RESUMO: O presente artigo tem como objetivo a discussão a respeito da responsabilidade civil dos profissionais de estética embelezadora no Direito brasileiro. Fazendo considerações acerca da natureza jurídica obrigacional da relação médico–-paciente, de forma propensa a definição do que se mostra mais acertado a doutrina e jurisprudência no que concerne ao dano no tratamento estético embelezador. Vale ressaltar, que o presente trabalho não tem o escopo a crítica ou defesa de quaisquer dos entendimentos que serão apresentados, mas a sua demonstração. Nesse sentido, tratou-se no presente trabalho, da responsabilidade civil do médico, dando maior enfoque aos desdobramentos dessa atividade, no tratamento reparador ou corretivo e tratamento estético embelezador.
Palavras-chave: Responsabilidade civil; Estética embelezadora; Relação médico-paciente; Doutrina e jurisprudência; Tratamento estético embelezador.
SUMÁRIO: 1. Introdução; 2. Responsabilidade civil 2.1 Conceito; 2.2 Desenvolvimento histórico; 2.3 Espécies; 2.3.1 Responsabilidade civil subjetiva e objetiva; 2.3.2 Responsabilidade contratual e extracontratual; 3. Do tratamento estético; 4. Desdobramentos da obrigação médica; 5. Considerações finais; 6. Referências bibliográficas.
1.INTRODUÇÃO
Devido a constante e gradativa mudança social, a tendência da sociedade, nos dias atuais, se mostra a não tolerância a omissão reparatória daqueles que causaram danos a outrem, advinda do juízo de justiça existente no bojo social.
[...] Essa imposição estabelecida pelo meio social regrado, através dos integrantes da sociedade humana, de impor a todos o dever de responder por seus atos, traduz a própria noção de justiça existente no grupo social estratificado. Revela-se, pois, como algo inarredável da natureza humana” (STOCO, 2007, p.114).
Nesse sentido, a integridade física, compreendido como direito inerente a personalidade, justifica um direito de tratamento privilegiado para si, seguindo com enfoque ao dano. Assim, mostra-se de extrema relevância o instituto da responsabilidade civil, que se amolda, de forma dinâmica e flexível as necessidades sociais, nas diversas facetas do dano ao corpo.
O tema foi esmiuçado, sendo apresentadas as teorias preponderantes a elucidação do mesmo, como seu conceito, desenvolvimento histórico, as espécies de responsabilidade, o tratamento estético, e os desdobramentos da obrigação médica. Com base em todo agregado, foi trabalhado a responsabilidade civil dos profissionais da estética a luz do Direito brasileiro.
Dessa forma, o objetivo principal desse trabalho foi atingido, conseguindo brilhantemente expor os elementos inerentes a responsabilidade civil, bem como apresentar os principais entendimentos doutrinários e jurisprudências acerca do tema, proporcionando o conhecimento do tema em sua completude.
2.RESPONSABILIDADE CIVIL
2.1Conceito
A responsabilidade civil, se distende na noção do não prejudicar, não causar dano a outrem. “A responsabilidade civil é a obrigação que pode incumbir uma pessoa a reparar o prejuízo causado a outra, por fato próprio, ou por fato de pessoas ou coisas que dela dependam” (RODRIGUES, 2003, p. 6).
Os célebres doutrinadores Plácido e Silva assim definem a responsabilidade civil:
“Dever jurídico, em que se coloca a pessoa, seja em virtude de contrato, seja em face de fato ou omissão, que lhe seja imputado, para satisfazer a prestação convencionada ou para suportar as sanções legais, que lhe são impostas. Onde quer, portanto, que haja obrigação de fazer, dar ou não fazer alguma coisa, de ressarcir danos, de suportar sanções legais ou penalidades, há a responsabilidade, em virtude da qual se exige a satisfação ou o cumprimento da obrigação ou da sanção” (PLÁCIDO e SILVA, 2010, p. 642).
