Nenhum animal deve ser maltratado e todos os animais selvagens têm o direito de viver livres em seu habitat. O animal que o homem escolher para companheiro não deve ser nunca abandonado. Nenhum animal deve ser usado em experiências que lhe causem dor.
Todo ato que põe em risco a vida de um animal é um crime contra a vida, dessa forma, a poluição e a destruição do meio ambiente são consideradas crimes contra os animais. Os direitos dos animais devem ser defendidos por lei. O homem deve ser educado desde a infância para observar, respeitar e compreender os animais (NOGUEIRA, 2012).
Estabelecendo o conteúdo normativo em face do tema dos animais, a Carta Constitucional de 1988 não só fixou competência a União, dos Estados e ao Distrito Federal para legislar concorrentemente sobre caça, pesca e fauna (Art.24, VI) como estabeleceu “competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios para preservar a fauna” (Art. 23,VII).
Veja que, ao estabelecer que os animais tem a existência, ou seja, a vida, se estabelece também um paradigma com a Constituição Federal de 1988, como direito fundamental, ou essencial, portanto, o país respeita os direitos dos animais.
Para Fiorillo (2019), os interesses subjetivos dos animais, obviamente são tão importantes quanto os dos humanos, simplesmente pelo fato de que ambos os seres respiram e são sencientes, capazes de sentirem dor, felicidade, responder a estímulos.
Ademais, os direitos dos homens devem sim ser respeitados, mas é imperioso que o mesmo juízo e compaixão quanto aos interesses dos seres humanos sejam atribuídos aos não humanos, na medida de suas necessidades.
A tutela constitucional aos animais encontra-se consignado no artigo 225, §1º, inciso VII da Constituição de 1988, que estabelece que todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.
Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade (BRASIL, 1988).
Sob a ótica do art. 225 da Constituição Federal, pode-se considerar os animais como sujeitos de direitos e não apenas bens passíveis de apropriação. Contudo, Costa (2018), leciona que o grande debate que envolve a proteção jurídica dos animais não humanos, no Brasil e em alguns ordenamentos legais no mundo, passa diretamente pela compreensão antropocêntrica[2] ou biocêntrica[3] dada ao respectivo tema.
Em relação ao Código Civil brasileiro de 2002, os animais eram considerados coisas, bem móveis, bens semoventes regidos com a mesma matéria jurídica dos bens móveis e com a aplicação das regras correspondentes aos mesmos veja: “São móveis os bens suscetíveis de movimento próprio, ou de remoção por força alheia, sem alteração da substância ou da destinação econômico social” (BRASIL, 2002, art. 82).
Sobre essa assertiva, Schreiber (2020), discorre que dentre as novas tendências em matéria de bens, tem-se o crescente reconhecimento da necessidade de um tratamento jurídico diferenciado aos animais, ou seja, se, por um lado, os animais não são sujeitos de direito, não podendo figurar como titulares de direitos ou obrigações, por outro lado, parece cada vez mais difícil manter o tratamento dado aos animais pelo Código Civil brasileiro, em que os animais (semoventes) são contemplados simplesmente como bens ou coisas.
Nota-se que, o direito é uma ciência efetivamente com a proposta de proteger o homem. Nessa perspectiva, os animais não dotados de racionalidade foram categorizados como coisas (bens semoventes), reproduzindo-se os ideais da modernidade, que se utiliza da referida ciência para classificar coisas, pessoas e fenômenos jurídicos. Em razão disso, a doutrina da senciência, tema que será abordado em tópico próprio, foi inicialmente relegada, justamente por não integrar a proposta taxonômica e dogmática imposta aos animais não humanos (COSTA, 2018).
Dessa maneira, todo ato que põe em risco a vida de um animal é um crime contra a vida, dessa forma, a poluição e a destruição do meio ambiente são consideradas crimes contra os animais. Os direitos dos animais devem ser defendidos por lei. O homem deve ser educado desde a infância para observar, respeitar e compreender os animais (NOGUEIRA, 2012).
