RUBENS ALVES DA SILVA[1]
(orientador)
RESUMO: O artigo abordará a viabilidade de imputar civilmente o pai que abandona afetivamente um filho e está sendo um destaque fazendo com que o ordenamento jurídico brasileiro tenha um posicionamento. O trabalho visará ocorrência do dever de indenizar por danos morais as situações onde o abandono afetivo for caracterizado. Serão vistos casos iniciais da responsabilidade civil e uma análise histórica da estrutura familiar às transformações ocorridas ao transcorrer dos anos, desde desprendimento do pátrio poder até ao nascimento de uma família igualitária. Em seguida, estará sendo estudado acerca do abandono afetivo. Com base, no dano moral, acerca da indenização ou não em decorrência do abandono afetivo filial, em face das doutrinarias e decisões jurisprudenciais brasileiras.
Palavras-chave: Abandono Afetivo Paterno Filial. Dano moral. Transformação da família. Princípios. Origem do abandono afetivo. Doutrinadores e jurisprudências.
SUMÁRIO: 1. INTRODUÇÃO. 2. A RESPONSABILIDADE CIVIL NO ORDENAMENTO JURÍDICO. 3 OS PAIS NA FORMAÇÃO DOS FILHOS, A OBRIGAÇÃO DE CUIDADO COM OS FILHOS. 4. O ABANDONO AFETIVO NO BRASIL E O JUDICIÁRIO BRASILEIRO. 4.1 Decisões e posições doutrinárias a respeito do abandono afetivo. 5 INDENIZAÇÃO POR ABANDONO AFETIVO. 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS. 6. Referências.
1 INTRODUÇÃO
O presente trabalho tem como objetivo institucional a elaboração de um artigo cientifico para obtenção do título de Bacharel em Direito, pela Universidade Luterana de Manaus – ULBRA e sua devida publicação. Portanto, será apresentado com o objetivo explanatório, as peculiaridades do abandono afetivo, assim como a responsabilidade civil do mesmo e a possibilidade de compensação por danos morais em uma possível açãopor dano moral nos Tribunais Brasileiros.
A família é a principal responsável pela formação dos nossos indivíduos e não pode ser deixada em segundo plano. O Estado, por outro lado, é o responsável solidário, não age sozinho em casos de omissão da família, tendo além do dever de educar o menor, o dever de punir àqueles que venham a praticar atos contrários à moral e aos bons costumes para com eles.O Poder familiar é de responsabilidade de ambos os pais que terão o dever de sustentar os filhos e de dar toda a assistência que necessitarem, seja ela: material, emocional ou educacional.
No entanto, os pais na velhice também precisam de amparo, sustento material e emocional. E os filhos no desenvolvimento social, necessitam de direcionamento dos pais. Mesmo isso sendo um clichê na sociedade, ainda existem muitos casos de abandono afetivo parental e inverso. De que maneira ocorrerá a responsabilidade civil decorrente do abandono afetivo? Qual é o papel da família na sociedade?
A responsabilidade civil nada mais é do que a imposição de uma reparação pecuniária em favor da pessoa que sofreu determinado dano moral, físico ou psíquico. Sua finalidade é precisamente compelir os homens a observarem e respeitarem as regras de convivência, que lhes são impostas pelo Direito.
Este artigo cientifico pretende analisar a responsabilidade civil decorrente do abandono afetivo. Utilizar-se-á o procedimento técnico e com o método de abordamento dedutivo, visto que o assunto em pauta se trata de direito fundamental previsto no Estatuto da Criança, no Código Civil e na Constituição Federal de 1988, haja vista que a falta dos familiares no desenvolvimento da criança e do adolescente e no amparo aos pais na velhice fere os princípios elencados nesses Estatutos.
Ademais, como forma de perquirir o resultado almejado, será feito revisão em artigos, periódicos e livros de vários doutrinadores, entre estes, a obra de Maria Berenice Dias, que aborda que a indenização no caso de abandono afetivo serve para mostrar a sociedade que a negligência dos pais aos filhos não ficará impune.