Em seu sentido etimológico, a responsabilidade civil jungi a ideia de obrigação, porém, com ela não podendo ser confundida, vez que “a obrigação é sempre um dever jurídico originário; responsabilidade é um dever jurídico sucessivo consequente à violação do primeiro” (CAVALIERI FILHO, 2008, p. 3).
Ademais, a muito tempo se discutiu qual era a gênese do prejuízo causador do dano e seu consequente dever de reparação, acreditava-se veemente que este nasceria da ocorrência do fato/ato ilícito, pensamento este que caiu por terra, diante a aceitação no Direito brasileiro do prejuízo causado a outrem por ato lícito, bastando apenas caracterização do dano como anormal e específico.
Em corroboração a tal entendimento, e assim, portanto, em aceitação a possibilidade do dever de reparar também ter surgido do fato/ato lícito, afirma Gilmar Ferreira Mendes:
“a existência ou inexistência do dever de reparar não se decide pela qualificação da conduta geradora do dano (lícita ou ilícita), mas pela qualificação da lesão” (MENDES, 2009, p.892).
O artigo 157 do Código Civil, dispositivo de alta relevância nesse momento de definição de entendimentos preponderantes do nosso estudo, assim determina o momento de ocorrência da lesão:
“Art. 157. Ocorre lesão quando uma pessoa, sob preemente necessidade, ou por inexperiência, se obriga a prestação manifestamente desproporcional ao valor da prestação oposta” (BRASIL, 2002).
Dessa forma, tomando em consideração a lesão como elemento da obrigação manifestamente desproporcional, é de fácil observação a aceitação doutrinária e não oposição legal, a existência do binômio da conduta geradora do dano.
2.2 Desenvolvimento histórico
Ao longo do tempo, o homem, em contínua evolução, se dedicou, com presteza, a proteção do seu patrimônio e daqueles que o rodeavam, reagindo de maneira imediata e brutal a qualquer dano ou prejuízo a eles causados. “Nesta época predominava o sistema da vingança privada” (SOARES, 2003, p.01).
Em corroboração a tal liame, assevera Pamplona Filho:
“A origem do instituto da responsabilidade civil parte do Direito Romano, e esta calcada na concepção de vingança pessoal, sendo uma forma por certo rudimentar, mas compreensível do ponto de vista humano como lídima reação pessoal contra o mal sofrido” (GAGLIANO, 2003, p. 11).
O surgimento da responsabilidade civil se deu no Direito Romano, em uma época de reparação do mal pelo mal. É dizer, não se tinha ao menos a consideração da culpa, bastando apenas a ocorrência do dano, o que demonstra a predominância, à época, da responsabilidade objetiva[1], que será melhor esmiuçada ao decorrer do nosso estudo.
A reparação ao dano, tanto ao patrimônio quanto as pessoas, sempre existiu, não seguindo uma forma sedimentada, mas sofrendo constantes adaptações, no escopo a construção de uma forma mais justa e eficiente.
A necessária regulamentação da situação ora apresentada (reação imediata e brutal), deu origem a Lei de Talião[2], empregando o “olho por olho, dente por dente”. A utilização dessa lei, na prática, garantia uma reação posterior ao dano.
Apesar da Lei de Talião garantir uma reação posterior ao cometimento do dano, ainda sim perpetuava a retaliação, situação que foi tornando-se decrépita a população da época, dando origem a um novo instituto da responsabilidade, a Responsabilidade Aquiliana (Lex Aquilia[3]).
Em explicação a Responsabilidade Aquiliana e seus efeitos, ensina Pablo Stolze e Pamplona Filho, verbis:
“Um marco na evolução histórica da responsabilidade civil se dá, porem, com a edição da Lex Aquilia, cuja importância foi tão grande que deu nome a nova designação da responsabilidade civil delitual ou extracontratual” (GAGLIANO e PAMPLONA, 2003, p. 11).
Esta Lei Romana, substituiu a punição fixa da Lei de talião, estabelecendo mecanismos assecuratórios a indenização proporcional ao dano causado pelo infrator, em ascendência a diferenciação da responsabilidade penal (delitiva) e cível (apenas extracontratual, até então).
