Artigo Científico apresentado à Faculdade Internacional Signorelli como requisito parcial para a conclusão do Curso de Pós-graduação Lato sensu em Direito de Família, Sucessões e Testamentos. Orientadora: LUCIANA DE ALMEIDA MONTAGNA
RESUMO: As diretivas antecipadas de vontade consistem em disposições de vontade sobre cuidados e tratamentos que o manifestante deseja ou não ser submetido, a serem utilizadas em momento futuro, quando esteja impossibilitado de tomar decisões a respeito de sua vida e saúde. O instituto contempla as modalidades testamento vital e mandato duradouro. A primeira modalidade consiste na própria declaração de vontade a respeito dos cuidados que, eventualmente, deseja ou não se submeter. O mandato duradouro, por sua vez, equivale a nomeação de representante para tomar as decisões relativas à saúde do manifestante, quando este esteja impossibilitado de fazê-las, que não estejam expressas no testamento vital. Não há regulamentação por lei do instituto, no entanto o mesmo já vem sendo aplicado pela doutrina e jurisprudência pátria, inclusive com a Resolução do Conselho Federal de Medicina, sob o nº 1995/2002. Há premente necessidade de se estabelecer, mediante lei, o detalhamento do instituto, para que sejam definidos os limites e o alcance das manifestações, o que ensejará maior segurança jurídica em sua aplicação, principalmente pelos profissionais da saúde.
PALAVRAS-CHAVE: Diretivas Antecipadas de Vontade, Testamento Vital, Mandato Duradouro.
ABSTRACT: The advanced directives of will consist in dispositions of will about cares and treatments that the demonstrator wants or not to be submitted, to be used in a future moment, when he is unable to make decisions about his own life and health. The institute contemplates the modalities vital testament and long mandate. The first modalitie consists in the own declaration of will about the cares that, eventually, may or may not be submitted. The long mandate, in turn, equals the representant nomination to make decisons regardless the demonstrator health, when he is unable to make them himself, that are not expressed in the vital testament. There is no regulamentation by law of the institute, however itself has been aplicated by the doctrine and Brazilian jurisprudence, including the Federal Mecical Counsil Resolution, under the number 1995/2002. There is pressing need to establish, by law, the institute detailing, to be defined the limits and range of the manifestations, which will rise more legal security in the application, mostly by the health profesionals.
KEYWORDS: Advance Directives of Will, Vital Will, Mandate Long.
SUMÁRIO: Introdução. Revisão Bibliográfica. I- Discussões sobre o fim da vida. II- Do testamento vital. III- Do mandato duradouro. Considerações finais. Referências.
Introdução
O ordenamento jurídico brasileiro não dispõe acerca das diretivas antecipadas de vontade, no entanto o tema já é objeto de aplicação no Brasil, existindo vasta jurisprudência, o que ensejou a elaboração do projeto de Lei 149/2018, de autoria do senador Lasier Martins, que encontra-se em tramitação no Senado Federal.
A Resolução 1995, de 31 de agosto de 2002 do Conselho Federal de Medicina conceitua o instituto, em seu art. 1º, como sendo "o conjunto de desejos, prévia e expressamente manifestados pelo paciente, sobre cuidados e tratamentos que quer, ou não, receber no momento em que estiver incapacitado de expressar, livre e autonomamente, sua vontade".
As diretivas antecipadas são gênero, do qual derivam duas espécies: testamento vital e o mandato duradouro. Tais institutos serão analisados pormenorizadamente neste trabalho.
O conceito de testamento vital é aquele acima descrito, contido no art. 1º da Resolução 1995/2002. Fala-se em testamento vital, pois são medidas a serem adotadas em vida do testador, mas que por alguma razão esteja impossibilitado de fazê-las.
No entanto, as diretivas antecipadas abarcam também o mandato duradouro, que é a possibilidade de se nomear procurador para tomar decisões a respeito de cuidados ou tratamentos não dispostos expressamente no testamento vital.
A regulamentação por lei do instituto resultará em uma maior segurança jurídica aos médicos. Ao adotar a vontade do paciente de não se submeter a tratamentos que geram intenso sofrimento, que não resultam em cura, só prolongando sua vida útil, muitas vezes o médico se vê em um embate com a família do paciente e ocorre um temor de ser processado posteriormente.