Tartuce (2017), leciona que a questão do tratamento jurídico reservado aos animais reflete a valorização dos interesses existenciais da pessoa humana sobre alguns entes especiais, que, embora não constituam sujeitos de direito à luz da ordem jurídica por se diferenciarem do ser humano, exprimem a realização de um interesse existencial do ser humano, principalmente pelo próprio ecossistema em que o ser humano está inserido.
O diploma legal considerado mais significativo na tutela jurídica dos direitos dos animais não-humanos e a Lei 9.605/98 (Lei de Crimes Ambientais). A Lei dispõe sobre as sanções penais e administrativas às condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente.
Praticar ato de abuso, maus-tratos, ferir ou mutilar animais silvestres, domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos: Pena - detenção, de três meses a um ano, e multa. Incorre nas mesmas penas quem realiza experiência dolorosa ou cruel em animal vivo, ainda que para fins didáticos ou científicos, quando existirem recursos alternativos. A pena é aumentada de um sexto a um terço, se ocorre morte do animal (BRASIL, 1998, art. 32).
Na fala do ministro Ricardo Lewandowski os maus tratos com os animais é uma prática inaceitável, vide:
[...] Proibiram-se agora as touradas em Barcelona. A Europa está preocupada com o tratamento desumano, cruel e degradante que se dá aos animais domésticos, sobretudo nos abatedouros e também nos criadouros. Por quê? Porque está em jogo exatamente esse princípio básico da dignidade da pessoa humana. Quando se trata cruelmente ou deforma degradante um animal, na verdade está se ofendendo o próprio cerne da dignidade humana (LEWANDOWSKI, 2011, p. 326).
O exposto acima evidencia que os maus tratos aos animais geram um sentimento de compaixão no ser humano, pois, de alguma maneira, trata-se da vida do animal não humano, demonstrando que o indivíduo atribui importância diferenciada com os animais (ARRAES, 2012).
No Decreto-Lei n. 3.688, de 1941 é considerado o primeiro diploma legal no Brasil que disciplinou sobre as penas sobre os maus tratos contra os animais, a saber:
Art. 64. Tratar animal com crueldade ou submetê-lo a trabalho excessivo: Pena – prisão simples, de dez dias a um mês, ou multa, de cem a quinhentos mil réis. 1º Na mesma pena incorre aquele que, embora para fins didáticos ou científicos, realiza em lugar público ou exposto ao público, experiência dolorosa ou cruel em animal vivo. 2º Aplica-se a pena com aumento de metade, se o animal é submetido a trabalho excessivo ou tratado com crueldade, em exibição ou espetáculo público (Decreto-Lei n. 3.688, de 1941, art. 64).
Ainda no que tange a crueldade dos animais, o ordenamento jurídico recentemente vem se apoiando na visão biocêntrica, que traz um conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas (art. 3º, I, Lei nº6.938/1981).
O Supremo Tribunal Federal - STF no tocante à crueldade com os animais afirma o seguinte:
[...] de forma reiterada o STF tem declarado a inconstitucionalidade de leis estaduais que franquearam a realização das “brigas e rinhas de galo”, em especial dos Estados de Santa Catarina, Rio Grande do Norte e Rio de Janeiro. Colaciona-se o julgado mais recente, na ADI nº 3.776, que teve como relator o Ministro Cézar Peluso, com a seguinte ementa: Lei nº 7.380/98, do Estado do Rio Grande do Norte – Atividades esportivas com aves das raças combatentes – ‘Rinhas ou brigas de galo. Regulamentação – Inadmissibilidade. Meio ambiente – Animais – Submissão a tratamento cruel Ofensa ao art. 225, §1º, VII, da CF – Ação julgada procedente. Precedentes. É inconstitucional a lei estadual que autorize e regulamente, sob título de práticas ou atividades esportivas com aves de raças ditas combatentes, as chamadas rinhas ou brigas de galo (MELO, 2017, p. 88).
Como se observa, as reflexões acima deixam claro que os atos de crueldade contra os animais possuem diploma legal para sua criminalização, levando em conta além do direito fundamental dos animais, a sua senciência, tema abordado a seguir.
