Resumo: A presente pesquisa buscou compreender as mudanças promovidas pela lei 13.964/2019, porquanto a seara das cautelares penais clama por um estudo direcionado a partir dessa reforma, prevenindo assim os conflitos que os estudiosos do Direito possam encontrar à analisar as novas disposições existentes no diploma processual penal, com enfoque no que se refere à prisão cautelar. A rigor, justifica-se este estudo para iluminar o debate sobre a nova abordagem que a prisão preventiva possui após a vigência do “pacote anticrime”, atualizando as perspectivas a serem enfrentadas nesta disciplina dogmática. Destaca-se, ainda, que as medidas cautelares ocupam um papel de destaque no âmbito processual penal, primordialmente a prisão preventiva. Importar destacar, por sua vez, que a presente pesquisa, valendo-se de uma abordagem analítica e hipotética dedutiva, objetivou trazer as perspectivas advindas das alterações legislativas impostas pela lei processual no âmbito da prisão preventiva e das demais modalidades de prisão cautelar.
Palavras-chave: Medida Cautelar – Prisão – Processo Penal.
Abstract: The present research sought to understand the changes promoted by law 13,964 / 2019, as the area of penal precautions calls for a study directed from this reform, thus preventing conflicts that law scholars may encounter when analyzing the new provisions existing in the criminal procedural diploma, focusing on precautionary detention. Strictly speaking, this study is justified to illuminate the debate about the new approach that preventive detention has after the “anti-crime package” was in force, updating the perspectives to be faced in this dogmatic discipline. It is also noteworthy that precautionary measures occupy a prominent role in the criminal procedural scope, primarily preventive detention. It is important to highlight, in turn, that the present research, using an analytical and hypothetical deductive approach, aimed to bring the perspectives arising from the legislative changes imposed by the procedural law in the context of pre-trial detention and other forms of pre-trial detention.
Key-words: Precautionary Measure - Prison - Criminal Procedure.
SUMÁRIO: 1. Das Considerações Iniciais – 2. Das Medidas Cautelares – 3. Princípios Processuais Penais na Constituição de 1988 – 4. As Alterações Promovidas pelo Pacote Anticrime - 5. Conclusão. – Referências.
1.DAS CONSIDERAÇÕES INICIAIS
Diante das relevantes mudanças no Código de Processo Penal, promovidas pela lei 13.964/2019, a seara das cautelares penais clama por um estudo direcionado a partir dessa reforma, prevenindo assim os conflitos que os estudiosos do Direito possam encontrar à analisar as novas disposições existentes no diploma processual penal, com enfoque no que se refere à prisão cautelar. Até porque as alterações legislativas não podem ser compreendidas com uma simples leitura superficial do texto legal, e sim com uma análise de suas novidades e perspectivas, levando-se em consideração que a aprovação da lei contou com argumentos pró corrupção, fato esse que torna o estudo mais delicado para analisar se, no que toca as medidas cautelares, os preceitos constitucionais foram respeitados.
Nesse sentido, o artigo trouxe como hipótese de estudo a revelação das perspectivas atuais às prisões cautelares após a promulgação e vigência da lei 13.964/2019 (conhecida pela mídia como “pacote anticrime”, conquanto seja ilógico pensar num pacote pró-crime). Assim, a pesquisa desenvolvida analisou criteriosamente a sistemática das medidas cautelares diante das alterações e inovações perpetradas legislativamente, comparando-o com a ordem anterior e com as balizas constitucionais, as quais são inafastáveis pelo veículo legal que trouxe as mudanças, sem a pretensão de esgotar o tema nem de estabelecer verdades.
Inicialmente, foram trazidos conceitos elementares das diversas espécies de prisão cautelar a fim de posicionar o leitor ao assunto e preparar o “terreno” para a inclusão no último das alterações promovidas pelo “pacote anticrime”. Dessa forma, mencionou-se a prisão temporária, prisão em flagrante e seus tipos e, ainda, a prisão preventiva e suas causas justificadoras.