Vale ressaltar, que descaso seria o não abordar do relevante papel da soberania estatal, a queda dos efeitos práticos da Lei de Talião, que ajudou a sedimentar ainda mais a proibição da justiça com as próprias mãos, deixando de lado a voluntariedade da vítima, para se tornar um dever, agindo o Estado como seu protagonista.
O Código de Napoleão[4] (código francês), com entrada em vigor no ano de 1804, após a Revolução Francesa (1789), influenciou vários povos, por todo o mundo. Consequentemente, diversos países, inclusive o Brasil, trazendo a mister previsão a responsabilidade contratual (condicionado a prestação), bem como avultando a distinção a responsabilização penal e cível.
Assim, tendo em vista o preceito segundo o qual o Código francês serviu como parâmetro a construção do Código Civil brasileiro, vale destacar que o código de 1916, em seu artigo 159, já determinava que “Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência, ou imprudência, violar direito, ou causar prejuízo a outrem, fica obrigado a reparar o dano” (BRASIL, 1.916).
Ou seja, apesar de ser um código que já se tem como superado pelo Código Civil de 2002, já não se encontrava a existência da culpa a situações específicas, o que a torna, mesmo que tênue, caracterizador da responsabilidade civil.
“Cumpre salientar que já era indiferente ser a conduta dolosa, imprudente, negligente ou imperita, sendo qualquer daquelas espécies de culpa suficiente para caracterizar a responsabilidade civil e isso independentemente da gravidade, bastando a culpa levíssima para levar à obrigação de reparar” (MIGUEL, 2007, p. 07).
A presença da culpa, ou com outras palavras, a responsabilidade civil subjetiva[5], continua sendo regra no atual Código Civil (2002). Podendo ser identificado em seus artigos 927 (“aquele que, por ato ilícito (artigos 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo”), caput, e 186 (“aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”).
Apesar da responsabilidade civil subjetiva ser regra, também se mostra aceitável exceções baseadas na teoria do risco [6]. A exemplo, temos a presença do artigo 927 do mesmo diploma, determinando que “haverá obrigação de reparar o dano, independente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem”. (BRASIL,2002).
A responsabilidade objetiva não se encontra presente apenas no atual Código Civil Pátrio, mas também, no Código de Defesa do Consumidor, Lei 8.078/1990, assegurando a hipossuficiência do consumidor, frente ao prestador de serviços/fornecedor, como disposto em seu artigo 14:
“Art. 14. O fornecedor de serviços responde independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.” (BRASIL, 1990).
Diante o exposto, desprende-se que apesar da teoria da culpa, consubstanciada pelo Direito francês e influenciadora de diversas legislações mundiais, ter sido confrontada diretamente a teoria objetiva, esta não foi capaz de inutiliza-la, devido a sua limitação a abarcar todas as situações jurídicas previsíveis.
2.3 Espécies
O dinamismo social, foi capaz de elevar a ideia de vingança privada, a responsabilização pecuniária pelo dano causado. A doutrina majoritária, define as diversas espécies de responsabilidade civil, são elas: subjetiva e objetiva ; contratual e extracontratual.
2.3.1 Responsabilidade civil subjetiva e objetiva
A responsabilidade civil subjetiva, stritu sensu, preconiza o elemento culpa como um pressuposto necessário a sua caracterização. A exemplo, como outrora citado, temos o atigo 186, “aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito” (BRASIL, 2002).
Assim, despreende-se que “a culpa genérica ou lato sensu constitui, em regra, elemento necessário da conduta humana para que se crie a obrigação de reparar o dano causado” (TARTUCE, 2011, p.411).
Quanto ao ato ilícito, este compreende a conduta humana contrária às normas jurídicas e que viola direito subjetivo de outrem, causando dano patrimonial e/ou moral, estabelecendo-se o dever de repará-lo, nos termos dos arts. 927 e 944 do Código Civil (DINIZ, 2009, p.207).
Como já sabido, vez que já tratado anteriormente, apesar da responsabilidade civil subjetiva ter sido por muito tempo predominante no direito mundial, esta tornou-se insuficiente a solução de todos os casos que surgiam, ungindo assim, a necessidade (apontada pela doutrina e jurisprudência) a uma nova responsabilidade, que independesse da culpa. A essa responsabilidade deu-se o nome de objetiva.