O objetivo deste artigo é abordar o tema e discutir sobre a possibilidade de responsabilização civil do abandono afetivo e uma possível indenização por danos morais. Onde será analisado os diplomas legais e trazer o entendimento dos tribunais acerca do assunto mencionando as dificuldades que é enfrentado ao entrarcom uma possível condenação de natureza indenizatória.
A metodologia utilizada foi à revisão bibliográfica e jurisprudências, têm-se uma perspectiva relevante, totalmente conforme o que pretendo trabalhar, pois fala-se sobre o papel da família na sociedade e o conceito de poder familiar, além de abordar a responsabilidade civil no direito das obrigações e no direito de família. Com o fruto da presente pesquisa vislumbrou-se também uma breve análise sobre a responsabilidade civil decorrente ao abandono afetivo parental e o abandono afetivo inverso e a forma que ocorrerá a indenização.
2 A RESPONSABILIDADE CIVIL NO ORDENAMENTO JURÍDICO
O direito de exigir algo ou alguma coisa de alguém decorre de um vínculo jurídico que garante o cumprimento de determinada obrigação. A responsabilidade surge imediatamente quando não se cumpre tal obrigação, ou seja, é a consequência jurídica do descumprimento da relação obrigacional.
A responsabilidade civil é um meio ou uma obrigação de indenizar ou de responsabilizar aquele que por ação ou omissão gera um ato lesivo, podendo ser de cunho patrimonial ou moral. Silvio de Salvo Venosa ensina que, em princípio, toda atividade que acarreta um prejuízo geral responsabilidade ou dever de indenizar (VENOSA, 2014).
Tem-se por responsabilidade civil o dano que o indivíduo causou a outrem, no momento em que violou uma norma, cometendo ato ilícito, devendo então de alguma forma reparar este dano, tem se então a noção de responsabilidade civil do autor do dano.
Preceitua ainda Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho:
A responsabilidade civil deriva da agressão a um interesse eminentemente particular, sujeitando, assim, o infrator, ao pagamento de uma compensação pecuniária à vítima, caso não possa repor in natura o estado anterior de coisas(FILHO, 2013, p. 25)
A responsabilidade civil decorre da existência do cometimento do ato ilícito, assinala Cavalieri Filho (2011, p. 35), que se trata de uma “conquista do direito moderno, quando o código alemão criou a parte geral do código civil, abandonou a classificação delito e quase delito, tradicionais das leis romanas, unificando o conceito de ato ilícito”. Logo, de acordo com as palavras do doutrinador Venosa (2014), “O ato ilícito traduz-se em um comportamento voluntário que transgrede um dever”.
Com a chegada do Código Civil de 2012, abrangeu-se o ato ilícito também na esfera moral, preceituado seus art. 186:
Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.
Portanto, o dano é um prejuízo no qual o agente sofreu por alguma ação ou omissão de outro. E é com base neste dano que o agente vai ser ressarcido, ou seja, indenização será equivalente ao dano sofrido. Então, “assim surge a responsabilidade civil, sem a ocorrência deste elemento, qual seja o dano, não haveria o que indenizar, e sendo assim, consequentemente a responsabilidade" (GAGLIANO, 2013).
Esclarece ainda Cavalieri Filho (2011), que a Responsabilidade Civil tem por finalidade principal o restabelecimento do status anterior ao dano, como forma de distribuição do infortúnio, alguns aspectos lhe são característicos: este restabelecimento pode se dar, a princípio, de duas formas diversas, quais sejam a reintegração específica e a indenização. A reintegração específica se dá pela reparação dos danos in natura. Na hipótese de não se poder restituir in natura, tem cabimento a conversão desta por uma indenização.
