RESUMO: O presente artigo tem como objetivo analisar de forma objetiva e didática as decisões mais relevantes do Supremo Tribunal Federal e Superior Tribunal de Justiça sobre a temática das desapropriações. Os entendimentos fixados pelas Cortes Superiores buscam, em igual medida, evitar vício ou abuso nos procedimentos legais e assegurar a garantia da justa indenização.
PALAVRAS-CHAVE: Desapropriação. Tribunais Superiores. Entendimentos.
I. INTRODUÇÃO
Desapropriação é o procedimento de direito público mediante o qual o Estado, ou quem a lei autorize, retire coercitivamente a propriedade de terceiro e a transfere para si – ou, excepcionalmente, para outras entidades -, fundado em razões de utilidade pública, de necessidade pública, ou de interesse social, em regra com pagamento de justa e prévia indenização. Trata-se da mais gravosa modalidade de intervenção do Estado na propriedade, porquanto, em vez de simplesmente restringir ou condicionar o seu uso, suprime o domínio de quem o detinha e transfere compulsoriamente o bem para acervo de outrem[1].
A desapropriação é forma de aquisição da originária de aquisição da propriedade. Por essa razão, o bem chega ao acervo do Estado livre de quaisquer ônus de natureza real, posto que o ingresso do bem no patrimônio público não ocorre negócio jurídico anterior. Assim, qualquer direito real que recaía sobre o bem fica sub-rogado no valor da indenização, de forma que os credores do ex-proprietário que tinha, naquela propriedade, a garantia de seus créditos, não ficarão desamparados após a medida[2], conforme previsão do art. 31 do Decreto-Lei nº 3.365/41: “ficam subrogados no preço quaisquer onus ou direitos que recaiam sobre o bem expropriado”.
A Constituição Federal de 1988, em seu art. 5º, XXIV, dispõe que a lei estabelecerá o procedimento para desapropriação por necessidade ou utilidade pública, ou por interesse social, mediante justa e prévia indenização em dinheiro, ressalvados os casos previstos no próprio texto constitucional. Significa que, ordinariamente, a desapropriação se realiza por procedimento em que se assegura a justa e prévia indenização em dinheiro. A desapropriação ordinária ou comum concretiza-se, então, por necessidade ou utilidade pública, ou por interesse social, mediante justa e prévia indenização em dinheiro[3].
Há, porém, desapropriações extraordinárias, igualmente conhecidas em casos de desapropriação-sanção, que se consumam sem que haja justa e prévia indenização em dinheiro. São extraordinárias as desapropriações decorrentes do inadequado aproveitamento do solo, conhecida por desapropriação especial urbana ou desapropriação-sanção urbanística, prevista no art. 182 da CF/88, e da improdutividade de imóvel rural, conhecida desapropriação especial rural ou desapropriação para fins de reforma agrária (art. 184 da CF/88).
Por ser a medida mais gravosa de intervenção do Estado na propriedade privada, os Tribunais Superiores, em várias oportunidades, se debruçaram sobre vários aspectos do procedimento da desapropriação. Esses entendimentos são os balizadores para atuação do Poder Público e, consequentemente, para proteção do cidadão.
II. DESENVOLVIMENTO
1. Foro competente para julgar as desapropriações
No que tange à competência territorial, o art. 11 do Decreto-Lei nº 3.365/41 afirma que a ação, quando a União for autora, será proposta no Distrito Federal ou no foro da Capital do Estado onde for domiciliado o réu, perante o juízo privativo, se houver; sendo outro o autor, no foro da situação dos bens.
Para Caio Albuquerque Felipe Caminha (2019, p. 35), a primeira parte do dispositivo acima não deve ser interpretada de forma literal, pois, segundo o STJ, deve prevalecer o foro da situação da coisa, cuja competência é considerada absoluta para julgar a causa, especialmente em razão da necessidade de preservação da unidade da instrução probatória (CC 111116/RJ, Rel. Min. Herman Benjamin, S1, j. 24/11/2010, DJe 01/02/2011).
Nesse sentido, Leonardo Carneiro da Cunha (2016, p. 727) afirma que, sendo a competência da Justiça Federal e havendo vara federal no foro da situação do bem, é nela que a ação expropriatória deve ser proposta. Por outro lado, não havendo vara federal no local onde está situado o bem, a ação deverá ser proposta perante o juízo federal da subseção judiciária mais próxima ou na capital do Estado.
