LUCIMARA ANDREIA MOREIRA RADDATZ[1]
(coautor)
RESUMO: Este estudo trata sobre a socioafetividade e a sua eficácia no mundo jurídico em relação aos que são beneficiados. Analisa os benefícios e prejuízos causados quando é ou não utilizado e a sua relação com o artigo 5º da Constituição Federal do Brasil. Estuda os reflexos jurídicos em relação a dignidade humana e relaciona os resultados de sua utilização de acordo com os benefícios trazidos. Este estudo se justifica pela nova caracterização das famílias brasileiras e a forma como se estruturam, trazendo a esta nova realidade um patamar jurídico em relação ao parentesco socioafetivo e o biológico. O seu objetivo de forma mais ampla é demonstrar que as relações humanas mudam de acordo com o tempo e que o sistema jurídico deve se adequar ao caso concreto, tratando com isonomia cada relação socioafetiva ou multiparental pensando no melhor para criança. O presente estudo tem o escopo de trazer a tona com base na doutrina, legislação e jurisprudência a forma como são vistos os novos modelos de família existentes nos tempos atuais e como o Direito se modifica ao se deparar com essa questão, colocando em primeiro lugar o bem estar da criança que na maioria das vezes se vê um tanto confusa em meio a essa pluralidade de pessoas que adentram em sua vida. O método de abordagem é o hipotético-dedutivo e o método de procedimento analítico com técnicas de pesquisa bibliográfica e documental, utilizando a legislação pátria, estudo de artigos científicos, bem como fazer um comparativo de doutrinas a fim de concluir o estudo, com amparo da jurisprudência vigente, sobre as decisões que veem sido emanadas pelos tribunais.
Palavras-chave: Socioafetividade – multiparentalidade – isonomia – dignidade da pessoa humana
SUMÁRIO: 1. Introdução; 2. O que é a socioafetividade e como ela se desenvolve na vida da criança; 3. A base jurídica da socioafetividade; 4. A diferença entre socioafetividade e multiparentalidade; 5. Considerações Finais; 6. Referências
1.INTRODUÇÃO
A socioafetividade ainda vem crescendo no mundo jurídico, e não é muito conhecida socialmente, seu conceito promete trazer benefícios aos mais diferentes tipos de famílias, demonstrando com isso a importância social deste tema. Quando uma criança tem em sua família um padrasto/madrasta, tio ou tia que o cria como filho, essa relação merece ser vista dessa forma, assim a socioafetividade traz para o mundo jurídico o que já existe na vida real. O dever de criar, cuidar, educar já existe, apenas não era conceituado, agora com a possibilidade de incluir o nome de um parente socioafetivo na certidão de nascimento, vem junto a segurança afetiva de que aquela pessoa faz parte definitiva de sua vida.
Assegurar a criança o direito de ter em sua certidão a pessoa que definitivamente o cria mostra que a justiça consegue se adequar as mais diversas relações, tratando com isonomia cada caso, assim, juridicamente a socioafetividade pode garantir a dignidade da pessoa humana, tratando as relações afetivas até mesmo mais importantes que as biológicas e assegurando que a socioafetividade ou a multiparentalidade sejam uma real possibilidade.
Notadamente foram proferidos várias decisões em torno do tema, as quais mudaram o modo como a sociedade entendia o modelo familiar tradicional, que envolve pai e mãe biológicos para um entendimento mais amplo do conceito de família que envolve a figura do padrasto e da madrasta, já que durante a convivência com a criança, acabam por criar laços de afinidade e afeto. Dessa forma, gera uma vontade, pelo parente socioafetivo, de proporcionar mais segurança jurídica, fazendo uso da possibilidade de poder registrar a criança, mesmo existindo registro do parente biológico, de acordo com a nova legislação.
O presente artigo estuda a importância jurídica da socioafetividade nas famílias modernas, como ela é vista nos julgados em relação ao parentesco biológico e a multiparentalidade. Considerou-se para análise doutrinas referentes ao direito de família, legislação nacional como o novo Código Civil e a Constituição Federal, para relacionar a socioafetividade com a dignidade humana e a isonomia, assim como entender como funciona a sua aplicação jurídica.
As hipóteses abordadas foram baseadas na necessidade de comprovar a socioafetividade juridicamente, os benefícios que traria para a vida familiar e como estavam sendo julgados esses pedidos, podendo assim analisar se há mais benefícios ou prejuízos para este novo direito.
2. O QUE É A SOCIOAFETIVIDADE E COMO ELA SE DESENVOLVE NA VIDA DA CRIANÇA.
O afeto é uma das bases sociais de uma família, uma união entre duas pessoas inicia através do afeto que uma sente pela outra, basicamente, sem afeto não existe união, não se cria laços, sem afeto não se inicia uma família, e com este pensamento, foi-se trabalhando no mundo jurídico como resguardar uma criança e ao mesmo tempo não impedi-la do afeto de um novo ciclo familiar em sua vida, como por exemplo o de um padrasto/madrasta. Os vínculos eram muito mais pessoais do que jurídicos, criava-se o filho de outra pessoa como se seu fosse e nada mais, sem direitos jurídicos. O fato de um padrasto/madrasta ter uma relação como se filho fosse nada ajudava a criança a receber, por exemplo, uma herança, ou ter direito ao plano de saúde, ela era na vida do parente socioafetivo, apenas um “parente distante”.