Assim explana Cavalieri que:
Indenização sem danos importaria enriquecimento ilícito; enriquecimento sem causa para quem a recebesse e pena para quem a pagasse, porquanto o objetivo da indenização, sabemos todos, é reparar o prejuízo sofrido pela vítima, reintegrá-la ao estado em que se encontrava antes da prática do ato ilícito. E, se a vítima não sofreu nenhum prejuízo, a toda evidência, não haverá o que ressarcir. Daí a afirmação, comum praticamente a todos os autores, de que o dano é não somente o fato constitutivo, mas, também, determinadamente do dever de indenizar. [...] conceitua-se, então, o dano como sendo a subtração ou diminuição de um bem jurídico, qualquer que seja a sua natureza, quer se trate de um bem patrimonial, quer se trate de um bem integrante da própria personalidade da vítima, como a sua honra, a imagem, a liberdade etc. Em suma, dano é lesão de um bem jurídico, tanto patrimonial como moral, vindo daí a conhecida divisão do dano em patrimonial e moral (CAVALIERI, 2011, p. 96):
O resultado da responsabilidade civil é que o agente deve reparar o dano causado a outrem, gerando assim uma punição ao causador do dano e uma compensação ao indivíduo lesado, visando ressarcir o dano sofrido por este. O dano causado pelo abandono afetivo está intrinsecamente ligado à personalidade do indivíduo. Esta se forma principalmente no seio familiar, onde a criança desenvolve sentimentos primordiais para seu crescimento como um ser capaz de viver em sociedade.
A ausência injustificada do pai acaba por gerar a falta de afeto, proteção e cuidado, trazendo danos à afetividade da criança, o que pode vir a ocasionar, na vida adulta, um trauma afetivo. Aqui cabe ressaltar ainda, o abandono afetivo em caso de pais separados, quando a criança convive com os pais e passa a ter de conviver sem um deles.
No diploma legal civil a Responsabilidade Civil Objetiva tem sua previsão no parágrafo único do artigo 927, do Código Civil1, o qual alude que:
Art. 927. aquele que, por ato ilícito, causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo. Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos específicos em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, riscos para o direito de outrem.
Vale mencionar, que o Código Civil Brasileiro (BRASIL, 2002) adota a teoria subjetiva como principal regra, tendo como fundamento para a reparação do dano, a comprovação do dolo ou da culpa, como prevê o artigo 186 já mencionado acima, portanto, não sofre prejuízo a adoção da responsabilidade objetiva, que vem sendo aplicada com maior frequência nos Tribunais Superiores do Brasil.
Com efeito, com o estabelecimento efetivo de um vínculo de afetividade será mais fácil configurar o dano decorrente da cessação do contato e da convivência entre pais e filhos, na exata medida em que se conseguir demonstrar e comprovar que a sensação do abandono foi nociva à criança. Esta prova deve ser feita por perícia técnica, determinada pelo juízo, com o intuito de se analisar o dano real e sua efetiva extensão. (HIRONAKA, 2013).
Sendo assim, para que haja a responsabilidade civil e sua efetiva reparação, é necessário que seja preenchido certos requisitos, no qual deverá estar presente a ação ou omissão voluntária, a relação de causalidade ou nexo causal, o dano e, principalmente a culpa, que em certos momentos pode esta ser dispensada, surgindo à noção de culpa presumida.Pode–se dizer que em alguns casos, a compensação pecuniária não restabeleça o status quo, ou seja, fazer o bem agredido voltar ao estado anterior, porém será uma forma de cobrar e punir o autor do ato ilícito.
3 OS PAIS NA FORMAÇÃO DOS FILHOS, A OBRIGAÇÃO DE CUIDADO COM OS FILHOS
A Lei menciona que os pais são responsáveis integralmente pela assistência aos filhos assim bem como o Estado e a sociedade são partes que também integram na ausência do primeiro, assim a família torna-se o primeiro vínculo que a criança molda a personalidade e caráter que farão parte de uma sociedade.
Portanto, as obrigações dos pais com os filhos estão elencadas na Constituição Federal e no artigo 1634 do Código Civil de 2002, ditando que independentemente da situação conjugal os pais, ou qual o tipo de família os mesmos devem cuidar dos filhos. Na ausência desse cumprimento legal do dever dos pais, sendo assim o Estado pode intervir protegendo os interesses dos filhos, fazendo com que os pais entendam o dever em assistir o desenvolvimento dos filhos independentemente se são adotivos ou não.
Em nossa legislação pátria o dever de cuidar dos filhos é responsabilidades de ambos os genitores, e não apenas de um deles, mesmo com a dissolução da união estável, divorciados ou separados judicialmente, somente no caso onde houver impedimento daquele, o outro o exercerá com exclusividade.