O instituto ora estudado tem estreita ligação com a ortotanásia. O art. 1º, da Resolução 1805, de 9 de novembro de 2006 do Conselho Federal de Medicina, permite que o médico intervenha em procedimentos que prolonguem a vida do doente terminal, respeitando a vontade do paciente ou de seu representante legal. O fato é atípico, não se tratando de um ilícito penal. No entanto, em casos concretos é difícil identificar até que ponto o tratamento está apenas prolongando a vida do doente terminal ou se, eventualmente, poderia resultar em cura.
Assim, observa-se que as diretivas antecipadas de vontade facilitam a aplicação da ortotanásia, pois o próprio paciente em estado de lucidez afirmou a quais tratamentos não queria ser submetido.
Neste artigo, será desenvolvido um estudo sobre as diretivas antecipadas de vontade, a necessidade de sua regulamentação, a aplicação do instituto nos Tribunais Brasileiros, bem como o estudo de suas espécies (testamento vital e mandato duradouro), além da ortotanásia, instituto diretamente relacionado ao tema.
Revisão Bibliográfica.
O tema apresentado ainda é carente de normativização. Entretanto, a doutrina, há algum tempo, já se dedica ao instituto, dada a sua importância e crescente utilização. A autonomia da vontade do indivíduo para decidir acerca dos tratamentos de saúde que deseja ser submetido é o grande ponto a ser estudado. Até onde vai esta autonomia? Quais os seus limites? Ainda não sabemos, devido a falta de regulamentação. Entretanto, a autonomia é definida pela doutrina como sendo aquela "que legitima a ação do indivíduo, conformada à ordem pública e permeada pela dignidade humana e pela alteridade. Ou, em outras palavras, a autonomia privada como sendo aquela que garante que os indivíduos persigam seus interesses individuais, sem olvidar da intersubjetividade e da alteridade. Significa dizer que a autonomia privada não é o poder do indivíduo de fazer tudo o que quiser, não se traduz em uma ampla liberdade, muito pelo contrário, significa que a autonomia privada garante ao indivíduo o direito de ter seu próprio conceito de "vida boa" e de agir buscando tal objetivo, direito este que encontra barreiras na alteridade, de modo que a autodeterminação do indivíduo deve ser balizada pelas relações interpessoais e tal balizamento é feito pelas normas jurídicas."[1]
Atualmente estamos vivenciando a pandemia do coronavírus, que provoca a doença infecciosa COVID-19. Alguns pacientes desenvolvem síndrome respiratória aguda e necessitam de intubação, muitas vezes evoluindo a óbito. Ainda não há pesquisas que evidenciem que houve o aumento do número de testamentos vitais durante a pandemia. Mas a realidade é que o instituto vem sendo mais utilizado, inclusive pelos profissionais da área da saúde, que estão submetidos a maior risco de contração da doença. Antes deste momento histórico, o instituto era pouco conhecido:
Por ser uma temática recente, com poucas discussões formais e que ainda não é de domínio público no Brasil, os estudos existentes que envolvem o testamento vital são poucos e expressam-se de forma insuficiente e escassa, demonstrando, por consequência, que os profissionais da saúde têm pouco conhecimento acerca do tema. Em um estudo que objetivou evidenciar o entendimento dos sujeitos da área médica em relação ao tema, foi observado que menos de 40% dos participantes afirmaram conhecer o documento. (...)
O conhecimento dos pacientes acerca do Testamento Vital ainda é muito deficiente. Campos e colaboradores avaliaram a percepção de pacientes oncológicos e seus acompanhantes quanto ao TV, constatando que 94,5% dos pacientes e 88,7% dos acompanhantes não tinham conhecimento dos termos "testamento vital", "testamento biológico" ou "diretivas antecipadas de vontade", porém eles foram favoráveis à sua implementação no Brasil e, também, declararam que o fariam. O conhecimento dos profissionais médicos acerca do TV obteve um valor médio de 5,88 na escala Likert, (intervalo de 0 - 10), no estudo de Stolz e colaboradores 19, o que confere um conhecimento médio em relação ao TV. Pode-se considerar, entretanto, que este conhecimento não vem sendo incidido para os pacientes. [2]
Outro panorama do tema a ser estudado é a resistência de sua aplicação pelos profissionais da saúde, tendo em vista a insegurança jurídica que o instituto proporciona, devido a falta de regulamentação. Os profissionais temem por futuras responsabilizações, caso o paciente venha a óbito, já que os familiares, a maioria das vezes, não respeitam a vontade do convalescente.
