RESUMO: O presente artigo tem por objetivo discutir a respeito da filiação socioafetiva e sua relação com o direito sucessório. Para isso, pretende-se discutir conceitos como a família, o que faz a família ser família, a afetividade nas relações familiares, o contexto histórico por trás disso e de que formaesse contexto histórico influencia até hoje nas relações familiares. Por fim, pretende demonstrar que a controvérsia ainda não foi pacificada e os posicionamentos a respeito desta.
Palavras chave: família, direito, herança, afetividade
ABSTRACT:The purpose of this article is to discuss about socio-affective affiliation and its relationship with inheritance law. For this, we intend to discuss concepts such as the family, what makes the family family, the affectivity in family relationships, the historical context behind it and how this historical context influences family relationships today. Finally, it intends to demonstrate that the controversy has not yet been pacified and the positions regarding it.
Keywords: family, law, inheritance, affectivity
SUMÁRIO: 1 Introdução. 2 Mudanças De Paradigmas Dentro Do Direito Brasileiro: A Família E O Instituto Da Filiação 3 Breve Histórico Da Filiação No Direito Brasileiro. 4 Filiação Socioafetiva: Princípio Da Afetividade Na Constituição Federal E O Código Civil 5 Efeitos Da Filiação Socioafetiva No Direito Sucessório. 6 Considerações Finais. 6 Referências.
1 INTRODUÇÃO
Conforme os anos se passam, a sociedade vai tendo transformações culturais em diversos âmbitos, entre eles nos seus conceitos de família, filhos e cônjuges. Os últimos anos, nesse aspecto, não foram diferentes.
Desde o advento da Constituição Federal de 1988, houve diversos avanços em relação ao direito de família e consequentemente ao direito sucessório: com o princípio da dignidade da pessoa humana, relações jurídicas familiares conquistaram inúmeros avanços no âmbito de direitos humanos.
Em se tratando de filhos, por exemplo, com o princípio da dignidade da pessoa humana e demais princípios originados por ele, como o princípio da isonomia, não havia mais distinções entre os filhos ditos “bastardos” (espúrios), os biológicos e os adotivos.
É importante lembrar que antes da Constituição Federal de 1988, havia alguns absurdos dentro do direito sucessório, no que diz respeito à divisão de quinhões hereditários pelos filhos. Entre elas, o código civil de 1916 garantia o direito a herança aos filhos adotivos, desde que o de cujus não tivesse filhos legítimos, legitimados ou reconhecidos.
Hoje, ainda há resquícios desse tratamento injusto: muitas pessoas que desconhecem a lei ainda acham que há diferenciações entre esses filhos, principalmente em se tratando de sucessões: que um filho, por ser “legítimo” teria direito a mais quinhões hereditários que os “ilegítimos”.
É importante destacar que com as mudanças da sociedade em se organizar em vários tipos de família e a mudança da Constituição, de forma que a lei acompanhe as mudanças da realidade, houve também uma novidade no instituto da filiação: a filiação socioafetiva – filiação esta que o presente artigo propõe-se a analisar a fundo.
Por mais que a filiação socioafetiva tenha trazido boas novidades, há também um problema: como o filho teria um terceiro constando em sua certidão de nascimento como também sendo pai ou mãe, quando aberta a sucessão este filho teria tratamento diferenciado dos filhos biológicos ou adotivos. Este tratamento diferenciado se dá porque o filho socioafetivo teria direito aos bens dos pais e do terceiro que configura como também sendo seu ascendente socioafetivo.
Expondo estas considerações, o presente artigo pretende problematizar as antigas relações familiares, regidas pelo patriarcado. Após isso, fará um breve histórico a respeito da filiação, até os dias atuais. Finalmente, o artigo trabalhará de forma mais profunda a filiação socioafetiva,os destacando seus avanços, mas também os desafios que trouxe no âmbito do direito sucessório.