Acerca do conceito de afetividade, Adriana Caldas do Rego Freitas Dabus Maluf:
[…] a relação de carinho ou cuidado que se tem com alguém íntimo ou querido, como um estado psicológico que permite ao ser humano demonstrar os seus sentimentos e emoções a outrem, sendo, também, considerado como o laço criado entre os homens, que, mesmo sem características sexuais, continua a ter uma parte de amizade mais aprofundada (MALUF, 2012. p. 18).
Por força da legislação, não era permitido que um padrasto ou madrasta, participasse da vida de seu enteado no plano jurídico, ele poderia participar da criação, vida, necessidades financeiras, mas nada dava direito a ter uma relação de parentalidade com a criança. Seria apenas o padrasto/madrasta para o resto da vida ou enquanto durasse a relação. O ordenamento jurídico brasileiro evoluiu muito nesse quesito, pensando no bem da criança e no quanto algumas mudanças poderiam beneficiá-la de maneira satisfatória.
Esse entendimento foi objeto de estudo de João Batista Villela que com muita propriedade discorre que:
A consanguinidade tem, de fato, e de direito, um papel absolutamente secundário na configuração da paternidade. Não é a derivação bioquímica que aponta para a figura do pai, senão o amor, o desvelo, o serviço com que alguém se entrega ao bem da criança. Permita-me repetir aquilo que tenho dito tantas vezes: a verdadeira paternidade não é um fato da biologia, mas um fato da cultura. Está antes no devotamento e no serviço do que na procedência do sêmen (VILLELA, 1997. p. 85).
Muitas vezes, quando há uma separação entre os pais, nem sempre a figura dos dois permanece na vida da criança, que normalmente fica apenas com um deles, portanto com a falta de um dos pais, o outro ao entrar em um novo relacionamento acaba construindo para este filho um novo vínculo afetivo, que em muitos casos se torna o único. Para a criança, pode surgir uma confusão, já que uma pessoa que faz o papel de pai/mãe, mas não tem esse nome. Como seria explicar a esta criança o que esta nova pessoa significa em sua vida? Se torna ainda mais preocupante quando no relacionamento a mãe se casa e tem um novo filho com o padrasto por exemplo, tendo assim todos sobrenomes diferentes do filho do outro casamento. Pode parecer algo sem importância, mas que na vida de uma criança afeta drasticamente o seu pensar (SANTOS, 2014)
Com estes acontecimentos, vimos surgir juridicamente a figura da socioafetividade, que segundo Suzigan (2015) nada mais é que a filiação pelo afeto, ou seja, a verdade aparente. Nada de envolvimentos biológico, sem sangue do sangue, apenas carinho, afeição, relacionamento diário, ajuda financeira, o entendimento por quem os vê, como uma família.
Welter, ao discorrer acerca do tema, ensina:
Filiação afetiva pode também ocorrer naqueles casos em que, mesmo não havendo nenhum vínculo biológico ou jurídico (adoção), os pais criam uma criança por mera opção, denominado filho de criação, (des)velando-lhe todo o cuidado, amor, ternura, enfim, uma família, “cuja mola mestra é o amor entre seus integrantes; uma família, cujo único vínculo probatório é o afeto”. (WELTER, 2002, p. 133).
O Código Civil de 2002 em seu artigo 1.596 definiu o que seria filiação e proibiu qualquer distinção entre filhos dentro e fora do casamento ou adotados, “Os filhos, havidos ou não da relação de casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação” (BRASIL, 2002). Já o artigo 1.593 também do Código Civil, explicou que o parentesco natural poderia resultar por outra forma que não fosse a consanguinidade, surgindo assim o parentesco por afinidade.
No entanto, somente era possível algum registro da criança com o nome do seu parente socioafetivo com a adoção, o que acabava com o vínculo anterior da criança, surgindo assim uma nova certidão, outra identidade e apagava o que antes existia. Esse choque jurídico nem sempre era bem visto pela parte que perdia seus direitos sobre o filho, o que acontecia sem observar os devidos tramites legais pela parte interessada em fazer a alteração, ou seja, a guardiã da criança (LEI Nº 12.010/2009.).
§ 4o O estágio de convivência será acompanhado pela equipe interprofissional a serviço da Justiça da Infância e da Juventude, preferencialmente com apoio dos técnicos responsáveis pela execução da política de garantia do direito à convivência familiar, que apresentarão relatório minucioso acerca da conveniência do deferimento da medida.” (NR)
§ 3o A pedido do adotante, o novo registro poderá ser lavrado no Cartório do Registro Civil do Município de sua residência.
§ 4o Nenhuma observação sobre a origem do ato poderá constar nas certidões do registro.
Cassettari em sua obra discorre sobre as alterações da perspectiva sobre a criança que passou a ser protegida e transformada efetivamente em sujeito de direito:
A nova ordem jurídica consagrou como fundamental o direito à convivência familiar, adotando a doutrina da proteção integral. Transformou a criança em sujeito de direito. Deu prioridade à dignidade da pessoa humana, abandonando a feição patrimonialista da família. Proibiu quaisquer designações discriminatórias à filiação, assegurando os mesmos direitos e qualificações aos filhos nascidos ou não da relação de casamento e aos filhos havidos por adoção. (CASSETTARI, 2015, P. 15).