Esse dever contempla não apenas a obrigação de dar alimentos, mas também o de assegurar a educação, proteção e a criação necessárias para seu pleno desenvolvimento, conforme preconiza o art. 1.634 do Código Civil de 2002.
Esclarece também o Estatuto da Criança e do Adolescente em seu art. 4º:
“É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade à convivência familiar e comunitária”.
Sendo assim, a proteção e cuidados dedicados à criança devem ser realizados de forma ampla, por ambos os genitores, atendendo suas reais necessidades de modo a permitir sua inclusão na sociedade.
Segundo FARIAS (2010) preleciona que:
Não raro, entrementes, os alimentos podem continuar sendo devidos, quando o filho precise da participação material dois pais para a sua mantença. É o caso do filho maior que não trabalha, ainda estando em período de formação intelectual, frequentando curso de ensino superior. Em casos assim há uma transmudação da natureza dos alimentos: deixam de ser devidos como expressão do poder familiar, passando a se submeter ás regras de parentesco (FARIAS, 2010, p. 66)
Dessa maneira, além de ser necessário o amparo material, vai muito a mais de somente comprar uma cesta básica de alimentos para garantir o sustento físico da criança ou adolescente, abrange também o apoio intelectual ao permitir possiblidades para sua formação profissional e pessoal, além de o afeto.
4 O ABANDONO AFETIVO NO BRASIL E O JUDICIÁRIO BRASILEIRO
Com advento da Constituição de 1988 o Estatuto da Criança e do Adolescente e o Código Civil de 2002 as características de família anterior foram alteradas, isso devido ao comportamento social e cultural que foi exigido uma alteração em lei. Assim, outras formas de constituir família têm por base na afetividade como filhos fora do casamento, união estável, adoção, ou seja, o afeto tornou o pilar da formação e convivência familiar atual.
Tal afirmação é semelhante com a posição doutrinária de Maria Berenice Dias (2016), ao afirmar que o princípio norteador do direito de família e o princípio da afetividade, ou seja, agora o afeto derivado da vontade faz parte para da estrutura familiar brasileira caracterizado pelo cuidado que um ente da família tem com outro integrante indo de encontro com princípio da solidariedade familiar.
Abandono afetivo ganhou destaque no Brasil porque nos últimos anos o Judiciário está sendo provocado para resolver situações referentes ao tema quando marcado pelo descumprimento do dever dos pais de educar e cuidar dos filhos.Nesse sentido, o autorLôboaduz que:
“A questão é relevante, tendo em conta a natureza dos deveres jurídicos do pai para com o filho, o alcance do princípio jurídico da afetividade e a natureza laica do Estado de Direito, que não pode obrigar o amor ou afeto às pessoas” (LÔBO, 2010, p.311).
Vale ressaltar, que o diploma civil também menciona a respeito do abandono afetivo. Segundo estabelecem que o art. 226 Constituição Federal, de 05 de outubro de 1988:
Art. 226 - A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.
§ 4º Entende-se, também, como entidade familiar a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes.
§ 8º O Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações (BRASIL, 1989, p165)
Ressalta-se que, a família tem a proteção especial do Estado e é formada pela vontade das partes para estruturar uma família, então indiretamente a lei atraiu para ela a proteção do afeto.Na visão da Berenice (2016), afirma o conceito atual de família: “O conceito atual de família é centrado no afeto como elemento agregador, e exige dos pais o dever de criar e educar os filhos sem lhes omitir o carinho necessário para a formação plena de sua personalidade” (DIAS, 2016, p.100).
É importante ressaltar que o Lôbo (2010) preceitua que:
Quando as divergências se tornam inconciliáveis, recorre-se ao juiz, que, quase sempre, não é a melhor solução. A vitória de um dos pais sobre o outro não encerrará o clima de conflito, que poderá se aguçar com riscos de implosão da união familiar. Sempre que possível, deve o juiz estimular a tentativa prévia de mediação familiar, que tem por característica a ausência de julgamento e de ganho de um contra o outro, mas a gestão confidencial e imparcial da resolução conjunta do problema, induzida pelo mediador, mediante acordo durável e mutuamente aceitável, com espírito de corresponsabilidade parental, podendo ser concluída com homologação judicial. (LÔBO, 2010, p.301).