Em segundo lugar, buscou-se fixar neste artigo - no capítulo seguinte - os principais princípios constitucionais processuais penais previstos explicitamente ou implicitamente na Constituição Republicana brasileira. Tal fixação é no sentido de garantir fundamentos na análise das alterações promovidas pela lei 13.964/2019, garantido um filtro constitucional dos dispositivos normativos, até porque o discurso de combate a corrupção foi usado pelos parlamentares na aprovação dessa lei, fato esse que exige uma análise mais cautelosa, pois o direito penal não pode ser usado como “máquina de vingança social” ao arrepio do texto constitucional.
Justifica-se, portanto, este estudo para iluminar os estudiosos do Direito Processual Penal da nova abordagem que a prisão preventiva possui após a vigência do “pacote anticrime”, atualizando-os das perspectivas a serem enfrentadas. As medidas cautelares ocupam um papel de destaque no âmbito processual penal, primordialmente a prisão preventiva.
Importar destacar, por sua vez, que a presente pesquisa, valendo-se de uma abordagem analítica e hipotética dedutiva, objetivou trazer as perspectivas advindas das alterações legislativas impostas pela lei processual no âmbito da prisão preventiva e das demais modalidades de prisão cautelar.
2.DAS MEDIDAS CAUTELARES
Para que se possa analisar as medidas cautelares, requer uma investigação de posição, isto é, em qual panorama estão inseridas. Assim, neste primeiro momento, o estudo perpassa pela investigação das medidas cautelares sem avançar sobre a reforma introduzida pelo “pacote anticrime” que ficou para um último momento. As medidas cautelares, em sentido amplo, estão previstas no artigo 282 do Código de Processo Penal como necessárias para aplicação da lei penal, para a investigação ou a instrução criminal e, ainda, para evitar a prática de novas condutas delituosas.
Como é cediço, as medidas cautelares no processo penal são de várias espécies, resumidamente são medidas cautelares diversas da prisão e a prisão cautelar (RANGEL, 2013, p. 754). Assim, a prisão provisória, a prisão preventiva e, até mesmo, a prisão em flagrante são espécies de medida cautelar, privando o indivíduo da liberdade de locomoção antes mesmo da sentença definitiva, por absoluta necessidade da instrução criminal (NUCCI, 2018, p. 751). Não se olvida que há aqueles que militam no sentido de que a lei 12.403/2011 promoveu a redução das medidas cautelares para apenas as figuras da prisão preventiva e prisão temporária, negando-se autonomia para a prisão em flagrante diante da possibilidade de sua conversão em preventiva ou concedendo a liberdade ao acusado, não se perpetuando no tempo a condição de prisão em flagrante (LIMA, LOBO, 2018, p. 5).
Neste trabalho, não se buscou esgotar a análise dos fundamentos da prisão cautelar, mas sim tecer detalhes de sua estrutura, para ao final situar o leitor com as novidades trazidas pela reforma. Assim, encontramos no artigo 5º, inciso LXV, da Constituição Federal que o magistrado irá fiscalizar toda prisão efetuada, sendo relaxada as irregulares, inclusive de ofício. Cita-se, ainda, que a realização da prisão é da atribuição da atividade policial, não cabendo ao MP ou ao Juiz efetuá-la (NUCCI, 2018, p. 759), em que pese qualquer cidadão possa efetuar uma prisão em flagrante, desde que não represente risco a si nem a terceiros.
A prisão temporária está insculpida na lei 7.960/89, não sendo objeto do presente artigo. Contudo cabe citar que essa lei traz uma modalidade de prisão cautelar, cuja finalidade é garantir a eficácia da investigação policial, nas hipóteses de investigação de crimes graves (NUCCI, 2018, p. 765). Os crimes graves são descritos na própria lei, um rol taxativo diante da vedação da interpretação in pejus. Em apertada síntese, pode-se afirmar que a prática de uma dos delitos descritos na lei 7.960/89 irá autorizar a prisão temporária quando for imprescindível para as investigações do inquérito policial ou o investigado não tiver residência fixas nem elementos que o identifique com clareza. Portanto, a prática de um crime grave, previsto naquela lei especial, não leva por si só a decretação da prisão provisória do acusado.
