RESUMO: O presente artigo tem como objetivo analisar o regime jurídico do nepotismo no Brasil, principalmente a análise jurisprudencial que se é dada a matéria pelos Tribunais Superiores, em especial, a interpretação da Súmula Vinculante nº 13 do Supremo Tribunal Federal. A palavra nepotismo tem no senso comum a ideia de proteção, apadrinhamento ou favoritismo que pessoas públicas, ao deterem poderes sobre a máquina administrativa, distribuem entre seus favoritos, como familiares, cônjuges ou companheiros, cargos e benesses públicas. Com a entrada em vigor da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, ela passou a dispor pela proibição, do nepotismo, pois, nesse momento histórico, marca o Neoconstitucionalismo neste país. Contudo, a proibição não é absoluta, ela comporta exceções desde que as circunstâncias do caso concreto demonstrem a necessidade de excepcionalizar a regra para melhor atender a outro princípio com fundamento constitucional, o que trouxe a presente discussão. Para tanto, utilizou-se o método de análise qualitativa, com estudo da doutrina, jurisprudência e legislação. Conclui-se que a Súmula Vinculante número 13 do Supremo Tribunal Federal vem normatizar como regra geral, a proibição do nepotismo no Brasil, adotando os ideais de eficiência e moralidade típico do modelo de Estado Gerencial preconizado na Constituição.
Palavras-chave: Administração Pública, Estado Gerencial Brasileiro, Súmula Vinculante 13.
ABSTRACT: This article aims to analyze the legal regime of nepotism in Brazil, mainly the jurisprudential analysis that is given to the matter by the Superior Courts, in particular, the interpretation of the Binding Precedent nº 13 of the Supreme Federal Court. The word nepotism has in common sense the idea of protection, sponsorship or favoritism that public people, when they have powers over the administrative machine, distribute among their favorites, such as family members, spouses or companions, positions and public benefits. With the entry into force of the 1988 Constitution of the Federative Republic of Brazil, it came to dispose of the prohibition of nepotism, because, at this historic moment, it marks Neoconstitutionalism in this country. However, the prohibition is not absolute, it contains exceptions since the circumstances of the specific case demonstrate the need to exceptionalize the rule in order to better meet another principle with a constitutional basis, which brought this discussion. For that, the qualitative analysis method was used, with a study of the doctrine, jurisprudence and legislation. It is concluded that the Binding Precedent number 13 of the Supreme Federal Court standardizes, as a general rule, the prohibition of nepotism in Brazil, adopting the ideals of efficiency and morality typical of the model of Managerial State recommended in the Constitution.
Key words: Public Administration, Brazilian Management State, Binding Summary 13.
SUMÁRIO: INTRODUÇÃO. 2. DESENVOLVIMENTO. 2.1 A SÚMULA VINCULANTE NÚMERO 13. 2.2 EXCEÇÕES À SÚMULA VINCULANTE NÚMERO 13. 3. CONSIDERAÇÕES FINAIS. 4. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.
1.INTRODUÇÃO
A palavra nepotismo, hodiernamente no Brasil, tem no senso comum a ideia de proteção, apadrinhamento ou favoritismo que pessoas públicas, ao deterem poderes sobre a máquina administrativa, distribuem entre seus favoritos, em regra familiares, cônjuges ou companheiros, cargos e benesses públicas.
Conforme entendimento de Cavalcante (2018, p. 05), ao explicar o informativo nº 914 do Supremo Tribunal Federal, assim dispõe:
“A palavra nepotismo “vem da raiz indo-europeia nepot, que significa neto e, também, sobrinho, uma ambiguidade que se transmitiu ao latim, língua na qual nepos, nepotis também denotava tanto neto como sobrinho.(...)A palavra nepotismo surgiu nos primeiros séculos do cristianismo, quando os papas, que não tinham filhos ou não admitiam tê-los, concediam os melhores empregos e os favores de Estado a seus sobrinhos, que com frequência eram, na realidade, seus filhos ilegítimos.
Significa “proteção”, “apadrinhamento”, que é dado pelo superior para um cônjuge, companheiro ou parente seu, contratado para o cargo ou designado para a função em virtude desse vínculo. Isso ofende a moralidade.” (Cavalcante, 2018, p. 05).