Nas demais hipóteses, será sempre aplicável a regra da parte final do art. 11 do Decreto-Lei nº 3.365/41, que está de acordo com o art. 47 do CPC. Portanto, a ação de desapropriação deve ser proposta no foro de situação dos bens.
2. Intervenção do Ministério Público
A participação do Ministério Público no processo de desapropriação, em regra, não é obrigatória, por se tratar de interesse eminentemente patrimonial. Todavia, o STJ entende que ela será necessária quando a demanda envolver, frontal ou reflexamente, proteção ao meio ambiente, interesse urbanístico ou improbidade administrativa (AgRg no AREsp 211911/RJ, Rel. Min. Herman Benjamin, T2, j. 11/03/2014, DJe 19/03/2014).
3. Ente desapropriante não responde por tributos
Segundo o STJ, justamente pelo fato da desapropriação tratar-se de uma forma de aquisição originária da propriedade que o ente expropriante não responde por tributos incidentes sobre o imóvel desapropriado nas hipóteses em que o período de ocorrência dos fatos geradores é anterior ao ato de aquisição originária da propriedade (REsp 1668058/ES, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, j. 08/06/2017, DJe 14/06/2017).
4. Bens que não podem ser desapropriados
A Súmula nº 479 do STJ veda a desapropriação das margens dos rios navegáveis por serem de domínio público e, consequentemente, insuscetíveis de expropriação.
O STJ também decidiu que o Município não pode desapropriar bens de propriedade de empresa pública federal, sem prévia autorização do Presidente da República, mesmo que não sejam utilizados diretamente na prestação do serviço público (REsp 214878/SP, Rel. Min. Garcia Vieira, T1, j. 05/10/1999, DJ 17/12/1999).
4. Prazo de 120 dias da declaração de urgência para imissão na posse
Declarada a urgência o Estado tem o prazo de 120 dias para requerer ao juízo a imissão provisória na posse (art. 15, §2º, DL nº3.365/41). Excedido esse prazo não será concedida imissão provisória (art. 15, §3º, DL nº3.365/41).
Sabemos que a doutrina é controvertida sobre esse tema e encontramos decisões dizendo que essa declaração pode ser feita na própria declaração expropriatória. Outros dizem que ela pode ser formulada em qualquer momento, e outros afirmam que na ação de desapropriação seria viável fazer-se essa alegação de urgência.
Nos alinhamos ao posicionamento de Leonardo Carneiro da Cunha (2011, p. 683/684,
A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal flexibiliza o rigor dessas regras, firmando o entendimento de que não é necessário previsão de urgência no decreto expropriatório. Ainda que urgência não conste do texto do decreto expropriatório, poderá ser alegada no curso do procedimento judicial da desapropriação. É praticamente inútil a fixação desse prazo 120 (cento e vinte) dias. Conforme anotado em precedente do STF, TAL PRAZO PODE SER CONTADO DA ALEGAÇÃO DE URGÊNCIA FEITA NO PROCESSO JUDICIAL DE DESAPROPRIAÇÃO, em vez de iniciar-se da publicação do decreto expropriatório. Diante deste entendimento, praticamente se torna eliminada a exigência de obediência a esse prazo de 120 (cento e vinte) dias. Com efeito, conforme assevera Kiyoshi Harada “a orientação pretoriana praticamente elimina o prazo fatal de 120 dias, pois se sua contagem iniciar-se a partir da alegação de urgência no processo expropriatório nunca haverá fluência desse prazo, pela simples razão de que dita a alegação só será feita do pedido de previa imissão”.
Entendemos que esse posicionamento está amparado no Recurso Extraordinário nº 94579 RS, Primeira Turma, Julgado em 16/06/81, tendo como Relator Min. Soares Munoz. Na íntegra do voto, fica evidente que a posição do Supremo foi de flexibilizar o §2º do art. 15 do Decreto-Lei n° 3.365/41.
5. Construções feitas após a declaração de interesse público
Importante notar que, muito embora seja um dos efeitos do ato declaratório a fixação de estado do objeto, o proprietário não ficará tolhido do exercício de suas faculdades de usar, gozar ou dispor do bem, enquanto não se efetivar a desapropriação. Isso porque a declaração de utilidade pública ou interesse social configura apenas “ato-condição” da futura transferência compulsória do bem, não sendo capaz de, por si só, promover a extinção do direito de propriedade.