Quanto à prisão em flagrante, a conduta criminosa é manifesta ou acaba de acontecer, não deixando margens de dúvidas da autoria. A sua natureza é de prisão cautelar segregatícia da liberdade do agente autor do crime, bastando apenas uma aparência da tipicidade da conduta do infrator (NUCCI, 2018, p. 771). Existem diversas espécies de flagrante, o facultativo é aquele que o agente não tem o dever legal de efetuar a prisão, mas a lei o permite fazer. O obrigatório, por sua vez, o agente está ligado à função do agente de segurança pública, o qual está 24 horas do dia com o dever de agir.
Mister registrar, ainda, que há certas autoridades “imune” à prisão em flagrante. Por exemplo, os parlamentares federais e estaduais só poderão ter sua liberdade restringida de forma cautelar nos casos de flagrantes derivados de crimes inafiançáveis. Da mesma forma, os diplomatas que são submetidos aos ditames das disposições convencionais internacionais. Outrossim, os Magistrados e os membros do Ministério Público somente podem ser presos diante da prática de crimes inafiançáveis. Nessa mesma toada, o Presidente da República poderá ser preso por delitos praticados no exercício do cargo após sentença condenatória (NUCCI, 2018, P. 773).
Em outro giro, o flagrante pode ser próprio ou impróprio. O próprio (chamado de flagrante perfeito) o agente está no pleno desenvolvimento da conduta criminosa, dos atos executórios por assim dizer; ou ainda quando o gente acaba de finalizar a conduta criminosa, consumando o delito. No flagrante impróprio ou imperfeito (conhecido como quase-flagrante), por sua vez, o agente conclui a infração penal – ou é impedido de consumar -, consegue fugir e é perseguido pela polícia ou terceiros, sendo preso logo após (NUCCI, 2018, p. 775). Há, ainda, a hipótese do flagrante presumido, pelo qual o agente sem ser perseguido é encontrado logo após a prática do crime em sua posse instrumento do crime, objetos ou papéis que indique sua autoria por presunção.
Encerrando os detalhes da prisão em flagrante, faz-se necessário citar que o flagrante preparado (ensaiado, provocado) não é admitido, configura-se crime impossível diante do induzimento ou instigação da conduta delituosa para a efetivação do flagrante. Contudo, quando o tipo prevê diversas condutas típicas, não se dará a prisão pelo delito provocado, e sim pelos descobertos em razão da provocação, como ocorre no delito de tráfico de drogas, no artigo 33, caput, da Lei 11.343/2006 (NUCCI, 2018, p. 779). Não se pode confundir, porém, com o flagrante forjado, um flagrante totalmente artificial, orquestrado, pois é comporto por elementos falsos, não correspondendo com a conduta ou vontade do agente. Enfim, ainda se pode rememorar o flagrante esperado, esse aqui autoriza a prisão em flagrante, não tendo a existência do agente provocador, e também do flagrante postergado ou retardado, previsto em leis especiais.
No tocante a prisão preventiva, é conceituada como uma espécie de prisão cautelar constritiva da liberdade do indiciado ou réu, com base na lei. É uma medida de urgência, sendo exceção, pois a liberdade é a regra, até porque a Constituição Federal consagra o princípio da presunção de inocência no direito brasileiro (NUCCI, 2018, p. 796). Nesse sentido, a prisão preventiva é uma medida que não pode ser usada para todo e qualquer caso, deve ser aplicada com parcimônia, já diria o brocardo chinês “faca que muito se amola perde o bom corte”.
Ao contrário da prisão provisória, a prisão preventiva cabe tanto na fase do inquérito quanto na fase judicial, isso porque a medida tem por finalidade garantir o bom andamento da investigação e da instrução criminal, sendo de caráter provisório, não se comparando ao cumprimento de pena, nesse há um juízo exauriente em relação a materialidade e autoria, sendo o cumprimento definitivo de pena. Frisa-se que não se pretende discutir a extensão ou a incoerência na interpretação de determinados termos na decretação da prisão preventiva, como a discussão existente no que seria ordem pública (SAMUEL, 2018, p.2), tendo em vista a bem delimitada proposta aqui trabalhada.