Sendo assim, que o descumprimento desta obrigação que tem uma natureza objetiva leva a possibilidade de condenação aquele que abandona tanto materialmente quanto afetivamente o filho estando sujeito ao pagamento indenizatório para reconhecimento que ocorreu a culpa.
Portanto, no âmbito jurídico brasileiro amoldado nos parâmetros de transformações o abandono afetivo se dá quando a vítima, fica excluída da vida daquele que tinha o deve se cuidar certamente se teve toda uma forma de aproximação não havendo. Consequentemente, o judiciário é invocado para solucionar tal conflito, visando o afeto no sentido do cuidado da assistência, excluindo a obrigação de amar alguém, até pelo fato de amor ser uma questão inatingível pelo direito.
4.1 Decisões e posições doutrinárias a respeito do abandono afetivo
No que tange os posicionamentos das decisões em face do afeto no sentido de assistência e cuidado, contrário de majorar o amor, questão alheio e subjetivo, inerente ao Direito, porque ninguém é obrigado a amar ninguém. Para tanto, que o Brasil é um estado laico, mas, por se tratar de uma questão surgida com base nas transformações sociais.
Verifica-se que o Judiciário está tendo cautela quando as questões são levadas ao judiciário, contudo, se observa que as decisões são proferidas sempre com base na parte vulnerável em consoante com a norma.Desta forma as decisões referentes ao abandono afetivo não estão elencadas neste termo no ordenamento jurídico. Assim as decisões estão embasadas em face do entendimento dos julgadores (magistrados, desembargadores, etc).
No entanto o dever que emerge da Constituição no artigo 227, ECA e do Código Civil atual já remete aos cuidados prioritários que se deva existir dentro do poder familiar o qual não se limitam em apenas direitos, mas em deveres onde os pais para com os filhos. E é dentro destes moldes que o Judiciário analisa e julga casos familiares contemporâneos relativos aos princípios que sopram para o abandono afetivo.
Conforme a decisão proferida em 24 de abril de 2012, sendo inédita pela 3ª Tribunal de Justiça de São Paulo, in verbis:
ACORDÃO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. FAMÍLIA. ABANDONO AFETIVO. COMPENSAÇÃO POR DANO MORAL. POSSIBILIDADE.
1. Inexistem restrições legais à aplicação das regras concernentes à responsabilidade civil e o consequente dever de indenizar/compensar no Direito de Família. 2. O cuidado como valor jurídico objetivo está incorporado no ordenamento jurídico brasileiro não com essa expressão, mas com locuções e termos que manifestam suas diversas desinências, como se observa do art. 227 da CF/88.3. Comprovar que a imposição legal de cuidar da prole foi descumprida implica em se reconhecer a ocorrência de ilicitude civil, sob a forma de omissão. Isso porque o non facere, que atinge um bem juridicamente tutelado, leia-se, o necessário dever de criação, educação e companhia - de cuidado - importa em vulneração da imposição legal, ressurgindo, daí, a possibilidade de se pleitear compensação por danos morais por abandono psicológico. 4. Apesar das inúmeras hipóteses que minimizam a possibilidade de pleno cuidado de um dos genitores em relação à sua prole, existe um núcleo mínimo de cuidados parentais que, para além do mero cumprimento da lei, garantam aos filhos, ao menos quanto à afetividade, condições para uma adequada formação psicológica e inserção social. 5. A caracterização do abandono afetivo, a existência de excludentes ou, ainda, fatores atenuantes - por demandarem revolvimento de matéria fática – não podem ser objeto de reavaliação na estreita via do recurso especial. 6. A alteração do valor fixado a título de compensação por danos morais é possível, em recurso especial, nas hipóteses em que a quantia estipulada pelo Tribunal de origem revela-se irrisória ou exagerada.7. Recurso especial parcialmente provido. (REsp 1.159.242/SP, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 24/04/2012, DJe 10/05/2012).