Pensando nos benefícios para a criança, entendimentos foram surgindo, precedentes foram abertos, e com o tempo foi-se criando uma leva de processos no judiciário onde um parente socioafetivo queria entrar na vida da criança de forma permanente, sem excluir o vínculo biológico. Embora tenha sido constatado uma certa dificuldade, foi-se permitindo uma entrada mais vigorosa de um terceiro registro na certidão de crianças que mantinham um vínculo afetivo, no início, apenas o judiciário autorizava uma mudança na certidão de nascimento. Mas no ano de 2017, um novo provimento do CNJ número 63/2017 instituiu novos modelos nacionais para as certidões de registro civis a qual estabelece considerando a ampla aceitação doutrinária e jurisprudencial da paternidade e maternidade socioafetiva, contemplando os princípios da afetividade e da dignidade da pessoa humana como a fundamentação da filiação civil (CNJ,2017)
Art. 10. O reconhecimento voluntário da paternidade ou da maternidade socioafetiva de pessoa de qualquer idade será autorizado perante os oficiais de registro civil das pessoas naturais.
[...]
Art. 11. O reconhecimento da paternidade ou maternidade socioafetiva será processado perante o oficial de registro civil das pessoas naturais, ainda que diverso daquele em que foi lavrado o assento, mediante a exibição de documento oficial de identificação com foto do requerente e da certidão de nascimento do filho, ambos em original e cópia, sem constar do traslado menção à origem da filiação. (BRASIL, CNJ 63/17).
Ramos ao explanar o conceito o princípio da dignidade a pessoa humana, descreve como “[...] primeiro artigo da nossa Carta Magna (art. 1º, III, CRFB/1988)19 e é a base do Estado Democrático de Direito. Não há de se pensar em direito sem associar ao conceito da dignidade da pessoa humana.”
Hoje em dia é possível alterar a certidão de nascimento, no registro civil das pessoas naturais, de forma simples, acrescentando o nome do parente socioafetivo sem retirar o biológico. Este novo procedimento traz uma facilidade imensa para quem antes deveria acionar o judiciário e esperar um tempo consideravelmente longo para tornar possível a alteração na certidão. No provimento do CNJ, alguns detalhes devem ser levados em consideração, como a idade mínima para tal, que deverá ser de 18 anos, assim como a diferença etária entre o parente socioafetivo e a criança que deverá se de no mínimo 16 anos. Também deve será analisada a idade da criança que a após os 12 anos deve consentir com a alteração. Esses detalhes auxiliam para garantir a melhor proteção da criança, já que a filiação socioafetiva é irrevogável (Lei nº 11.924, 2009).
Ressalta-se que quando a criança mantém o vínculo com a parte biológica a qual não ficou com a sua guarda, seguindo sua rotina diária, com visitas frequentes, auxílio moral e material, não fica tão afetada com a separação, e o novo parente socioafetivo acaba virando algo a mais em sua vida, auxiliando na sua vida como um suporte aquele que não está mais presente diariamente, mesmo assim todos ao seu redor sabem quem realmente é seu pai/mãe, é conhecido de todos que aquela pessoa é o padrasto/madrasta, mas em muitos casos acontece da criança perder totalmente o vínculo com aquele que não ficou com sua guarda por vários motivos, ou a pessoa desiste da família, ou vai morar em outra cidade ou país, só visita a criança em finais de semana intercalados, vários fatos acabam atrapalhando a relação e assim, quando o guardião inicia um novo relacionamento, este parceiro acaba fazendo a parte do que foi embora, e para a sociedade em geral aquela pessoa acaba virando pai/mãe daquela criança, pois é o único visto com ela diariamente (MAGALHÃES, 2012, p. 87 a 90).
Esta forma de parentalidade, hoje em dia muito normal, acabou virando assunto no judiciário, pois com o fato da criança estar com alguém que cuida dela como se pai/mãe fosse mas que por nada pode responder legalmente e, não tem o vínculo jurídico que gostaria de ter com a criança que por muitas vezes chama de filho, foi-se determinando um direito a estas pessoas, auxiliando assim a criança ter um vínculo formal com aquele que a cria, neste contexto, segundo Lôbo:
Sob o ponto de vista do melhor interesse da pessoa, não podem ser protegidas algumas entidades familiares e desprotegidas outras, pois a exclusão refletiria nas pessoas que as integram por opção ou por circunstâncias da vida, comprometendo a realização do princípio da dignidade humana (LÔBO apud FARIAS; ROSENVALD, 2015, p. 58).
O comprometimento com a criança deve ser o principal fator para se estabelecer o vínculo afetivo, o novo parente afetivo deve ter a consciência de que entrará na vida daquela criança para sempre, tanto no plano jurídico como no afetivo, não será algo que acabará quando o relacionamento com o cônjuge cessar, é algo para a vida inteira (GODOY, 2018)
Neste sentido, Dias comenta:
Trata-se de um ato voluntário, que gera os deveres decorrentes do Poder Familiar. Embora o valor do liame registral, hoje, seja inferior ao valor do liame socioafetivo, ainda é a principal fonte de direitos e deveres: gera dever de alimentos e de mútua assistência, alicerça o direito sucessório e as limitações legais que regulam atos jurídicos entre ascendente e descendentes.(DIAS, 2008, p. 332).