De outra banda, cabe citar que a prisão preventiva deve cumprir requisitos legais que autorizem sua decretação pelo magistrado, nesse sentido o artigo 312 do Código de Processo Penal (antes das inovações do “pacote anticrime”) prevê que essa decisão deve possuir três requisitos, prova da existência do crime, indicio suficiente da autoria e que seja como garantia da ordem pública, ordem econômica, por conveniência da instrução criminal e para assegurar a aplicação da lei penal. Ainda, as circunstâncias legitimadoras estão prevista no artigo 313 do diploma processual penal, quais sejam a) crimes cominados com pena privativa de liberdade máxima superior a 4 anos; b) reincidentes em crimes dolosos; c) nos crimes que “envolver violência doméstica e familiar contra a mulher, criança, adolescente, idoso, enfermo ou pessoa com deficiência” afim de garantir eficácia da medida protetiva decretada; e ainda quando existir dúvidas na identificação civil do acusado ou investigado.
3.PRINCÍPIOS PROCESSUAIS PENAIS NA CONSTITUIÇÃO DE 1988
Os princípios do direito processual penal insculpidos implicitamente ou explicitamente no texto constitucional vão além dos já conhecidos devido processo legal e da dignidade da pessoa humana, sendo esses presentes em todas as vertentes do direito pátrio. Diga-se, neste azo, que a dignidade da pessoa humana e o devido processo legal são princípios regentes, fundantes do sistema processual penal, irradiando suas lições (NUCCI, 2018, p. 61). Aliás, frisa-se que os princípios são mandamentos de otimização, isto é, mandamentos de ponderação que são satisfeitos de formas variadas dentro da realidade fática e jurídica (NEVES, 2015, p. 64).
Esses princípios são essenciais, não podendo se furtar o operador do direito de sua análise e a busca pela sua efetivação, até porque o cenário prisional brasileiro é alarmante, mesmo com essas previsões fundamentais. A caráter de exemplo, cita-se que há mais de duzentos mil presos provisórios no país, segundo dados coletados pelo CNJ em 2017, de um total que ultrapassa mais de seiscentos mil presos (LIMA; LOBO, 2018, p. 2). De outro giro, frisa-se que dados mais recentes demonstram que no ano de 2019 existia mais de trezentos e trinta e sete (337) mil presos provisórios no país, um salto de mais de 100 presos em quase 3 anos (PRADO, 2020, p. 1). Isso significa, em síntese, que uma grande parte da população carcerária não possui sua condenação com o trânsito em julgado ou nem condenatória ainda.
O princípio da presunção de inocência ou da não culpabilidade impõe o sentido de que todas as pessoas nascem inocentes, sua inocência é presumida, cabendo ao órgão acusador provar o contrário dentro do embate processual penal e após o trânsito em julgado. Sendo o estado natural de todo ser humano a inocência, a perda desse status deve ser em decorrência da desencumbência do ônus de provar do órgão acusador (NUCCI, 2018, p. 82). Desse princípio decorre outros, cita-se o princípio in dubio pro reo ou favor rei e o da nemo tenetur se detegere. O primeiro determina que, naqueles casos específicos que o julgador ficar em dúvida entre a inocência e a culpa do acusado, o juiz deverá decidir pró liberdade do acusado, como na hipótese de falta de provas para a condenação (NUCCI, 2018, p. 83). O segundo princípio, por sua vez, veda a autoacusação, não sendo ninguém obrigado a produzir provas contra a sua pessoa.
De outro giro, há o princípio da ampla defesa e do contraditório, que apesar de serem estudados e aplicados juntos, não são idênticos, ambos possuem sentidos e alcances distintos. A ampla defesa constitui o direito do réu poder se valer dos mais diversos métodos amplos no sentido de contrapor as acusações ou imputações que a si foram feitas pela parte acusadora (NUCCI, 2018, p. 84). Essa é a interpretação que se retira do artigo 5º, inciso LV, da Constituição Federal, aliás, esse mesmo preceito constitucional carrega o princípio do contraditório, pelo qual o réu pode reagir a toda e qualquer imputação que lhe é feita. Um indica o poder de se valer amplamente de todo e qualquer instrumento na sua defesa contra os fatos que lhe são imputados, o outro o direito de se manifestar contra as alegações contrárias e tomar conhecimento delas (NUCCI, 2018, p. 86).
