RESUMO: A presente pesquisa aborda a questão da introdução de professores robôs humanoides, que trabalham com inteligência artificial, no ambiente de ensino. Seu propósito é analisar essa inovação na perspectiva do Direito à Educação e sua relação com a liberdade humana. Desse modo, buscamos tratar do surgimento do reconhecimento da liberdade humana e do papel da educação nesse contexto, para, após isso, falarmos sobre as novas tecnologias, mais precisamente sobre a robótica e a Inteligência Artificial. Por fim, tratamos de debater o papel do professor robô e seus benefícios e desafios, como forma de refletirmos sobre as perspectivas da utilização dessa nova tecnologia no processo educacional.
PALAVRAS-CHAVE: Professor; Robô; Inteligência artificial; Tecnologia; Direito à educação; Liberdade.
ABSTRACT: This research addresses the issue of the introduction of humanoid robot teachers, who work with artificial intelligence, in the teaching environment. Its purpose is to analyze this innovation from the perspective of the Right to Education and its relationship with human freedom. Thus, we seek to address the emergence of the recognition of human freedom and the role of education in this context, so that, afterwards, we talk about the new technologies, more precisely about Robotics and Artificial Intelligence. Finally, we debate the role of the robot teacher and its benefits and challenges, as a way of reflecting on the perspectives of the use of this new technology in the educational process.
KEYWORDS: Teacher; Robot; Artificial intelligence; Technology; Right to education; Freedom.
Sumário: 1. Introdução: 1.1. Tecnologia e educação na sociedade atual: 1.2. Do que estamos falando? - 2. O reconhecimento do direito à liberdade - 3. Estado e educação - 4 Educação e tecnologia: 4.1 O professor robô; 4.1.1 A Inteligência Artificial; 4.1.2 Os robôs humanoides na educação - 5. Conclusão – 6. Aonde queremos chegar? – 7. Referências.
1. INTRODUÇÃO
1.1 Tecnologia e educação na sociedade atual
Vivemos uma fase de transformação tecnológica intensa, a qual influencia diretamente o modo como vivemos e nos relacionamos.
Nessa fase, que podemos chamar de líquida,[1] ou seja, em que as transformações ocorrem de maneira tão rápida e imprevisível que não há tempo suficiente para os vínculos se solidificarem e criarem identidade, precisamos ter olhos atentos quanto ao que queremos para o nosso futuro. E precisamos criar parâmetros para balizar essa fluidez, de modo a não permitir que ela nos leve, junto a qualquer correnteza, “rio abaixo”.
Nesse contexto, a educação e o raciocínio crítico se relevam essenciais para que possamos escolher com liberdade quais correntezas seguir. Mas... A educação também está fluindo.[2] Ela está perdendo sua forma preestabelecida e se transformando tão rapidamente diante de nossos olhos, que muitas vezes não nos damos conta da magnitude do que está ocorrendo, sendo certo que a reflexão sobre os parâmetros dessa fluidez é ponto basilar para a sobrevivência humana digna.
Temos acompanhado a introdução de diversas novas tecnologias para suporte à educação, como plataformas de ensino à distância, softwares de apoio didático, lousas inteligentes, robôs para desenvolvimento de tarefas didáticas etc. Contudo, se, por um lado, as novas tecnologias trazem benefícios para a educação; por outro, elas trazem riscos e questões que precisam ser superadas.
Neste artigo, pretendemos abordar algumas reflexões sobre a introdução de robôs professores nos ambientes de ensino e qual seria seu papel dentro do processo educacional. Para tanto, pretendemos adotar uma perspectiva que aborde o Direito à educação e a liberdade, bem como a relação destes elementos com o Estado e com o poder, que entendemos serem pontos essenciais na discussão. Isso com o objetivo de evitar que a liquidez da sociedade atual dissolva nossas conquistas históricas e que os professores robôs nos levem a uma verdadeira evolução civilizatória e não a um retrocesso.
1.2. Do que estamos falando?
Para delimitar o que estamos analisando no presente artigo nos valemos, primeiramente, de três situações.
Numa escola de ensino básico primário na Finlândia, crianças se envolvem em atividades didáticas com professores assistentes para o aprendizado do idioma inglês.
Num colégio internacional na Índia, alunos assistem aulas sobre física, biologia e química, cheias de imagens no Power Point e informações atualizadas apresentadas pela professora, que responde prontamente dúvidas trazidas pelos alunos.
Na Academia Militar de West Point, nos Estados Unidos, uma professora conversa sobre filosofia com os alunos.
Tudo parece normal, com um movimento de ensino regular, certo? Mas, na verdade, existe nessas situações um elemento diferente, que deve contribuir para uma verdadeira revolução educacional: o professor robô.
Sim, todos os professores destacados nas situações acima são robôs e todas as situações são reais.
E, aqui, não estamos falando apenas de um software de ensino à distância ou, mesmo, de suporte em sala de aula; ou de um hardware isolado, do qual os alunos se utilizam para fins didáticos, como uma placa de vídeo numa aula de computação; nem mesmo da utilização de um computador ou celular para busca de temas na internet ou projeção de imagens e acesso a arquivos. Estamos falando de robôs que, com a ajuda de sensores, atuadores e softwares de inteligência artificial, estão, cada vez mais, conseguindo coletar e interpretar diversos tipos de dados, inclusive quanto a reações e alguns sentimentos humanos, interagindo com o mundo real de maneira similar a dos seres humanos.
Por enquanto, a maior parte desses robôs professores está em fase de testes e são assistentes, servindo de suporte para professores humanos. Sua interação social ainda é um tanto quanto precária, mas existem diversos estudos em andamento que visam ao desenvolvimento da capacidade social dessas máquinas, o que pode permitir uma competitividade futura com professores humanos.
No caso da escola primária da Finlândia (EL TIEMPO, 2018), os professores assistentes que ensinam línguas para as crianças são robôs de pequeno porte, da linha NAO, da SoftBank Robotics Europe (EXAME, 2018). Os primeiros testes ocorreram em 2018.
Já no colégio indiano, a professora humanoide é chamada de Murali Subramanian e faz parte de um projeto no qual foram desenvolvidos três robôs denominados tecnicamente Eagle 2.0. Os três robôs foram criados por uma equipe do próprio colégio internacional de Bengaluru e dão aulas de física, química, biologia, geografia e história. A professora robô detém características bastante próximas das de um ser humano e a pretensão do colégio é torná-la, assim como os demais robôs, capaz de ministrar aulas sozinha, de modo a suprir um déficit de mão de obra existente na região (WION, 2019).
A terceira situação envolve a professora Bina48 (PALMER, 2018 e SILVA, 2018) e é bastante interessante, por três motivos. Primeiro, devido à professora robô dar aulas para alunos do ensino superior, o que exige maior preparação. Segundo, por ela ter se graduado, o que foge da tradicional programação de um robô. E, em terceiro lugar, por ela ter se formado e dar aulas como professora assistente de filosofia, matéria que envolve raciocínio crítico e busca, dentre outras coisas, conhecer melhor a natureza humana.
BINA48 foi desenvolvida pela empresa Hanson Robots Ltd. e foi lançada em 2010. Sua aparência, memórias, sentimentos e crenças são modelados de acordo com as características de uma mulher humana real, casada com um empresário do ramo de tecnologia (HESS, 2017).
Os robôs ora tratados trabalham com inteligência artificial e autonomia de resposta, desenvolvendo interação direta com seus interlocutores. Mas eles são somente exemplos da variedade de modelos e tecnologia de robôs professores existente ao redor do mundo, num mercado com estimativas de crescimento de cerca de 17% ao ano, devendo alcançar fabulosos U$ 2.4 bilhões até 2026 (MAXIMIZE).
No Brasil, alunos de uma escola do nordeste aprendem robótica com a utilização do robô modelo NAO, o mesmo utilizado na Finlândia para o ensino de inglês na escola primária que tratamos anteriormente (FREITAS, 2019).
A evolução da inteligência artificial e da robótica deve trazer maior sociabilidade aos robôs nos próximos anos e o tamanho do mercado a ser explorado certamente trará mais investimentos e competidores, acelerando a produção de novos modelos, ainda mais avançados.
Diante desse cenário é que nos perguntamos: qual o papel dos professores robôs no processo educacional? Quais os benefícios e riscos que eles podem trazer à sociedade? Eles atendem o que se espera da educação?
Para tanto, é importante compreendermos em que contexto a educação se encontra e o que ela visa a proteger. Falemos, então, primeiramente, sobre a liberdade.
2. O RECONHECIMENTO DO DIREITO À LIBERDADE
O movimento iluminista dos séculos XVII e XVIII culminou numa ruptura teórica da concepção do ser humano, que era, até então, entendido como parte indissociável do Estado, confundindo-se com este, devendo cumprir basicamente deveres que visavam à preservação de tal instituição, de acordo com as ordens do soberano (BOBBIO, 2004, p. 94).