É de se observar que, o nepotismo tem suas raízes no sistema patrimonialista da gestão pública, em que a coisa pública é do soberano, logo, não fazendo distinção entre os bens do gestor e os bens do povo, tudo é do soberano. Então toda a máquina pública é extensão do poder vitalício, de ordem divina, atribuído aos monarcas.
Contudo, com a substituição do sistema patrimonialista pelo sistema burocrático e depois pelo sistema gerência de administração pública, o nepotismo perdeu força nos Estados democráticos, pois os ideais republicanos de que o poder é do povo e para o povo, assim como a necessária distinção entre os bens do Estado e de seus temporários governantes, possibilitaram ruir o sistema apoiativo do nepotismo. Tal fato ocasionou a revolução iluminista, tendo como um dos seus precursores Emmanuel Joseph Sieyès, por intermédio do panfleto denominado “Que é o terceiro Estado?”, ao qual mudou a forma de se analisar o poder exercido pelos governantes, conforme salienta Moraes (2018, p. 63), senão vejamos:
“O titular do Poder Constituinte, segundo o abade Emmanuel Sieyès, um dos precursores dessa doutrina, é a nação, pois a titularidade do Poder liga-se à ideia de soberania do Estado, uma vez que mediante o exercício do poder constituinte originário se estabelecerá sua organização fundamental pela Constituição, que é sempre superior aos poderes constituídos, de maneira que toda manifestação dos poderes constituídos somente alcança plena validade se se sujeitar à Carta Magna.” (MORAES, 2018, p. 63).
Seguido por Lenza (2020, p. 153), in verbis:
A titularidade do poder constituinte, como aponta a doutrina moderna, pertence ao povo. Nesse sentido, Canotilho afirma que “poder constituinte significa, assim, poder constituinte do povo”, e que deve ser concebido “como uma ‘grandeza pluralística’ (Peter Häberle), ou seja, como uma pluralidade de forças culturais, sociais e políticas tais como partidos, grupos, igrejas, associações, personalidades, decisivamente influenciadoras da formação de ‘opiniões’, ‘vontades’, ‘correntes’ ou ‘sensibilidades’ políticas nos momentos preconstituintes e nos procedimentos constituintes”. (LENZA, 2020, p. 153).
Além do mais, se percebeu que o nepotismo, em verdade, favorecia a corrupção, a imoralidade e a ausência de eficiência na gestão pública, ocasionando a impunidade e a ausência de responsabilidade com as contas públicas, ao qual onerava o povo substancialmente para atender aos anseios de uma classe privilegiada. O que provoca hoje a busca do Estado Gerencial, como bem demonstram os seguintes autores:
“(…) A eficiência da administração pública – a necessidade de reduzir custos e aumentar a qualidade dos serviços, tendo o cidadão como beneficiário torna-se então essencial. A reforma do aparelho do Estado passa a ser orientada predominantemente pelos valores da eficiência e qualidade na prestação de serviços públicos e pelo desenvolvimento de uma cultura gerencial nas organizações”. (PDRE, 1995, p.16)
“Com o acúmulo de constantes e crescentes demandas sociais, somado à má gestão administrativa e econômica, verificou-se na maior parte dos países um descontrole fiscal, inflação, desemprego e recessão, caracterizando-se como uma crise generalizada do Estado, evidenciada a partir de 1970. Em razão de tal crise, a adoção de um novo modelo de gestão, bem como, a reforma do aparelho do Estado tornaram-se imperativas, originando-se assim um novo movimento de gestão, do qual derivaram as tentativas de reformas gerenciais pelo mundo, com as primeiras manifestações na Inglaterra, Nova Zelândia e Austrália e, num segundo momento no Brasil, como se explanará em parágrafos subsequentes.” (REK, 2014).
“Aos poucos foram-se delineando os contornos da nova administração pública ou administração pública gerencial em vários países, principalmente na Inglaterra, Nova Zelândia e Austrália […] Sendo as suas principais características” (PEREIRA, 1998, p.9).