A questão relacionada ao direito dos animais é considera complexa, visto que o ordenamento jurídico adota uma posição dúbia em relação aos animais, ora tratando-os como seres, ora como seres sensíveis, por esse motivo é necessário que seja observado de maneira sistêmica as Leis de proteção animal, principalmente dos animais de estimação, considerados aqui seres sencientes.
3 A SENCIÊNCIA DOS ANIMAIS DE ESTIMAÇÃO E O AFETO FAMILIAR
Os animais de estimação são o que que vivem normalmente na companhia do homem ou os que vivem em estado selvagem, mas vêm a adaptar-se à vida em companhia dos seres humanos. Dessa forma, deve-se ter um adequado relacionamento e empatia para com esses animais.
Ao se tratar da temática sobre os animais de estimação, é importante esclarecer que atualmente no Brasil foi internalizado a expressão inglesa “Pet”, que significa animal de estimação.
Wisniewski (2019), cita que a relação homem e animal surgiu há muito tempo, inicialmente para auxiliar na caça e defesa, depois os laços foram se aprofundando, os animais sendo domesticados, adentrando aos lares, e atualmente, tendo local especial nas famílias e sendo em alguns casos essenciais ao bem-estar e alegria dos donos.
O homem domesticou alguns animais e eles se tornaram “companheiros, considerados valiosos para sua saúde corporal e psíquica” (Scheffer, 2018, p. 40). O contato com os animais domésticos então, vai além de um simples o relacionamento entre espécies, é considerado mais abrangentes visto que, envolve um sentimento de conectividade.
Esse sentimento de conectividade ocorre principalmente pelo fato de que os animais domésticos serem considerados sencientes. A expressão senciente vem do latim sentiens entis que significa capaz de sentir ou perceber através dos sentidos. Em outra forma, seres que possuem ou conseguem receber impressões ou sensações (DICIONÁRIO AURÉLIO ON LINE, 2020).
Rosa (2017), considera que, a caraterística mais usada para reconhecer a senciência, portanto, é a dor, fazendo com que o conceito da mesma seja cada vez mais utilizado em defesa dos animais não humanos, o que leva ao questionamento de o animal não humano ter direitos de proteção.
Os interesses subjetivos dos animais, obviamente são tão importantes quanto os dos humanos, simplesmente pelo fato de que ambos os seres respiram e são sencientes, capazes de sentirem dor, felicidade, responder a estímulos (FIORILLO; FERREIRA, 2019).
Dessa forma, os direitos dos homens devem sim ser respeitados, mas é imperioso que o mesmo juízo e compaixão quanto aos interesses dos seres humanos sejam atribuídos aos não humanos, na medida de suas necessidades.
3.1 Delineamento dos Projetos de Lei que versam sobre a personalização jurídica dos animais não humanos
Precipuamente, no Brasil, foi o Projeto de Lei nº 3.676/2012 que trouxe a matéria da tratava da personalização jurídica dos animais não humanos. Esse projeto deixa claro que os animais são considerados seres sencientes e por isso são sujeitos de direitos naturais e nascem iguais perante a vida. Contudo, o projeto não demonstrou qual o melhor enquadramento dos animais no ordenamento jurídico, deixando essa questão em aberto (CAMPELO, 2017).
Outro projeto de relevante foi o Projeto de Lei nº 6.799/2013, que buscou criar um novo regime jurídico para os animais, os incluindo na categoria de sujeitos de direito, porém como entes despersonificados.
O Projeto de Lei 351/2015, originário do Senado, pretendeu estabelecer, que os animais não são coisas, remetendo o seu tratamento para a legislação específica. No referido Projeto de Lei estava explicito que alguns países europeus avançaram em sua legislação e já alteraram os seus Códigos, fazendo constar expressamente que os animais não são coisas ou objetos, embora regidos, caso não haja lei específica, pelas regras atinentes aos bens móveis.
Isso representa um avanço que pode redundar no reconhecimento de que os animais, ainda que não sejam reconhecidos como pessoas naturais, não são objetos ou coisas (BRASIL, 2015).