2 MUDANÇAS DE PARADIGMAS DENTRO DO DIREITO BRASILEIRO: A FAMÍLIA E O INSTITUTO DA FILIAÇÃO
Conforme a sociedade vai mudando, é natural que os costumes também acompanhem essa mudança. Podemos visualizar essa afirmação com a crescente e cada vez mais evidente renovação dos conceitos de família, saindo do conceito de família tradicional, onde havia muita influência do patriarcado.
Para NARVAZ e KOLLER (2006) o patriarcado pode ser compreendido como uma organização social, onde há mais poder concedido ao sexo masculino:
O patriarcado é uma forma de organização social na qual as relações são regidas por dois princípios básicos: 1) as mulheres estão hierarquicamente subordinadas aos homens e, 2) os jovens estão hierarquicamente subordinados aos homens mais velhos. A supremacia masculina ditada pelos valores do patriarcado atribuiu um maior valor às atividades masculinas em detrimento das atividades femininas; legitimou o controle da sexualidade, dos corpos e da autonomia femininas; e, estabeleceu papéis sexuais e sociais nos quais o masculino tem vantagens e prerrogativas (...)
Nesse sentido, é possível evidenciar de que forma este paradigma influenciava na família brasileira: o homem era, necessariamente, o chefe de família. Essa forma uniformizada de família, sendo ela necessariamente patriarcal, durou por 86 anos, durante o período em que o Código Civil de 1916 vigorava:
Art. 233. O marido é o chefe da sociedade conjugal. Compete-lhe:
I - a representação legal da família;
II - a administração dos bens comuns e dos particulares da mulher, que ao marido competir administrar em virtude do regime matrimonial adotado, ou de pacto antenupcial (arts. 178, § 9º, I, c, 274, 289, I e 311);
III - o direito de fixar e mudar o domicílio da família (arts. 46 e 233, n. IV);
IV - O direito de autorizar a profissão da mulher e a sua residência fora do teto conjugal (arts. 231, II, 242, VII, 243 a 245, II e 247, III);
V - prover a mantença da família, guardada a disposição do art. 277.
Art. 234. A obrigação de sustentar a mulher cessa, para o marido, quando ela abandona sem justo motivo a habitação conjugal, e a esta recusa voltar. Neste caso, o juiz pode, segundo as circunstâncias, ordenar, em proveito do marido e dos filhos, o seqüestro temporário de parte dos rendimentos particulares da mulher.
A influência do patriarcado pode ser visualizada em outros trechos do Código Civil de 1916, onde se fala sobre os impedimentos e deveres da mulher dentro da sociedade conjugal, por exemplo:
Art. 242. A mulher não pode, sem autorização do marido (art. 251):
I - praticar os atos que este não poderia sem o consentimento da mulher (art. 235);
II - alienar ougravar de ônus real, os imóveis de seu domínio particular, qualquer que seja o regime dos bens (arts. 263, II, III e VIII, 269, 275 e 310);
III - alienar os seus direitos reais sobre imóveis de outrem;
IV - Aceitar ou repudiar herança ou legado.
V - Aceitar tutela, curatela ou outro munus público.
VI - Litigar em juízo civil ou comercial, a não ser nos casos indicados no arts. 248 e 251.
VII - Exercer a profissão (art. 233, IV)
VIII - contrair obrigações, que possam importar em alheação de bens do casal.
Art. 243. A autorização do marido pode ser geral ou especial, mas deve constar de instrumento público ou particular previamente autenticado.
Parágrafo único. Considerar-se-á sempre autorizada pelo marido a mulher que ocupar cargo público, ou, por mais de 6 (seis) meses, se entregar a profissão exercida fora do lar conjugal. (grifo nosso)
Com a Constituição da República, em 1988, o reconhecimento dessas mudanças de paradigmas sociais foi cada vez mais crescente:
Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.
§ 1º O casamento é civil e gratuita a celebração.
§ 2º O casamento religioso tem efeito civil, nos termos da lei.
§ 3º Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento.
§ 4º Entende-se, também, como entidade familiar a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes.
(grifo nosso)
O reconhecimento de outros tipos de família dado pela Constituição Federal de 1988, fez com que o direito atuasse de forma mais plural, procurando acolher e compreender os novos tipos de família existentes.