Com a Revolução Francesa, o ser humano passou a ser reconhecido como um ser livre e independente do Estado, digno de personalidade própria e de direitos que lhe garantissem essa condição, deixando de ser um súdito e se tornando um cidadão.[3]
A Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, e, mais tarde, a Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 consolidaram o reconhecimento da liberdade como direito humano fundamental em caráter mundial e marcaram uma mudança de fase quanto ao tema. A humanidade passou das discussões sobre o reconhecimento do direito à liberdade para como efetivar esse direito.[4]
A efetivação do direito à liberdade envolve uma questão de conteúdo. Afinal, para se efetivar tal direito, precisamos saber o que ele comporta, qual a sua dimensão.
Mas concretizar seu conteúdo não é tarefa fácil, a começar pelo significado da palavra “liberdade”, pois, como disse Montesquieu (2004, p. 187-188), “não há absolutamente nenhuma outra palavra que tenha recebido mais significados diferentes e que tenha impressionado as mentes de tantas formas quanto a palavra liberdade”. Para ele, liberdade poderia ser entendida como “o direito de fazer tudo o que é permitido pelas leis”, pois “se um cidadão pudesse fazer o que elas proíbem, ele não teria mais liberdade, porque os outros cidadãos teriam do mesmo modo esse poder”.
Tal definição é justificada pelo momento histórico em que foi concebida, com a latente preocupação de proteção do indivíduo frente a um Estado arbitrário e que não atendia aos interesses do povo. Mas não sobreviveria à Segunda Guerra Mundial, onde a lei foi utilizada para sustentar as ações do Estado nazista que infringiam diretamente a liberdade humana. Também não revela propriamente a dimensão do que se entende por liberdade, o que nos leva ao aprofundamento do tema.
A origem etimológica da palavra “liberdade” está relacionada à palavra latina Libertas, Deusa romana ligada ao culto a Júpiter (OXFORD, 2016). Tal símbolo foi empregado pelos romanos para diferenciar os escravos e prisioneiros dos cidadãos (ENCYCLOPEDIA BRITANNICA, 2008).
Japiassú e Marcondes (1996, p. 163), em seu famoso dicionário básico de filosofia, conceituam liberdade como “condição daquele que é livre. Capacidade de agir por si mesmo. Autodeterminação. Independência. Autonomia”.
Ocorre que, para agir por si mesmo, o ser humano precisa exercer escolhas que culminem em ações voluntárias, ações que não sejam influenciadas por fatores externos.
Para Aristóteles (2002, p. 59), a ação voluntária é aquela cujo princípio motor está no próprio agente, quando este detém conhecimento das circunstâncias particulares em que está agindo.
Portanto, o exercício da liberdade exige consciência, que é dada ao ser humano através do conhecimento, sendo certo que sem conhecimento não há liberdade. Daí o papel elementar da educação, que serve de instrumento viabilizador da liberdade.
Daniel Yamauchi Acosta (2018, p. 9), baseado no ensaio “Two Concepts of Liberty”, de Ishaian Berlin, destaca o caráter dual do conceito de liberdade indicando que, em sua perspectiva “negativa”, a liberdade pode ser entendida como “a simples ausência de fatores externos que condicionem a ação humana”. Enquanto que, em sua perspectiva positiva, ela se revela na “capacidade de um sujeito autodeterminar-se em seu próprio benefício e em conformidade com a sua vontade, mesmo na presença de fatores externos que lhe induzam a fazê-lo de outra forma”.
Assim, podemos dizer que, na relação indivíduo – Estado, a perspectiva negativa de liberdade se revela pela obrigação de o Estado não intervir na liberdade individual dos seres humanos, respeitando-a. Já quanto à perspectiva positiva, cabe ao Estado promover o aparato necessário para a preservação dessa liberdade.
A perspectiva negativa do Direito à liberdade tem relação com os direitos fundamentais, comumente chamados de primeira geração (individuais), enquanto sua perspectiva positiva tem relação com os direitos humanos de segunda geração (sociais).[5]
Assim, o Direito à educação, que é um direito social, deve ser promovido pelo Estado como garantia da liberdade individual, uma vez que, se assim não for feito, o Estado não estará cumprindo com o seu papel social.
Antes de continuarmos, porém, é importante destacarmos que a liberdade, apesar de dever ser preservada, não é plena. Ela sofre limitações que podemos classificar em físicas, referentes ao corpo, à matéria em si; e abstratas, relacionadas a valores, tradição, costumes, história, dentro de uma infinidade de outros (ACOSTA, 2018, p. 14).
A própria Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, quando tratou do conceito de liberdade, já o trouxe com uma limitação de caráter social quando disse: “A liberdade consiste em poder fazer tudo que não prejudique o próximo (...) Esses limites apenas podem ser determinados pela lei” (UNIVERSIDADE de São Paulo).
Podemos dizer que as obrigações negativas do Estado quanto à liberdade são de aplicação imediata, pois independem de limitadores. Porém, as positivas dependem das condições legais, sociais e econômicas. Por exemplo, se um Estado não possui dinheiro suficiente para investimento em Educação, ele não consegue cumprir sua obrigação positiva de promover a educação e acaba reduzindo a liberdade individual. Esse tema é polêmico, posto o Estado ser quem detém o poder de administração de recursos e a má administração poder ser o fator determinante da insuficiência de recursos. Outro exemplo são regras orçamentárias que impeçam a utilização do orçamento disponível para determinada finalidade em determinado período, revelando um tipo de limitação legal.
Dessa forma, as limitações devem ser analisadas no caso concreto, sendo certo que, sem Educação, não há liberdade.
Mas... De que educação estamos falando? Ela pode nos garantir a liberdade? Passemos a tratar do tema.
3. ESTADO E EDUCAÇÃO
Para Seldon e Obidoye (2018), a humanidade passou por três revoluções educacionais e está prestes a vivenciar a quarta, relacionada com o uso da Inteligência Artificial (IA) e da Realidade Virtual (RV).
Explicam que a primeira revolução, relativa ao ensino organizado, ocorreu há cerca de 2,5 milhões de anos, em diversos lugares do planeta, quando o modo de vida era marcado basicamente pela sobrevivência e preparação das gerações futuras. Tal revolução marcou o início do aprendizado por outros, fosse pela família, por outro indivíduo, por grupos ou tribos. E envolvia basicamente o ensino sobre a utilização de ferramentas de pedra para cortar, como se acampar sazonalmente, como usar o fogo e como migrar para longas distâncias.
A segunda revolução teve início com o fim da Era Glacial, cerca de 10 mil anos a.C., quando o ensino passou a ocorrer em instituições de ensino. Com o desenvolvimento da produção estável de comida e urbanização, a vida se tornou estável também, e as melhorias na agricultura possibilitaram um aumento populacional. Os seres humanos passaram a viver em lugares certos e teve início a civilização. A invenção da escrita e a diversificação de atividades tornaram as sociedades complexas, exigindo o ensino de novas especialidades, como agricultura, comércio, direito, estudo da sociedade civil, tecnologia e religião. Assim surgem, ao longo dessa Era, os primeiros estabelecimentos de ensino e as primeiras universidades.
Já a terceira revolução educacional teve como características principais a descoberta da impressão e a secularização da educação, gerando, assim, um modelo de massificação do ensino. Segundo os autores, cujo trabalho ora comentamos, ela teve início no século VII d.C com a invenção da xilografia, técnica de impressão com a utilização de madeira. Contudo, ganhou maior relevância com a invenção, em 1436 d.C., da prensa de impressão, a qual permite a impressão massificada e a produção de livros-textos, gerando uma divulgação de conhecimento nunca antes vista. Nessa Era, existiu uma expansão significativa das universidades, mas problemas fundamentais permaneceram, inclusive quanto aos currículos escolares, mantendo uma educação de boa qualidade a serviço não de todo o povo, mas das elites.
E a quarta, que está por vir e é influenciada pela quarta revolução industrial, com uma alteração no formato de trabalho e modo de vida das pessoas, demanda novos conhecimentos e novos modelos educacionais. Ela envolverá tecnologias como Inteligência Artificial, robótica e Realidade Virtual, dentre outras. O ensino à distância e personalizado ganhará destaque e os professores robôs provavelmente serão uma realidade para suporte efetivo aos professores humanos, não se podendo saber ao certo se tudo isso libertará ou infantilizará os seres humanos.
No relato das revoluções educacionais, notamos como o modo de vida humano costuma vir em primeiro lugar, influenciando uma ruptura gradual no modelo educacional anterior. Mas, mesmo com sua massificação, vimos que a Educação não foi capaz de pulverizar adequadamente o conhecimento, que ainda se mantém nas mentes de poucos.
A relação entre educação e poder sempre foi muito íntima e serviu ao ser humano para o domínio de outras espécies e até mesmo de outros seres humanos, como no caso da escravidão.