Em pesquisa realizada em 2015, concluiu-se que apenas 60,77% dos profissionais da saúde disseram aplicar as decisões dos pacientes firmadas em testamento vital:
Tais questões foram recentemente levantadas, com a publicação da Resolução 1.995/2012 pelo Conselho Federal de Medicina (CFM), a qual reconhece a validade das diretivas antecipadas de vontade e ampara o médico que seguir suas determinações 7 . Embora tenha força normativa, de forma que o descumprimento das ações previstas fere o Código de Ética Médica (CEM), a resolução não encontra regulamentação no Código Civil 13. A ausência de posicionamento definitivo na área legislativa pode aumentar a insegurança dos profissionais em seguir as determinações de um paciente 14,15. Pesquisas que procuram identificar a atitude dos profissionais em relação ao testamento vital mostram que apenas 60,77% dos entrevistados declararam seguir as decisões dos pacientes. [3]
I - Discussões sobre o fim da vida
O direito e a medicina tentam definir os marcos do início e do fim da vida. Há algum tempo foi adotado o critério de parada cardiorrespiratória como definidor de morte. Com o avanço da medicina, atualmente, considera-se morto aquele que teve a cessação das atividades do tronco encefálico. A Lei nº 9.434/97 (Lei de Transplantes de Órgãos e Tecidos) coloca a definição de morte a cargo de regulamentação de resolução do Conselho Federal de Medicina. Para tanto, foi editada a Resolução nº 2.173/17, que define os critérios do diagnóstico de morte encefálica.
Há uma tendência moderna, em alguns países europeus, de se considerar também como morte o estado vegetativo persistente, no qual existem atividades cerebrais, porém o córtex e o tronco cerebral não funcionam mais. Nessa condição, o indivíduo não possui mais funções voluntárias. O estado vegetativo difere-se do coma, uma vez que neste ocorre um rebaixamento no nível de consciência e há, em alguns casos, possibilidade de melhora. No Brasil, tal tendência não é adotada.
Do panorama científico e jurídico há critérios predefinidos do conceito de vida e morte. Mas como cada indivíduo compreende o que é estar vivo? Os critérios religiosos e morais podem ser levados em conta na autonomia da vontade de cada um? Estar "ligado" por aparelhos, em ventilação mecânica é estar vivo? Saber que possui uma doença terminal, sem chance de cura, sendo submetido a tratamentos muitas vezes dolorosos, é uma condição digna? São inúmeros questionamentos que nos fazem perceber como a autonomia do indivíduo precisa ser respeitada.
Nos tratamentos médicos, atualmente o modelo mais utilizado é o paternalista, no qual se considera que o profissional da saúde é quem possui conhecimento técnico e deve definir qual é o melhor tratamento para o paciente. Existe também o modelo autonomista, no qual o paciente, após ser devidamente informado da doença ou debilidade que possui, decide qual rumo tomar. O ideal é se atingir um equilíbrio entre os modelos paternalista e autonomista, em que haja uma decisão compartilhada entre o profissional da saúde e o paciente.
O princípio da dignidade da pessoa humana, possui um aspecto hermenêutico, que inspira e limita a interpretação de todo o ordenamento jurídico. O art. 15 do Código Civil dispõe que "Ninguém pode ser constrangido a submeter-se, com risco de vida, a tratamento médico ou a intervenção cirúrgica". Deste modo, percebe-se que o direito civil se preocupa com a autonomia da vontade do indivíduo. Através da interpretação deste artigo, em consonância com o princípio da dignidade humana, os estudiosos entendem a permissão no Brasil da ortotanásia, o que não ocorre com a eutanásia.
A eutanásia consiste em pôr fim a vida de um paciente terminal. A morte assistida visa auxiliar um doente terminal a morrer, através do suicídio assistido ou através de um profissional de saúde (eutanásia). Atualmente, Holanda, Bélgica, Suíça e Luxemburgo, através de modelos diferentes, admitem a eutanásia. Já o suicídio assistido é admitido em diversos países. No Brasil, ambas as práticas são ilícitas.
A eutanásia inclusive é considerada homicídio privilegiado, previsto no art. 121, §1º do Código Penal, que estabelece: “Art. 121: Matar alguém; §1º Se o agente comete o crime impelido por motivo de relevante valor social ou moral, ou sob o domínio de violenta emoção, logo em seguida a injusta provocação da vítima, o juiz pode reduzir a pena de um sexto a um terço”.