Não se tratava mais de vínculos meramente consanguíneos: aqui, ao reconhecer os vários tipos de família existentes, o legislador abriu brechas para que um novo princípio fosse absorvido pelo direto: o princípio da afetividade nas relações familiares.
No âmbito do direito civil, uma das melhoras em relação ao reconhecimento de novos tipos de família foi com o advento do Código Civil vigente, de 2002. Acolhendo as disposições de direitos humanos que a Constituição Federal trouxe, as inovações contidas na lei 10.406/2002 foram muito interessantes do ponto de vista familiar.
Houve, por exemplo, a nova redação do que é entendido como o casamento: “art. 1.511. O casamento estabelece comunhão plena de vida, com base na igualdade de direitos e deveres dos cônjuges”.
Portanto, podemos depreender que as leis acompanharam a mudança desses paradigmas sociais;dentro do direito de família diversas transformações sensíveis nesse sentido foram notadas, com a reformulação de conceitos a ele inerentes: os conceitos de casamento, os princípios que o regem e o princípio da igualdade entre os filhos, por exemplo, podem ser citadas como algumas dessas importantes alterações ocorridas.
Quando se trata de filhos, é importante citar o conceito de filiação. Para JOHASHI (2014), a filiação “diz respeito ao vínculo entre filhos e pais, podendo este decorrer de consanguinidade, ou de qualquer outra origem diversa”,
É importante tecer algumas considerações históricas a respeito deste instituto, para a melhor compreensão deste e dos seus efeitos nas vidas dos filhos nascidos a partir de 1988, uma vez que não sofrerão mais as discriminações contidas no Código Civil de 1916, onde havia a distinção entre filhos legítimos e ilegítimos.
3 BREVE HISTÓRICO DA FILIAÇÃO NO DIREITO BRASILEIRO
Até que o princípio da igualdade entre os filhos fosse implantado nas leis brasileiras, houve um grande caminho percorrido. Até hoje, algumas pessoas têm resquícios dessa forma ultrapassada de enxergar as relações familiares: em seu discurso, conseguimos depreender a diferenciação que elas acreditam existir entre os filhos “legítimos” e outros tipos de filhos, como os adotivos e socioafetivos.
Esse comportamento é herança do Código Civil de 1916, onde havia uma classificação totalmente diferente da que temos atualmente. Para entender melhor esse comportamento, explicaremos a filiação no âmbito do Código Civil de 1916.
Segundo ZENI (2009),essa classificação passava por uma filtragem inicial: primeiro, verificava-se a origem dos filhos. Após isso, a classificação se subdividia ainda mais:
O Código Civil de 1916 classificava a filiação de acordo com a origem,
ou seja, se era ou não advinda do matrimônio, considerando como filho legítimo aquele havido na constância do casamento, e ilegítimo o advindo de relações extramatrimoniais. Os ilegítimos dividiam-se em naturais e espúrios, e
estes, por sua vez, classificavam-se em adulterinos e incestuosos
Os filhos legítimos eram aqueles nascidos na constância do casamento. Já os filhos ilegítimos eram classificados em dois: filhos naturais e espúrios. Os filhos naturais eram aqueles nascidos antes do casamento, ou seja, fora deste. Poderiam se tornar legitimados se a relação dos pais posteriormente se convertesse em casamento.
Já os filhos espúrios eram divididos em adulterinos e incestuosos. Os nomes já são autoexplicativos: filhos incestuosos advinham de relações incestuosas, entre parentes. Já os filhos adulterinos eram os que nasciam de relações extraconjugais, frutos de “traição”. Esses filhos tinham pouca ou consideravelmente menor participação dentro da divisão de bens do eventual de cujus, por se tratar de filhos cuja origem era repudiada pela lei e pela sociedade da época.