Desta forma, resta claro o entendimento que mesmo após a cessação do casamento, ou da união estável com o parceiro guardião da criança, os laços, tanto afetivos como financeiros com a criança não serão desfeitos, a obrigação de manter aquela criança com deverá ser eterna, assim como a obrigação da criança em cuidar o parente socioafetivo depois na sua velhice quando não puder mais se manter por conta própria. A reciprocidade no tratamento se faz igual ao que seria se biológico fosse, dessa forma infere-se que o parentesco socioafetivo gera todos os efeito como se natural fosse. (BARBOSA, 2013, p. 13 a 14)
Essa proteção jurídica a que se refere anteriormente, foi trazida com o advento da Constituição Federal de 1988 a qual ao afirmar que todos os filhos são iguais não importando sua origem, definiu que se registrado por um parente socioafetivo como se filho fosse, nada mais poderia intervir neste vínculo, tornando assim eterno e com todos os direitos como se biológico fosse (CF/88)
Antes da Constituição Federal de 1988 os filhos havidos fora do casamento não tinham os mesmos direitos que os de pais casados, eles eram vistos de duas formas, filhos legítimos e ilegítimos, os legítimos, eram aqueles advindos do casamento e o ilegítimos eram os filhos havidos fora do casamento, mesmo que de uma união estável (BASSO, 2018).
Guilherme Calmon Nogueira da Gama, descreve a nova abordagem do direito acerca das relações, com base no interesse da criança:
[...]com base na noção do melhor interesse da criança, tem-se considerado a prevalência do critério socioafetivo para fins de se assegurar a primazia da tutela à pessoa dos filhos, no resguardo dos seus direitos fundamentais, notadamente, o direito à convivência familiar. (GAMA, 2008. p. 348.)
Por isso a forma como vemos hoje a criança é bem diferente de antes de 1988, pois hoje, é proibida qualquer distinção entre os filhos ainda que provindos de uma traição, adotados, de união estável, do casamento, etc. As diferenciações agora relacionadas aos filhos são apenas decorrentes da consanguinidade, fato este que segundo Tavares:
[...] é natural se decorrente apenas da consanguinidade; pai e filho são parentes naturais; seu parentesco foi criado pela própria natureza, através do sangue. O parentesco civil é aquele que tem outra origem, como antes visto, no qual se enquadra o instituto da adoção. Pai e filho adotivo são parentes civis; a relação jurídica que os vincula é produto exclusivo da lei, que procura imitar a natureza. (Tavares 2012, p. 421).
Portanto, o parentesco socioafetivo seria um parentesco civil no direito de família, pois nada tem a ver com consanguinidade e afetividade entre as partes, delimitando civilmente mas nunca excluindo algum direito da criança, que será tratada tanto pelo parente socioafetivo como pela sociedade e pelo mundo jurídico como se filho fosse, com a proibição de qualquer distinção como explica Carlos Roberto Gonçalves (2012, p 17), no que diz respeito a vida da pessoa humana, o direito de família é o que se encontra mais incorporado, pois durante a vida constituem-se núcleos familiares, os quais perduram por toda a vida.
O direito de família como o nome diz, se baseia no instituto familiar, com a intenção de regular os direitos e estabelecer normas de convivência, a importância do direito de família com a criança está principalmente nas relações entre o relacionamento parental, onde sempre é visto o que será melhor para a criança como indivíduo de direitos que é (CC, art. 1.511 a 1.638).
3. A BASE JURÍDICA DA SOCIOAFETIVIDADE
A socioafetividade existe há muito tempo, pois a base para sua existência não é jurídica e sim emocional, no entanto, a sua juridicidade começou a ser questionada nas doutrinas ao analisar como enquadrar um relacionamento entre pais e filhos não biológicos. Surgiram muitas dúvidas se existiria uma prevalência da paternidade biológica em relação a socioafetiva e neste contexto, Almeida explica:
A questão da paternidade afetiva tem sido objeto de discussão nas ações negatórias de paternidade. Formada quer pela vontade do pai, quer por situação fática, não pode a paternidade afetiva ser desconsiderada e rompido o vínculo parental que ela criou.(ALMEIDA, José 2008, p. 179)
Qual seria a forma correta de lidar com essa estrutura familiar, quais direitos e deveres teriam essas pessoas em relação aos seus filhos, existiria uma inferioridade neste conceito de família, teriam menos direitos do que um pai ou mãe biológicos? Muitas perguntas foram surgindo e com isso as doutrinas foram esclarecendo como a socioafetividade influencia a vida de todos que se envolvem numa nova estrutura familiar, assim, explica Rui Geraldo Camargo Viana que deve ser analisado o melhor interesse para a criança e que se assim for considerada que a paternidade afetiva resta mais interessante ao bem estar da criança, esta deve prevalecer até mesmo em detrimento da biológica em respeito a dignidade da pessoa humana, como discorre Viana:.
Não obstante isso, por força da mesma norma e em nome do melhor interesse da criança, dúvidas não pairam que deve prevalecer a paternidade afetiva até mesmo em detrimento da biológica, sempre que a primeira se revelar o meio mais adequado de realização dos direitos constitucionais assegurados à pessoa humana. (VIANA, Rui 2010. p. 495-496)
Assim, foi-se criando um novo estudo sobre a socioafetividade, com sua base na Constituição Federal de 1988, em seu artigo 5º “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade [...]”. Neste sentido, levamos em consideração o princípio da isonomia, não diferenciando pais biológicos de pais afetivos.