Todavia, a partir a expedição do ato declaratório o estado do bem será fixado para fins de indenização. Ou seja, as benfeitorias voluptuárias não serão indenizadas feitas após a declaração, bem como as benfeitorias úteis não autorizadas.
No mesmo sentido, a doutrina e jurisprudência vêm reiterando que as construções feitas após a declaração de interesse público não serão indenizadas pelo ente expropriante, conforme a Súmula nº 23 do STF: “Verificados os pressupostos legais para o licenciamento da obra, não o impede a declaração de utilidade pública para desapropriação do imóvel, mas o valor da obra não se incluirá na indenização, quando a desapropriação for efetivada”.
O prazo de caducidade das declarações de utilidade (ou necessidade) pública é de 05 (cinco anos), enquanto que, para declarações de interesse social, é de apenas 02 (dois anos). Vencidos esses prazos sem que o Poder Público tenha efetivado a desapropriação, o ato declaratório caduca, podendo ser expedido novamente decorrido o lapso temporal de um 01 (ano), contado da data em que o ato perdeu a validade, por força da parte final do artigo 10 do Decreto-Lei nº 3.365/41.
Neste caso, somente decorrido um ano, poderá ser o mesmo bem objeto de nova declaração. Lembrando que por se tratar de prazo decadencial, não comporta interrupção ou suspensão. O termo inicial é a data da publicação do decreto declaratório de utilidade pública. Contam-se os cinco anos com a exclusão do dia do começo e com a inclusão do dia final.
6. Depósito para fins de imissão na posse
Segundo o STF, a imissão provisória não acarreta transferência da propriedade, de modo que o provimento antecipatório pode ser concedido mediante o depósito de valores que estejam aquém da correta indenização a ser paga ao expropriado, por ocasião da expropriação definitiva. Nesse sentido, a Súmula nº 652 do STF: “Não contraria a Constituição o art. 15, § 1º, do Decreto-lei 3365/1941 (Lei da desapropriação por utilidade pública)”.
Realizada a imissão provisória, por determinação judicial, deverá ser registrada no registro de imóveis competente (art. 15, §4º, DL nº3.365/41) e o proprietário do bem tem o direito de levantar parte do valor depositado, referente à 80% do valor do depósito, mesmo que discorde do valor (art. 33, §2º, DL nº3.365/41).
Segundo Caio Felipe Caminha de Albuquerque (2019, p. 41), o entendimento do STF, firmado antes da CF/88, mas que permanece vigente, é o de que somente a perda da propriedade, no final da ação de desapropriação, está compreendida na garantia constitucional de justa e prévia indenização, de modo que, havendo a apenas a imissão provisória, o depósito prévio é suficiente (RE 195586/DF, Rel. Min. Octavio Gallotti, j. 12/03/1996, DJ 26/04/1996).
O valor do depósito, segundo a jurisprudência do STJ, não deve abranger o valor relativo ao fundo de comércio eventualmente devido, apesar de os danos relativos ao fundo de comércio integrarem o valor final da indenização pela desapropriação (REsp 1337295/SP, Rel. Min. Herman Benjamin, T2, j. 20/02/2014, DJe 07/03/2014).
Por fim, de acordo com o entendimento do STJ, é suficiente o depósito judicial nos termos do art. 15, §1º, do Decreto-Lei nº 3.365/41 para a imissão provisória na posse do imóvel objeto de desapropriação, sendo desnecessária a avaliação prévia ou o pagamento integral da indenização (REsp 1234606/MG, Rel. Min. Herman Benjamin, T2, j. 26/04/2011, DJe 04/05/2011).
7. Revelia e prova pericial
Para a fixação do valor justa da indenização nas desapropriações é peremptória, via de regra, a necessidade de perícia. Segundo o entendimento do STJ, a prova pericial para a fixação do justo preço na ação de desapropriação somente é dispensável se houver expressa concordância do expropriado com o valor da oferta inicial (AgRg no AREsp 203423/SE, Rel. Min. Eliana Calmon, T1, j. 19/09/2013, DJe 26/09/2013).