No Brasil, ficou em evidência o caso de uma médica de Cuiabá/MT, de 36 anos, que possuía doença degenerativa crônica que lhe causava intenso sofrimento, que anunciou, em 2018, nas redes sociais, que faria viagem à Suíça, a fim de se submeter a suicídio assistido, em clínica especializada para doentes terminais, naquele país, já que, no Brasil, tal prática é vedada. Por fim, a médica desistiu do procedimento e veio a falecer de morte natural. No entanto, tal caso deu evidência ao tema e a discussões de sua possível admissibilidade futura no País.
A ortotanásia, por sua vez, não consiste em uma intervenção positiva com o fim de colocar termo a vida do paciente terminal. O que ocorre é uma condição passiva, na qual não são interpostos meios artificiais que prolonguem a vida do paciente. Não é considerada um tipo penal e é admitida no Brasil. Como muitas vezes o paciente terminal não possui condições de fazer a escolha se quer tentar todos os meios, inclusive artificiais de sobrevivência, ou se deseja abrir mão deles, pode, quando ainda em lucidez, estabelecer as diretivas antecipadas de vontade, através do testamento vital ou ainda do mandato duradouro.
II - Do Testamento Vital
As diretivas antecipadas de vontade, também chamadas de declarações antecipadas de vontade, consistem em disposições de vontade pré-estabelecidas, para serem utilizadas em eventual momento futuro, quando por doença ou outro tipo de impossibilidade o indivíduo não possa expressar sua vontade. A Resolução 1995, de 31 de agosto de 2002 do Conselho Federal de Medicina conceitua o instituto, em seu art. 1º, como sendo "o conjunto de desejos, prévia e expressamente manifestados pelo paciente, sobre cuidados e tratamentos que quer, ou não, receber no momento em que estiver incapacitado de expressar, livre e autonomamente, sua vontade".
O testamento vital é espécie do gênero diretrizes antecipadas de vontade, juntamente com o mandato duradouro, que será adiante estudado. Esta primeira espécie, confunde-se com o conceito estabelecido pelo Conselho Federal de Medicina. No testamento vital, em qualquer idade ou condição de saúde, o indivíduo pode estabelecer diretrizes para um possível tratamento de saúde futuro, inclusive se deseja ou não ser reanimado por meios artificiais ou ser mantido por eles.
Difere-se o testamento comum, regulamentado pelo Código Civil e outras normativas, uma vez que neste as disposições são para após a morte, como por exemplo divisão de bens, orientações para velório e sepultamento. Já no testamento vital, são estabelecidas vontades a serem aplicadas ainda em vida do testador, a respeito de tratamentos de saúde que deseja ou não ser submetido.
Apesar da Resolução do Conselho Federal de Medicina, não há lei específica que regulamente tal instituto. Deste modo, não há forma preestabelecida para o testamento vital, entendendo alguns doutrinadores que possa realizado até mesmo oralmente, expondo o paciente suas vontades ao profissional da saúde.
No entanto, para que seja propiciada maior segurança jurídica ao médico, inclusive para se evitar eventuais futuros embates judiciais entre profissionais da saúde e a família do convalescente, o mais acertado é que tais disposições sejam feitas através de instrumento público.
Em Minas Gerais, o Provimento 260/2013 da Corregedoria Nacional de Justiça, prevê a lavratura de escritura pública das declarações antecipadas de vontade:
Art. 259. Poderá ser lavrada por instrumento público a declaração antecipada de vontade de pessoa capaz, também denominada diretrizes antecipadas, que se consubstancia em um conjunto de instruções e vontades a respeito do corpo, da personalidade e da administração familiar e patrimonial para eventualidade de moléstia grave ou acidente que venha a impedir a pessoa de expressar sua vontade.
Art. 260. Pela declaração antecipada de vontade, o declarante poderá orientar os profissionais médicos sobre cuidados e tratamentos que quer, ou não, receber no momento em que estiver incapacitado de expressar, livre e autonomamente sua vontade.
Assim, o testamento vital, para maior segurança jurídica, pode ser lavrado perante o Tabelião de Notas.