Os séculos não foram capazes de resolver a questão entre o poder e a liberdade, sendo certo que o desejo pelo poder, que permeia as mentes humanas e muitas vezes as corrompe, pode aniquilar a liberdade e o próprio ser humano, sendo a educação, neste contexto, fonte de luz e salvação para, inclusive, a compreensão do próprio poder e aclaramento das mentes humanas, retirando-as da escuridão e da escravidão.
Platão (1999) já evidenciava que jovens bem educados saem-se bons cidadãos, capazes de dominar a si mesmos, ou seja, capazes de ter poder sobre si mesmos, baseando-se na razão para controlar suas ações, de modo a se afastar dos vícios, que lhes desviam das virtudes. Isso exige liberdade plena de consciência e limitação da própria liberdade de agir em prol da sociedade, em prol do bem-comum.
Nesse aspecto, o poder pode retirar a liberdade do próprio poderoso, inclusive, quando esse passa a não ser mais dono de si, não conseguindo controlar o próprio poder que detém, tornando-se escravo dele.
Hannah Arendt (ARENDT, 2012) aponta essa característica expansiva do poder. Ela nos mostra como o poder serve de propulsor ao sentimento imperialista, pois, para sua manutenção, necessita sempre de mais poder, extravasando o próprio indivíduo e o Estado.[6] Ela também analisa como a manipulação das massas e a propaganda serviram aos regimes totalitários de Hitler e Stálin para a manutenção do poder,[7] revelando outro aspecto dele, o sentido.
Byung Chu Han demonstra que a criação de sentido é importante ao poder, posto que, quando a vontade dos subordinados se confunde com a do poderoso, o poder se estabiliza, tornando-se absoluto.[8] Tal estabilidade pode servir para algo bom ou ruim, a depender do sentido que foi dado, o qual influenciará o futuro.
Assim, a educação, que pode ser entendida como um processo para a conquista do conhecimento e, portanto, para a construção de sentido, tem o condão de libertar ou aprisionar a mente dos educandos, a depender de fatores como seu modelo e conteúdo.
Não só a falta de acesso à educação pode manter a dominação, devido ao monopólio de o conhecimento pelos dominantes servir-lhes de fator de poder, mas também, e principalmente, a educação viciada quanto ao seu modo e ou conteúdo pode criar um sentido que sirva apenas aos interesses dos dominantes, caracterizando-se como instrumento de manutenção de poder e não de libertação, desvirtuando-se.[9]
Por isso, a educação, que surge como direito social a ser garantido pelos Estados para a preservação da liberdade, não é qualquer educação, mas uma educação desvinculada de ideologias dominadoras.[10] Uma educação que vise aos interesses humanos e que gere conhecimento aberto e livre, sem direcionamentos, mas proporcionando consciência aos educandos, para que possam exercer livremente suas deliberações, seus juízos, e alcançar suas próprias conclusões, inclusive desafiando os dogmas a eles expostos.
Para tanto, é necessário mais do que uma educação baseada na razão instrumental, que busca qualificar os indivíduos para exercerem suas funções laborais. É necessário dar foco na razão crítica, ou seja, aquela que ensina a pensar.[11]
E a educação que visa a ensinar a pensar não pode se basear somente na escolha de conteúdos e apresentação dos mesmos aos alunos, mas, sim, numa construção entre professores e alunos pela qual ambos aprendem e ensinam.[12]
Tal construção deve se basear no objeto do ensino e não na forma, posto que a forma será criada na interação professor-aluno. Essa interação deve ocorrer despida de autoridade quanto ao saber, pois somente assim será livre e servirá para uma construção imparcial do conhecimento, dotando tanto professor como aluno de consciência racional, baseada na razão crítica e não somente em dogmas, que podem ser facilmente utilizados como instrumento de doutrinação e exercício de poder por camadas dominantes da sociedade.
Marcia Alvim (2006, p. 185) chama a atenção também quanto ao caráter de preparação afetiva e emocional da educação, posto que a educação deve servir ao “desenvolvimento de todas as potencialidades do homem”, de modo que o habilite para lidar “com as múltiplas demandas que a vida vai constantemente lhe oferecer. Demandas de ordem econômica, material, mas também demandas afetivas, emocionais, igualmente capazes de alterar o delicado equilíbrio da sensibilidade humana”.
Nesse aspecto está um dos grandes desafios atuais dos robôs professores, pois são seres que, apesar de poderem identificar certas emoções humanas e com a utilização da inteligência artificial interpretá-las e até simulá-las, não conseguem senti-las como um ser humano, sendo certo que isso impacta em sua empatia e sociabilidade.[13]
Como ensina Philippe Perrenoud (2000, p. 142.): “ensina-se o que se é”. Nesse sentido, se adotarmos uma interpretação literal dos dizeres do autor, podemos chegar à conclusão de que robôs ensinam pessoas a serem robôs, o que não se distancia muito de uma educação humana ortodoxa baseada num método rígido de ensino, mas que não serve ao mundo contemporâneo.
A educação mundialmente reconhecida aos seres humanos através da Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 é uma educação libertadora, que visa a desenvolver a personalidade humana, proteger os direitos humanos e promover a paz. Assim a carta em comento a descreve:[14]
A instrução será orientada no sentido do pleno desenvolvimento da personalidade humana e do fortalecimento do respeito pelos direitos humanos e pelas liberdades fundamentais. A instrução promoverá a compreensão, a tolerância e a amizade entre todas as nações e grupos raciais ou religiosos, e coadjuvará as atividades das Nações Unidas em prol da manutenção da paz.
Portanto, o dever do Estado é não somente dar acesso aos seres humanos à educação, mas garantir que esta cumpra seu papel que, como vimos, vai muito além do que informar. Educar é “capacitar o homem a exercer seu papel de sujeito da história, por meio da sua compreensão da cultura existente em suas diversas facetas” (BASILIO, 2009, p. 27).
Nesse sentido, Seldon e Abidoye (2018) definem pessoas educadas como aquelas “capazes de pensar por si mesmas de forma independente, de tomar decisões para seu próprio bem e o benefício da sociedade, e serem capazes de realizar todas as suas potencialidades humanas”,[15] ou seja, educar envolve não somente instrumentalizar o ser humano para o exercício de suas funções laborais, mas ensiná-lo a refletir, capacitando-lhe a compreender o mundo e escolher conscientemente suas ações ou omissões, sendo soberano sobre si mesmo e, assim, potencialmente livre.[16]
4. EDUCAÇÃO E TECNOLOGIA
Como vimos na introdução do presente artigo, a sociedade moderna vive atualmente numa fase líquida, na qual tudo se modifica tão rapidamente que não há tempo para se solidificar e criar identidade.
Nesse ambiente, as discussões tanto quanto ao melhor método educacional como quanto ao melhor conteúdo da educação se tornam desafiadoras e, muitas vezes, inconclusivas.
Já faz muitos anos que são discutidas quais seriam as competências ideais para os professores e a melhor forma de apresentação do conhecimento aos alunos.
Alguns governos chegaram a publicar leis ou referenciais com descrição de competências exigidas ou necessárias para apoiar os professores quanto ao desempenho da função.
O fato é que o consenso está longe de ser atingido, mas existe uma competência que permeia diversos trabalhos sobre o tema, qual seja, o uso de tecnologia como suporte ao ensino.
A tecnologia sempre esteve atrelada ao desenvolvimento da humanidade. Sem ela seria impossível chegarmos aonde chegamos. Podemos considerar como um dos primeiros movimentos tecnológicos humanos a elaboração de ferramentas de pedra, madeira e ossos. A descoberta do fogo e de como aplicá-lo para diversas finalidades também foi fundamental para o progresso humano.
A palavra “tecnologia” vem da junção dos termos gregos “tekne”, que significa técnica, arte, ofício, e “logos”, que significa conjunto dos saberes. Existem diversas acepções atualmente para ela,[17] mas podemos concebê-la como “a totalidade de coisas que a engenhosidade do cérebro humano conseguiu criar em todas as épocas, suas formas de uso, suas aplicações” (KENSKI, 2012, pp. 15-25).
Mas, quando tratamos da introdução do uso de tecnologias no processo educacional atualmente, falamos das novas tecnologias, principalmente daquelas relacionadas aos processos de informação e comunicação, como a informática e a inteligência artificial.
Não há dúvida que a invenção do computador foi um passo importantíssimo na história da humanidade. Processo o qual abriu caminho para a descoberta talvez mais relevante de nossa Era: a descoberta da Internet.