A esse respeito, afirma Tapedino :
“a expansão da teoria objetiva na Codificação e na Jurisprudência ocorreu quando “percebeu-se a insuficiência da técnica subjetivista, também chamada aquiliana, para atender a todas as hipóteses em que os danos deveriam ser reparados” (TEPEDINO, 1999 p.175).
Dessa forma, a caracterização da responsabilidade objetiva, se desvincula totalmente da ocorrência da culpa. Mais a mais, essa responsabilidade está baseada na teoria do risco, segundo a qual aquele que exerce uma atividade criadora de perigos especiais, deve responder pelos danos que ocasionar a outrem. Pode ser encontrada, a título de exemplo, no artigo 927 do Código Civil.
Corroborando assentado entendimento acerca da responsabilidade civil objetiva, afirma Sérgio Cavalieri:
“Todo prejuízo deve ser atribuído ao seu autor e reparado por quem o causou independente de ter ou não agido com culpa. Resolve-se o problema na relação de nexo de causalidade, dispensável qualquer juízo de valor sobre a culpa” (CAVALIERI FILHO, 2008, p. 137).
2.3.2 Responsabilidade contratual e extracontratual
Além da responsabilidade civil objetiva e subjetiva, há no ordenamento jurídico brasileiro, em especial no Código Civil, a divisão da responsabilidade em contratual e extracontratual.
A responsabilidade contratual “[...] é aquela que deriva da inexecução de negócio jurídico bilateral ou unilateral, isto é, do descumprimento de uma obrigação contratual, sendo que a falta de adimplemento ou da mora no cumprimento de qualquer obrigação, gera esse ilícito contratual” (SOUZA, 2019,p.n).
Cediço, portanto, que quando duas pessoas, em comum acordo celebram um contrato, estabelecem de maneira mutua obrigações que devem ser cumpridas. Da mesma forma, ocorre com a obrigação contratual unilateral, que é uma obrigação que só se concretizará após sua bilateralização. Sobre essa responsabilidade, leciona Cezar Fiuza:
“A responsabilidade por atos unilaterais de vontade, como a promessa de recompensa é também contratual, por assemelhação, uma vez que os atos unilaterais só geram efeitos e, portanto, responsabilidade, após se bilateralizarem, Se um indivíduo promete pagar uma recompensa a que lhe restitui os documentos perdidos, só será efetivamente responsável, se e quando alguém encontrar e restituir os documentos, ou seja, depois da bilaterização da promessa.” (FIUZA, 2011, p.331).
Tendo em vista o objeto principal da responsabilidade contratual, o dever de resultado, nada mais lógico do que concluir pela presunção de culpa daquele que inadimplir o contato (também chamado de ilícito contratual).
O inadimplemento da obrigação principal pactuada pelas partes gerará uma obrigação a ela acessória, o dever de indenizar, ou seja, a reparação proporcional do dano causado, ou que se causará advindo desse descumprimento. Como se presume da simples leitura do artigo 1056 do Código Civil (“não cumprindo a obrigação, ou deixando de cumpri-la pelo modo e no tempo devidos, responde o devedor por perdas e danos”).
Ressalta-se, a existência de exceção a culpa pelo inadimplemento contratual, a qual permite a parte devedora declarar, mediante cláusula contratual expressa, caso fortuito[7] ou força maior[8], pondo a termo a exigência das obrigações. É o professo pelo disposto do artigo 393 do Código Civil (“O devedor não responde pelos prejuízos resultantes de caso fortuito ou força maior, se expressamente não se houver por eles responsabilizado”).
Já a responsabilidade extracontratual “[...] ou aquiliana é aquela que deriva de um ilícito extracontratual, isto é, da prática de um ato ilícito por pessoa capaz ou incapaz, consoante o art. l56 do CC, não havendo vínculo anterior entre as partes, por não estarem ligados por uma relação obrigacional ou contratual” (SOUZA, 2019,p.n).