Os Tribunais Brasileiros já utilizam o instituto há alguns anos, conforme se observa dos excertos a seguir:
APELAÇÃO CÍVEL. ASSISTÊNCIA À SAÚDE. BIODIREITO. ORTOTANÁSIA. TESTAMENTO VITAL. 1. Se o paciente, com o pé esquerdo necrosado, se nega à amputação, preferindo, conforme laudo psicológico, morrer para "aliviar o sofrimento"; e, conforme laudo psiquiátrico, se encontra em pleno gozo das faculdades mentais, o Estado não pode invadir seu corpo e realizar a cirurgia mutilatória contra a sua vontade, mesmo que seja pelo motivo nobre de salvar sua vida. 2. O caso se insere no denominado biodireito, na dimensão da ortotanásia, que vem a ser a morte no seu devido tempo, sem prolongar a vida por meios artificiais, ou além do que seria o processo natural. 3. O direito à vida garantido no art. 5º, caput, deve ser combinado com o princípio da dignidade da pessoa, previsto no art. 1º, III, ambos da CF, isto é, vida com dignidade ou razoável qualidade. A Constituição institui o direito à vida, não o dever à vida, razão pela qual não se admite que o paciente seja obrigado a se submeter a tratamento ou cirurgia, máxime quando mutilatória. Ademais, na esfera infraconstitucional, o fato de o art. 15 do CC proibir tratamento médico ou intervenção cirúrgica quando há risco de vida, não quer dizer que, não havendo risco, ou mesmo quando para salvar a vida, a pessoa pode ser constrangida a tal. 4. Nas circunstâncias, a fim de preservar o médico de eventual acusação de terceiros, tem-se que o paciente, pelo quanto consta nos autos, fez o denominado testamento vital, que figura na Resolução nº 1995/2012, do Conselho Federal de Medicina. 5. Apelação desprovida. (Apelação Cível Nº 70054988266, Primeira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Irineu Mariani, Julgado em 20/11/2013).
JURISDIÇÃO VOLUNTÁRIA. DIRETIVAS ANTECIPADAS DE VONTADE. ORTOTANÁSIA. Pretensão de estabelecer limites à atuação médica no caso de situação futura de grave e irreversível enfermidade, visando o emprego de mecanismos artificiais que prologuem o sofrimento da paciente. Sentença de extinção do processo por falta de interesse de agir. Manifestação de vontade na elaboração de testamento vital gera efeitos independentemente da chancela judicial. Jurisdição voluntária com função integrativa da vontade do interessado cabível apenas aos casos previstos em lei. Manifestação que pode ser feita por meio de cartório extrajudicial. Desnecessidade de movimentar o Judiciário apenas para atestar sua sanidade no momento da declaração de vontade. Cartório Extrajudicial pode atestar a livre e consciente manifestação de vontade e, caso queira cautela adicional, a autora poderá se valer de testemunhas e atestados médicos. Declaração do direito à ortotanásia. Autora que não sofre de qualquer doença. Pleito declaratório não pode ser utilizado em caráter genérico e abstrato. Falta de interesse de agir verificada. Precedentes. Sentença de extinção mantida. Recurso não provido (Apelação Cível 1000938-13.2016.8.26.0100, Primeira Seção Cível, Tribunal de Justiça de São Paulo, Relatora: Mary Grun, Data do julgamento: 10/04/2019).
No entanto, tal prática ainda não é tão usual entre os mais jovens. A verdade é que historicamente, a morte é vista como algo ruim, sendo juntamente com os problemas de saúde um fato que evita-se pensar. O testamento vital, embora sendo um instituto novo, já vinha sendo utilizado, em grande parte, por pessoas idosas.
Agora, o panorama pode mudar. Recentemente, o mundo foi atingido pela pandemia do coronavírus. Um vírus que se espalha rapidamente e causa a doença infecciosa COVID-19. Para o tratamento, muitas vezes é necessário utilizar ventiladores artificiais, através de intubação mecânica.
O mundo foi forçado a ser submetido ao isolamento social, como forma de evitar a propagação do vírus. No entanto, ainda assim, milhares de mortes estão ocorrendo todos os dias e alguns sistemas de saúde já não conseguem mais atender a tantos pacientes, que necessitam de internação e ventilação artificial.
Assim, a tendência moderna é que os jovens também façam o testamento vital, no qual pode constar se deseja ou não ser submetido a ventilação mecânica ou se deseja apenas cuidados paliativos, nos casos em que a morte se mostre inevitável, devido ao grau avançado da COVID-19.