A internet, com o suporte da Web, possibilitou uma modificação significativa na dinâmica da comunicação social, transformando para sempre o modo de vida dos seres humanos e abrindo uma gama de possibilidades tão grande quanto a sua utilização, que nos leva a crer que ela rompeu com o passado, nos colocando em meio a uma nova fase da humanidade: a Era Digital.[18]
Nessa Era, as relações passam a ocorrer em ambientes virtuais e os dados transmitidos e produzidos nesses ambientes começam a servir de base para que algoritmos os interpretem e tomem decisões. Os softwares ganham destaque e passam a ser tão valorizados que se tornam carros-chefes da economia,[19] utilizando-se de um novo combustível, que já vale mais do que petróleo, os dados pessoais que transitam na Internet (LOUREIRO, 2018 e PITTA, 2019).
É nesse ambiente que ocorre uma revolução tecnológica disruptiva, a qual lidera revoluções em outros campos, como no da Educação.
As salas de aula e os materiais de ensino se tornam, cada vez mais, virtuais. Softwares são utilizados para ensinar em cursos on-line. Livros são acessados em bibliotecas virtuais. Materiais são repassados por e-mail e Whatsapp, muitas vezes sem existir em versão física.
A tecnologia invade definitivamente o ambiente de ensino, mas, agora, diferentemente do passado próximo, não como objeto de estudo, mas como ferramenta de ensino.[20]Tecnologias como a Inteligência Artificial (IA) ganham espaço, podendo ser muito eficientes para a busca e transmissão de informações. A capacidade de busca e interpretação de dados evolui de uma forma tão fabulosa que seria impossível a um ser humano conseguir buscar, interpretar e repassar a informação na velocidade alcançada por um software de inteligência artificial.
Porém, a interação com um software via computador ainda é fria e desestimulante, o que abre espaço para uma nova forma de aplicação da inteligência artificial, a utilização dela em robôs humanoides voltados ao ensino, tema que estamos trabalhando.
4.1. O professor robô
Quando falamos de robô, logo nos vem à mente a figura de uma máquina com formas humanas. Porém, o conceito de robô é mais amplo.
Um robô pode ser entendido “como qualquer máquina operada automaticamente que substitua o esforço humano, embora não se pareça com os seres humanos na aparência ou desempenhe funções de maneira humana” (ENCYCLOPEDIA BRITANNICA. Robot, tradução nossa)[21]. O termo deriva da palavra checa robota, que significa “trabalho forçado” ou “servo”, e foi utilizada pela primeira vez na peça teatral Rossum’s Universal Robots (R.U.R), de Karel Capek, em 1920 (ENCYCLOPEDIA BRITANNICA, Robotics).
Em 1942, Isaac Asimov utilizou pela primeira vez o termo “robótica” em sua obra de ficção científica chamada Runaround. Atualmente, robótica significa “a disciplina de engenharia que trata do projeto, construção e operação dos robôs” (ENCYCLOPEDIA BRITANNICA, Robot, tradução nossa)[22].
O primeiro robô industrial foi desenvolvido pelos americanos George Devol e Joseph Engelberger, em 1959. Era um braço mecânico que pesava duas toneladas e era controlado por um programa em um tambor magnético (IFR). Durante a década seguinte, a robótica ganhou papel importante na automação industrial.
Diversos avanços e novas aplicações da robótica ocorreram nas décadas seguintes e, em 1970, foi criado o “Shakey”, primeiro robô controlado por inteligência artificial, produzido pela SRI International (BELLIS, 2019).
Em 1973, foi criado, no Japão, um dos primeiros robôs Humanoides,[23] que reproduzia características do corpo humano, denominado o WABOT-1. E, em 1994, o Massachussetts Institute of Technology (MIT), nos EUA, criou o COG, primeiro humanoide com desenvolvimento cognitivo, ou seja, um robô humanoide que poderia aprender (LAZARETTI, 2018).
A partir desse momento, o casamento entre robótica e Inteligência Artificial estava concretizado em termos práticos e sua aplicação se diversificaria dia após dia, até que, em 2009, o professor Hiroshi Kobayashi desenvolveu, em Tóquio, o primeiro professor robô humanoide da história, denominado Saya (THE GUARDIAN, 2009).
O avanço tecnológico no campo da robótica é evidente, e sua junção com a Inteligência Artificial parece nos aproximar cada vez mais de um novo marco histórico na evolução da civilização. Contudo, ainda existem desafios que precisam ser transpostos, dos quais trataremos adiante. Antes, vamos falar um pouco sobre a Inteligência Artificial.
4.1.1. A Inteligência Artificial
Apesar do desejo antigo do ser humano de criar máquinas que pudessem lhe ser semelhantes e de divagações e estudos prévios sobre a possibilidade de máquinas poderem ser inteligentes, a Inteligência Artificial surge como um campo de estudo formal da ciência da computação em 1956, através de um grupo de estudos da Dartmouth College, nos Estados Unidos, liderado pelo cientista americano John McCarthy (SELDON; ABIDOYE, 2018).
Ela pode ser entendida, de uma forma simplista, como o campo da ciência que estuda como reproduzir a inteligência humana através de máquinas (MCCARTHY, J. et al , 1955)[24] ou, também, como o próprio objeto desse estudo, ou seja, o sistema computacional que imita o sistema de inteligência humano.
Já de uma forma um pouco mais profunda, podemos conceituá-la como “a teoria e o desenvolvimento de sistemas de computador capazes de executar tarefas que normalmente exigem inteligência humana, como percepção visual, reconhecimento de fala, tomada de decisão e tradução entre idiomas” (LEXICO, Artificial intelligence, tradução nossa).[25] ou, ainda:
a capacidade de um computador digital ou robô controlado por computador para executar tarefas comumente associadas a seres inteligentes. O termo é frequentemente aplicado ao projeto de desenvolver sistemas dotados de processos intelectuais característicos dos seres humanos, como a capacidade de raciocinar, descobrir significado, generalizar ou aprender com experiências passadas (ENCYCLOPEDIA BRITANNICA. Artificial intelligence, tradução nossa).[26]
O Conselho Britânico de Pesquisas em Engenharia e Ciências Físicas explica que “as tecnologias de Inteligência Artificial (IA) visam reproduzir ou superar habilidades (em sistemas computacionais) que exigiriam ‘inteligência’ se os humanos as realizassem. Isso inclui: aprendizado e adaptação; compreensão sensorial e interação; raciocínio e planejamento; busca e otimização; autonomia; e criatividade” (ENGINEERING and Physical Sciences Research Council, Artificial intelligence technologies).[27]
Dessa forma, a finalidade da Inteligência Artificial é simular os processos cognitivos da inteligência humana, de modo a possibilitar maior autonomia às máquinas, que passam a conseguir lidar com situações adversas sem a necessidade de intervenção humana. Isso pode ocorrer quando a IA é aplicada para o desempenho de uma atividade específica, como para um jogo de xadrez, onde ela interpreta movimentos e toma decisões de movimento das peças; ou, de forma genérica, quando a IA é aplicada para simular um ser humano. No primeiro caso, a IA é chamada de IA fraca, específica ou aplicada, enquanto que, no segundo caso, ela é chamada de IA forte, geral ou plena (SELDON; ABIDOYE, 2018).
A IA tem diversas aplicações e pode interagir com o mundo físico por diversas vias, sendo certo que a robótica é apenas uma dessas.[28]
Analisados os principais elementos que constituem o robô professor humanoide (robótica e Inteligência Artificial), agora passemos a tratar dele.
4.1.2. Os robôs humanoides na educação
Apesar de diversos tipos diferentes de robôs poderem ser utilizados como suporte no processo educacional, neste artigo nos detemos à análise dos robôs humanoides.
Amanda J. C. Sharkey (2016) apresenta um rol exemplificativo de quatro cenários possíveis quanto ao uso de robôs na sala de aula. O primeiro, relativo ao robô como professor. O segundo, relativo ao robô como companhia e par dos educandos, auxiliando-os no processo de aprendizado. O terceiro, relativo ao robô como cuidador do educando. E o quarto, referente ao robô como telepresença do professor, quando apenas reproduz a imagem do professor que está fisicamente em outro local.
Ela analisa questões éticas quanto ao uso de professores robôs e elenca alguns desafios e algumas justificativas para o seu uso. Dentre os desafios, ela destaca: a) os riscos à privacidade, uma vez que terceiros podem ter acesso aos dados dos alunos, coletados pelos robôs; b) a tratativa de questões emocionais, como o apego, a decepção e a perda do contato humano; e c) questões sobre o controle e a responsabilidade dos robôs quanto aos educandos, pois enxerga dificuldades quanto aos robôs exercerem autoridade e tomarem decisões éticas (SHARKEY, 2016).
Já quanto às justificativas para o uso deles, ela aponta: a) utilização em situações que envolvam tarefas perigosas, sejam sujas ou sem graça para as pessoas; b) para superar a performance humana; c) quando ofereça algo que, de outra forma, não estaria disponível; d) para sinalizar que a organização que o está implantando é avançada tecnologicamente; e e) por motivos econômicos, quando o custo for mais efetivo do que a alternativa humana (SHARKEY, 2016).