Ademais, o autor enumera as suas principais características:
“(1) descentralização do ponto de vista político, transferindo recursos e atribuições para os níveis políticos regionais e locais; (2) descentralização administrativa, através da delegação de autoridade para os administradores públicos transformados em gerentes crescentemente autônomos; (3) organizações com poucos níveis hierárquicos ao invés de piramidal, (4) pressuposto da confiança limitada e não da desconfiança total; (5) controle por resultados, a posteriori, ao invés do controle rígido, passo a passo, dos processos administrativos; e (6) administração voltada para o atendimento do cidadão, ao invés de auto-referida” (PEREIRA, 1996, p.6).
Sendo assim, o presente trabalho busca analisar o regime jurídico do nepotismo no Brasil, principalmente a análise jurisprudencial que se é dada a matéria pelos Tribunais Superiores, em especial, a interpretação da Súmula Vinculante nº 13 do Supremo Tribunal Federal.
2.DESENVOLVIMENTO
2.1A SÚMULA VINCULANTE NÚMERO 13
Na história brasileira, o nepotismo sempre foi marca registrada, sendo tida como legal e constitucional, entretanto, com a entrada em vigor da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, ela passou a dispor pela proibição, em regra, do nepotismo no Brasil, pois, nesse momento histórico, marca o Neoconstitucionalismo neste país, em que a interpretação constitucional se perfaz alterada, valorizando a interpretação axiológica, a força normativa da Constituição, a legitimidade dos poderes constituídos, a aproximação entre o direito e a moral, como bem assinala Barroso (2007), em destaque:
"o neoconstitucionalismo, portanto, a partir (l) da compreensão da Constituição como norma jurídica fundamental, dotada de supremacia, (2) da incorporação nos textos constitucionais contemporâneos de valores e opções políticas fundamentais, notadamente associados à promoção da dignidade da pessoa humana, dos direitos fundamentais e do bem-estar social, assim como diversos temas do direito infraconstitucional e (3) da eficácia expansiva dos valores constitucionais que se irradiam por todo o sistema jurídico, condicionando a interpretação e aplicação do direito infraconstitucional à realização e concretização dos programas constitucionais necessários a garantir as condições de existência mínima e digna das pessoas - deu início, na Europa com a Constituição da Alemanha de 1949, e no Brasil a partir da Constituição de 1988, ao fenômeno da constitucionalização do direito a exigir uma leitura constitucional de todos os ramos da ciência jurídica.” (BARROSO, 2007).
Com a promulgação da Constituição, que estabelece como princípios fundantes do Estado Brasileiro, a moralidade administrativa, a eficiência, a legalidade, impessoalidade, a publicidade, a proibição do abuso do poder econômico e político, firma então, as bases estruturais para a proibição do nepotismo.
CRFB/88, art. 5º (...)
LXXIII - qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular que vise a anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural, ficando o autor, salvo comprovada má-fé, isento de custas judiciais e do ônus da sucumbência;
Art. 14 (...) § 9º Lei complementar estabelecerá outros casos de inelegibilidade e os prazos de sua cessação, a fim de proteger a probidade administrativa, a moralidade para exercício de mandato considerada vida pregressa do candidato, e a normalidade e legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico ou o abuso do exercício de função, cargo ou emprego na administração direta ou indireta.
Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:
Entretanto, durante quase 20 anos, inexistiu norma para regulamentar o nepotismo no Brasil, ao qual, devido a essa inércia, o poder judiciário, por intermédio do Supremo Tribunal Federal, deu caráter geral, abstrato e impessoal à regra da proibição do nepotismo, na Sessão Plenária de 21/08/2008 em que originou a Súmula Vinculante número 13 para efetivar a proteção dos valores da Constituição, até então ocorrida de modo deficiente, dos princípios constitucionais da moralidade e eficiência no Estado Gerencial Brasileiro.
“A nomeação de cônjuge, companheiro ou parente em linha reta, colateral ou por afinidade, até o terceiro grau, inclusive, da autoridade nomeante ou de servidor da mesma pessoa jurídica investido em cargo de direção, chefia ou assessoramento, para o exercício de cargo em comissão ou de confiança ou, ainda, de função gratificada na administração pública direta e indireta em qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, compreendido o ajuste mediante designações recíprocas, viola a Constituição Federal.” (STF, Súmula Vinculante 13, 2008).