Outrossim, cabe trazer à baila outro importante princípio do sistema principiológico constitucional do processo penal, o princípio da plenitude da defesa, esse restrito aos julgamentos do Tribunal do Júri (NUCCI, 2018, p. 85). Assim, o acusado terá um defesa mais ampla que a dos julgamentos comuns, visto que no Tribunal do Júri os jurados julgam conforme suas íntimas convicções, podendo o acusado usar argumentos que em um primeiro momento seriam irrelevantes para o juiz togado, como o argumento apelativo religioso na sustentação oral.
4.AS ALTERAÇÕES PROMOVIDAS PELO “PACOTE ANTICRIME”
Perpassada essa introdução conceitual, estrutural e principiológica, cabe citar as inovações promovidas pela lei 13.964/2019 para que possamos ao final compreender as suas perspectivas. Essa lei, denominada por muitos de “pacote anticrime”, buscou aperfeiçoar a legislação penal e processual penal, segundo dispõe o seu artigo primeiro. Evidente que a análise de todas as inovações prejudicaria o objetivo deste artigo, assim requer uma “tomografia” daquilo pertinente à prisão cautelar, sem a pretensão de estabelecer axiomas a prima facie.
Nesse contexto, a lei objeto da análise trouxe um instituto importante ao Código de Processo Penal: a figura do Juiz de Garantias. Contudo, o dispositivo normativo que o abriga está com sua eficácia suspensa por decisão monocrática do Ministro Luiz Fux em Medida Cautelar na ADI 6.299 (STF, ADI, 2020). Trata-se do novel artigo 3º-A do Código de Processo Penal e entre outros. Diante da suspensão por tempo indeterminado e a incerteza de sua permanência no sistema jurídico processual, não cabe tecer muitos detalhes desse instituto neste trabalho, cabe assim afirmar que é uma previsão legal que reafirma o sistema penal como acusatório, retirando a inciativa do juiz da produção de provas (isto é, de usurpar o papel do órgão acusador) e estabelecendo de maneira expressa a competência na fase investigativa a um juiz distinto da fase instrutória e condenatória.
É cediço que o juiz das garantias busca efetivar uma maior proteção aos direitos subjetivos do investigado ou acusado, garantindo uma maior observação da legalidade e da imparcialidade do juiz que irá julgar o caso.
As principais competências do juiz de garantias estão insculpidas no artigo 3º-B, como o controle da prisão em flagrante e o controle da legalidade da prisão. Ainda, há previsão da prorrogação do inquérito com réu preso pelo prazo de mais quinze dias, denominado pela doutrina de prisão processual do flagrante, ou seja, o magistrado ocupante da competência do juiz de garantias terá a possibilidade de estender a permanência do acusado na custódia do Estado até o término do inquérito policial, assemelhando-se essa nova figura à denominada prisão para a averiguação, porém agora com supervisão judicial (BARBOSA, 2019).
Forçoso afirmar que a prisão inquérito processual é algo bizarro do ponto de vista sistémico do processo penal, tendo em vista que o magistrado irá prorrogar a prisão de alguém sem indícios de autoria, pois se tiver indícios de autoria não tem que se falar em prorrogação de inquérito, mas sim oferecimento de denúncia. Uma vez presente indícios de autoria e materialidade, caberia a análise do requerimento da preventiva pelo Ministério Público ou Delegado de Polícia. Assim, a prisão inquérito processual destoa das garantias do acusado, macula o direito de liberdade, podendo ao final da investigação não conseguir angariar aprovas suficientes, restringindo a liberdade individual de forma desproporcional. Não se nega a boa intenção do legislador, mas de “leis de boas intenções” inferno está cheio. Diga-se, ainda, que não à toa sua constitucionalidade está em discussão no Supremo Tribunal Federal na ADI supramencionada acima.
De outro giro, a nova redação conferida ao artigo 282, §2º, do Código de Processo Penal retirou a possibilidade da decretação de ex oficio pelo juiz, exigindo prévio requerimento da parte acusadora ou do Delegado, quando no curso da investigação policial. Nesse mesmo contexto, o parágrafo seguinte do mesmo dispositivo estabeleceu prazo de 5 (cinco) dias para a manifestação da parte contrária ao pedido de cautelar, antes da decisão do magistrado, impondo ao juiz o dever de intimá-la, salvo nos casos de urgência ou perigo da demora, necessitando de devida justificação dessa medida excepcional pelo juiz.