Desta maneira o julgado mencionado acima trata-se de um recurso a qual a autora obteve reconhecimento da existência da ilicitude quanto ao abandono afetivo durante a infância e adolescência. Em 2005 o juiz da primeira instância de Minas Gerais julgou improcedente o pedido, mas autora recorreu e o Tribunal de Justiça de São Paulo reformou a sentença.
Em tal julgado cabe destacar um grande passo e pôr fim a irresponsabilidade parental, explanando que:
Os sentimentos de mágoa e tristeza causados pela negligencia paterna e o tratamento como filha de segunda classe, que a recorrida levará ad perpetua, é perfeitamente apreensível e exsurgem das omissões do pai (recorrente) no exercício de seu dever de cuidado em relação à filha e também de suas ações que privilegiaram parte de sua prole em detrimento dela, caracterizando o dano in reipsa e traduzindo-se, assim, em causa eficiente a compensação.
Contudo, a Ministra relatora Nancy Andrighi, da terceira turma entendeu que é possível exigir uma reparação na forma de indenização por dano moral uma vez que ocorreu a inobservância da função do pai caracterizando o abandono afetivo.
Acerca da decisão proferida pelo STJ, convém destacar, por oportuno, importante lição de Maria Berenice Dias (2009):
Profunda foi à reviravolta que produziu, não só na justiça, mas nas próprias relações entre pais e filhos, a nova tendência da jurisprudência, que passou a impor ao pai o dever de pagar indenização, a título de danos morais, ao filho pela falta de convívio, mesmo que venha atendendo ao pagamento da pensão alimentícia. A decisão da justiça de Minas Gerais, apesar de ter sido reformada pelo STJ, continua aplaudida pela doutrina e vem sendo amplamente referendada por outros julgados. Imperioso reconhecer o caráter didático dessa nova orientação, despertando a atenção para o significado do convívio entre pais e filhos. Mesmo que os genitores estejam separados, a necessidade afetiva passou a ser reconhecida como bem juridicamente tutelado. (DIAS, 2009, p.417).
Portanto, é crível através dos julgados dos magistrados que o abandono afetivo traz consequências graves para a criança e adolescentes, pois a falta do amor dado por um dos seus genitores, causa sentimento de abandono e rejeição, sendo que a moral também escoa para o campo da dignidade da pessoa humana e que os filhos são totalmente dependentes de seus pais devendo estar protegidos e amparados pela família.
5 INDENIZAÇÃO POR ABANDONO AFETIVO
A ação de indenização por abandono afetivo é uma ação cível assim como a ação de reparação de danos por ato ilícito. O ato ilícito, no caso, será o descumprimento do poder familiar em proporcionar o devido amparo emocional, afetivo e psicológico na criança ou adolescente.
Vale ressaltar que essa ação de indenização, no caso da criança e do adolescente, somente recairá quando ocorre divórcio ou separação dos cônjuges, pois se entende que se este mora na mesma casa que a pessoa que sofre o abandono afetivo a comprovação deste delito se torna mais difícil.
Insta salientar, que somente ocorrerá o dano moral na criança, se a figura ativa do abandono afetivo não tiver sido substituída na ausência do mesmo, pelo qual se existir uma pessoa que faça o papel daquele que abandonou que supra essa necessidade de direção, acompanhamento do desenvolvimento da personalidade, psíquico e emocional, o dano não estará configurado.
A própria Constituição Federal, em seu artigo 5°, incisos V e X, trata sobre a obrigação de indenizar em casos de danos materiais, morais ou à imagem, assegurando o direito à indenização, quando ocorrer danos.
Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
V – É assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem;
X – São invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação.
De acordo com Dias (2009, p. 416):
A indenização no caso de abandono afetivo serve para mostrar a sociedade que a negligência dos pais aos filhos não ficar impune, e serve de alerta para outros pais que pensam em abandonar a sua prole, a omissão do genitor em cumprir os encargos decorrentes do poder familiar, privando seu filho do convívio paterno, pode produzir danos emocionais merecedores de reparação.