De fato, não incorreu o Supremo Tribunal Federal em violação à separação de poderes, muito menos em violação ao princípio da legalidade, pois em verdade, com a inércia do Congresso Nacional, se perfez necessário, para a efetivação da Constituição, a elaboração de um enunciado geral e abstrato de proibição ao nepotismo, como bem salientam Fernandes (2017, p. 233) e Silva (2009, p. 45):
“Aproveitando a construção de Ronald Dworkin, o jurista de Kiel, Robert Alexy, apresenta sua tese forte da separação entre regras e princípios, também chamada de tese qualitativa, que toma o modo de aplicação de cada espécie de norma como critério distintivo suficiente da separação (o modo pelo qual o "conflito" é resolvido). Aqui, pode-se perceber que a generalidade não é um critério adequado para tal distinção, pois é, quando muito, uma consequência da natureza dos princípios, sendo incapaz de proporcionar uma diferenciação essencial. A questão, então, está em assentar a distinção por meio dos modos de aplicação de cada espécie normativa, bem como na forma de proceder em caso de um conflito normativo.
(...)
Já os princípios não são razões determinantes para uma decisão (ou seja, não são mandamentos definitivos como as regras), de modo que somente apresentariam razões em favor de uma ou de outra posição argumentativa. Logo, apresentam obrigações prima facie, na medida em que podem ser superadas em razão de outros princípios, o que difere da natureza de obrigações absolutas das regras.” (FERNANDES, 2017, p. 233).
"(...) que se um direito é garantido por uma norma que tenha a estrutura de uma regra, esse direito é definitivo e deverá ser realizado totalmente, caso a regra seja aplicável ao caso concreto (exceto, como já citado, se existir cláusula de exceção). No caso dos princípios, não se pode falar de realização total daquilo que se exige. Ao contrário: em geral essa realização é apenas parcial. Isso porque no caso dos princípios há uma diferença entre aquilo que é garantido (ou imposto) prima facie e aquilo que é garantido (ou imposto) definitivamente. Pode-se dizer que há um longo caminho entre um (o "prima facie") e outro (o definitivo)". (SILVA, 2009, p. 45).
Neste ínterim, foi bem salientado pelo Supremo Tribunal Federal na Rcl 6702 MC-AgR / PR, Relator Ministro Ricardo Lewandowski, com publicação em 30/04/2009, tendo órgão julgador o Tribunal Pleno.
EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL EM RECLAMAÇÃO CONSTITUCIONAL. DENEGAÇÃO DE LIMINAR. ATO DECISÓRIO CONTRÁRIO À SÚMULA VINCULANTE 13 DO STF. NEPOTISMO. NOMEAÇÃO PARA O EXERCÍCIO DO CARGO DE CONSELHEIRO DO TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DO PARANÁ. NATUREZA ADMINISTRATIVA DO CARGO. VÍCIOS NO PROCESSO DE ESCOLHA. VOTAÇÃO ABERTA. APARENTE INCOMPATIBILIDADE COM A SISTEMÁTICA DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. PRESENÇA DO FUMUS BONI IURIS E DO PERICULUM IN MORA. LIMINAR DEFERIDA EM PLENÁRIO. AGRAVO PROVIDO. I - A vedação do nepotismo não exige a edição de lei formal para coibir a prática, uma vez que decorre diretamente dos princípios contidos no art. 37, caput, da Constituição Federal. II - O cargo de Conselheiro do Tribunal de Contas do Estado do Paraná reveste-se, à primeira vista, de natureza administrativa, uma vez que exerce a função de auxiliar do Legislativo no controle da Administração Pública. III - Aparente ocorrência de vícios que maculam o processo de escolha por parte da Assembléia Legislativa paranaense. IV - À luz do princípio da simetria, o processo de escolha de membros do Tribunal de Contas pela Assembléia Legislativa por votação aberta, ofende, a princípio, o art. 52, III, b, da Constituição. V - Presença, na espécie, dos requisitos indispensáveis para o deferimento do pedido liminarmente pleiteado. VI - Agravo regimental provido. (STF, Rcl 6702 MC-AgR / PR, Relator(a): Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Publicação: 30/04/2009 Órgão julgador: Tribunal Pleno).