Tais reflexões são importantes para a análise do tema, pois reforçam a necessidade de análise e discussão mais detida sobre ele.
Atualmente, os professores robôs são utilizados com bons resultados para o ensino de idiomas e para estimular crianças com autismo.[29]
Existem visões bastante otimistas quanto ao mercado dos robôs professores. Um relatório da Fiescnet aponta um avanço contínuo a curto e médio prazo no campo da IA quanto ao processamento de língua natural e afetividade, o que deve fortalecer a intenção da utilização de professores robôs (VICARI, 2018, pp. 43-44).
Também, o uso da tecnologia na educação é importante para apoiar os professores e inserir os alunos na Era Digital, de modo que eles não fiquem à parte da sociedade, ou seja, o professor robô, de certo modo, faz parte da inclusão digital dos alunos e da socialização deles com os humanoides que, cada vez mais, estarão no mundo.
Outro argumento a favor da utilização deles é o fato de alguns países enfrentarem um déficit de profissionais para o ensino em determinadas áreas.
Mas, se, por um lado, a tecnologia vem para ajudar, por outro, causa receio. Uma pesquisa conduzida em 2012, envolvendo 27.000 pessoas na Europa, apontou que 34% delas pensavam que robôs tinham que ser banidos do campo da educação e 60% pensavam que eles deveriam ser banidos do papel de cuidado de crianças e idosos ou pessoas com deficiência. Enquanto apenas 3% concordavam com seu uso nesse contexto (SHARKEY, 2006, p. 283).
Tal preocupação é justificável diante da importância da educação e de sua complexidade relacionada, dentre outras coisas, a fatores emocionais e afetivos, que permeiam o processo ensino-aprendizagem.
Como já destacado anteriormente, segundo a Declaração Universal dos Direitos Humanos, a instrução deve ser orientada para: 1) o pleno desenvolvimento da personalidade humana; 2) fortalecimento do respeito pelos direitos humanos e pelas liberdades fundamentais; 3) promover a compreensão, a tolerância e a amizade entre todas as nações e grupos raciais ou religiosos; e 4) manutenção da paz. Dessa forma, qualquer atividade de ensino-aprendizagem deve observá-los.
E, além de tais orientações, o professor deve se ater às finalidades da educação, que, segundo Seldon e Abidoye (2018), podem ser classificadas em: 1) educar os cidadãos para exercerem função econômica e militar; 2) socialização; 3) transferência cultural; 4) desenvolvimento do inato potencial humano; e 5) autodesenvolvimento, discernimento da sabedoria e desenvolvimento da individualidade.
Assim, quanto às questões técnicas que envolvam apenas lógica e informação, parece que os robôs professores se sairão bem, pois a capacidade de coleta e processamento de dados atual da IA é muito superior do que a capacidade humana, o que lhe dá condição de se destacar. Mas a questão é diferente quando tratamos das habilidades emocionais, sociais e éticas.
Obviamente, os robôs não sentem emoções, mas eles podem simulá-las automaticamente com base em interpretação de dados de biometria facial e corporal, bem como de voz das pessoas com quem interagem.[30] Mas esse campo ainda exige muito desenvolvimento.
Provavelmente, no futuro, se chegará a um modelo de professor robô com um processamento tão rápido e eficiente dos dados de seus interlocutores, bem como, que se pareça tanto com os aspectos corporais humanos, que conseguirá simular de maneira bastante precisa as emoções humanas, o que deve tornar o professor robô mais empático e sociável. Mas será algo sempre artificial, cujas consequências quanto ao relacionamento com humanos ainda não sabemos.
No entanto, mesmo superando a questão da empatia e do relacionamento social, a ética de tais seres precisa ser acompanhada de perto, pois será uma reprodução baseada em algo e esse algo é o que precisamos entender. Quem determina a ética desses robôs? Que conjunto de fatores influenciará a ética deles e a constituirá? Esse é outro desafio que precisará ser transposto.
O fato é que os professores robôs estão aí e podem colaborar com os professores humanos, tratando das tarefas de suporte à educação como separação de material e envio aos alunos, elaboração de apresentação, suporte a alunos com dificuldade, elaboração e agendamento de relatórios e avaliações etc., enfim, atividades que retiram o foco do professor no aluno e no processo de ensino-aprendizagem.
É nesse sentido que alguns autores enxergam a utilidade dos robôs na Educação, como máquinas que podem apoiar os professores humanos e os alunos no processo educacional, mas não conseguem ainda substituir os professores humanos.[31]
5. AONDE PRETENDEMOS CHEGAR?
Uma boa forma de nos projetarmos para o futuro é entendermos o nosso passado e presente. Quando entendemos onde estamos e como chegamos, fica mais fácil sabermos aonde pretendemos ir. Isso evita retrocessos.
Como vimos até agora, a concepção de um ser humano individualizado e separado do Estado surge com o movimento iluminista, que culmina na Revolução Francesa do século XVIII. A partir daí, o ser humano passa a ser visto como um ser digno de direitos que preservem a sua liberdade frente ao Estado e demais membros da sociedade. Porém, a consolidação dessa visão ocorre somente quase dois séculos mais tarde, com a Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, permitindo às nações deixarem de discutir sobre a existência dos direitos humanos para discutir como efetivá-los. Diversos acordos internacionais foram assinados nesse sentido, como busca de efetivação dos direitos humanos mundialmente.[32]
O Direito à educação surge nesse contexto, ou seja, como forma de garantir a liberdade humana. Então, uma educação que não busque garantir a liberdade humana não pode ser entendida como educação.
E garantir a liberdade não é somente garantir a não intromissão externa (do Estado, da sociedade etc.) na esfera individual dos seres humanos, mas também dar a cada indivíduo instrumentos que lhe garantam tal liberdade, como a consciência suficiente para que entendam as situações a que serão submetidos durante suas vidas e consigam sobre elas escolher sem influência externa direta ou indireta.
Com isso, o uso de novas tecnologias na educação é essencial para garantir o conhecimento necessário do mundo e das coisas que nele habitam. Isso provoca uma consciência plena. Porém, o uso de tais tecnologias com finalidade apenas instrumental não atende àquilo que se espera da educação. Afinal, a educação também e precipuamente deve ensinar os indivíduos a pensar, ou seja, proporcionar-lhe razão crítica.
Uma máquina que sirva de suporte à educação e que possibilite o aluno a pensar livremente e criticamente será sempre bem-vinda, mas uma máquina que sirva de objeto para manutenção de poder ou que, de alguma forma, sirva para restrição de liberdades nunca poderá existir no ambiente educacional, sob pena de retrocesso histórico e infração à ordem jurídica nacional e internacional.
É com essa ótica que precisamos pensar aonde queremos chegar com os professores robôs, que significam um avanço tecnológico muito importante para a humanidade, mas que ainda nos desafiam quanto a questões importantes como privacidade, sociabilidade, ética e possibilidade de sua utilização para fins de implementação de ideologias dominadoras. Não esgotamos aqui os desafios, mas pretendemos elencar talvez os mais evidentes.
Quanto à privacidade, a coleta inestimável de dados pessoais, como movimentos faciais e corporais, fala, assim como o armazenamento e tratamento destes dados, bem como seu cruzamento com outros para que seja possível uma interação mais amigável dos robôs professores com os alunos, causa incertezas quanto à capacidade de proteção de tais dados, bem como quanto à utilização dos mesmos de forma adequada.
Legislações ao redor do mundo estão cada vez mais restritivas quanto à coleta e tratamento de dados pessoais, principalmente quando envolvam menores de idade.[33] Atualmente, mais de 100 países possuem leis sobre proteção de dados no mundo, representando cerca de 58% do globo terrestre,[34] o que revela como o assunto tem relevância e deve ser um dos principais desafios a ser enfrentado pelos fabricantes dos professores robôs e escolas que deles se utilizam.
Quanto à sociabilidade, atualmente os robôs professores ainda não conseguem responder à altura do esperado pelos humanos para uma interação social. Mas o futuro é promissor e estudos em andamento devem levar a um aprimoramento constante dessa habilidade, conforme vimos anteriormente.
O ponto é que não sabemos ainda os efeitos dessa “sociabilização” com robôs, do “estar só junto”,[35] do conversar com um ser que simula emoções. Uma educação realizada por um robô transformaria os indivíduos em máquinas humanas, ou seja, em seres instrumentais e não pensantes ou reduzidos de emoções? Essas e algumas outras são dúvidas ainda precisam ser esclarecidas.
A ética é outro desafio a ser encarado pelos professores robôs. Dúvidas surgem quanto a como os robôs deverão se comportar. Um dos papéis do professor hoje é educar pelo exemplo (PERRENOUD, 2000, p. 141-143) e o exemplo que será dado pelo robô professor será aquele que os algoritmos de sua inteligência artificial permitirem. A ética do robô será construída a partir da forma de interpretação dos dados que lhe for dada por quem cria ou controla sua inteligência.