Já há casos pelo mundo de pessoas que cederam seu ventilador artificial para outras pessoas com maior chances de cura, ou mais jovens, o que, em tese, também poderia estar disposto em um testamento vital, ao abrir-se mão deste tipo de intervenção artificial, em casos de chances pequenas de cura. Escolhas trágicas, que em regra são praticadas pelos profissionais da saúde, mas que necessitam ser feitas nesse momento histórico de pandemia. Há que ser feito um sopesamento, dentro dos casos concretos, a fim de se averiguar quem possui mais chances de sobrevivência, dentre outros valores, já que uma vida não vale mais que outra.
Deste modo, podemos concluir que as disposições das diretrizes antecipadas de vontade, por meio do testamento vital, visam garantir a dignidade humana do paciente terminal, para que tenha o direito de escolher como se dará o fim de sua vida, se submetendo ou não a tratamentos meramente mantenedores de uma sobrevida, muitas vezes dolorosa e sem expectativa de cura.
III - Do Mandato Duradouro
O mandato duradouro, por sua vez, é a indicação de alguém para que decida, em seu lugar, a respeito de cuidados ou tratamentos não dispostos expressamente no testamento vital. Ou seja, o testamento vital e o mandato duradouro não são opções conflitantes, podendo coexistir, inclusive no mesmo documento.
O direito internacional já conta com a normativização das diretivas antecipadas de vontade, inclusive já existe estudo afirmando que o mandato duradouro é mais utilizado que o testamento vital. Para os profissionais de saúde é mais seguro confiar na decisão de um parente ou pessoa indicada, do que na declaração do convalescente ou doente terminal, uma vez que são os familiares que geralmente ingressam com futuras ações judiciais questionando as decisões médicas. Vejamos:
Alguns dados sobre a experiência norte-americana são úteis para analisar a efetividade desdes mecanismos. Estudos afirmam que há pouca adesão ao modelo do testamento vital, sendo mais frequente a lavratura do mandato duradouro; em razão da baixa interação entre médico e paciente, a impossibilidade de previsão sobre o que o paciente desejará diante de um diagnóstico fatal, a dificuldade de transferência de desejos para um documento, assim como a utilização de termos genéricos e o custo para elaboração do documento (DADALTO, 2018). Ainda, pesquisas afirmam que 39,4% dos cidadãos que manifestam sua vontade optam por fazer o testamento vital e o mandato duradouro em um mesmo documento, enquanto 21,3% fazem apenas o mandato duradouro e 6,8% apenas o testamento vital (DADALTO 2013).[4]
O procurador fará escolhas que prevalecerão sobre as da família do convalescente. Como não há regulamentação, não há como saber se é necessário comprovar vínculo de parentesco para a indicação, se o procurador receberia alguma contraprestação ou se incorreria em alguma penalidade, caso descumprisse o encargo.
O instituto é importante, tendo em vista a segurança jurídica que proporciona. O Provimento nº 260/2013 da Corregedoria Geral de Justiça de Minas Gerais estabelece a possibilidade de lavratura perante o Tabelionato de Notas, em seu art. 261: “No instrumento público lavrado no Livro de Notas (Livro N) em que for feita a declaração antecipada de vontade, o declarante poderá constituir procuradores para, na eventualidade de não poder expressar sua vontade, administrar seus bens e representá-lo perante médicos e hospitais sobre cuidados e tratamentos a que será submetido, sendo, neste caso, considerados praticados 2 (dois) atos, quais sejam a lavratura de uma escritura pública declaratória e a de uma procuração.”
Embora a doutrina não exija a forma pública para as declarações antecipadas de vontade, o documento produzido no Tabelionato de Notas é dotado de fé pública e confere maior segurança jurídica ao ato.
Considerações Finais
As diretrizes antecipadas de vontade são realidade no nosso cotidiano e a tendência é que, cada vez mais, o instituto seja utilizado, tendo em vista a autonomia que os indivíduos tanto almejam e por se tratar de decisões personalíssimas, que envolvem sofrimento e consequências jurídicas e sociais.
Escolher como será o fim de sua vida, caso aconteça um acidente ou doença que o impossibilite de fazer no futuro, dá tranquilidade aos familiares e segurança jurídica aos médicos, ao executar o testamento vital.