O repúdio aos filhos ilegítimos pode ser explicado por meio do conhecimento de que havia, por parte do Código Civil de 1916, o privilégio à família patriarcal, onde o homem tinha mais direitos que a mulher e outros homens mais jovens (seus filhos, por exemplo.). Era ele o líder da sociedade conjugal, sendo a mulher subordinada a ele por lei. Os filhos, da mesma forma, eram a ele subordinados.O direito brasileiro teve grande influência do direito romano nesse aspecto: o privilégiodo pater famíliasem direitos em detrimento de outros integrantes do núcleo familiar.
Na época, a lei privilegiava os vínculos biológicos, desincentivando a adoção. Isso pode ser observado na série de pré-requisitos legais para fazer com que a adoção fosse possível: o adotante devia ter pelo menos 50 anos de idade (alguns anos depois essa exigência caiu para 31 anos), se casado só poderia adotar a partir de 5 anos da data do casamento, devia ter escritura pública, entre outras dificuldades legais:
Para adotar era necessário o preenchimento de alguns requisitos: aidade mínima do adotante, que deveria, inicialmente, ter pelo menos 50 anos de idade, o que foi reduzido para 31 anos, pelo artigo 1º da Lei 3.133, de 8 de maio de 1957 e, posteriormente, para 21, pela Lei 8.069/90; se casado, só poderia adotar cinco anos após o casamento; a diferença de idade de 18 anos entre adotante e adotado; o consentimento do adotado ou seu representante legal e, por fim, a escritura pública. (ZENI, 2009)
Até aqui, cabe salientar que os vínculos para fins de filiação eram restritos à consanguinidade, ressalvados os casos de adoção. Logo, não havia a possibilidade do reconhecimento da multiparentalidade, com a figura dos filhos socioafetivos.
Com a Constituição de 1988, um novo paradigma foi instaurado: todos os filhos são filhos – independentemente de sua origem. Isso porque há, com a Constituição da República, o princípio da igualdade entre os filhos, inibindo práticas discriminatórias com para com eles.
A socioafetividade só teve espaço a partir do advento do Código Civil de 2002, mas essa questão será abordada de forma mais profunda no próximo tópico.
4 FILIAÇÃO SOCIOAFETIVA: PRINCÍPIO DA AFETIVIDADE NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL E O CÓDIGO CIVIL
A filiação socioafetiva ganhou espaço a partir do princípio constitucional da afetividade. Esse princípio não é expressamente escrito na Constituição da República, porém foi construído por meio da interpretação de vários outros princípios constitucionais, entre eles a dignidade da pessoa humana:
o princípio da afetividade, entendido este como o mandamento axiológico fundado no sentimento protetor da ternura, da dedicação tutorial e das paixões naturais, não possui previsão legal específica na legislação pátria. Sua extração é feita de diversos outros princípios, como o da proteção integral e o da dignidade da pessoa humana, este também fundamento da República Federativa do Brasil (NUNES, 2014)
A partir do Código Civil de 2002, houve uma brecha na lei para que a filiação socioafetiva fosse reconhecida. Isso porque o art. 1953 cominado ao art. 1596 do Código Civil falam sobre a “outra origem” dos filhos e sobre a igualdade destes com os filhos havidos da relação matrimonial:
Art. 1953 O parentesco é natural ou civil, conforme resulte da consaguinidade ou outra origem.
Art. 1596. Os filhos havidos ou não da relação de casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação
Segundo DIAS (2009, APUD SUZIGAN, 2015), a socioafetividade seguiu as transformações da família vivenciadas no âmbito do direito de família. Com a previsão de múltiplos tipos de núcleos familiares, a família deixou de ser unicamente aquela entidade econômica, social e religiosa:
As transformações mais recentes por que passou a família, deixando de ser unidade de caráter econômico, social e religioso para se afirmar fundamentalmente como grupo de afetividade e companheirismo, imprimiram considerável reforço ao esvaziamento biológico da paternidade
Nesse sentido, o reconhecimento da filiação socioafetiva foi um grande avanço, tanto no âmbito do direito de família, como em âmbito de direitos humanos. A filiação socioafetiva tem várias implicações, mas a que mais interessa a pesquisa trata-se de seus impactos no direito sucessório.