O aspecto afetivo do relacionamento entre pai e filho está relacionado não só com a consanguinidade, o fato de ser sangue do sangue não quer dizer que tenha afeto, muitas vezes inclusive a falta de afeto é uma das causas da criança ser retirada da família biológica e fique sob a guarda do governo sendo então colocada num lar adotivo onde encontrará o carinho que necessita, neste caso, com a destituição do poder familiar biológico, nada se fala sobre socioafetividade ou multiparentalidade. Surge para a família adotiva um novo início com aquela criança que quando crescer, pode querer conhecer sua família biológica não perdendo o vínculo afetivo com os pais adotantes, neste sentido Christiano explica que:
[…] tal direito tenha que ser de mão dupla, haja vista que reconhecê-lo somente aos filhos seria dar uma interpretação inconstitucional ao instituto, em decorrência do princípio da isonomia, consagrado como uma garantia fundamental […] Se todos são iguais perante a lei, não podemos fazer distinção entre pais e filhos, tentando valorar a importância do afeto para um ou outro, já que existe importância desse valor jurídico para ambos. Não podemos esquecer que o direito à igualdade é uma garantia fundamental, prevista em cláusula pétrea, e que qualquer interpretação contrária a isso afrontaria nossa Constituição Federal. (CASSETTARI, Christiano, 2015 p. 17-18).
O princípio da dignidade da pessoa humana, qualidade que sempre esteve presente nas pessoas e é um princípio fundamental na Constituição Federal de 1988, em seu artigo 1º, inciso III, garante o valor moral no sentido de que se deve sempre garantir o melhor para a criança. As normas devem ser interpretadas em conjunto de forma que a Constituição Federal seja basilar aos dispositivos infraconstitucionais, principalmente no tocante às garantias fundamentais. Cassettari discorre sobre o tema:
Com isso, verifica-se serem plenamente aplicáveis ao Direito Privado as regras constitucionais, e, em especial, as garantias fundamentais. Por esses motivos, em razão da constitucionalização do Direito Civil, temos que interpretar o Código Civil à luz da Constituição Federal. No Direito de Família isso não é diferente, pois uma de suas consequências é verificar que o conceito de família é plural, não existindo entre as várias formas existentes nenhum tipo de hierarquia, pois todas são amparadas pela Carta Magna (CASSETTARI, 2015, p. 18).
Ainda que as normas originárias acerca de filiação estivessem previstas no Código Civil, em razão dos princípios e garantias constitucionais inerentes às pessoas, a sua ampliação foi sendo necessária para atendimento das novas conjecturas familiares e um novo prisma de proteção foi sendo vislumbrado e acolhido pela doutrina e pelo Judiciário (SANTANA, 2015)
O Superior Tribunal de Justiça em decisão de caso que envolveu o reconhecimento da tese da parentalidade socioafetiva, embasou na necessidade da aplicação do princípio da dignidade humana como base jurídica da socioafetividade, consoante a ementa de negatória de paternidade onde foi reconhecida a “adoção a brasileira”, reconhecendo que este tipo de adoção se encontra à margem do ordenamento, foi reconhecido que a socioafetividade existente entre pai e filho, que foi registrado, não poderia ser desfeito por motivo qualquer como esclarece a jurisprudência “vínculo socioafetivo entre o pai de registro e o filho registrado, não consubstancia negócio jurídico vulgar sujeito a distrato por mera liberalidade, tampouco avença submetida a condição resolutiva consistente no término do relacionamento com a genitora”
DIREITO DE FAMÍLIA. AÇÃO NEGATÓRIA DE PATERNIDADE. EXAME DE DNA. AUSÊNCIA DE VÍNCULO BIOLÓGICO. PATERNIDADE SOCIOAFETIVA. RECONHECIMENTO. "ADOÇÃO À BRASILEIRA". IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO. 1. A chamada "adoção à brasileira", muito embora seja expediente à margem do ordenamento pátrio, quando se fizer fonte de vínculo socioafetivo entre o pai de registro e o filho registrado, não consubstancia negócio jurídico vulgar sujeito a distrato por mera liberalidade, tampouco avença submetida a condição resolutiva consistente no término do relacionamento com a genitora. 2. Em conformidade com os princípios do Código Civil de 2002 e da Constituição Federal de 1988, o êxito em ação negatória de paternidade depende da demonstração, a um só tempo, da inexistência de origem biológica e também de que não tenha sido constituído o estado de filiação, fortemente marcado pelas relações socioafetivas e edificado na convivência familiar. Vale dizer que a pretensão voltada à impugnação da paternidade não pode prosperar quando fundada apenas na origem genética, mas em aberto conflito com a paternidade socioafetiva. 3. No caso, ficou claro que o autor reconheceu a paternidade do recorrido voluntariamente, mesmo sabendo que não era seu filho biológico, e desse reconhecimento estabeleceu-se vínculo afetivo que só cessou com o término da relação com a genitora da criança reconhecida. De tudo que consta nas decisões anteriormente proferidas, dessume-se que o autor, imbuído de propósito manifestamente nobre na origem, por ocasião do registro de nascimento, pretende negá-lo agora, por razões patrimoniais declaradas. 4. Com efeito, tal providência ofende, na letra e no espírito, o art. 1.604 do Código Civil, segundo o qual não se pode "vindicar estado contrário ao que resulta do registro de nascimento, salvo provando-se erro ou falsidade do registro", do que efetivamente não se cuida no caso em apreço. Se a declaração realizada pelo autor, por ocasião do registro, foi uma inverdade no que concerne à origem genética, certamente não o foi no que toca ao desígnio de estabelecer com o infante vínculos afetivos próprios do estado de filho, verdade social em si bastante à manutenção do registro de nascimento e ao afastamento da alegação de falsidade ou erro. 5. A a manutenção do registro de nascimento não retira da criança o direito de buscar sua identidade biológica e de ter, em seus assentos civis, o nome do verdadeiro pai. É sempre possível o desfazimento da adoção à brasileira mesmo nos casos de vínculo socioafetivo, se assim decidir o menor por ocasião da maioridade; assim como não decai seu direito de buscar a identidade biológica em qualquer caso, mesmo na hipótese de adoção regular. Precedentes. 6. Recurso especial não provido. (STJ - REsp: 1352529 SP 2012/0211809-9, Relator: Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, Data de Julgamento: 24/02/2015, T4 - QUARTA TURMA, Data de Publicação: DJe 13/04/2015).