Assim sendo, essa responsabilidade ocorre quando da ocorrência de lesão a um Direito, sem que tenha havido relação jurídica preexistente entre as partes envolvidas, cabendo a vítima o ônus da prova.
De fato, se mostra quase que inimaginável um caso concreto, no âmbito do profissional estético, a qual se aplique esse tipo de responsabilidade, vez que comumente, o exercício da atividade se dá após a celebração de prévio contrato.
3.DO TRATAMENTO ESTÉTICO
O tratamento estético, se mostra como a intervenção humana a modificação do corpo. Divide-se em duas vertentes: o tratamento estético reparador e embelezador.
O tratamento estético reparador, também chamada de corretiva, desempenha papel de alta relevância na vida das pessoas, vez que permite que um indivíduo que se sinta excluído ou não aceito socialmente por conta de certa deformidade, a reverta ou a diminua, para que enfim sinta-se aceito e igual.
Flávia Lucas Gomes e Cesar Peghini, assim definem o tratamento estético reparador:
“O tratamento estético reparador, ou corretiva, tem por objeto a correção de determinada deformidade física, seja ela advinda desde o nascimento ou que tenha ocorrido no decorrer da vida por algum acidente” (GOMES e PEGHINI, 2015, p.n).
Ginaldo Veloso França, acertadamente leciona a cirurgia plástica como uma espécie do tratamento reparatório, ressaltando sua importância a inclusão social do indivíduo:
“[...] a cirurgia plástica, em algumas vezes denominada reconstrutora, reparadora ou corretiva, é de indiscutível legitimidade e da mais insuspeita necessidade quando seu objetivo se destina a corrigir condições deformadoras congênitas ou adquiridas e mutilações resultantes de traumas” (FRANÇA, 2014, p.n)
A obrigação, no tratamento estético reparatório, é uma obrigação meio (que será estudada mais a fundo no próximo tópico). Dessa forma, para que haja a responsabilização do profissional estético nesses casos, é de suma importância a comprovação do nexo causal da culpa e dano, caracterizando uma responsabilidade subjetiva.
O tratamento estético embelezador, por sua vez, encontra seu ponto crucial na vaidade, vez que não se mostra urgente, mas uma simples mudança na aparência. Sobre a nítida diferença entre o tratamento estético reparatório e o embelezador, Flávia Lucas Gomes e Cesar Peghini assim dispõem:
“Nos tratamentos estéticos embelezadores, diferentemente do anterior, ele não busca uma ação corretiva, mas sim uma melhora na aparência. Neste caso, quando o paciente busca este tipo de intervenção, os motivos que o levam não são emergenciais, pois para a realização da mesma, deve estar bem de saúde” (GOMES e PEGHINI, 2015, p.n).
A obrigação no tratamento estético embelezador, diferentemente do reparatório, é uma obrigação fim (que também será estudada mais a fundo no próximo tópico). Dessa forma, condicionada a um resultado. A qual compromete-se o profissional estético a um resultado específico e imutável. Nesses casos, não se mostra necessária a comprovação da culpa, muito menos do nexo causal ao dano, caracterizando uma responsabilidade objetiva.
4. DESDOBRAMENTOS DA OBRIGAÇÃO MÉDICA
O instituto da obrigação, no Direito brasileiro, encontra respaldo legal no artigo 397 do Código Civil, segundo o qual “obrigação é o vínculo jurídico por virtude do qual uma pessoa fica adstrita para com outra à realização de uma prestação.” (BRASIL, 2002).
O doutrinador Antunes Varela a define como “o vínculo jurídico por força do qual uma pessoa tem o poder de exigir de uma outra certo comportamento (prestação), para satisfação de um interesse digno de protecção legal.” (VARELA, 1973, p.50).
Essa obrigação, quando ao enfoque na área médica, desdobra-se em duas vertentes: obrigação de meio e de resultado, os quais serão melhor analisados a seguir.