Embora o Conselho Federal de Medicina admita as diretrizes antecipadas de vontade, a necessidade de sua regulamentação por lei é premente. O instituto precisa ser detalhado, detalhando-se suas nuances, como o que pode ou não ser objeto do testamento vital, até que ponto a autonomia da vontade do paciente será respeitada, quem pode ser indicado como procurador no mandato duradouro, dentre diversos questionamentos que permeiam o instituto.
O instituto é de fundamental importância, já que a dignidade humana possui diversos vetores, sendo um deles o direito de viver uma vida digna. A prolongação da vida por meios artificiais e ser submetido a tratamentos sofridos que não possuem chance de cura, muitas vezes, fere o princípio fundamental da República Federativa do Brasil. Assim, as diretrizes antecipadas de vontade vieram para que o indivíduo possa ter a autonomia de escolher o que é melhor para si, nas situações em que não houver possibilidades de melhora.
CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA. Dispõe sobre as diretivas antecipadas de vontade sobre tratamentos de saúde. Resolução 1805, de 9 de novembro de 2006. Lex: Diário do Senado Federal, nº 37, p. 985-992 .
______. Dispõe sobre as diretivas antecipadas de vontade dos pacientes. Resolução 1995 de 31 de agosto de 2002. Lex: Diário Oficial da União, Brasília, Seção 1, p.269-270.
DADALTO, Luciana. Testamento Vital. 4. ed. São Paulo: Foco, 2018. 176 p.
FABRO, R. E.; MASSAROLI, F. As diretivas antecipadas de vontade na jurisprudência brasileira. Seminário de Iniciação Científica e Seminário Integrado de Ensino, Pesquisa e Extensão, 13 set. 2017. Disponível em: <https://www.migalhas.com.br/dePeso/16,MI257492,51045As+diretivas+antecipadas+de+vontade+na+jurisprudencia+brasileira.>. Acesso em: 17/12/2019.
NETO, José Antônio Chehuen, et al. Testamento Vital: o que pensam profissionais de saúde?. Revista Bioética, LOCAL, vol. 23, n. 3, p. 573, 2015. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/bioet/v23n3/1983-8034-bioet-23-3-0572.pdf>. Acesso em:
27 maio de 2020.
OLIVEIRA, Eduardo Henrique de, Diretivas Antecipadas de Vontade: Uma reflexão sob a metodologia civil - constitucional. Juiz de Fora. 2019. 25 f. Disponível em: <repositorio.ufjf.br:8080/jspui/bitstream/ufjf/11077/1/eduardohenriquedeoliveira.pdf>. Acesso em 30 maio 2020.
PIRÔPO, Uanderson Silva, et al. Interface do testamento vital com a bioética, atuação profissional e autonomia do paciente. Revista Salud Pública, Bogotá, vol. 20, nº 4, jul./ago. 2018.
[1] DADALTO, Luciana. Testamento Vital. 4ª Edição. 2018. Editora Foco.
[2] Pirôpo, Uanderson Silva, Damasceno, Rudson Oliveira, Rosa, Randson Souza, Sena, Edite Lago da Silva, Yarid, Sérgio Donha, Boery, Rita Narriman Silva de Oliveira. Interface do testamento vital com a bioética, atuação profissional e autonomia do paciente. Rev. Salud Pública, vol. 20, nº 4, Bogotá, jul./ago. 2018.
[3] CHEHUEN NETO, José Antônio et al. Testamento Vital: o que pensam profissionais de saúde?. In Revista Bioética, vol. 23, n. 3, 2015, p. 573. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/bioet/v23n3/1983-8034-bioet-23-3-0572.pdf>. Acesso em 27 de maio de 2020.
[4] OLIVEIRA, Eduardo Henrique de, Diretivas Antecipadas de Vontade: Uma reflexão sob a metodologia civil constitucional. 2019. Disponível em: <repositorio.ufjf.br:8080/jspui/bitstream/ufjf/11077/1/eduardohenriquedeoliveira.pdf> Acesso em 30 mai. 2020.
Pós graduanda pela Faculdade Internacional Signorelli.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SILVA, Danielle de Assis. Diretivas antecipadas de vontade e suas implicações jurídicas Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 22 jul 2020, 04:21. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/54925/diretivas-antecipadas-de-vontade-e-suas-implicaes-jurdicas. Acesso em: 22 nov 2024.
Por: Maria Laura de Sousa Silva
Por: Franklin Ribeiro
Por: Marcele Tavares Mathias Lopes Nogueira
Por: Jaqueline Lopes Ribeiro
Precisa estar logado para fazer comentários.