Assim, o valor oferecido pela Fazenda Pública não pode ser reputado inconteste mesmo que não seja apresentada a defesa (revelia), já que a realização de perícia é imprescindível, quando não há concordância expressa do expropriado. Nesse sentido já posicionou o STJ: “a revelia do desapropriado não implica aceitação tácita da oferta, não autorizando a dispensa da avaliação” (REsp 1466747/PE, Rel. Min. Humberto Martins, T2, j. 24/02/2015, DJe 03/03/2015).
Por fim, cabe ainda registrar que mesmo que haja concordância em relação ao valor oferecido pelo Estado, o juiz, caso entenda necessário, ainda poderá determinar a realização da perícia avaliatória para embasar a fixação do preço justo, de acordo com a jurisprudência do STJ (AgRg no AREsp 459637/RJ, Rel. Min. Humberto Martins, T2, j. 08/04/2014, DJe 14/04/2014).
8. Imposto de renda
Tema há muito consolidado é o fato de que os valores recebidos decorrentes da desapropriação (indenização, juros moratórios e juros compensatórios), por não constituir acréscimo patrimonial e ser considerada verba de natureza indenizatória, não está sujeita a incidência do Imposto de Renda. O STJ, sob a sistemática dos recursos repetitivos, firmou tal entendimento (REsp 1116460/SP, Rel. Min. Luiz Fux, S1, j. 09/12/2009, DJe 01/02/2010).
9. Da desistência da desapropriação
A jurisprudência do STJ é pacífica no sentido de permitir a desistência da desapropriação por parte do Poder Público, desde que ainda não tenha havido o pagamento integral do preço e o imóvel possa ser devolvido sem alteração substancial que o impeça de ser utilizado como antes.
A desistência da desapropriação pode ser feita até o pagamento integral da indenização. Assim, ainda que se tenha iniciado o pagamento, o Poder Público pode desistir do processo expropriatório, quando ainda pender quitação total. E mais, pode se dar independentemente da concordância do réu.
O autor pode desistir da ação de desapropriação, de forma unilateral, a qualquer momento, enquanto não se ultimar a incorporação do bem ao patrimônio do expropriante: no caso de bem móvel, até a tradição e, para o imóvel, até o trânsito em julgado da sentença ou registrado do título resultante de acordo. E mais. O STJ foi além e já entendeu que enquanto não houver o pagamento integral do preço, poderá haver desapropriação, mesmo que já tenha se operado a coisa julgada[4].
10. Desapropriação confisco
Desapropriação Confiscatória é um dos tipos de desapropriação em que o sujeito proprietário de bem imóvel, urbano ou rural, utiliza-se do mesmo, para prática de ilícitos conforme estabelecido pelo art. 243 da CF/88. A alteração formulada pela Emenda Constitucional n° 81/14 alargou a possibilidade de desapropriação para incluir também os imóveis onde se constate a existência de trabalho escravo na forma da lei.
O Supremo Tribunal Federal vem decidindo no sentido de que todo o terreno será desapropriado, ainda que a plantação se restrinja a uma só parcela da propriedade. A Corte Suprema entende que quando o proprietário não agiu com culpa não será possível a expropriação sancionatória. Seria o caso de uma invasão, por exemplo, tendo os invasores plantado plantas psicotrópicas.
A expropriação prevista no art. 243 da CF pode ser afastada, desde que o proprietário comprove que não incorreu em culpa, ainda que “in vigilando” ou “in elegendo”. Com essa orientação, o Plenário negou provimento a recurso extraordinário em que se discutia a natureza da responsabilidade do proprietário de terras das quais localizada cultura de plantas psicotrópicas (RE 635336/PE, Rel. Gilmar Mendes, julgamento em 14.12.2016).