A possibilidade de indenização pelo abandono afetivo vem expresso no parágrafo único do artigo 5º do Projeto de Lei do Senado (PLS 700/2007) aprovado no dia 9 de setembro de 2015, pela Comissão de Direitos Humanos (CDH), nos seguintes termos:
Art. 5º. Nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, punido na forma da lei qualquer atentado, por ação ou omissão, aos seus direitos fundamentais. Parágrafo único. Considera-se conduta ilícita, sujeita a reparação de danos, sem prejuízo de outras sanções cabíveis, a ação ou a omissão que ofenda direito fundamental de criança ou adolescente previsto nesta Lei, incluindo os casos de abandono moral.
Portanto, é direito do menor ter uma boa convivência com os pais e uma obrigação dos pais fazer com que esse direito seja respeitado da melhor maneira possível para que não seja configurado o abandono afetivo.
A prova do dano relacionado ao abandono afetivo deve ser feito por profissionais, através de laudos de psiquiatras e de psicólogos habilitados para isso. Já o crime de abandono afetivo será disciplinado pelo artigo 232-A, do Estatuto da Criança e do Adolescente:
Art. 232 – A. Deixar, sem justa causa, de prestar assistência moral ao filho menor de dezoito anos, nos termos dos §§ 2º e 3º do art. 4º desta Lei, prejudicando lhe o desenvolvimento psicológico e social.
Pena – detenção, de um a seis meses.
Importante observar à jurisprudência do Recurso Especial n.º 1.159.242 – SP sobre a indenização por abandono afetivo que causou muita discussão e tramitou há 12 anos, que foi o caso onde o pai teve que indenizar a filha no valor de R$ 200.000,00 (duzentos mil reais) pelo abandono afetivo:
CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. FAMÍLIA. ABANDONO AFETIVO. COMPENSAÇÃO POR DANO MORAL. POSSIBILIDADE.
1. Inexistem restrições legais à aplicação das regras concernentes à responsabilidade civil e o consequente dever de indenizar/compensar no Direito de Família.
2. O cuidado como valor jurídico objetivo está incorporado no ordenamento jurídico brasileiro não com essa expressão, mas com locuções e termos que manifestam suas diversas desinências, como se observa do art. 227 da CF/88.3. Comprovar que a imposição legal de cuidar da prole foi descumprida implica em se reconhecer a ocorrência de ilicitude civil, sob a forma de omissão. Isso porque o non facere, que atinge um bem juridicamente tutelado, leia-se, o necessário dever de criação, educação e companhia – de cuidado – importa em vulneração da imposição legal, exsurgindo, daí a possibilidade de se pleitear compensação por danos morais por abandono psicológico.4. Apesar das inúmeras hipóteses que minimizam a possibilidade de pleno cuidado de um dos genitores em relação à sua prole, existe um núcleo mínimo de cuidados parentais que, para além do mero cumprimento da lei, garantam aos filhos, ao menos quanto à afetividade, condições para uma adequada formação psicológica e inserção social.5. A caracterização do abandono afetivo, a existência de excludentes ou, ainda, fatores atenuantes – por demandarem revolvimento de matéria fática – não podem ser objeto de reavaliação na estreita via do recurso especial.6. A alteração do valor fixado a título de compensação por danos morais é possível, em recurso especial, nas hipóteses em que a quantia estipulada pelo Tribunal de origem revela-se irrisória ou exagerada.7. Recurso especial parcialmente provido. REsp nº 1.159.242/SP, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 24/4/2012, DJe 10/5/2012).
A Ministra Nancy Andrighi (2012, p. 9), colocou as questões de maneira adequada ao colocar o fundamento da ação no sentido de abandono moral, material e afetivo, que diz respeito aos deveres dos pais para com os filhos. Ela afirmou em seu Voto que:
Alçando-se, no entanto, o cuidado à categoria de obrigação legal supera-se o grande empeço sempre declinado quando se discute o abandono afetivo – a impossibilidade de se obrigar a amar. Aqui não se fala ou se discute o amar e, sim, a imposição biológica e legal de cuidar, que é dever jurídico, corolário da liberdade das pessoas de gerarem ou adotarem filhos (…). Em suma, amar é faculdade, cuidar é dever.
Ficou estabelecido o valor de R$ 200.000,00 (duzentos mil reais) por entender que houve uma ausência quase que completa de contato do pai com a filha, em descompasso com o tratamento dispensado a outros herdeiros. Lembrando que essa jurisprudência não é vinculante, pois cabe ao juiz decidir usá-la ou não em casos semelhantes.
