RESUMO: O presente artigo se propõe a analisar relevância do princípio da segurança jurídica, direito fundamental, no contexto da ação civil pública por ato de improbidade administrativa. A referida análise se mostra necessária em razão da existência da caracterização aberta de alguns atos de improbidade administrativa, o que possibilita a existência de interpretações divergentes acerca de um mesmo fato, o que traz um clima de insegurança nas relações jurídicas. Para tanto, serão analisadas posições de doutrinadores que tratam dos temas abordados, além de artigos científicos e dissertações que tratam do mesmo tema, utilizando-se do método dedutivo para se chegar a uma conclusão.
Palavras-chave: Segurança jurídica. Improbidade administrativa. Interpretação.
ABSTRACT: This article aims to analyze the relevance of the principle of legal certainty, a fundamental right, in the context of public civil action for administrative misconduct. Said analysis is necessary due to the existence of open characterization of some acts of administrative improbity, which allows the existence of divergent interpretations about the same fact, which brings an atmosphere of insecurity in juridical relationships. To this end, positions of doctrines that deal with the topics covered will be analyzed, in addition to scientific articles and dissertations that deal with the same topic, using the deductive method to reach a conclusion.
Keywords: Legal security. Administrative dishonesty. Interpretation.
SUMÁRIO: Introdução. 1. O princípio da segurança jurídica como direito fundamental. 2. A segurança jurídica na ação civil pública por ato de improbidade administrativa. Considerações finais. Referências Bibliográficas
INTRODUÇÃO
O princípio da segurança jurídica sempre teve uma posição de destaque no ordenamento jurídico pátrio como uma como forma de garantir a estabilidade das relações jurídicas em todas as áreas do direito, em especial no direito privado. No entanto, após a promulgação da Constituição de 1988, o princípio em comento alcançou status constitucional e passou a permear de forma mais incisiva todas as áreas do direito, inclusive o direito administrativo.
Nesse sentido, o princípio da segurança jurídica adquiriu especial importância no âmbito do direito administrativo sancionador, o qual engloba a ação civil pública por ato de improbidade administrativa, isso porque se tratando de uma espécie punitiva deve possuir interpretações previsíveis a fim de garantir a estabilidade das relações jurídicas também nessa seara do direito.
1. O princípio da segurança jurídica como direito fundamental
O princípio da segurança jurídica é considerado como expressão da não surpresa da previsibilidade e da não surpresa no mundo jurídico, o qual deve nortear as relações jurídicas.
O princípio da segurança jurídica, direito fundamental, está previsto no art. 5º, XXXVI, da Constituição Federal, nos seguintes termos “a lei não prejudicará o direito adquirido, a coisa julgada e o ato jurídico perfeito”.
Para Maria Sylvia Zanella de Pietro¹ o princípio da segurança jurídica possui duas vertentes, uma objetiva, relacionada à estabilidade das relações jurídicas e outra subjetiva, que corresponde à boa fé e à confiança que deve nortear as ações humanas, especialmente no mundo jurídico.
De igual modo, José dos Santos Carvalho Filho² sustenta que as duas faces do princípio da segurança jurídica são a estabilidade, em termos similares aos trazidos por Maria Sylvia Zanella de Pietro e a certeza, que equivale ao conhecimento seguro das normas, o que abrange sua interpretação, a qual deve variar em um limite conhecido, o que justifica a utilização da jurisprudência dos tribunais superiores de forma vinculante, bem como do sistema de precedentes.
No mesmo sentido, Geraldo Ataliba³ afirma que a certeza é fundamento para a segurança jurídica, razão pela qual deve nortear as relações jurídicas, em seus diversos campos de atuação.
Já Celso Antônio Bandeira de Melo afirma que em razão da sua importância para a manutenção da ordem jurídica o princípio da segurança jurídica é um dos princípios mais importantes entre os princípios gerais do direito, chegando a afirmar ainda se não seria o mais importante entre os referidos princípios:
“Ora bem, é sabido e ressabido que a ordem jurídica corresponde a um quadro normativo proposto precisamente para que as pessoas possam se orientar, sabendo, pois de antemão, o que devem o que podem fazer, tendo em vista as ulteriores consequências imputáveis a seus atos. O Direito propõe-se a ensejar uma certa estabilidade, de um mínimo de certeza na regência da vida social. Daí o chamado princípio da segurança jurídica, o qual, bem por isto, se não é o mais importante de todos os princípios gerais do Direito, é indisputavelmente, um dos mais importantes entre eles.” (Curso de Direito Administrativo, vigésima sexta edição, São Paulo, Malheiros, 2009, p. 124)4
No campo processual civil Luiz Guilherme Marinoni5 afirma que apesar da Constituição Federal não prever expressamente o princípio da segurança jurídica no processo, o referido princípio é um dos fundamentos do Estado Constitucional, sendo considerado um valor supremo, tendo em vista que se trata de um direito fundamental e considera que a segurança jurídica está presente no art. 5º, XXXVI, da Constituição Federal, o qual trata a coisa julgada como garantia fundamental e traz como um dos argumentos da sua conclusão o exemplo da coisa julgada, vejamos:
“A segurança jurídica exige respeito à coisa julgada. A Constituição é expressa em determiná-lo ao legislador infraconstitucional (art. 5º, XXXVI). Isso quer dizer que é vedado ao legislador atuar de modo a enfraquecer ou abolir a coisa julgada no Estado Constitucional.”
