RESUMO: O presente artigo possui como objetivo analisar a responsabilidade dos sócios e administradores por danos ambientais causado pela pessoa jurídica. Constata-se que a responsabilização por danos ambientais no ordenamento jurídico brasileiro ocorre em três esferas autônomas: civil, administrativa e penal, de modo que estuda-se de minuciosamente quais os requisitos para caracterização da responsabilidade em cada uma delas. Por derradeiro, por meio de pesquisa legislativa, bibliográfica e jurisprudencial, compreende-se a possibilidade de responsabilização dos sócios e administradores por danos ambientais em todas as esferas, dependendo de características e requisitos diferenciados, os quais devem ser analisados pelos operadores do direito no caso concreto.
PALAVRAS-CHAVE: Direito Ambiental, Dano Ambiental, Responsabilidade Civil, Responsabilidade Penal, Responsabilidade Administrativa.
SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. A Responsabilização por Dano Ambiental. 2.1. Responsabilidade Civil. 2.2. Responsabilidade Administrativa. 2.3. Responsabilidade Penal. 3. Conclusão. 4. Referências Bibliográficas.
1. INTRODUÇÃO
O direito ao meio ambiente é direito fundamental da pessoa humana, sendo positivado em capítulo próprio na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Por meio disso, demonstrou o legislador preocupação com o tema em questão, uma vez que os sujeitos são responsabilizados em três áreas diferentes do Direito. Além disso, a norma maior inovou ao trazer a possibilidade de responsabilização de pessoa jurídica na área criminal, uma vez que desde 1981 essa hipótese já era reconhecida no âmbito cível.
Desse modo, iniciou-se debate na doutrina e na jurisprudência pátria acerca da possibilidade de responsabilização também dos sócios e administradores por dano ambiental. E, ante a cumulatividade e independência das sanções, com a finalidade de apurar a responsabilidade dos sócios e administradores por dano ambiental, faz-se necessário o estudo de cada esfera separadamente.
Em síntese, conforme será exposto, no âmbito cível o entendimento majoritário é de que o ordenamento jurídico filiou-se à teoria do risco integral, sendo possibilitada a desconsideração da personalidade jurídica e atingimento do patrimônio do sócio. Na esfera administrativa, por sua vez, há ainda discussões doutrinárias e decisões judiciais sobre a prescindibilidade da culpa, no entanto, o entendimento majoritário atual é voltado em favor da responsabilidade subjetiva, a qual depende da comprovação de culpa do agente. Por último, é reconhecido que o Direito Penal será apenas utilizado como ultima ratio, sendo imprescindível a verificação de dolo ou culpa do agente, com a finalidade de proteger seus direitos e garantias fundamentais.
Dessa forma, ao se analisar a possibilidade de responsabilização dos sócios e administradores por danos ambientais, é imperioso não só analisar a exegese legal como também os estudos das correntes doutrinárias majoritárias e as posições tomadas pela jurisprudência pátria acerca do tema.
2.A RESPONSABILIZAÇÃO POR DANO AMBIENTAL
O Direito Ambiental, o Direito do Consumidor e os Direitos Humanos das minorias e dos grupos vulneráveis constituem ramos autônomos do Direito, sendo considerados por muitos autores como direitos de terceira geração. Isso porque caracterizam-se por serem ao mesmo tempo transindividuais (seus titulares são uma coletividade) e indivisíveis (a satisfação de um dos titulares gera a satisfação dos demais) (FIGUEIREDO, 2011).
Em análise ao direito das futuras gerações, Bobbio (1992, p. 6, apud FRANCIOLI, 2006, p. 6) afirma que “o mais importante deles é o reivindicado pelos movimentos ecológicos: o direito de viver num ambiente não poluído”. Nessa toada, a Constituição da República Federativa do Brasil reservou um capítulo inteiro para dispor sobre o meio ambiente, o que representou imensa evolução em comparação com as Cartas anteriores.
No caput do art. 225 foi expresso que:
Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá- lo para as presentes e futuras gerações.