Note-se que no entendimento expresso no julgado o interesse do menor é nitidamente preservado sob a proteção dos direitos fundamentais, inclusive se assim o entender, poderá postular o reconhecimento ao pai biológico em sua maioridade.
Com essa nova visão ampla da parentalidade, podemos afirmar que a família moderna possui amparo nos princípios constitucionais, entre eles o da solidariedade, contido no art. 3º, inciso I, da Constituição Federal, que fundamenta a existência da afetividade em seu conceito e existência concede à família uma função social importante, que é a de valorizar o ser humano (CF/88)
Pode-se consignar que os princípios constitucionais são a base jurídica da nova interpretação sistemática das normas que abarcam os conceitos e reconhecimentos da importância jurídica da socioafetidade e o reconhecimento jurídico dela para o favorecimento das relações humanas nos novos contextos familiares.
4. A DIFERENÇA ENTRE SOCIOAFETIVIDADE E MULTIPARENTALIDADE.
Antigamente, a adoção era feita de forma irregular, pessoas que queriam adotar procuravam famílias que n]ao tinham condições de criar seus filhos, assim, ofereciam uma vida estável para aquela criança e muitas vezes conseguiam levá-la, então, depois de um tempo, registravam como se filho fosse, as vezes até sem saber da irregularidade, a pessoa acabava realizando uma fraude e adotando a criança de forma ilegal. A falta de informação e a burocracia faziam com que a tentativa de adotar legalmente durasse anos ou até mesmo nunca se realizasse, por isso, que no passado era comum adotar crianças diretamente dos pais (MENEZES, 2008, p. 10).
Dias conceitua a parentalidade socioafetiva:
Diante do atual conceito de parentalidade socioafetiva, imperioso admitir a possibilidade de coexistência da filiação biológica e da filiação construída pelo afeto. E não há outro modo de melhor contemplar a realidade da vida do que abrir caminho para o reconhecimento da multiparentalidade. Afinal, não há como negar que alguém possa ter mais de dois pais (DIAS, 2010, p. 310).
Conhecida como “adoção à brasileira”, as certidões de crianças recém-nascidas ou de demais idades eram feitas como se “filhos fossem” com parentes ou conhecidos sem vínculo sanguíneo. A falta de documentação se estendia pela extrema burocracia a qual os casos eram submetidos, não era permitido uma adoção para uma pessoa da escolha dos pais por exemplo, antes deveria ser tentada uma quantidade imensa de chances de a criança permanecer junto a família ainda que com pessoas mais distantes, ou seguir com os pais biológicos. Portanto, a socioafetividade já existe a um tempo bem considerável, só não era vista da forma como se encontra hoje.
Nascimento explica que tais fatores que geram esse tipo de adoção são:
Antes de falar instituto da adoção à brasileira, se faz necessário entender os principais fatores que levam a prática deste tipo de adoção. Onde há três fatores relevantes para essa prática, que são: o desejo da constituição da entidade familiar, o abandono de crianças e adolescentes e o laço afetivo. Partindo dessas premissas começaremos a entender a prática da adoção à brasileira pela sociedade (NASCIMENTO, 2018).
Com o advento da Lei 4655/65, iniciou-se a chamada “legitimação adotiva” onde foi estipulado em seu parágrafo primeiro, a permissão de adoção de crianças cujos pais fossem desconhecidos, ou tivessem declarado por escrito a intenção de “poder ser dado”, assim também, como o maior de 7 anos desde que já estivesse na guarda de quem os queria adotar. Assim, para que pudessem adotar, cujos pais não tivessem mais o poder familiar. A criança não tenha sido reclamada por algum parente por mais de um ano, ou fosse filho reconhecido apenas pela mãe e que esta não o tenha condições de criar. As pessoas referidas nesta lei, para que pudessem adotar, deveriam ter no mínimo 5 anos de casamento e mais de 30 anos de idade, sem filhos. O tempo do casamento poderia ser dispensado se um dos companheiros fosse estéril, comprovado o fato por perícia médica, e mantivessem estabilidade conjugal (BRASIL, LEI 4.655/65).