Importa mencionar, ainda, que o a lei 13.964/2019 alterou ainda o parágrafo 4º do artigo 282, tirando a inciativa do magistrado em substituir a medida cautelar por outra (inclusive pela prisão preventiva) nos casos de descumprimento das medidas impostas. Em contrapartida, no §5º a reforma processual fez constar expressamente a possibilidade do juiz revogar ou substituir a medida cautelar por outra, desde que verificada a ausência de motivos para que subsista. Em que pese seja louvável sua previsão, era certo que o juiz poderia substituir ou revogar uma medida que já não cumpra com sua finalidade ou que já cessou sua finalidade, assim acredita-se que essa previsão consta para diferenciar a hipótese em que a atuação do magistrado de ofício é vedada (nos casos de descumprimento) daquelas em que é permitida sua atuação - nos casos de inexistência de motivos que justifiquem a permanência da medida anteriormente concedida.
No tocante à prisão em flagrante, agora está prevista expressamente no artigo 310 a existência da audiência de custódia com a presença do Ministério Público, do acusado e de seu defensor, seja ele constituído ou não. A sua injustificada não realização em 24 horas levará ao relaxamento da custódia do acusado, sem prejuízo da chance da imediata decretação da prisão preventiva. Fato inovador também é autorização de denegação de liberdade provisória ao acusado reincidente ou integrante de organização criminosa, com ou sem medida cautelar. Contudo, fica uma situação complicada na hipótese de uma pessoa reincidente por crime de baixo potencial lesivo, como o furto, não conseguir obter a liberdade provisória por ter cometido o mesmo crime anteriormente. O direito penal não é baseado somente no ato de punir, mas antes de tudo garantidor de direitos fundamentais, o último instrumento para concretizar políticas sociais. Se o acusado não apresenta condições da preventiva, nem há pedido para tal, com que fundamento o magistrado denegaria a liberdade provisória do acusado ou investigado!? Isso indica que há um resquício de autorização do uso da prisão preventiva de ofício pelo magistrado ou até de mesmo de uma desproporcionalidade trazida pelo legislador.
De outra banda, como já dito anteriormente, a lei “anticrime” retirou das cautelares a iniciativa de ofício do magistrado na sua decretação, inclusive repetiu a mesma previsão na reformulação do artigo 311, deixando a determinação da prisão preventiva ao prévio requerimento do querelante, do Ministério Público e, se for na fase de investigação, da autoridade policial. Nesse espírito reformador, o artigo 312 também foi alterado, acrescentando-se na sua parte final a exigência para a preventiva ser decretada de que haja perigo gerado pelo estado de liberdade do imputado. Inclusive, exige-se no artigo 312, §2º, do Código de Processo Penal, com a reforma, que os fatos justificadores sejam novos e contemporâneos à aplicação da medida adotada.
Vale dizer, dentro desse contexto, que a decisão que decretar, substituir ou revogar a medida cautelar será sempre fundamentada. Diante disso, mister mencionar que a lei “anticrime” limitou bastante as possibilidade do magistrado decretar a prisão preventiva de ofício, isto é, sem precisar de requerimento da parte. As possibilidades podem ser resumidas diante da limitação (ALVES; JOSITA, 2020), demonstrando que o sistema acusatório não impossibilitou esse mecanismo do magistrado, até porque a reforma não foi ampla suficiente para isso, evidenciando que não houve um perfeito aperfeiçoamento como prometido no artigo primeiro da lei 13.964/2019.
Nessa toada, o juiz poderá agir de ofício na decretação da preventiva no momento do análise da prisão em flagrante, durante a audiência de custódia, mesmo que o MP não se manifeste pela prisão. Poderá, em outra hipótese, decretar a prisão preventiva diante da impossibilidade da realização da audiência de custódia, desde que devidamente justificada. Poderá, por fim, decretar a cautelar preventiva de liberdade durante o curso da ação penal ou da investigação, desde que tenha existido decretação anterior a requerimento da parte legitimada, seguida de revogação por inexistência de motivo e, aí sim, surgido novas razões para decretá-la (ALVES; JOSITA, 2020).