4.1Obrigação de meio
Na obrigação de meio, vislumbra-se que a relação médico-paciente, não tem a garantia de resultado satisfatório, o que há é a busca do melhor resultado possível, dentre os limites profissionais, para que se contorne a deformidade. A esse respeito, diz Hugo Alves da Silva:
“Diz-se que a obrigação é de meio quando o devedor promete empregar seus conhecimentos, meios técnicos para a obtenção de determinado resultado, sem, no entanto responsabilizar-se por ele. É o caso, por exemplo, dos advogados, que não se obrigam a vencer a causa, mas a bem defender os interesses dos clientes; bem como o dos médicos, que não se obrigam a curar, mas tratar bem os enfermos, fazendo uso de seus conhecimentos científicos” (SILVA, 2014, p.n).
Seguindo mesmo liame, os Tribunais Pátrios tem entendido que a prestação do serviço de saúde não ser condizente com o resultado esperado pelo paciente, por si só, não presume a culpa do profissional, devendo esta ser demonstrada pela vítima:
II - A prestação de serviços de saúde constitui obrigação de meio e não de resultado, pois o compromisso do profissional se restringe a envidar todos os esforços para o alcance do objetivo pretendido (em regra, a recuperação da saúde do paciente), e não à obtenção do resultado em si.
III - Ausente a demonstração da culpa da ré em sessões de fisioterapia prestadas à requerente, que demanda, para sua caracterização, prova da imprudência, negligência ou imperícia do profissional de saúde no tratamento da paciente, não há que se falar em indenização. (TJ-MG - AC: 10106160015298002 MG, Relator: João Cancio, Data de Julgamento: 04/06/2019, Data de Publicação: 10/06/2019).
Diante exposto, é o que ocorre na cirurgia reparatória ou corretiva. Não há garantia que o procedimento irá atingir o que era esperado pelo paciente. Assim, “está incluído neste tipo de cirurgia todas as que buscam uma correção de deformidade ocasionada por acidente, doenças ou até mesmo defeitos genéticos” (GOMES e PEGHINI, 2015, p.n).
4.2 Obrigação de resultado
Na obrigação de resultado, que é o caso do tratamento estético embelezador, tema central deste trabalho, o resultado contratado pelo paciente, objeto da obrigação, se mostra imutável, de forma que se o resultado não for o almejado, o médico deverá ser responsabilizado.
Tal obrigação evidencia a presunção da culpa do profissional, ou seja, sua responsabilização objetiva. Sobre as particularidades da obrigação de resultado, bem como sua responsabilização, assevera Sérgio Cavalieri Filho:
“O mesmo já não ocorre com a cirurgia estética. O objetivo do paciente é melhorar a aparência, corrigir alguma imperfeição física – afinar o nariz, eliminar as rugas do rosto etc. Nesses casos, não há dúvida, o médico assume obrigação de resultado, pois se compromete a proporcionar ao paciente o resultado pretendido. Se esse resultado não é possível, deve desde logo alertá-lo e se negar a realizar a cirurgia” (FILHO, 2014, p. 445).
Convém ressaltar que o ordenamento jurídico visa harmonizar o procedimento estético com o artigo 13 do Código Civil, proibindo o ato de disposição do próprio corpo, quando importar diminuição permanente da integridade física, ou contrariar os bons costumes.
No que tange aos atos médicos propriamente ditos e as cirurgias plásticas, realidade assente que estas são de resultado, conforme ratificado por diversas vezes em nossos Tribunais Superiores:
2. A obrigação assumida pelo médico, normalmente, é obrigação de meios, posto que objeto do contrato estabelecido com o paciente não é a cura assegurada, mas sim o compromisso do profissional no sentido de uma prestação de cuidados precisos e em consonância com a ciência médica na busca pela cura.