Talvez, um dia, a cria se desvincule de seu criador totalmente, mas o que existirá ainda, por muitos anos, é uma vinculação óbvia entre ambos (robô e ser humano programador).
Nesse sentido, a atenção dos cidadãos quanto aos estudos e formato éticos desenvolvidos para serem utilizados em robôs professores é de essencial importância para evitar que valores sociais corrompidos sejam passados aos alunos.[36]
Já quanto ao fato de o professor robô poder ser utilizado como ferramenta de dominação por poderosos, podemos dizer que, por muito tempo, a educação foi ortodoxa e o ensino era fundamentado em valores impostos pelo Estado e ou pela Igreja (FRANCO JÚNIOR, 2011, p. 104-107). A exteriorização do pensamento humano não era livre e muitas pessoas foram mortas ao longo dos séculos apenas por exporem pensamentos diversos daqueles que lhes foram impostos.[37] A educação nesse contexto formava pessoas para o trabalho e não para pensarem e questionarem sua forma de vida. Tal educação era realizada por seres humanos, mas parecia formar o indivíduo para ser uma máquina humana que se comportava como robô, ou robota, que significa servo, conforme vimos anteriormente.
Porém, agora, a realidade é outra, pelo menos a realidade reconhecida internacionalmente por muitos países em declarações e tratados internacionais. Agora, a educação não deve formar robôs, mas, sim, seres humanos livres. Para tanto, o professor, seja ele humano ou robô, deve cumprir seu papel, de acordo com as responsabilidades sociais e éticas da profissão.
Tendo em vista as limitações da tecnologia atual quanto aos professores robôs, conforme exposto anteriormente, não nos parece adequada a utilização nesse momento de robôs professores atuando de forma independente, o que talvez, no futuro, possa ocorrer.
A questão econômica e ou de escassez de mão de obra qualificada deve levar alguns países a buscarem implementar professores robôs humanoides mais rapidamente do que outros, para reduzir custos com a educação e cobrirem seu déficit educacional. Ocorre que é necessário sempre termos em mente que uma educação baseada apenas na razão instrumental, que não prepare o ser humano para pensar e exercer escolha livre nem atenda suas necessidades emocionais e sociais, não pode ser entendida como educação.
Assim, o Estado não estará cumprindo seu dever social e legal se não proporcionar uma educação adequada. Daí a importância de nos atentarmos para a forma de introdução dos professores robôs humanoides no ambiente de ensino.
6. CONCLUSÃO
A utilização de robôs não como professores independentes, mas como suporte ao professor humano pode trazer benefícios para o ensino, na medida em que isso reduz a carga de trabalho burocrático do professor humano e lhe permite dar mais atenção aos alunos, além de possibilitar o desenvolvimento dos alunos quanto à interação com as máquinas, cuja tendência é existirem em nosso mundo cada vez em maior quantidade.
Além disso, estudos indicam bons resultados na utilização de robôs professores para o ensino de idiomas,[38] o que nos leva a crer que, em temas envolvendo razão instrumental, eles possam significar um bom suporte. Mas precisarão dos professores humanos acompanhando o desenvolvimento do aluno, principalmente em seu caráter emocional e estabelecendo o vínculo afetivo próprio das relações humanas e que ajuda no processo de aprendizado.
A educação é um instrumento garantidor da liberdade e a tecnologia existe para nos ajudar nessa tarefa. Por isso, o professor robô deve ser considerado para tanto. Contudo, ainda é necessário o desenvolvimento dele quanto a questões de privacidade, sociabilidade e ética, dentre outras que possam ser identificadas, de modo que ele se enquadre adequadamente nesse processo.
A liquidez da quarta revolução educacional força as últimas paredes do ensino e os professores robôs estão se adaptando a essa nova fase. Eles vieram para ficar e devem nos ajudar. Porém, nossa sobrevivência digna estará no fato de conseguirmos nadar livremente ao lado deles pelas correntezas sociais, não como máquinas, mas, sim, como seres humanos.
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[1] A metáfora da modernidade líquida é cunhada pelo sociólogo e filósofo polonês Zygmunt Bauman para traduzir o momento de transformações constantes que teria suplantado o modelo social anterior, quando havia uma transformação mais lenta e previsível, criando traços de identidade e trazendo segurança às relações pessoais. Para explicar sua metáfora, Bauman afirma que: “’Fluidez’ é a qualidade de líquidos e gases. (…) Os líquidos, diferentemente dos sólidos, não mantêm sua forma com facilidade. (…) Os fluidos se movem facilmente. Eles ‘fluem’, ‘escorrem’, ‘esvaem-se’, ‘respingam’, ‘transbordam’, ‘vazam’, ‘inundam’ (…) Essas são razões para considerar ‘fluidez’ ou ‘liquidez’ como metáforas adequadas quando queremos captar a natureza da presente fase (…) na história da modernidade”. E afirma, ainda, que “Tudo é temporário, a modernidade (…) – tal como os líquidos – caracteriza-se pela incapacidade de manter a forma” (BAUMAN, 2001, p. 7-24). Também traz a seguinte explicação, em sua obra vigilância líquida: “Hoje, as sociedades modernas parecem tão fluidas que faz sentido imaginar que elas estejam numa faze ‘líquida’. Sempre em movimento, mas muitas vezes carecendo de certezas e de vínculos duráveis” (BAUMAN, 2013, p. 7).
[2] A transformação social e o aparecimento contínuo de novas tecnologias, bem como o descobrimento de novas formas de aplicação destas estão forçando a sociedade a se adequar, reduzindo ou extinguindo mercados e criando outros de maneira muito veloz. A automação em diversas áreas tem reduzido drasticamente empregos em certas profissões e criado outros em novas áreas. Esse movimento exige uma resposta educacional à altura, com a criação de novos cursos com formatos e conteúdos diversos, bem como uma inevitável mudança estrutural do sistema educacional. Ocorre que um dos grandes problemas enfrentados pela Educação é que essa fluidez e instabilidade torna bastante complexo o trabalho de consolidação do conhecimento. O aumento da procura por cursos à distância e por cursos de curta duração, conjugado com a redução na procura dos cursos de graduação tradicionais, corrobora o que estamos falando e deixa ainda mais árduos os debates sobre o melhor futuro para a educação. Sobre o aumento da procura de cursos de graduação on-line, ver: PAPPAS, Christopher. Top 20 eLearning Statistics For 2019 You Need To Know [Infographic]. eLearning Industry. Publicado em 24 de setembro de 2019. Disponível em: <https://elearningindustry.com/top-elearning-statistics-2019>. Acesso em: 21 nov. 2019 (globalmente). E: G1. Oferta e procura por faculdades à distância aumentam no país. Publicada em 1º de junho de 2019. Disponível em: <https://g1.globo.com/jornal-nacional/noticia/2019/06/01/oferta-e-procura-por-faculdades-a-distancia-aumentam-no-pais.ghtml>. Acesso em: 21 nov. 2019; MEC - INEP. Censo da Educação Superior 2017. Divulgação dos principais resultados. Brasília, DF, setembro de 2018 [PDF]. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/docman/setembro-2018-pdf/97041-apresentac-a-o-censo-superior-u-ltimo/file>. Acesso em: 21 nov. 2019.
[3] Bobbio (2004, p. 4) chama a atenção para o fato de essa inversão de perspectiva entre sociedade/indivíduo para indivíduo/sociedade. Diz ele: “No plano de vista histórico, sustento que a afirmação dos direitos do homem deriva de uma radical inversão de perspectiva, característica da formação do Estado moderno, na representação da relação política, ou seja, na relação Estado/cidadão ou soberano/súditos: relação que é encarada, cada vez mais, do ponto de vista dos direitos dos cidadãos não mais súditos, e não do ponto de vista dos direitos do soberano, em correspondência com a visão individualista da sociedade, segundo a qual, para compreender a sociedade, é preciso partir de baixo, ou seja, dos indivíduos que a compõe, em oposição à concepção orgânica tradicional, segundo a qual a sociedade como um todo vem antes dos indivíduos”.
[4] Bobbio (2004, p. 26-27) nos ensina que existem três modos de fundar os valores: “deduzi-los de um dado objetivo constante, como, por exemplo, a natureza humana; considerá-las como verdades evidentes em si mesmas; e finalmente, a descoberta de que, num dado período histórico, eles são geralmente aceitos (precisamente a prova do consenso). (...) A Declaração Universal dos Direitos do Homem pode ser acolhida como a maior prova histórica até hoje dada do consensus omnium gentium sobre um determinado sistema de valores”.