11. Desapropriação indireta
4.1. Conceituação
A desapropriação indireta caracteriza-se quando o ente público, sem o devido processo de expropriação, toma efetiva posse do bem particular, em caráter irreversível, independentemente da destinação pública específica. A proteção ao proprietário, nesse caso, é restrita à indenização, pela via própria. (...) (STJ - REsp: 1195521 PR 2010/0093566-1, Relator: Ministro OG FERNANDES, Data de Julgamento: 04/09/2018, T2 - SEGUNDA TURMA, Data de Publicação: DJe 25/09/2018)
Segundo o Caio Felipe Caminha de Albuquerque (2019, p. 65/66), para configurar a desapropriação indireta o STJ destaca a necessidade da existência de três requisitos: a) apossamento do bem pelo Estado sem observância do devido processo legal prévio; b) afetação do bem (destinação à utilização pública); e c) irreversibilidade da situação fática que torne ineficaz a tutela judicial específica (EREsp 922786/SC, Rel. Min. Benedito Gonçalves, S1, j. 09/09/2009, DJe 15/09/2009).
4.2. Prazo prescricional
Atualmente, o STJ fixou em 10 anos o prazo prescricional da ação de desapropriação indireta. Anteriormente, era de 20 anos, tendo em vista o Código Civil de 1916 e a Súmula nº 119 do STJ (“A ação de desapropriação indireta prescreve em vinte anos”).
A Súmula nº 119 do STJ foi editada em 1994 e não está mais em vigor, considerando que utilizava como parâmetro o CC/16. Assim, atualmente, a ação de desapropriação indireta prescreve em 10 anos (2ª Turma do STJ no REsp 1.300.442-SC, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em 18/6/2013).
Para fundamentar sua decisão, o STJ destacou que a ação de desapropriação indireta possui natureza real e pode ser proposta pelo particular prejudicado enquanto não tiver transcorrido o prazo para que o Poder Público adquira a propriedade do bem por meio da usucapião. Ou seja, como não há um prazo específico previsto na legislação, o STJ entendeu que deveria ser aplicado, por analogia, o prazo da usucapião extraordinária, previsto no parágrafo único do art.1.238 do Código Civil.
4.3. Imóvel invadido e realização de obras de infraestrutura pelo Poder Público
Recente posicionamento do STJ fixou a tese de que não se pode falar em desapropriação indireta quando o imóvel esteja ocupado irregularmente por terceiros, em situação consolidada e irreversível, e o Poder Pública tenha se limitado a realizar serviços públicos de infraestrutura na área, não concorrido para o esbulho. O fundamento é justamente não beneficiar o proprietário omisso, que descumpre a função social da propriedade (Informativo n. 660.) (REsp 1.770.001-AM, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, por unanimidade, julgado em 05/11/2019, DJe 07/11/2019.
13. Correção monetária
Trata-se de atualização da moeda, com forma de evitar que a inflação do período enseje a corrosão do valor efetivamente pago, reduzindo, de fato a indenização justa[5]. Nas desapropriações é devida a correção monetária, conforme previsão do art. 26, §2º do DL n º 3.365/41, até a data do efetivo pagamento da indenização, devendo proceder-se à atualização do cálculo, ainda que por mais de uma vez, conforme entendimento dos tribunais superiores:
Súmula nº 561 do STF: “Em desapropriação, é devida a correção monetária até a data do efetivo pagamento da indenização, devendo proceder-se à atualização do cálculo, ainda que por mais de uma vez”.
Súmula nº 67 do STJ: “Na desapropriação, cabe a atualização monetária, ainda que por mais de uma vez, independe do decurso de prazo superior a um ano entre o cálculo e o efetivo pagamento da indenização”.
14. Juros compensatórios
Os juros compensatórios surgem no caso de ter ocorrido a imissão provisória da posse. É um título de compensação pela perda antecipada da posse. Estes ocorrem desde a data da efetivação da posse sobre o bem.
Quando os imóveis são desapropriados por necessidade, utilidade pública ou para reforma agrária, com divergência entre o preço ofertado em juízo e o valor do bem, os juros compensatórios incidentes devem ser de 6% — e não mais de 12%, como entendia o Supremo Tribunal Federal, sob o entendimento de que se destinam a compensar a perda econômica comprovada pelo proprietário de bem expropriado.
Assim, atualmente, o Plenário do STF reconheceu a constitucionalidade do percentual de juros compensatórios de 6% ao ano para remuneração do proprietário pela imissão provisória do ente público na posse de seu bem, previsto no art. 15A do Decreto-Lei nº 3.365/41[6]. O STF julgou inconstitucional apenas a expressão “até” 6%, ou seja, o percentual não poderá ser inferior a 6%.