2.2 EXCEÇÕES À SÚMULA VINCULANTE NÚMERO 13
Deve-se ressaltar que, como toda norma geral, abstrata e impessoal, ela comporta exceções, desde que as circunstâncias do caso concreto demonstrem a necessidade de excepcionalizar a regra para melhor atender a um outro princípio com fundamento constitucional, conforme a ponderação proporcional do Neoconstitucionalismo, como bem salientado pelo Ministro Gilmar Mendes em seu voto na Reclamação 18.564 São Paulo:
“Entendo que a incompatibilidade da prática enunciada na Súmula Vinculante nº 13 com o art. 37, caput, da CF/88 não decorre diretamente da existência de relação de parentesco entre pessoa designada e agente político ou servidor público, mas da presunção de que a escolha para ocupar cargo de direção, chefia ou assessoramento tenha sido direcionada a pessoa com relação de parentesco com alguém que tenha potencial de interferir no processo de seleção.” (STF, RCL 18564 / SP, Rel. Min. Gilmar Mendes, Segunda Turma, DJ: 23/02/2016).
Nos termos da Rcl 19.529 AgR, o Relator Ministro Dias Toffoli, vem explicar que a aplicação é excepcionada quando não verificado qualquer poder de ingerência do parente na nomeação para o cargo de confiança.
“A incompatibilidade da prática enunciada na Súmula Vinculante 13 com o art. 37, caput, da CF/1988 não decorre diretamente da existência de relação de parentesco entre pessoa designada e agente político ou servidor público ocupante de cargo em comissão ou função comissionada, mas da presunção de que a escolha para ocupar cargo de direção, chefia ou assessoramento tenha sido direcionada a pessoa com relação de parentesco com alguém que tenha potencial de interferir no processo de seleção.” (STF, Ag. REG. Na Rcl 19.529 / RS, Rel. Min. Dias Toffoli, Segunda Turma, DJ: 15/3/2016, DJe: 18/04/2016).
Enfatiza-se, também, que o STF tem afastado o enunciado sumular quando se trata de cargos políticos, visto a própria relação impor a necessidade de ampla confiança, como é o caso dos cargos de Ministros e Secretários Estadual e Municipal.
“(...) 2. O Supremo Tribunal Federal tem afastado a aplicação da Súmula Vinculante 13 de cargos públicos de natureza política, ressalvados os casos de inequívoca falta de razoabilidade, por manifesta ausência de qualificação técnica ou inidoneidade moral.” (STF, Rcl 29033 AgR / RJ, Relator(a): Min. Roberto Barroso,
Julgamento: 17/09/2019, Órgão Julgador: Primeira Turma).
“Nomeação de cônjuge de Prefeita para ocupar cargo de Secretário municipal. 3. Agente político. Ausência de violação ao disposto na Súmula Vinculante 13. 4. Os cargos que compõem a estrutura do Poder Executivo são de livre nomeação e exoneração pelo Chefe desse Poder. 4. Fraude à lei ou hipótese de nepotismo cruzado por designações recíprocas. Inocorrência.” (STF, Rcl 22.339 AgR, rel. min. Edson Fachin, red. p/ o ac. min. Gilmar Mendes, 2ª T, j. 4-9-2018, DJE 55 de 21-3-2019).
Diversamente, em situação diametralmente oposta, são cargos que não são políticos, como bem decidiu o Supremo Tribunal Federal, pelo qual considerou que a natureza do cargo de Conselheiro do Tribunal de Contas não se enquadraria no conceito de agente político, uma vez que exerce a função de auxiliar do Legislativo no controle da Administração Pública (STF, Rcl 6.702 AgR-MC/PR, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, DJ: 04/03/2009, Órgão Julgador: Tribunal Pleno).
De forma que é inconstitucional lei estadual que excepciona a vedação da prática do nepotismo, permitindo que sejam nomeados para cargos em comissão ou funções gratificadas de até dois parentes das autoridades estaduais, além do cônjuge do Governador (STF. ADI 3745/GO, rel. Min. Dias Toffoli, DJ: 15/05/2013, Plenário (Info 706)).