Isso porque o fato de ser herdeiro duas vezes (por conter no seu registro civil dois pais e duas mães, por exemplo) e receber duplamente em partilhas diferentes poderia gerar controvérsias judiciais dos outros habilitados como herdeiros: poderiam argumentar que receber duplamente feriria o princípio da igualdade entre os filhos.
Entendemos esse argumento como improcedente. Explicaremos melhor as razões a seguir.
5 EFEITOS DA FILIAÇÃO SOCIOAFETIVA NO DIREITO SUCESSÓRIO
No âmbito do direito sucessório, a filiação socioafetiva gera diversos efeitos. Aqui, nos interessa a discussão a respeito dos seus efeitos patrimoniais, com o recebimento de herança durante a partilha de bens.
A filiação socioafetiva baseia-se na posse do estado de filho, que seria baseado na convivência entre pais e filhos, na afetividade entre as famílias. A maior dificuldade encontrada é o fato de ainda não existir um dispositivo legal que trate diretamente sobre o vínculo socioafetivo: há apenas um projeto de lei, ainda em tramitação no Congresso Nacional.
Aqui, é importante a discussão a respeito da posse do estado de filho. Segundo DIAS, 2015, p.405 (APUD OLIVEIRA e GUIMARÃES, 2019)a posse do estado de filho não é estabelecida necessariamente com vínculos biológicos, mas por um ato de vontade que se encontra na afetividade das famílias:
Infelizmente, o sistema jurídico não contempla, de modo expresso, a noção de posse de estado de filho, expressão forte e real do nascimento psicológico, a caracterizar a filiação afetiva. A noção de posse de estado de filho não se estabelece com o nascimento, mas num ato de vontade, que se sedimenta no terreno da afetividade, colocando em xeque tanto a verdade jurídica, quanto a certeza científica no estabelecimento da filiação. A filiação socioafetiva assenta-se no reconhecimento da posse de estado de filho: a crença da condição de filho fundada em laços de afeto. A posse de estado é a expressão mais exuberante do parentesco psicológico, da filiação afetiva. A maternidade e a paternidade biológica nada valem frente ao vínculo afetivo que se forma entre a criança e aquele que trata e cuida dela, lhe dá amor e participa de sua vida. A afeição tem valor jurídico. Na medida em que se reconhece que a paternidade se constitui pelo fato, a posse do estado de filho pode entrar em conflito com a presunção pater est. E, no embate entre o fato e a lei, a presunção precisa ceder espaço ao afeto.
FERREIRA (2017)entende que o direito considera como suficiente a aparência para o reconhecimento da posse do estado de filho. A aparência seria, portanto, a demonstração do afeto. Teríamos, então, a confirmação da famíliafeita pelo o vínculo afetivo:
Com a finalidade de se reconhecer a posse do estado de filho, o direito considera suficientemente satisfatória a aparência. Isto ocorre, pois, a condição de filiação baseada nos laços de afeto se torna mais importante do que o caráter de consanguinidade ou adoção. O vínculo afetivo que une as pessoas recebe um valor jurídico muito maior. A filiação é um elemento essencial para a formação da identidade e definição de uma personalidade de uma pessoa. É considerada uma adoção de fato. O pai socioafetivo é aquele que esteve presente na vida do filho nos bons e nos maus momentos, criando com ele um vínculo afetivo que lei alguma poderia quebrar.
Com a comprovação da posse do estado de filho, há o reflexo nos efeitos patrimoniais do filho. A jurisprudência ainda não é pacífica a respeito do tema, porém há decisões que entendem que a concessão da filiação socioafetiva vem com todos os direitos a ela inerentes – incluindo-se aí o direito de herança.
É importante salientar que a controvérsia ainda não foi resolvida, por se tratar de um tema recente para o direito. Esse é um momento de cautela dentro da prática forense: o juiz deve procurar decidir a controvérsia verificando todos os detalhes do ocorrido, buscando assim decidir da melhor forma possível.