[5] A classificação dos direitos em gerações foi cunhada pelo jurista checo Karel Vasak, em 1977, através de seu ensaio denominado “A 30-year struggle” [uma luta de 30 anos]. Nesse ensaio ele classificou os direitos humanos em três gerações. A primeira, relativa aos direitos negativos, em que o Estado se abstém de intervir nas liberdades individuais, correspondendo aos direitos civis e políticos. A segunda, relativa aos direitos que exigem uma atividade positiva do Estado para sua implementação, englobando os direitos sociais, econômicos e culturais. E uma terceira, relativa aos direitos de solidariedade, envolvendo o direito ao desenvolvimento, o direito à autodeterminação, os direitos das minorias, o direito a um ambiente saudável, o direito à paz e o direito à propriedade do patrimônio comum da humanidade (VASAK, 1977).
[6] Ao tratar do imperialismo, Hannah Arendt explica que: “Como a força é essencialmente apenas um meio para um fim, qualquer comunidade baseada unicamente na força entra em decadência quando atinge a calma da ordem e da estabilidade; sua completa segurança revela que ela é construída sobre a areia. O poder só é capaz de garantir o status quo adquirindo mais poder; só pode permanecer estável ampliando constantemente sua autoridade através do processo de acúmulo de poder” (ARENDT, 2012, p. 211).
[7] Assim diz ela: “Somente a ralé e a elite podem ser atraídas pelo ímpeto do totalitarismo; as massas têm de ser conquistadas por meio da propaganda.” E continua: “Quando o totalitarismo detém o controle absoluto, substitui a propaganda pela doutrinação e emprega a violência não mais para assustar o povo (o que só é feito nos estágios iniciais, quando ainda existe oposição política), mas para dar realidade às suas doutrinas ideológicas e às suas mentiras utilitárias (ARENDT, 2012, p. 474-475).
[8] Assim afirma o autor: “Na verdade, é o sinal de um poder maior que o subordinado queira expressamente aquilo que o poderoso queira, que o subordinado siga ou, até mesmo antecipe, a vontade do poderoso como sua própria vontade. (...) Um poder maior é, assim, o que forma o futuro do outro, e não o que o bloqueia”. Ele destaca que o hábito aumenta a efetividade do poder e diz: “Um poder absoluto seria aquele que nunca aparecesse, que nunca fosse assinalado, que, ao contrário, se confundisse completamente na autocompreensividade. O poder resplandece pela ausência” (HAN, Byung-Chul. O que é poder? Petrópolis, RJ: Editora Vozes, 2019, p. 11, 13 e 92).
[9] Temos como exemplo de educação manipuladora de sentido a implementada na Alemanha, durante o Nazismo, a qual servia aos interesses do regime e era, em muitos pontos, contrária aos interesses humanos, traçando os alemães como superiores às demais etnias, inclusive.
[10] Existem discussões sobre a possibilidade de a educação ser totalmente desvinculada de ideologias, por várias razões; dentre elas, quanto à escolha do conteúdo a ser ensinado. Mas aqui tratamos da ausência de ideologia como a ausência de sentido para a manutenção do poder pelos dominantes.
[11] “O homem não pensa naturalmente. Pensar é uma arte que se aprende como todas as outras, e até mais dificilmente” (ROUSSEAU, 1979, p. 480). Dione Ribeiro Basilio reforça nosso argumento, ao relatar que, “Com a consolidação da burguesia como classe dominante desde o início do século XIX, seus ideais, baseados no Iluminismo, acabam por direcionar a estrutura social vigente, assumindo uma postura conservadora no sentido de restringir o processo educativo como forma de preservar-se frente às aspirações operárias de mobilidade social. Como forma de auto preservação, é definido um ensino que, ‘uma vez aberto ao proletariado, deve limitar-se à Leitura, à Escrita e ao Cálculo o resto é supérfluo.’ (...) Esse processo educativo fora questionado já no século XX por John DEWEY pela sua consequente formação de escravos em razão da não adoção de um pensamento reflexivo, capaz de transformar obscuridade, conflito e dúvida e situações claras e harmoniosas” (BASILIO, 2009, p. 19).
[12] “(...) o educador já não é o que apenas educa, mas o que, enquanto educa, é educado, em diálogo com o educando que, ao ser educado, também educa. Ambos, assim, se tornam sujeitos do processo em que crescem juntos e em que os ‘argumentos de autoridade’ já não valem. Em que, para ser-se, funcionalmente, autoridade, se necessita de estar sendo com as liberdades e não contra elas” (FREIRE, 2017, pp. 95-96).
[13] Existem diversos estudos que visam a analisar a sociabilidade dos robôs e melhorá-la, sendo certo que este item está em faze de evolução. Falaremos mais sobre o tema adiante.
[14] Trecho referente ao item 1º do artigo XXVI da Declaração.
[15] Tradução livre do texto original: “able to think for themselves independently, to make decisions for their own good and the benefit of society, and to be capable of fulfilling all their human potentialities” (SELDON; ABIDOYE, 2018, posição 2104).
[16] Dizemos “potencialmente”, pois existem diversos fatores externos ao indivíduo que podem restringir sua liberdade e a educação é apenas um dos instrumentos de combate a tais fatores, sendo certo que, mesmo um ser humano bem educado, pode não ser livre.
[17] O dicionário Michaelis traz cinco definições de tecnologia: 1. Conjunto de processos, métodos, técnicas e ferramentas relativos a arte, indústria, educação etc. 2. Conhecimento técnico e científico e suas aplicações a um campo particular. 3. Tudo o que é novo em matéria de conhecimento técnico e científico. 4. Linguagem peculiar a um ramo determinado do conhecimento, teórico ou prático e 5. Aplicação dos conhecimentos científicos à produção em geral (MICHAELIS online, tecnologia). O termo “tecnologia” veio da revolução industrial, no final do século XVIII, e desde então tem se expandido para diversas outras áreas, mas, como bem sabemos, é dentro das áreas da engenharia que o termo é mais aplicável. Outras concepções são trazidas, por exemplo, por Martino (1983): “Meios para prover os produtos necessários para o sustento e conforto do homem”. Longo (1984): “Tecnologia é o conjunto de conhecimentos científicos ou empíricos empregados na produção e comercialização de bens e serviços”. Blauner (1964) e Fleury (1978): “Se refere ao conjunto de objetos físicos e operações técnicas (mecanizadas ou manuais) empregadas na transformação de produtos em uma indústria”.
Abetti (1989) e Steensma (1996): “um corpo de conhecimentos, ferramentas e técnicas, derivados da ciência e da experiência prática, que é usado no desenvolvimento, projeto, produção, e aplicação de produtos, processos, sistemas e serviços”. E Kruglianskas (1996): “Conjunto de conhecimentos necessários para se conceber, produzir e distribuir bens e serviços de forma competitiva” (PORTAL Educação. O que é tecnologia?).
[18] O termo “Era Digital” está sendo amplamente utilizado para referenciar a fase de nossa história em que a dinâmica social passa do ambiente real para o digital. Do hardware para o software. Na qual os relacionamentos se desenvolvem e se mantêm pela Web, via internet. Na qual os algoritmos ganham destaque e um novo ambiente começa a ser “colonizado”. Certa vez, Mark Zuckerberg, presidente do Facebook, declarou que “A Web ainda é um território não explorado”, levando-nos a refletir sobre as inúmeras possibilidades que ela nos abre, revelando a grandeza desse novo mundo, o mundo digital. Sobre a frase de Mark Zuckerberg, ver: MAIA, Rafael. Web ainda é um território não explorado, diz Mark Zucherberg. Terra. Publicado em 17 de novembro de 2010. Disponível em: <https://www.terra.com.br/noticias/tecnologia/negocios-e-ti/web-ainda-e-um-territorio-nao-explorado-diz-mark-zuckerberg,91e95295fb6ea310VgnCLD200000bbcceb0aRCRD.html>. Acesso em: 21 nov. 2019.
[19] As empresas que lideram os rankings de marcas mais valiosas do mundo e estão entre as mais lucrativas do planeta trabalham precipuamente com desenvolvimento e ou aplicação de software. O fenômeno das “techs” (fintechs, lawtechs etc.) ganha cada vez mais espaço nas economias e está sendo capaz de criar modelos de negócio capazes de competir com grandes conglomerados econômicos. Ver: INTERBRAND. Best Global Brands 2019 Rankings. Disponível em: <https://www.interbrand.com/best-brands/best-global-brands/2019/ranking/>. Acesso em: 21 nov. 2019; DE CHIARA, Márcia. ‘Fintechs avançaram sobre bancos grandes’, diz Troster. Uol. Publicado em 29 de abril de 2019. Disponível em: <https://economia.uol.com.br/noticias/estadao-conteudo/2019/04/29/fintechs-avancaram-sobre-bancos-grandes-diz-troster.htm>. Acesso em: 21 nov. 2019; ver também: NOYA, Eloi. Revolution: Who Are The New Competitors In Banking? Forbes. Publicado em 30 de julho de 2019. Disponível em: <https://www.forbes.com/sites/esade/2019/07/30/the-fintech-revolution-who-are-the-new-competitors-in-banking/#3d937ea31161>. Acesso em: 21 nov. 2019.