2. A segurança jurídica na ação civil pública por ato de improbidade administrativa
Pela exposição acima, é possível observar que a segurança jurídica é sinônimo de certeza e estabilidade nas relações jurídicas, isso porque a multiplicidade de interpretações possíveis de determinado dispositivo legal vai de encontro à referida garantia constitucional. Outrossim, ainda que seja possível a existência de decisões divergentes, o que viola o princípio da segurança jurídica é ausência de previsão.
Nesse sentido, quando se trata de interpretação de princípios a possibilidade de uma interpretação divergente e lacunosa se mostra mais maior, isso porque em razão da ausência de conteúdo jurídico, uma vez que estamos tratando de valores, os quais possuem uma variação de acordos com os parâmetros utilizados, além de um alto grau de subjetividade.
A partir de tais considerações se pode então observar que nos casos em que a fundamentação e interpretação da violação a um princípio constitucional administrativo previsto no “caput” do art. 10, da lei n.º 8.429/92 é realizada de forma genérica, com a utilização de conceitos gerais indeterminados e sem uniformidade nos julgamentos, o princípio da segurança jurídica é violado, tendo em vista que não se tem parâmetros objetivos para que se possa verificar porque o referido princípio foi violado.
Dessa forma, o agente público, no desempenho de suas funções não terá parâmetros objetivos para se basear no momento da tomada de decisões sem o risco de que tal conduta venha a ser considerada como violadora do princípio da moralidade administrativa em razão de um leque de decisões não uniformes acerca do tema, o que gera um estado de insegurança jurídica nas relações jurídicas.
De igual modo, a situação acima mencionada vai de encontro às posições defendidas pelos doutrinadores mencionados nesse tópico quando tratam do tema da segurança jurídica, isso porque os resultados demonstraram que os julgados analisados, quando tratam da violação ao princípio da moralidade são desprovidos de certeza, já que possuem fundamentos não uniformes em razão de tratarem de valores, conforme já mencionado, quadro que se contrapõe aos ditames do Estado Democrático de Direito.
CONCLUSÃO
Diante da análise acima realizada é possível concluir que após a promulgação da Constituição Federal de 1988 e a elevação do princípio da segurança jurídica ao patamar constitucional, protegido pela imutabilidade, tendo em vista que se trata de cláusula pétrea sua influência no direito alcançou um maior espaço de abrangência, no qual se inclui o direito administrativo sancionar, razão pela qual a tipificação de qualquer conduta no âmbito da administração pública que enseje uma punição administrativa ou judicial necessita observar o princípio em comento sob pena de violar direito fundamental.
Nesse sentido, ainda se pode concluir que a realização de interpretações abertas acerca dos princípios constitucionais administrativos previstos no “caput’ do art. 37 da Constituição Federal no momento da análise acerca da prática de atos de improbidade administrativa, em especial aos atos de improbidade administrativa previstos no ‘caput’ do art. 11, da Lei n.º 8.429/92 pode vir a violar o princípio constitucional da segurança jurídica, tendo em vista a ausência de previsibilidade e parâmetros objetivos para o administrador público no momento da tomadas de decisões.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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BARROSO, Luís Roberto. Vinte anos da Constituição brasileira de 1988: O Estado a que chegamos. In: Retrospectiva dos 20 Anos da Constituição Federal. AGRA, Walber de Moura (coord.). São Paulo: Saraiva, 2009.
BINENBOJM, Gustavo. Constitucionalização do Direito Administrativo no Brasil: um inventário de avanços e retrocessos. Revista Eletrônica sobre a Reforma do Estado (RERE), Salvador, Instituto Brasileiro de Direito Público, nº 13, março/abril/maio, 2008. Disponível em: < http://www.direitodoestado.com.br/rere.asp >. Acesso em 06.06.2020.
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 34º ed., São Paulo, Ed. Gen Jurídico, 2020.
DALLARI, Adilson de Abreu. Carlos Valder do Nascimento. Ives Gandra da Silva Martins. Tratado de Direito Administrativo. São Paulo. Ed. Saraiva. 2013.
DI PIETRO. Maria Sylvia Zanella. Teoria geral e princípios do direito administrativo. 33º ed., Rio de Janeiro, Editora Forense, 2020
MARINONI, Luiz Guilherme, Sérgio Cruz Arenht e Daniel Mitidiero. Curso de Direito Processual Civil. Volume 1, Teoria do Processo Civil. 3º ed., São Paulo, RT, 2017
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 22ª ed. São Paulo. Ed. Malheiros, 1997.
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 26ª ed. São Paulo. Ed. Malheiros, 2009.
SUNDFELD, Carlos Ari. Direito Administrativo para Céticos. 2º ed. 2º tiragem. Ed. Malheiros. São Paulo, 2017.
NOTAS:
1. DI PIETRO. Maria Sylvia Zanella. Teoria geral e princípios do direito administrativo.
2. CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo
3. ATALIBA, Geraldo. Hipótese de incidência tributária.
4. MELO, Celso Antônio Bandeira de Melo. Curso de direito administrativo.
5. MARININI, Luiz Guilherme. Curso de direito processual civil, Volume I
Juíza de Direito Substituta do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios, Especialista em Função Social do Direito pela Universidade do Sul de Santa Catarina – UNISUL, Mestranda em Políticas Públicas pelo Centro Universitário de Brasília – UNICEUB, Professora de Direito Constitucional e Administrativo da Escola de Magistratura do Distrito Federal – ESMA.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SA, Acacia Regina Soares de. O princípio da segurança jurídica e a ação civil pública por ato de improbidade administrativa Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 20 ago 2020, 04:57. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/55082/o-princpio-da-segurana-jurdica-e-a-ao-civil-pblica-por-ato-de-improbidade-administrativa. Acesso em: 22 nov 2024.
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