Com essa decisão do STF estão superadas as Súmulas 618 do STF e 408 do STJ:
Súmula 618 - STF (SUPERADA)
Na desapropriação, direta ou indireta, a taxa dos juros compensatórios é de 12% (doze por cento) ao ano.
Súmula 408 - STJ (SUPERADA)
Nas ações de desapropriação, os juros compensatórios incidentes após a Medida Provisória n. 1.577, de 11/06/1997, devem ser fixados em 6% ao ano até 13/09/2001 e, a partir de então, em 12% ao ano, na forma da Súmula n. 618 do Supremo Tribunal Federal.
O STF decidiu interpretar conforme a Constituição o caput do art. 15-A do Decreto-Lei nº 3.365/41 de modo a entender que a base de cálculo dos juros compensatórios será a diferença eventualmente apurada entre 80% do preço ofertado em juízo e o valor do bem fixado na sentença. Isso para que não se reste vulnerado o princípio constitucional do prévio e justo preço.
Por fim, cumpre registrar que segundo o STJ, ainda que o imóvel se mostre, no presente, improdutivo, são devidos juros compensatórios no âmbito da desapropriação. Todavia, tais juros não são devidos, quando o bem não inspirar qualquer esperança de aproveitamento econômico presente ou futuro, em razão de circunstâncias fáticas (por exemplo, a geografia e a topografia do local) ou jurídicas (por exemplo, proteção ambiental).
15. Juros moratórios
Os juros de mora são devidos em razão da demora no cumprimento da decisão judicial com o efetivo pagamento por parte do Estado. Originalmente, a Súmula n º 70 do STJ determinava que estes juros começassem a incidir a partir do trânsito em julgado da decisão que julgou a ação de desapropriação. Ocorre que este entendimento foi alterado pele edição da Medida Provisória nº 1.577/97 que inseriu, no Decreto-Lei º 3.365/41, o art. 15-B[7].
Art. 15-B Nas ações a que se refere o art. 15-A, os juros moratórios destinam-se a recompor a perda decorrente do atraso no efetivo pagamento da indenização fixada na decisão final de mérito, e somente serão devidos à razão de até seis por cento ao ano, a partir de 1º de janeiro do exercício seguinte àquele em que o pagamento deveria ser feito, nos termos do art. 100 da Constituição. (Incluído pela Medida Provisória nº 2.183-56, de 2001)
Em virtude da alteração do dispositivo, a legislação passou a determinar que os juros moratórios começam a incidir a partir de 1º de janeiro do ano seguinte àquele em que o precatório deveria ter sido pago, não incidindo durante o prazo constitucional para pagamento de precatórios judiciais, nos moldes da Constituição.
Esse entendimento é, inclusive, reafirmado pela Súmula Vinculante nº 17 do STF: “Durante o período previsto no parágrafo 1º do artigo 100 da Constituição, não incidem juros de mora sobre os precatórios que nele sejam pagos”.
Os juros de mora incidem no percentual de 6% ao ano, de acordo com o art. 15-B do Decreto-Lei nº 3.365/41 e incidem sobre o valor que o proprietário do bem não levanta automaticamente, com a decisão final do processo.
Os juros de mora somente incidem a partir do atraso no pagamento, ou seja, decorrido o exercício financeiro, e não tendo sido pago, a partir de janeiro do ano seguinte é que deve iniciar o cômputo dos juros de mora[8].
16. Cumulatividade
Em relação à possibilidade de cumulação dos juros compensatórios e moratórios, tanto a doutrina como a jurisprudências majoritárias admitem que a cumulatividade é possível e devida. Tanto é que esse posicionamento já está sumulado no Superior Tribunal de Justiça, conforme abaixo descrito:
Súmula nº 12 do STJ: “Em desapropriação, são cumuláveis juros compensatórios e moratórios”.
Súmula 102 do STJ: “A incidência dos juros moratórios sobre os compensatórios, nas ações expropriatórias, não constitui o anatocismo vedado em lei”.
A possibilidade de cumular juros compensatórios e moratórios decorre da diferença da natureza das duas espécies. Os juros moratórios remuneram o atraso no pagamento da indenização justa e devida. São devidos como em todos os pagamentos em atraso, de qualquer tipo, sendo naturalmente computados em qualquer cálculo condenatório ou indenizatório. Já os juros compensatórios configuram uma criação da jurisprudência e indenizam a perda antecipada da propriedade/posse do bem expropriado.