Não obstante o caráter cautelar da prisão preventiva e da superlotação carcerária, a lei trouxe um importante dispositivo, trata-se do parágrafo único do artigo 316, pelo qual impõe a obrigação do órgão decretador da preventiva de revisá-la a cada 90 dias mediante decisão fundamentada. Claro que o grande número de presos pode aumentar na prática esse prazo, cabendo ao defensor pleitear a soltura via habeas corpus, não obstante nem todos possuam uma evidente
Por fim, menciona-se que o pacote “anticrime” trouxe uma jabuticaba no sistema, pois ao mesmo tempo que veda a imposição de pena antes do trânsito em julgado e do prazo revisional a cada 90 dias da preventiva, determinar o cumprimento de pena nos crimes do plenário do júri a partir de decisão de primeira instância nos crimes com penas superiores a 15 anos, atacando não só o princípio da ampla defesa, mais também o sistema garantista penal como um todo.
5.CONSIDERAÇÕES FINAIS
O direito penal não é somente punição, possui um papel concretizador de políticas públicas, no qual busca reparar os ataques à sociedade – aos bens jurídicos – sem perder de vista que lida com a liberdade, com vidas humanas. Por isso, o direito como um todo requer um estudo continuado, em prol de melhores alternativas para a pacificação de conflitos sociais. Diante disso, pode-se afirmar que as medidas cautelares devem ser usadas com responsabilidade, porquanto priva a liberdade antes mesmo da formação da culpa do acusado ou investigado, sob pena de ferir o princípio da presunção de inocência.
Dessa forma, sem adentrar nos institutos com sua eficácia suspensa por decisão do Supremo Tribunal Federal até a elaboração deste artigo – podendo ser objeto de outro artigo futuramente -, aponta-se que a reforma denominada “pacote anticrime” buscou uma afirmação do sistema acusatório. Esse mens legis fica evidente ao se analisar as vedações as cautelares de ofício – em regra – e na previsão da audiência de custódia, sem mencionar o fato da previsão do juiz de garantias.
A rigor, a principal perspectiva que resta ao operador do direito é analisar e criticar algumas mudanças que destoam do sistema acusatório ou que atinge a liberdade do indivíduo ao arrepio do princípio da presunção de inocência. Como é a hipótese do magistrado negar a decretação da liberdade provisória ao investigado reincidente, com ou sem medida cautelar, pior ainda foi impor o mesmo tratamento do agente que participa de organização criminosa. A reincidência em pequenos delitos foi invocada ao mesmo nível de organização criminosa na análise de concessão de liberdade provisória. Outra perspectiva extraída desta pesquisa é como os profissionais do direito irão se comportar diante das resumidas possibilidade de prisão cautelar de ofício pelo juiz, cita-se a caráter de exemplo na verificação do flagrante (após 24 horas) ou na impossibilidade de realização da audiência de custódia.
Por fim, ficará para um outro momento uma análise do impacto na população carcerária a obrigatoriedade do magistrado de analisar a cada 90 dias a regularidade da permanência da prisão preventiva decretada, o que irá colidir com a imposição legal da prisão aos criminosos condenados no plenário do júri, sem o trânsito em julgado.
REFERÊNCIAS
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STF. Medida Cautelar em Sede de Ação Direta de Inconstitucionalidade: (ADIs) 6298, 6299, 6300 e 6305. Relator: Ministro Luiz Fux. DJ: 22/01/2020. Disponivel em: http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/ADI6298.pdf. Acesso em: 01.08.2020.
Possui graduação em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUCCAMP). Tem experiência na área jurídica, ex-estagiário do Ministério Público do Estado de São Paulo - Intervenção/difusos - área de Direito de Família e Sucessões; ex- Aluno Monitor de Direito Constitucional da PUCCAMPINAS.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SILVA, RELIVALDO JOSE DA. Da Prisão Cautelar no Código de Processo Penal: Perspectivas após o “Pacote Anticrime” Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 02 set 2020, 04:38. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/55167/da-priso-cautelar-no-cdigo-de-processo-penal-perspectivas-aps-o-pacote-anticrime. Acesso em: 22 nov 2024.
Por: Heitor José Fidelis Almeida de Souza
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