Milaré (2011) analisa a perspectiva de que foi reconhecido, pelo caput deste dispositivo, o ambiente como um bem essencial à vida digna, sendo parte do direito público subjetivo. E, segundo comenta Antunes (2005, p. 70), “o estabelecimento do direito ao ambiente como um dos direitos fundamentais da pessoa humana é um importante marco na construção de uma sociedade democrática e participativa e socialmente solidária”.
Assim, tendo em vista que viver em um meio equilibrado é direito fundamental para que o ser humano tenha uma vida digna, é necessário que o Estado se ocupe de punir aqueles que causam danos ao ecossistema. Por essa razão, dispôs o § 3º do dispositivo supracitado que, tanto pessoas físicas quanto pessoas jurídicas, serão sujeitas a sanções penais, administrativas e terão a obrigação de reparar os prejuízos causados.
O fato de haver punição nos âmbitos cível, penal e administrativo trouxe ao ordenamento jurídico a regra da cumulatividade das sanções, uma vez que essas áreas protegem objetos diferentes e estão sujeitas a regimes jurídicos distintos (FIORILLO, 2012). Sobre o assunto, afirma Figueiredo (2011) que as esferas são independentes, uma vez que eventual absolvição criminal não exclui o dever de reparação civil ou administrativa, salvo quando reconhecida a inexistência do fato ou da autoria.
No plano jurisprudencial, o Superior Tribunal de Justiça manifestou-se em diversas ocasiões acerca da independência das esferas, conforme julgados a seguir mencionados: REsp 1154405/MG, RMS 36373/SP, AgRg no AREsp 1058993/MA. Cita-se ainda que tal entendimento é seguido pelos Tribunais de Justiça e pelos Tribunais Regionais em diversas ocasiões.
Isso posto, surge discussão acerca da possibilidade de responsabilização do sócio ou do administrador da pessoa jurídica por dano gerado ao meio ambiente. Desse modo, tendo em vista a cumulatividade de sanções nas diferentes esferas do direito, faz-se mister o estudo mais aprofundado da hipótese em cada uma delas.
2.1. RESPONSABILIDADE CIVIL
A responsabilidade civil tem como principal finalidade restaurar o equilíbrio moral e patrimonial gerado por conduta ilícita de indivíduo que causou dano a outrem. Esta subdivide-se em responsabilidade objetiva e responsabilidade subjetiva: a primeira configura-se pela existência de conduta, nexo causal e dano, enquanto na segunda há ainda necessidade de comprovação de dolo ou culpa do agente (GONÇALVES, 2014)
O Código Civil de 2002 estabelece como regra, no caput do art. 927, a responsabilidade civil aquiliana. No entanto, o parágrafo único do dispositivo estabelece que, nos casos especificados em lei ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem, haverá obrigação de reparação do dano independente de culpa.
Em se tratando do Direito Ambiental, segundo Figueiredo (2011), desde 1981 concorda-se que os danos ambientais seguem a responsabilidade civil objetiva. Em especial, segue-se o modelo da teoria do risco integral, segundo a qual o simples exercício de atividade lesiva ao meio ambiente torna o agente responsável pelos prejuízos, não podendo alegar excludentes de culpabilidade. Esse entendimento possui forte ligação com o princípio do poluidor-pagador, segundo o qual “aquele que lucra com uma atividade deve responder pelo risco ou pelas desvantagens dela resultantes” (MILARÉ, 2011, p. 1251).
A respeito desse princípio, pode-se extrair duas características principais: “a responsabilidade do poluidor pelo dano ambiental causado (recomposição do meio ambiente degradado) e a necessidade de inserção no custo final, dos custos ambientais que são normalmente externalizados no processo produtivo”. (FIGUEIREDO, 2011, p. 127)
Referido princípio foi positivado no art. 14, §1º, da Lei 6.938/1981, in verbis:
Sem obstar a aplicação das penalidades previstas neste artigo, é o poluidor obrigado, independentemente da existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade. O Ministério Público da União e dos Estados terá legitimidade para propor ação de responsabilidade civil e criminal, por danos causados ao meio ambiente.
Assim, tendo em vista que o ordenamento considera a apuração da culpa desnecessária, faz-se necessário cumprir os outros pressupostos: a conduta, o nexo causal e o dano. No tocante ao primeiro aspecto, Venosa (2011) define a conduta como um comportamento humano voluntário e ilícito. Cabe aqui salientar o disposto no art. 186 do Código Civil: “aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”.