Em 2012 em julgamento de Recurso Especial, o Superior Tribunal de Justiça manifestou-se acerca do tema onde a socioafetividade foi entendida como uma possibilidade quando favorecer aos filhos, sobrepondo inclusive a paternidade biológica. No caso concreto deste REsp, foi ao contrário, o pedido ocorreu por um filho que havia tido sua paternidade estabelecida por socioafetividade, porém tinha o interesse em reconhecimento do pai biológico, o que foi possibilitado.
Em voto o Ministro Luis Felipe Salomão emanou o seguinte entendimento, “A tese segundo a qual a paternidade socioafetiva sempre prevalece sobre a biológica deve ser analisada com bastante ponderação, e depende sempre do exame do caso concreto”. Nesse sentido o julgador deve observar o ambiente que a criança vive, se há a presença mesmo que pouca e se essa presença tem efeitos relevantes sore a formação da personalidade dela.
Ao passo que a relação da criança e o parente socioafetivo em nada divergir de um relacionamento entre pai e filho biológico, o julgador fazer com que a paternidade socioafetiva prevaleça sobre a biológica para fim de garantir o princípio da do melhor interesse da prole. Ainda sobre o intendimento de Salomão, “A paternidade biológica gera, necessariamente, uma responsabilidade não evanescente e que não se desfaz com a prática ilícita da chamada ‘adoção à brasileira’, independente da nobreza dos desígnios que a motivaram” (REsp 1167993/RS, Rel. Min. Luis Felipe Salomão; 4a Turma do STJ, j. 18.12.2012 e DJe 15.3.2013).
Em outro caso julgado pelo Superior Tribunal de Justiça, a socioafetividade foi predominante e sobrepôs ao vínculo biológico, pois foi observado que nas palavras da relatora Ministra Nancy Andrighi, “[...]o mesmo diploma legal a alteração do assento de nascimento excepcionalmente nos casos de comprovação de erro ou falsidade de registro”. Cinge-se para que se caracterize erro, se faz necessário a prova de erro intelectual (REsp 1383408/RS, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 15/05/2014, DJe 30/05/2014).
Note-se que cada caso concreto tem o viés merecido, sempre prevalecendo a dignidade da pessoa humana e a concretização de menores danos. Não há como nestes casos se estabelecer uma regra fixa e aplicar a todos os casos, pois a particularidade e o afeto estabelecido em cada um, pode ser determinante para concretizar a decisão da paternidade, seja ela biológica ou socioafetiva. Ainda assim, existem casos em que o prejuízo de substituição de um dos pais seja demasiadamente danoso, desta forma o instituto da multiparentalidade vem sendo aplicado e uma pessoa passa a ter mais de um genitor em seu registro de nascimento, como dois pais ou duas mães.
No ano de 2016 o Juiz Afif Jorge Simões Neto, da 2ª Vara de Família e Sucessões, o qual corre em segredo de justiça, determinou que uma menina que foi criada pela tia e seu marido deveria ter seu nome na certidão de nascimento, da que já era desde o nascimento, sua filha socioafetiva, em suas próprias palavras o juiz determinou que:
Muito embora se pudesse argumentar que não há dispositivo legal que autorize a inclusão de dois pais – um pai e uma mãe – no registro de nascimento, há, aqui, verdadeira hipótese na qual a lei deve se adequar à realidade posta e não o contrário. A multiparentalidade é concreta e não uma simples teoria (NETO, 2016).
Dessa forma, a multiparentalidade foi estabelecida pensando no melhor para aquela criança que, ainda que de forma não estabelecida em lei, foi considerada a situação a qual a menor vivia, pensando que aquelas pessoas que a criavam desde o nascimento deveriam ter os seus nomes em sua certidão como se pai e mãe fossem, neste caso o nome da mãe biológica não foi retirado da certidão, acrescentando assim o nome do tio, como pai e ainda dos pais dele como avós da menina. Segredo de justiça
Neste caso a multiparentalidade foi de grande valia para uma criança que já vivia de forma que seus tios eram seus pais, portanto esclarecer este processo na certidão de nascimento foi tão importante, acrescentar o nome de quem ela via, por toda sua vida, como pai e mãe, mostrou a importância jurídica que está criança terá no dia a dia, ao informar o nome da mãe em um documento da escola por exemplo. Estes pequenos atos que fazem a diferença no dia a dia e mostram o quanto funcionam quando contemplados juridicamente (VIEIRA, 2015,p.89)
A multiparentalidade vem na forma de uma família não tradicional, onde encontramos várias pessoas cumprindo um mesmo papel, independente de consanguinidade. Portanto, ao verificarmos a sua importância no mundo jurídico nos deparamos com o bem estar tanto da criança como de quem a cria, podendo assim responder por esta criança participando de sua vida não só de forma diária como em todas as etapas exigidas na sociedade (ABREU, 2014). O fato da multiparentalidade estar registrada em certidão permite à criança, o entender de que aquela pessoa pode sim ser seu responsável e na hora de acrescentar essa pessoa num projeto escolar a criança se sente incluída socialmente.