3. Apesar de abalizada doutrina em sentido contrário, este Superior Tribunal de Justiça tem entendido que a situação é distinta, todavia, quando o médico se compromete com o paciente a alcançar um determinado resultado, o que ocorre no caso da cirurgia plástica meramente estética. Nesta hipótese, segundo o entendimento nesta Corte Superior, o que se tem é uma obrigação de resultados e não de meios.(STJ - REsp: 236708 MG 1999/0099099-4, Relator: Ministro Carlos Fernando Mathias (Juiz Federal Convocado DO TRF, Data De Julgamento: 10/02/2009, T4 - Quarta Turma, Data De Publicação: 20090518 . Dje 18/05/2009)
Como se vê, o médico assume obrigação de resultado na cirurgia plástica estética embelezadora, porquanto se compromete em proporcionar ao paciente resultado aparente. Contudo, quando não existir viabilidade de transformação satisfatória do corpo humano, o médico deverá negar a realização da cirurgia, bem como informar ao paciente que o resultado almejado não irá ocorrer, conduta que coaduna-se com a ética profissional e o princípio da boa-fé contratual.
Perante o exposto, infere-se que a realização de intervenções cirúrgicas estéticas malsucedidas, correspondentes ao insucesso do procedimento contratado, gera a presunção de culpa do profissional que a realizou.
5.CONSIDERAÇÕES FINAIS
Percebe-se, portanto, que com o passar dos anos, com avanços sociais e tecnológicos, a responsabilidade civil passou por inúmeras mutações, consequentemente gerando os desdobramentos da responsabilização médica.
No Direito brasileiro, o médico cirurgião poderá ser responsabilizado pelas falhas técnicas que vier a cometer, porém, o grande diferencial será a responsabilidade assumida por ele, que como analisado, será subjetiva, ou seja, sem previsão a culpa.
No tratamento reparador ou corretivo, a responsabilidade, segundo entendimentos doutrinários e jurisprudenciais apresentados, se mostra de meio, logo, não se podendo garantir o resultado almejado pelo paciente, não se vinculando a um determinado padrão de beleza, por não ser o foco. Mas, ao melhor resultado que poderia ser produzido diante as limitações do profissional da saúde.
Já no tratamento estético embelezador, o cenário é totalmente diferente, vez que seu ponto crucial é a vaidade, um determinado patamar de embelezamento estabelecido em contrato, no qual o cirurgião se obriga a atingir o resultado almejado pelo paciente, respondendo por eventual inadimplemento, segundo doutrina e jurisprudência, através da responsabilidade objetiva, ou seja, sendo previsível sua culpa.
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VARELA, Antunes. Das Obrigações em Geral, Almedina, Coimbra, 1973, 2ª edição, pág. 50.
[1] É a responsabilidade advinda da prática de um ilícito ou de uma violação ao direito de outrem que, para ser provada e questionada em juízo, independe da aferição de culpa, ou de gradação de envolvimento, do agente causador do dano.
[2] Consiste na rigorosa reciprocidade do crime e da pena, apropriadamente chamada retaliação. A perspectiva da lei de talião é o de que uma pessoa que feriu outra pessoa deve ser penalizada em grau semelhante, e a pessoa que infligir tal punição deve ser a parte lesada.
[3] Era uma lei romana que dava indenização aos sujeitos feridos por culpa de alguém, estabelecida no século III a.C, na República Romana.
[4] Código civil francês outorgado por Napoleão Bonaparte e que entrou em vigor 21 de março de 1804. O Código Napoleônico propriamente dito aborda somente questões de direito civil, como as pessoas, os bens e a aquisição de propriedade.
[5] Se dará quando o causador de determinado ato ilícito atingir este resultado em razão do dolo ou da culpa em sua conduta, sendo obrigado a indenizar do dano causado apenas caso se consume sua responsabilidade.
[6] Se alguém exerce uma atividade criadora de perigos especiais, deve responder pelos danos que ocasionar a outrem.
[7] É uma circunstância provocada por fatos humanos que interfere na conduta de outros indivíduos.
[8] É aquela a que a fraqueza humana não pode resistir.
Advogado especialista em Direito penal, processual penal, civil e previdenciário.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: NETO, Godoberto dos Reis Santos. Responsabilidade civil dos profissionais de estética embelezadora no direito brasileiro Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 15 jul 2020, 04:46. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/54893/responsabilidade-civil-dos-profissionais-de-esttica-embelezadora-no-direito-brasileiro. Acesso em: 22 nov 2024.
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