Contudo, como esclarece Lourenço (2016), apesar de retirar os animais do rol do que são consideradas “coisas”, o projeto de lei também não visa apontar o que seriam, então, considerados os animais, pelo que resta duvidoso seu resultado prático, eis que a falta de um enquadramento específico resultará na utilização da mesma tutela jurídica hoje vigente (LOURENÇO, 2016).
A situação jurídica dos animais, na percepção de Lourenço (2008) pode abranger três as possibilidades: a personalização dos animais, equiparando-os a pessoas absolutamente incapazes; a alocação na categoria de entes despersonalizados; e a construção de uma espécie de terceiro gênero, deixando os animais a posição de coisas para se situarem entre o mundo das coisas e dos sujeitos.
Sobre essa explanação, observa-se que:
[...] a categoria de entes despersonalizados, é a que mais parece abraçar a condição jurídica dos animais, eis que permite a classificação destes seres como sujeitos de direitos mesmo sem reconhecer o status de pessoa, na medida em que o conceito de sujeito de direito abarca tanto os entes despersonalizados como as pessoas humanas, pelo que, inserindo os animais no contexto do artigo 12 do Código Civil, tem-se o reconhecimento destes como sujeitos de direitos sem acarretar vastas transformações legislativas (LOURENÇO, 2016, p. 13).
Dessa forma, a defesa dos animais poderia se dar tanto por meio da substituição processual do Ministério Público, sociedades de proteção animal ou terceiros interessados, quanto através de um representante processual, como na forma de curador ou guardião (CASTRO JÚNIOR; OLIVEIRA VITAL, 2015).
Entretanto, atualmente no ordenamento jurídico brasileiro aos animais é vedado o seu tratamento como coisa, este tratamento foi referendado através da lei n. 27/2018 como será demonstrado a seguir.
3.2 A nova concepção da natureza jurídica dos animais de estimação - “pets” à luz do Projeto de Lei n. 27/2018
No ano de 2019 foi aprovado no Senado o Projeto de Lei n°. 27/2018 que acrescentou um novo dispositivo à Lei nº 9.605, de 12 de fevereiro de 1998 (Lei de Crimes Ambientais), dispondo sobre a natureza jurídica dos animais não humanos. A Lei nº 9.605, de 12 de fevereiro de 1998 trata das sanções penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente, e dá outras providências.
Contudo, o acréscimo da nova forma jurídica dada aos animais não humanos retornou a Câmara dos Deputados para novos tramites jurídicos. O dispositivo atualmente acrescentou a lei de crimes ambientais que os animais não humanos possuem natureza jurídica sui generis[4] e são sujeitos de direitos despersonificados, dos quais devem gozar e obter tutela jurisdicional em caso de violação, vedado o seu tratamento como coisa.
Os argumentos constados para o regulamento do novo dispositivo é o seguinte:
[..] esta Lei estabelece regime jurídico especial para os animais não humanos. Constituem objetivos fundamentais desta Lei: I - afirmação dos direitos dos animais não humanos e sua proteção; II - construção de uma sociedade mais consciente e solidária; III - reconhecimento de que os animais não humanos possuem natureza biológica e emocional e são seres sencientes, passíveis de sofrimento. Os animais não humanos possuem natureza jurídica sui generis e são sujeitos de direitos despersonificados, dos quais devem gozar e obter tutela jurisdicional em caso de violação, vedado o seu tratamento como coisa (BRASIL, 2019, p. 4).
Após a aprovação desta lei pode-se considerar que a proteção e a tutela dos animais se darão de forma mais rigorosa e levando em consideração o teor da redação da nova lei, é possível perceber que houve uma mudança significativa no ordenamento jurídico.