Logo, a compensação de danos morais para o abandono afetivo vem se tornando comum, pois o papel de pai ou mãe não é só suprir as necessidades materiais e econômicas, o papel dos genitores vai muito além do dinheiro, ele abrande o emocional, o psicológico e o físico dos filhos. A falta de afeto acarreta em consequências na vida adulta, visto que na atualidade vemos com mais frequência jovens e adultos com doenças depressivas, ansiedade e etc.... Por este motivo, nada mais é justo que tenha implicações para os genitores que abandonam afetivamente seus filhos.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Com a exposição do presente artigo cientifico pode-se concluir a relevância desse assunto muito discutido atualmente, porém para descrevê-lo faz-se necessário uma análise aprofundada de diversos casos sobre o abandono afetivo.
A família é o princípio da vida em sociedade, é uma instituição de ensinamentos dos valores morais e éticos, onde os pais transmitem para os filhos os padrões vigentes no grupo social. O gerenciamento dos pais nas decisões a serem tomadas pelos filhos é a forma deles estarem respeitando o poder familiar e cumprindo com suas obrigações para com eles. A falta de gerência e de cuidados faz com que a responsabilidade civil recaia sobre eles, pois a formação psíquica do filho deve ser dada através dos pais.
A responsabilidade civil é vinculada ao artigo 186 do Novo Código Civil onde dispõe que, “aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”. Porém, o dano psíquico só ocorre quando além do abandono afetivo por parte do pai, existe uma ausência de uma figura paterna para substitui-lo.
O abandono afetivo prejudica psicologicamente o filho de tal forma que ele pode adquirir ressentimentos que levarão ao ódio e rancor, dificultando a liberação de perdão e causando excessos de personalidades múltiplas, violando o direito de personalidade da criança e do adolescente. O rompimento do relacionamento com a família é extremamente danoso, quase impossível de ser reparado. A ausência afetiva gera carência. Essa carência é a base da distorção do desenvolvimento humano, permitindo que ocorra vários transtornos que podem comprometer a personalidade do mesmo.
O abandono afetivo pode trazer danos irreversíveis, pois a família é à base do desenvolvimento da personalidade da criança e do adolescente. Portanto, a análise dos resultados encontrados na pesquisa ajudará muitas pessoas que sofrem com o abandono afetivo a conhecerem os seus direitos e havendo a eficácia do Direito de Família e o preenchimento dos pressupostos para a aplicação das sanções, fará com que a responsabilidade civil decorrente do abandono afetivo seja realizada da melhor maneira possível para que não ocorram danos mais graves no desenvolvimento dos afetados.
Para tanto, no que tange a responsabilidade civil pelo abando afetivo, não é a substituição do desamor pelo dinheiro, mas sim, é uma forma de reconhecer o dano promovido decorrente ao abandono afetivo sofrido, que pode levar ao prejuízo irreparável na formação da personalidade da criança ou do adolescente. Assim o abandono afetivo faz parte de uma evolução na busca de direito dentro do judiciário e os princípios da afetividade e da dignidade da pessoa humana.
Diante do exposto, afirma-se que a família tem proteção especial e que o integrante vulnerável tem absoluta prioridade no desenvolvimento sadio e que não falta os responsáveis no caso os pais estão sujeitos ao enquadramento constitucional, ou seja, aqueles que não querem estar passivos de abandono afetivo que cumpram com deveres assistindo aos filhos ou que não tenham filhos.
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[1]Professor e orientador do Curso de Direito na Universidade Luterana de Manaus (ULBRA)– Advogado. E-mail: [email protected].
Graduado Bacharel em Direito pela Luterana de Manaus - ULBRA
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: OLIVEIRA, Thiago Alexandre da Silva de. Responsabilidade civil decorrente do abandono afetivo e a possibilidade de compensação por danos morais Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 10 set 2020, 04:35. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/55198/responsabilidade-civil-decorrente-do-abandono-afetivo-e-a-possibilidade-de-compensao-por-danos-morais. Acesso em: 22 nov 2024.
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