A proposta de uma decisão no sentido dedar um quinhão menor ao filho socioafetivo nos parece ferir o princípio da igualdade entre os filhos, uma vez que desprivilegiar um filho em razão de seu vínculo unicamente afetivo em detrimento dos outros biológicos ou oriundos de adoção demonstraria uma realidade fática bem diferente do preceito constitucional da isonomia garantida a todos os filhos.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Até hoje, ainda existem resquícios das práticas discriminatórias contidas no Código Civil de 1916. Essas práticas ocorrem principalmente entre pessoas na faixa de 32 anos ou mais velhas, uma vez que a lei antiga ainda estava vigente na época de seu nascimento. A discriminação aqui referida trata-se da diferenciação dos tipos de filhos, com a utilização de termos como “fulano é filho legítimo de seus pais”.
É difícil mudar os comportamentos societários em tão poucos anos de Constituição e Código Civil. Não quer dizer, no entanto, que não é necessário tentar. Os avanços de direitos humanos contidos nessas leis são muito sensíveis e farão mais diferença em alguns anos, com as novas gerações.
O princípio da afetividade, que não restringe mais os vínculos familiares a vínculos biológicos mudou um paradigma a muitos anos instituído. A jurisprudência a respeito dos efeitos patrimoniais – recebimento de herança, por exemplo - da filiação socioafetiva ainda é muito recente.
A consequência disso é a controvérsia judicial que esse instituto pode gerar. Outros herdeiros podem se sentir prejudicados pelo fato de o filho socioafetivo ser herdeiro dos pais biológicos e dos pais socioafetivos.
Nesse sentido, é importante a análise caso a caso das condições vividas pelo filho socioafetivo antes de haver a decisão, uma vez que a controvérsia ainda é grande e qualquer decisão tomada sem a observância dessas condições pode resultar em decisões que não resolverão a controvérsia e podem acabar aumentando a animosidade entre os irmãos e outros herdeiros habilitados na partilha de bens.
Entendemos, no entanto, que o receber “duplo” de herança – da família socioafetiva e família biológica – não é um problema, uma vez que qualquer outro tipo de divisão (recebimento de quinhão hereditário menor que o disposto em lei) no âmbito da partilha de bens,poderia gerar uma situação que feriria diretamente o princípio da igualdade entre os filhos, desprivilegiando um deles em detrimento dos demais.
REFERÊNCIAS
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BRASIL. Lei nº 10.406.Brasília, 2002. Disponível em:http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm
FERREIRA, V S. O direito sucessório na filiação socioafetiva. Disponível em: https://www.direitonet.com.br/artigos/exibir/10359/O-direito-sucessorio-na-filiacao-socioafetiva
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NARVAZ, M G; KOLLER, S H. Famílias e patriarcado: da prescrição normativa à subversão criativa. Psicol. Soc. vol.18 no.1 Porto Alegre Jan./Apr. 2006. Disponível em: https://doi.org/10.1590/S0102-71822006000100007
NUNES, A R. Princípio da afetividade no direito de família. Âmbito Jurídico, 2014. Disponível em: https://ambitojuridico.com.br/edicoes/revista-130/principio-da-afetividade-no-direito-de-familia/
OLIVEIRA, G G; GUIMARÃES, L G. A Filiação socioafetiva e os seus efeitos no Direito Sucessório. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/78201/a-filiacao-socioafetiva-e-os-seus-efeitos-no-direito-sucessorio
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SUZIGAN, T F. Filiação socioafetiva e a multiparentalidade. Direito Net, 2015. Disponível em: https://www.direitonet.com.br/artigos/exibir/9204/Filiacao-socioafetiva-e-a-multiparentalidade
ZENI, B S. A evolução histórico-legal da filiação no Brasil. Direito em debate.Ano XVII nº31, j a n-j u n. 2 0 0 9
Graduando em Direito pelo Centro Universitário Luterano de Manaus.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: PEREIRA, ARTHUR MACHADO. A filiação socioafetiva e seus impactos no direito sucessório Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 11 jun 2020, 04:18. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/54689/a-filiao-socioafetiva-e-seus-impactos-no-direito-sucessrio. Acesso em: 22 nov 2024.
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