Alguns autores expressão que não seria exatamente uma cumulatividade, pois os juros de mora e compensatórios se referem a momentos diferentes. Os juros compensatórios incidem desde a imissão na posse até a sentença; já os juros de mora somente começarão a incidir depois de transcorrido o prazo constitucional para pagamento do precatório.
17. Honorários advocatícios
O §1º do art. 27 do Decreto-Lei 3.365/41 previu a seguinte regra envolvendo honorários advocatícios na desapropriação:
Art. 27 (...)
§1º A sentença que fixar o valor da indenização quando este for superior ao preço oferecido condenará o desapropriante a pagar honorários do advogado, que serão fixados entre meio e cinco por cento do valor da diferença, observado o disposto no § 4º do art. 20 do Código de Processo Civil, não podendo os honorários ultrapassar R$ 151.000,00 (cento e cinquenta e um mil reais). (Redação dada MP 2.183-56, de 2001)
Dessa forma, o §1º do art. 27 prevê a condenação do ente desapropriante em um percentual de honorários que varia de 0,5% a 5%, sobre a diferença do valor oferecido pelo Poder Público e aquele estabelecido na sentença da ação de desapropriação.
O STF afirmou que é constitucional essa previsão de parâmetros mínimo (0,5%) e máximo (5%) para a concessão de honorários advocatícios. Nas ações de desapropriação direta ou indireta, embora a Fazenda Pública seja parte no processo, não terá aplicação o escalonamento previsto art. 85, §6º, do CPC no que tange aos honorários advocatícios. Vale a regra da especialidade, cabendo ao juiz fixar nessas ações honorários no percentual entre 0,5% e 5%.
Por outro lado, o STF considerou que é inconstitucional a expressão “não podendo os honorários ultrapassar R$ 151.000,00 (cento e cinquenta e um mil reais)”. Isso porque limitar os honorários em um determinado valor fixo (que não seja um percentual) viola o princípio da proporcionalidade e acaba refletindo no justo preço da indenização que o expropriado deve receber (art. 5º, XXIV, da CF/88).
Desse modo, com base na decisão do STF, o art. 27, § 1º deve ser lido agora assim: “A sentença que fixar o valor da indenização quando este for superior ao preço oferecido condenará o desapropriante a pagar honorários do advogado, que serão fixados entre meio e cinco por cento do valor da diferença.”
18. Direito de retrocessão
É o direito que o particular tem de reaver o imóvel desapropriado, caso o Poder Público não afete o bem a alguma utilidade pública, ainda que diversa da inicialmente prevista no decreto expropriatório. Cuida-se, pois, de consequência da chamada tredestinação ilícita.
A natureza jurídica do direito de retrocessão é bastante controversa na doutrina, posto que parte de doutrina considera um direito real o que possibilita reaver o bem, mesmo que alienado para terceiros; já outros doutrinadores entendem ser direito pessoal, o que não permitiria rever o bem, e sim perdas e danos.
O Código Civil inseriu o direito de retrocessão no capítulo que trata dos direitos pessoais, mas trouxe a previsão do direito de preferência do expropriado:
Art. 519. Se a coisa expropriada para fins de necessidade ou utilidade pública, ou por interesse social, não tiver o destino para que se desapropriou, ou não for utilizada em obras ou serviços públicos, caberá ao expropriado direito de preferência, pelo preço atual da coisa.
A jurisprudência dos tribunais superiores (STF e STJ) vem-se firmando no sentido de conferir natureza real do direito de retrocessão, garantindo ao desapropriado a possibilidade de reaver o bem, mesmo que este já tenha sido alienado a terceiros, em virtude da prerrogativa de sequela, presente nos direitos reais (RE 104591/RS, Rel. Min. Octavio Gallotti, j. 18/04/1986 / REsp 868120/SP, Rel. Min. Luiz Fux, T1, j. 27/11/2007, DJ 21/02/2008). Dessa forma, o exercício da pretensão de retrocessão está sujeita ao prazo geral de 10 anos previsto no art. 205 do Código Civil, e não ao prazo do Decreto nº 20.910/32.