Já o nexo causal pode ser definido como o vínculo que liga a conduta do agente ao dano causado. Sobre o tema, Gonçalves (2014) analisa a existência de diversas teorias para verificação deste liame: por primeiro, a teoria da equivalência das condições define que cada condição é também uma causa, o que gera um infinito número de condições; já a teoria da causalidade adequada expõe que só causa o evento a condição que é adequada a produzi-lo; e, por último, a teoria teoria da causalidade direta e imediata explicita que o agente deve responder por danos que sobrevierem direta e imediatamente do ato praticado. Segundo o autor supracitado, o ordenamento jurídico brasileiro teria se filiado à última teoria, contudo, é possível notar a existência de questionamentos pela doutrina (GONÇALVES, 2014).
Já no tocante ao dano, Venosa (2011) o conceitua como ofensa ao bem jurídico tutelado, subdividindo-o em: danos morais (atingem a personalidade do indivíduo) e danos materiais (atingem o patrimônio). Cita-se ainda a possibilidade de reconhecimento do dano estético como terceira espécie de dano, diante do texto da Súmula 387 do Superior Tribunal de Justiça.
Na esfera do Direito Ambiental, o dano ambiental possui difícil conceituação, mas Milaré (2011, p. 1119) arrisca classificá-lo como a “lesão aos recursos ambientais, com consequente degradação - alteração adversa ou in pejus - do equilíbrio ecológico e da qualidade de vida”. Na atualidade, considera-se que os danos provocados ao meio ambiente são um empecilho da sociedade de risco, que busca o desenvolvimento econômico por meio da utilização ilimitada de recursos ambientais para promover sempre o maior conforto. Dessa maneira, muitas vezes são provocados prejuízos irreparáveis para que os produtores enriqueçam pela degradação do meio ambiente (FRANCIOLI, 2006).
Após caracterizados os três pressupostos e, de acordo com o princípio do poluidor-pagador, estuda-se a possibilidade de responsabilização civil dos sócios e administradores de uma pessoa jurídica.
Nesse passo, estabeleceu o art. 931 do Código Civil de 2002 que, salvo outros casos, empresários individuais e empresas respondem sem apuração de culpa pelos danos decorrentes de seus produtos. Assim, o empresário que exerce atividade econômica organizada com finalidade de produzir bens e serviços (art. 966, CC) também é responsabilizado pelos danos provocados pelos produtos postos em circulação pela pessoa jurídica, porém, não há menção sobre os sócios. Isso pode ser explicado porque:
A grande diferença entre o empresário individual e a sociedade empresária é que esta, por ser uma pessoa jurídica, tem patrimônio próprio, distinto do patrimônio dos sócios que a integram. Assim, os bens particulares dos sócios, em princípio, não podem ser executados por dívidas da sociedade, senão depois de executados os bens sociais. (RAMOS, 2015, p. 39)
Acerca da possibilidade de responsabilização dos sócios por dano ambiental provocado pela pessoa jurídica, assevera o art. 4º da Lei 9.605/98 que “poderá ser desconsiderada a pessoa jurídica sempre que sua personalidade for obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados à qualidade do meio ambiente”. Tal possibilidade já tem sido utilizada pela jurisprudência pátria, conforme colaciona-se entendimento do Superior Tribunal de Justiça:
AMBIENTAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. RESPONSABILIDADE CIVIL POR DANOS AO MEIO AMBIENTE. FALÊNCIA. SUSPENSÃO DE ATIVIDADES. ALIENAÇÃO DE ATIVOS. AUSÊNCIA DE PERDA DE OBJETO. PROSSEGUIMENTO DA DEMANDA. PRINCÍPIO POLUIDOR-PAGADOR E PRINCÍPIO DA REPARAÇÃO IN INTEGRUM. DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. ART. 50 DO CÓDIGO CIVIL. ART. 4° DA LEI 9.605/1998. ARTS. 81 E 82 DA LEI 11.101/2005. NATUREZA DA RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO POR OMISSÃO DE FISCALIZAÇÃO AMBIENTAL. IMPUTAÇÃO SOLIDÁRIA (ART. 942, IN FINE, DO CÓDIGO CIVIL) E EXECUÇÃO SUBSIDIÁRIA. [...] 5. Não custa lembrar que o Direito Ambiental adota, amplamente, a teoria da desconsideração da personalidade jurídica (in casu, v.g., os arts. 4º da Lei 9.605/1998 e 81 e 82 da Lei 11.101/2005). Sua incidência, assim, na Ação Civil Pública, vem a se impor, em certas situações, com absoluto rigor. O intuito é viabilizar a plena satisfação de obrigações derivadas de responsabilidade ambiental, notadamente em casos de insolvência da empresa degradadora. No que tange à aplicação do art. 4º da Lei 9.605/1998 (= lei especial), basta tão somente que a personalidade da pessoa jurídica seja "obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados à qualidade do meio ambiente", dispensado, por força do princípio da reparação in integrum e do princípio poluidor-pagador, o requisito do "abuso", caracterizado tanto pelo "desvio de finalidade", como pela "confusão patrimonial", ambos próprios do regime comum do art. 50 do Código Civil (= lei geral). [...] (BRASIL, 2013a)
Milaré (2011) também analisa a prática de pessoas físicas que escondem suas condutas por trás da pessoa jurídica, e percebe a importância da desconsideração para evitar condutas maliciosas. Já Souza (2010, p. 555, apud MILARÉ, 2011, p. 1272), seguindo o mesmo raciocínio, demonstra-se favorável à aplicação da teoria menor da desconsideração, na qual não se procura apurar conduta culposa e dolosa dos sócios e administradores, mas sim proteger os terceiros.
Sobre esse entendimento, já decidiu o Superior Tribunal de Justiça:
[...] A teoria maior da desconsideração, regra geral no sistema jurídico brasileiro, não pode ser aplicada com a mera demonstração de estar a pessoa jurídica insolvente para o cumprimento de suas obrigações. Exige-se, aqui, para além da prova de insolvência, ou a demonstração de desvio de finalidade (teoria subjetiva da desconsideração), ou a demonstração de confusão patrimonial (teoria objetiva da desconsideração). - A teoria menor da desconsideração, acolhida em nosso ordenamento jurídico excepcionalmente no Direito do Consumidor e no Direito Ambiental, incide com a mera prova de insolvência da pessoa jurídica para o pagamento de suas obrigações, independentemente da existência de desvio de finalidade ou de confusão patrimonial. - Para a teoria menor, o risco empresarial normal às atividades econômicas não pode ser suportado pelo terceiro que contratou com a pessoa jurídica, mas pelos sócios e/ou administradores desta, ainda que estes demonstrem conduta administrativa proba, isto é, mesmo que não exista qualquer prova capaz de identificar conduta culposa ou dolosa por parte dos sócios e/ou administradores da pessoa jurídica.. [...] (BRASIL, 2003)
Assim, diante das decisões judiciais reiteradas neste sentido, bem como análise doutrinária, conclui-se pela possibilidade de desconsideração da pessoa jurídica e consequente responsabilização dos sócios e administradores por danos provocados ao meio ambiente no âmbito cível.
2.2. RESPONSABILIDADE ADMINISTRATIVA
A Lei 9.605/99 foi criada para dispor sobre as sanções penais e administrativas em virtude de dano ambiental. Nesse toar, o art. 70 dispõe que “considera-se infração administrativa ambiental toda ação ou omissão que viole as regras jurídicas de uso, gozo, promoção, proteção e recuperação do meio ambiente”.
Referida norma também dispõe acerca do processo administrativo, que deve respeitar os princípios do contraditório e da ampla defesa (art. 70, § 4º), acerca das autoridades competentes para lavrar auto de infração ambiental e instaurar processo administrativo (art. 70, § 1º) e acerca das sanções administrativas que poderão ser impostas (art. 72).