Ter dois pais ou duas mães nos dias atuais deixa de ser um problema e passa a ser uma solução em muitos casos onde o dever de criar se impõe ao dever sanguíneo. Este papel de criar um filho que não tem seu sangue está cada vez mais comum nos dias atuais e vem demostrando dar muito certo nas famílias que convivem dia a dia com uma criança quando os pais são divorciados, a criança que um dia está com a mãe e um padrasto e no outro o pai e madrasta e é tratada por todos como filha, se sente parte de duas famílias possibilitando uma proteção maior a criança, e hoje a multiparentalidade permite isso, pois o conceito de família plural é uma realidade nos dias de hoje e certamente continuará a se concretizar na forma de decisões de juízes acerca do tema (PIOLI, 2013)
Portanto ao definir multiparentalidade, Póvoas, 2012, tanto o pai ou mãe biológicos bem como os genitores afetivos se veem diante da oportunidade de fazer uso do princípio da dignidade humana e de seus laços de afeto com a criança para que exista uma forma de garantir a criação e até mesmo a permanência dos vínculos parentais. Portanto tanto os parentes consanguíneo como afetivo terão os mesmos direitos e responsabilidades sobre aquela criança. Portanto, temos que a multiparentalidade e a socioafetividade não se confundem e poderão ocorrer simultaneamente, quando, por exemplo, uma pessoa tendo seu vínculo biológico registrado em sua certidão e, após, obtém o reconhecimento de parentalidade por vínculo afetivo, assegurando assim o princípio da igualdade jurídica, podendo ocorrer a substituição de um parente por outro, ou apenas a inclusão sem a supressão, o que ocorre com a multiparentalidade como demonstra Diniz:
Com base nesse princípio da igualdade jurídica de todos os filhos, não se faz distinção entre filho matrimonial, não-matrimonial ou adotivo quanto ao poder familiar, nome e sucessão; permite-se o reconhecimento de filhos extramatrimoniais e proíbe-se que se revele no assento de nascimento a ilegitimidade simples ou espuriedade (DINIZ, 2018, p. 27)
Salienta-se que a regra é a proteção e a dignidade da pessoa humana, sob este prisma fica cristalino o teor das decisões e da aparente divergência de entendimentos, que ora reconhece a socioafetividade, ora reconhece o vínculo biológico e ainda, por outras vezes não suprime nenhum e estabelece a multiparentalidade.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
No Brasil atualmente existem vários tipos de configurações de família, sendo conceituada por muitos anos pela existência de pai e mãe biológicos, que na constância do casamento dão origem a prole. Com o passar dos anos, a família conceituada anteriormente, não é mais tão visível aos olhos da população, pois a medida que o tempo passou foi dando espaço para outros tipos de família, como as advindas de união estável que perante a atual legislação equivalem-se as famílias tradicionais.
O presente estudo no entanto, fez uma abordagem a respeito da reconstrução de famílias que se desfizeram por força de divórcio ou separação de fato por exemplo, dando espaço para a presença de outras pessoas na vida da criança fruto da união anterior, essas pessoas se materializam nas figuras do Padrasto e Madrasta e com o tempo vão criando e estreitando os laços de afeto com seus respectivos enteados de maneira que conforme a intensidade e a vontade do parente socioafetivo, o mesmo queira, através da via legal, registrá-lo em seu nome.
Apesar de os parentes socioafetivos terem as mesmas obrigações na criação das crianças, como pai ou mãe biológicos fossem, não era permitido a inclusão de mais uma pessoa no registro de nascimento. Entretanto, após a publicação do provimento n. 63 do Conselho Nacional de Justiça que instituiu novos modelos de certidões de registros civis a qual estabelece considerando a ampla aceitação doutrinária e jurisprudencial da paternidade e maternidade socioafetiva, contemplando os princípios da afetividade e da dignidade da pessoa humana como a fundamentação da filiação civil.
Isso mostra como o Direito é capaz de se adequar aos novos tempos que a sociedade vive e ter a sensibilidade de ver além da letra fria da lei, reconhecendo os laços afetivos entre adulto e criança mais que suficientes para que seja possível o registro civil da mesma, que além do nome do pai biológico, conste também o nome do parente socioafetivo, que para o jovem é uma demonstração de que esse laço de afinidade e afeição é tão ou mais forte que os laços sanguíneos.
6. REFERÊNCIAS
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[1] Mestre em Prestação Jurisdicional e Direitos Humanos Pela UFT/Esmat; Especialista em Direito Civil e Processual Civil pela UniRitter; Graduada em Direito pela URCAMP. Professora Assistente do Curso de Direito da UFT – Palmas -TO
Advogada - Especialista em Direito da Família e Sucessões do Centro Universitário Dom Bosco, Graduada em Direito pela URCAMP
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: MOREIRA, GABRIÉLI ARAÚJO. O reconhecimento jurídico da parentalidade socioafetiva na família moderna Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 30 set 2020, 04:28. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/55276/o-reconhecimento-jurdico-da-parentalidade-socioafetiva-na-famlia-moderna. Acesso em: 22 nov 2024.
Por: Maria Laura de Sousa Silva
Por: Franklin Ribeiro
Por: Marcele Tavares Mathias Lopes Nogueira
Por: Jaqueline Lopes Ribeiro
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