Por fim, registra-se que, a Súmula Vinculante número 13 não esgota os casos de nepotismo, como já sublinhado pela Corte Brasileira, não esgota as possibilidades de nepotismo conforme MS 31.697, voto do Relator Ministro Dias Toffoli, Primeira Turma, DJ. 11/03/2014, DJE: 02/04/2014.
“Ao editar a Súmula Vinculante 13, a Corte não pretendeu esgotar todas as possibilidades de configuração de nepotismo na Administração Pública, dada a impossibilidade de se preverem e de se inserirem, na redação do enunciado, todas as molduras fático-jurídicas reveladas na pluralidade de entes da Federação (União, Estados, Distrito Federal, Territórios e Municípios) e das esferas de Poder (Executivo, Legislativo e Judiciário), com as peculiaridades de organização em cada caso. Dessa perspectiva, é certo que a edição de atos regulamentares ou vinculantes por autoridade competente para orientar a atuação dos demais órgãos ou entidades a ela vinculados quanto à configuração do nepotismo não retira a possibilidade de, em cada caso concreto, proceder-se à avaliação das circunstâncias à luz do art. 37, caput, da CF/1988. (STF, MS 31.697, Rel. Min. Dias Toffoli, Primeira Turma, DJ. 11/03/2014, DJE 65 de 02/04/2014).
O ingresso de servidor público nos quadros da Administração Pública por concurso público é o meio pelo qual a Constituição consagra o princípio meritocrático. Há funções e cargos que são destinados exclusivamente aos servidores de carreira e, por isso, o acesso de servidores a cargos e funções de confiança não é, em princípio, incompatível com a Constituição.
Há situações, no entanto, em que o exercício da função de confiança apresenta potencial conflito de interesse. É precisamente o que ocorre quando a nomeação para cargo ou a designação para função recai sobre servidor que guarda relação de parentesco ou relação íntima com a autoridade nomeante. Nesses casos, tal como se dá com a nomeação de quem não tem vínculo, o exercício do cargo passa a atender critérios que não são exclusivamente públicos e a confiança que se deve ter no desempenho da função pública é prejudicada. Contraria, pois, a Súmula Vinculante a nomeação de servidor de cargo efetivo ou a sua designação para função de confiança, quando feita por autoridade que guarde com ele vínculo de parentesco (STF, Rcl 26.448, Rel. Min. Edson Fachin, dec. monocrática, DJ: 12/09/2019, DJE 201: 17/09/2019).
3.CONSIDERAÇÕES FINAIS
Sendo assim, a Súmula Vinculante número 13 do Supremo Tribunal Federal vem normatizar, como regra geral, a proibição do nepotismo no Brasil, adotando os ideais de eficiência e moralidade típico do modelo de Estado Gerencial preconizado na Constituição.
Ao qual, demonstra que a efetivação da Constituição Republicana é incumbência de todos os poderes, sem primazia de um sobre o outro, pois a teoria da separação de poderes veio para dar prevalência aos direitos fundamentais e não para sonegar deveres para com a máquina pública.
Dotando assim a Constituição, de força normativa própria e superior às demais normas do ordenamento jurídico, protegendo os cidadãos dos desmandos com a coisa pública, obrigando os governantes a serem responsáveis sob pena de improbidade administrativa ou crime de responsabilidade, a depender da situação.
4. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BARROSO, Luís Roberto. Neoconstitucionalismo e Constitucionalização do Direito. (O Triunfo Tardio do Direito Constitucional no Brasil). Revista Eletrônica sobre a Reforma do Estado (RERE), Salvador, Instituto Brasileiro de Direito Público, nº 9, março/abril/maio, 2007, p. 206-216.
BRASIL, 1988. Constituição da República Federativa do Brasil de 05.10.1988. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm > Acessado em: 10 jun. 2020.
CAVALCANTE, Márcio André Lopes. Nepotismo. Informativo nº 914 do Supremo Tribunal Federal, 13/09/2018. Disponível em: <https://dizerodireitodotnet.files.wordpress.com/2018/11/info-914-stf.pdf > Acessado em: 10 jun. 2020.