III. CONCLUSÃO
A desapropriação por ser uma das formas de intervenção do Estado da propriedade privada, ensejando, pois, importante prerrogativa não extensiva aos particulares e fundamental para viabilizar as políticas públicas, pode, em outra medida, por ser a medida mais gravosa de intervenção, ensejar graves prejuízos aos particulares expropriados, caso, eventualmente, ocorra qualquer tipo de vício ou abuso nos procedimentos legais.
Pela relevância do instituto, vários temas já foram debatidos pelos Tribunais Superiores, que fixaram importantes teses, que devem guiar os entes públicos e os particulares.
Assim, entender bem os posicionamentos do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça é imprescindível para a garantia do devido processo legal e da justa indenização.
IV. REFERÊNCIAS
ALBUQUERQUE, Caio Felipe Caminha. Decreto-Lei de desapropriação por utilidade pública. Ebook, 2019.
ALEXANDRINO, Marcelo; PAULO, Vicente. Resumo de Direito Administrativo descomplicado. 10ª Ed. São Paulo: Método, 2017.
BRASIL. Constituição (1998). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: 1988.
BRASIL. Decreto-Lei nº 3.365, de 21 de junho de 1941. Dispõe sobre desapropriações por utilidade pública. Brasília, DF: 1941.
BRASIL. Lei nº 13.015, de 16 de março de 2015. Código de Processo Civil. Brasília, DF: 2015.
CARVALHO, Matheus. Manual de Direito Administrativo. 5ª Ed. Salvador: Juspodivm, 2018.
CUNHA, Leonardo Carneiro da. A Fazenda Pública em Juízo, 9ª Ed. Rio de Janeiro: 2011.
CUNHA, Leonardo Carneiro da. A Fazenda Pública em juízo. 13ª Ed. Rio de Janeiro: 2016.
[1] ALEXANDRINO, Marcelo; PAULO, Vicente. Resumo de Direito Administrativo descomplicado. 10ª Ed. São Paulo: Método, 2017.
[2] CARVALHO, Matheus. Manual de Direito Administrativo. 5ª Ed. Salvador: Juspodivm, 2018.
[3] CUNHA, Leonardo Carneiro da. A Fazenda Pública em juízo. 13ª Ed. Rio de Janeiro: 2016.
[4] CUNHA, Leonardo Carneiro da. A Fazenda Pública em Juízo. 13ª Ed. Rio de Janeiro: Forense, 2016, p. 743/744.
[5] CARVALHO, Matheus. Manual de Direito Administrativo. 5ª. Ed. Salvador: Juspodivm, 2018, p. 1039.
[6] Art. 15A No caso de imissão prévia na posse, na desapropriação por necessidade ou utilidade pública e interesse social, inclusive para fins de reforma agrária, havendo divergência entre o preço ofertado em juízo e o valor do bem, fixado na sentença, expressos em termos reais, incidirão juros compensatórios de até seis por cento ao ano sobre o valor da diferença eventualmente apurada, a contar da imissão na posse, vedado o cálculo de juros compostos. (Incluído pela Medida Provisória nº 2.183-56, de 2001)
[7] CARVALHO, Matheus. Manual de Direito Administrativo. 5ª. Ed. Salvador: Juspodivm, 2018, p. 1041.
[8] CUNHA, Leonardo Carneiro da. A Fazenda Pública em Juízo. 13ª Ed. Rio de Janeiro: Forense, 2016, p. 748/749.
Procurador do Município de João Pessoa/PB, Procurador Chefe da Procuradoria Patrimonial de João Pessoa, Graduado pela Universidade Católica de Pernambuco (2010), Pós-graduado em Direito Constitucional Aplicado pela Faculdade Damásio de Jesus SP (2013), Ex-Procurador do Município de Petrolina/PE (2012/2013) Membro do Conselho Fiscal da Associação Nacional dos Procuradores Municipais (ANPM), Vice-Presidente da Associação dos Procuradores do Município de João Pessoa (APJP), Aluno Especial da Disciplina Arranjos Institucionais e Projetos do Mestrado em Desenvolvimento Urbano (MDU/UFPE) (2014).
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SILVA, Leon Delácio de Oliveira e. Desapropriação e o posicionamento dos tribunais superiores Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 12 jun 2020, 04:22. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/54698/desapropriao-e-o-posicionamento-dos-tribunais-superiores. Acesso em: 22 nov 2024.
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