[20]Perrenoud (2000, p. 127-129) explica a diferença entre o uso das tecnologias como objeto de estudo e como suporte ao ensino. Enquanto o primeiro visa a ensinar a usar dada tecnologia, o segundo visa a utilizar a tecnologia como suporte para o aprendizado de outras coisas. Assim, eu posso usar um computador em sala de aula para ensinar os alunos como utilizá-lo (computador como objeto de estudo) ou posso utilizá-lo para o ensino da informática ou mesmo de história ou geografia (computador como ferramenta).
[21] Tradução livre do texto original: “any automatically operated machine that replaces human effort, though it may not resemble human beings in appearance or perform functions in a humanlike manner”.
[22] Tradução livre do texto original: “the engineering discipline dealing with the design, construction, and operation of robots”.
[23] Robôs humanoides são aqueles que detêm características do corpo humano, se aproximando do formato deste.
[24] Isso fica claro no texto da proposta para a conferência que ocorreria em 1956, na Dartmouth College, e que daria origem ao campo de estudos sobre Inteligência Artificial. O texto diz: “We propose that a 2 month, 10 man study of artificial intelligence be carried out during the summer of 1956 at Dartmouth College in Hanover, New Hampshire. The study is to proceed on the basis of the conjecture that every aspect of learning or any other feature of intelligence can in principle be so precisely described that a machine can be made to simulate it.” Tradução livre: “Propomos que um estudo de inteligência artificial de 2 meses, com 10 homens, seja realizado durante o verão de 1956 no Dartmouth College, em Hanover, New Hampshire. O estudo deve prosseguir com base na conjectura de que todos os aspectos da aprendizagem ou qualquer outro recurso da inteligência podem, em princípio, ser descritos com tanta precisão que uma máquina pode ser fabricada para simulá-la” (MCCARTHY, J. et al. A proposal for the dartmouth summer research project on artificial intelligence. Disponível em: <http://www-formal.stanford.edu/jmc/history/dartmouth/dartmouth.html>. Acesso em: 21 nov. 2019).
[25] Tradução livre do texto original: “The theory and development of computer systems able to perform tasks normally requiring human intelligence, such as visual perception, speech recognition, decision-making, and translation between languages”.
[26] Tradução livre do texto original: “Artificial intelligence (AI), the ability of a digital computer or computer-controlled robot to perform tasks commonly associated with intelligent beings. The term is frequently applied to the project of developing systems endowed with the intellectual processes characteristic of humans, such as the ability to reason, discover meaning, generalize, or learn from past experience”.
[27] Tradução livre do texto original: “Artificial Intelligence (AI) technologies aim to reproduce or surpass abilities (in computational systems) that would require 'intelligence' if humans were to perform them. These include: learning and adaptation; sensory understanding and interaction; reasoning and planning; search and optimisation; autonomy; and creativity”.
[28] Assim explicam Seldon e Abidoye (2018, posição 1428): “Robotics is concerned with physical movement and human interaction; AI with thought and human impact. AI can have a robotic interface with the world, but a robot is only one of many possible interfaces”. Tradução livre: A robótica está preocupada com o movimento físico e a interação humana; IA com pensamento e impacto humano. A IA pode ter uma interface robótica com o mundo, mas um robô é apenas uma das muitas interfaces possíveis.
[29] Sobre a utilização para o ensino idiomas, veja o caso do robô IROBI, da Yujin Robotics, que melhorou a concentração e atividades de aprendizado de inglês quando comparado com outras tecnologias (BELPAEME, 2018). Já sobre a utilização de professores robôs para o ensino de crianças com autismo, ver: SOFTBANK Robotics Europe. Robots teach communication to kids with autism. YouTube. Publicado em 20 de abril de 2013. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=lm3vE7YFsGM>. Acesso em: 21 nov. 2019.
[30] Alguns modelos de robôs são capazes de fazer isso. Estes são chamados de “robôs sociais” ou “robôs sociáveis”. Ver: FURHAT ROBOTICS. RISE Conf 2019: Social robots have finally arrived (Furhat Robotics). Publicado em 19 de agosto de 2019. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=GsCdJXA42D4>. Acesso em: 21 nov. 2019.
[31] Nesse sentido é a conclusão do estudo “Social robots for education: A review”, publicado pela revista americana “Science Robotics”, em 2018, que analisou, com base em meta-dados da literatura sobre robôs para educação, três questões-chaves: “eficácia”, “personificação” e “interação”. O estudo diz: “Although the use of robots in educational settings is limited by technical and logistical challenges for now, the benefits of physical embodiment may lift robots above competing learning technologies, and classrooms of the future will likely feature robots that assist a human teacher.” Em tradução livre: “Embora o uso de robôs em ambientes educacionais seja limitado por desafios técnicos e logísticos por enquanto, os benefícios da incorporação física podem elevar os robôs acima das tecnologias de aprendizagem concorrentes, e as salas de aula do futuro provavelmente terão robôs que ajudarão um professor humano” (BELPAEME, 2018, p. 7).
[32] Dentre eles, estão: o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos e seus dois Protocolos Opcionais (sobre procedimento de queixa e sobre pena de morte), o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais e seu Protocolo Opcional; a Convenção para a Prevenção e a Repressão do Crime de Genocídio (1948), a Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial (1965), a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres (1979), a Convenção sobre os Direitos da Criança (1989) e a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (2006) (NAÇÕES UNIDAS - Brasil. A Declaração Universal dos Direitos Humanos. Disponível em: <https://nacoesunidas.org/direitoshumanos/declaracao/>. Acesso em: 21 nov. 2019).
[33] Sobre como as legislações de proteção de dados estão se tornando fortes ao redor do mundo, consulte: DLA PIPER. Compare data protection laws around the world. Disponível em: <https://www.dlapiperdataprotection.com/>. Acesso em: 21 nov. 2019. Estimativas da ONU consideram que 58% dos países no mundo já têm leis sobre proteção de dados. Ver: UNITED Nations. Conference on Trade and Development. Data Protection and Privacy Legislation Worldwide. Disponível em: <https://unctad.org/en/Pages/DTL/STI_and_ICTs/ICT4D-Legislation/eCom-Data-Protection-Laws.aspx>. Acesso em: 21 nov. 2019.
[34] De acordo com o mapa mundial da ONU sobre o tema. Ver: UNITED, Ibidem.
[35] O termo aqui utilizado foi pensado a partir da obra de Sherrry Turkle, professora de tecnologia e sociedade do Massachusetts Institute of Technology - MIT, chamada: “Alone together: why we exect more from technology and less from each other?”, que nos apresenta reflexões interessantes sobre a interação dos humanos com as máquinas e como essa nova realidade tem alterado nossas vidas sociais, nos levando a um isolamento cada vez maior. A conectividade e os aparelhos não estariam modificando só o que fazemos, mas o que somos.
[36] Veja-se o exemplo do chatbot (sistema virtual capaz de gerar conversas que simulam a linguagem humana), criado pela Microsoft, com o nome “Tay”, que interagia com pessoas de 18 a 24 anos via Twitter, baseando-se em Inteligência Artificial, e que passou a emitir mensagens racistas, sexistas e xenofóbicas e teve que ser desativado pela empresa. Ver: CANO, Rosa Jiménez. O robô racista, sexista e xenófobo da Microsoft acaba silenciado. El País Brasil. Publicado em 25 de março de 2016. Disponível em: <https://brasil.elpais.com/brasil/2016/03/24/tecnologia/1458855274_096966.html>. Acesso em: 21 nov. 2019.
[37] Temos uma gama bastante grande de exemplos históricos, como a morte de hereges que proclamaram pensamentos contra certas crenças religiosas e a morte daqueles que pensavam contrariamente aos regimes da União Soviética ou ao regime nazista. E, ainda hoje, se olharmos para o mundo, encontraremos tantos outros exemplos, o que revela o caminho longo que ainda existe pela frente para a consolidação da liberdade como direito humano fundamental.
[38] Conforme estudo relacionado ao uso do robô IROBI da Yujin Robotics, que melhorou a concentração e atividades de aprendizado de inglês quando comparado com outras tecnologias (BELPAEME, 2018, p. 06).
Jayme Souza é mestrando em Direitos Difusos e Coletivos pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo-PUC/SP, especialista em Direito Empresarial pela Fundação Getúlio Vargas-FGV/SP, graduado em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie e Gestor jurídico com atuação nacional e internacional.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: JUNIOR, JAYME APARECIDO DE SOUZA. O professor robô e a máquina humana: reflexões sobre o direito à educação e a liberdade no futuro do ensino Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 10 jul 2020, 04:55. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/54874/o-professor-rob-e-a-mquina-humana-reflexes-sobre-o-direito-educao-e-a-liberdade-no-futuro-do-ensino. Acesso em: 22 nov 2024.
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