FERNANDES, Bernardo Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. Ed. Juspodivm, 9ª ed., 2017.
LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado 2020. Ed. Saraiva Jur, 24ª edição, 2020, 1576 p.
MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 34ª ed., São Paulo: Atlas, 2018.
PEREIRA, Luiz Carlos Bresser. Da Administração Pública Burocrática à Gerencial. Brasília: Revista do Serviço Público, Ano 47, número 1, janeiro-abril 1996. Disponível em: < http://www.bresserpereira.org.br/papers/1996/95.AdmPublicaBurocraticaAGerencial.pdf > Acessado em: 10 jun. 2020.
PEREIRA, Luiz Carlos Bresser. Uma Reforma Gerencial da Administração Pública no Brasil. Brasília: Revista do Serviço Público, Ano 49, número 1, janeiro-março 1998: 5-42. Disponível em: <http://www.bresserpereira.org.br/papers/1997/97.Reforma_gerencial-RSP.pdf> Acessado em 10 jun. 2020.
_____. Plano Diretor da Reforma do Estado (PDRE). Ministério da Administração Federal e da Reforma do Estado, Brasília – Imprensa Nacional 1995. Disponível em: < http://www.bresserpereira.org.br/Documents/MARE/PlanoDiretor/planodiretor.pdf > Acessado em: 10 jun. 2020.
REK, Marcos. Os modelos de Administração Pública e reflexos à qualidade na gestão administrativa Brasileira. Âmbito Jurídico, 2014. https://ambitojuridico.com.br/cadernos/direito-administrativo/os-modelos-de-administracao-publica-e-reflexos-a-qualidade-na-gestao-administrativa-brasileira/>Acessado em: 10 jun. 2020.
SILVA, Virgílio Afonso da. Direitos Fundamentais: Conteúdo Essencial, Restrições e Eficácia. Ed. Malheiros, 2009, 280 p.
STF, Rcl 29033 AgR/RJ, Rel. Min. Roberto Barroso, Órgão Julgador: Primeira Turma, DJ: 17/09/2019.
STF, Rcl 26.448, Rel. Min. Edson Fachin, dec. monocrática, DJ: 12/09/2019, DJE 201 de 17/09/2019.
STF, Rcl 22.339 AgR, rel. min. Edson Fachin, red. p/ o ac. min. Gilmar Mendes, Segunda Turma, DJ: 04/09/2018, DJE 55 de 21/03/2019.
STF, Ag. REG. Na Rcl 19.529 / RS, Rel. Min. Dias Toffoli, Segunda Turma, DJ: 15/3/2016, DJe: 18/04/2016.
STF, RCL 18564 / SP, Rel. Min.: Gilmar Mendes, Segunda Turma, DJ: 23/02/2016.
STF, MS 31.697, Rel. Min. Dias Toffoli, Primeira Turma, DJ. 11/03/2014, DJE 65 de 02/04/2014.
STF. ADI 3745/GO, rel. Min. Dias Toffoli, DJ: 15/05/2013, Plenário (Info 706).
STF, Rcl 6702 MC-AgR / PR, Re: Min.: Ricardo Lewandowski, Órgão julgador: Tribunal Pleno, DJe: 30/04/2009.
STF, Rcl 6.702 AgR-MC/PR, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, Órgão Julgador: Tribunal Pleno, DJ: 04/03/2009.
STF, Súmula Vinculante 13, Sessão Plenária de 21.08.2008, DJe: 29.08.2008.
Advogado. Especialista em Direito Constitucional, Direito do Trabalho e Direito Processual do Trabalho.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: FILHO, MANFREDO BRAGA. Nepotismo: regime jurídico proibitivo e suas exceções Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 22 jun 2020, 04:25. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/54760/nepotismo-regime-jurdico-proibitivo-e-suas-excees. Acesso em: 22 nov 2024.
Por: Danilo Eduardo de Souza
Por: maria edligia chaves leite
Por: MARIA EDUARDA DA SILVA BORBA
Por: Luis Felype Fonseca Costa
Por: Mirela Reis Caldas
Precisa estar logado para fazer comentários.