Na justificação da matéria, o Deputado Ricardo Izar, autor do Projeto de Lei, especifica seus objetivos:
[..] afastar a ideia utilitarista dos animais, reconhecendo que os animais são seres sencientes, que sentem dor, emoção, e que se diferem do ser humano apenas nos critérios de racionalidade e comunicação verbal. Ainda conforme a justificação: o Projeto em tela outorga classificação jurídica específica aos animais, que passam a ser sujeitos de direitos despersonificados. Assim, embora não tenha personalidade jurídica, o animal passa a ter personalidade própria, de acordo com sua espécie, natureza biológica e sensibilidade. A natureza suis generis possibilita a tutela e o reconhecimento dos direitos dos animais, que poderão ser postulados por agentes específicos que agem em legitimidade substitutiva (PARECER DO DEPUTADO RICARDO IZAR. COMISSÃO DE MEIO AMBIENTE. PROJETO DE LEI DA CÂMARA Nº 27, DE 2018).
Segundo Gordilho (2017), o fortalecimento da relação entre animais e seres humanos pode ser indicado, dentre outros fatores, por meio das mudanças sociais e econômicas ocorridas na contemporaneidade, tais como o fortalecimento da indústria petshop e a redução da taxa de fecundidade no Brasil.
Contudo, no que concerne a aplicabilidade deste novo dispositivo a lei de Crimes Ambientais, as considerações de Gonçalves (2019, p. 02) são a seguintes:
[...] tem-se a sensação de uma legislação simbólica. Em suma, não sei se o teor do Projeto vai realmente fazer a diferença necessária, mas é um ponto de partida importantíssimo para o futuro, haverá um esforço hermenêutico pelos operadores do direito para concretização desses direitos.
Vale pontuar que, a complexidade deste assunto, pois mesmo tendo sido aprovada uma lei que trata o animal não mais como coisa dando-lhe a designação jurídica de “sujeitos de direitos despersonificados”, também é considerada no ordenamento jurídico por meio de legislação especifica outros tratamentos dados aos animais, como por exemplo, os animais que são usados para experiências em pesquisa e para abate. Neste óbice, deveriam ter o mesmo tratamento na seara jurídica pátria, considerando principalmente seu aspecto senciente.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O Projeto de Lei 27/2018 que trata da personalização jurídica dos animais ao acrescentar um novo dispositivo a Lei de Crimes Ambientais trouxe um novo viés ao tratamento jurídico dado aos animais de estimação.
A conquista dos direitos dos animais foi um processo gradativo como se observou no estudo, e mesmo ainda sendo necessário muita efetividade nas leis que já existem esse dispositivo acrescentando a lei de crimes é considerado muito importante.
O dispositivo acrescentado atualmente a lei de crimes determinou que os animais não humanos possuem natureza jurídica e são sujeitos de direitos despersonificados, dos quais devem gozar e obter tutela jurisdicional em caso de violação, vedado o seu tratamento como coisa.
Ao final desse estudo foi possível perceber que houve uma mudança significativa no ordenamento jurídico e presume-se que a tutela jurídica direcionada aos animais a partir da aprovação do PL 27/2018 se dará de forma mais rigorosa e levando em consideração o conteúdo da redação da nova lei.
Contudo, mesmo com as mudanças significativas no tratamento facultado aos animais através desta mudança do pensamento jurídico atual em relação a esses seres, as reais mudanças estará sempre relacionados às concepções associadas aos padrões éticos concernentes ao bem-estar e a senciência dos animais, pois aqui se entende que, de nada adianta uma lei mais rigorosa e que tirou a nomenclatura “coisas” dos animais, se a sociedade não mudar sua visão e seu relacionamento com os animais, seja eles os “pets” ou os selvagens.
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[1] Especialista em Direito civil e advogada. Professora do curso de direito da Faculdade Serra do Carmo – Fasec. [email protected]>
[2] Antropocêntrico é a concepção genérica, sem síntese, faz do homem o centro do Universo, ou seja, a referência máxima e absoluta de valores (MILARÉ, 2006).
Bacharelanda do curso de Direito da Faculdade Serra do Carmo – Fasec.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SOUSA, VALERIA BONFIM DE. A personalização jurídica dos Pets e o Projeto de Lei 27/2018 Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 03 jun 2020, 04:24. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/54629/a-personalizao-jurdica-dos-pets-e-o-projeto-de-lei-27-2018. Acesso em: 22 nov 2024.
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