Conforme estudado por Fiorillo (2012, p. 150), a Lei 9.605/98 é aplicada “a qualquer poluidor, a saber, pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado, que por ação ou omissão viole a tutela jurídica dos bens ambientais”. Assim, com a finalidade de tutelar o meio ambiente, cabe ao Estado, por meio do poder de polícia ambiental, a intervenção na esfera privada para defesa do interesse da coletividade. O Poder Executivo é, portanto, dotado de discricionariedade, autoexecutoriedade e coercibilidade, exercidos diretamente ou por delegação. (MILARÉ, 2011)
Para caracterização da responsabilidade administrativa ambiental, Milaré (2011) cita a necessidade da conduta ilícita, que o autor decompõe em: a) conduta: imputada à pessoa que tenha concorrido para a ação ou omissão que causou o dano, não podendo o órgão administrativo punir uma pessoa pela malfeitoria provocada por outra; e b) ilicitude: a contrariedade à norma positivada. E, ao contrário do que se estuda na esfera cível, o dano ambiental por si só não causa responsabilidade administrativa, necessidade uma conduta contrária à legislação, bem como é imprescindível o elemento ilicitude.
Sobre a necessidade de culpa para caracterização da responsabilidade administrativa, há divergência doutrinária. Figueiredo (2011) traz em contraposição os pensamentos de Vladimir Passos de Freitas e de Heraldo Garcia Vitta; o primeiro afirma que a responsabilidade é objetiva pois a lei não afirma a necessidade de culpa; já o segundo alega que, como essas sanções atingem a liberdade e a propriedade das pessoas, deve ser demonstrada a culpa. Milaré (2011), por outro lado, entende que há um sistema híbrido de responsabilidade.
Embora há diversas decisões em sentido contrário, a jurisprudência brasileira, sobretudo do Superior Tribunal de Justiça, possui precedentes no sentido de ser necessária a comprovação de culpa ou dolo e, portanto, tratar-se de responsabilidade subjetiva. Nesse sentido: STJ - Resp: 1640243 SC, Relator: Ministro Herman Benjamin, Data de Julgamento: 07/03/2017, Segunda Turma, Data de Publicação: DJe 27/04/2017; STJ - REsp: 1251697 PR 2011/0096983-6, Relator: Ministro Mauro Campbell Marques, Data do Julgamento: 12/04/2012, Segunda Turma, Data de Publicação: DJe 17/04/2012; AgInt no AREsp 826.046/SC, Relator: Ministro Gurgel de Faria, Primeira Turma, julgado em 27/02/2018, publicado em 05/04/2018; e STJ: EAREsp: 62584 RJ, Relator: Ministro Mauro Campbell Marques, julgado em 08/05/2019, publicado em 02/08/2019.
Havendo a necessidade da conduta ser realizada com culpa ou dolo, a Lei 9.605/98 prevê em seus arts. 3º, parágrafo único, e 4º, in verbis:
Art. 3º [...] Parágrafo único. A responsabilidade das pessoas jurídicas não exclui a das pessoas físicas, autoras, co-autoras ou partícipes do mesmo fato.
Art. 4º Poderá ser desconsiderada a pessoa jurídica sempre que sua personalidade for obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados à qualidade do meio ambiente. (grifou-se)
Dessa forma, torna-se mais sucinta a análise da possibilidade de responsabilização dos sócios ou administradores por dano ambiental na esfera administrativa: a possibilidade é chancelada pela Lei 9.605/98 e, segundo o entendimento atual de parte da doutrina e da jurisprudência, é imprescindível a comprovação de culpa ou dolo do representante da empresa para que este responda pelo dano ambiental provocado.
2.3. RESPONSABILIDADE PENAL
Além de sanções administrativas, a Lei 9.605/98 também traz os crimes contra o meio ambiente, que são divididos em crimes contra a fauna, crimes contra a flora, poluição e outros crimes ambientais, crimes contra o ordenamento urbano e o patrimônio cultura e crimes contra a administração ambiental.
De acordo com Fiorillo (2012), o que o legislador fez foi sopesar valores, uma vez que as condutas mais graves ao meio ambiente são tuteladas pelo Direito Penal, clara evidência do princípio da intervenção mínima do Estado. Assim, o Direito Penal é a ultima ratio que só entra em tela quando as demais instâncias forem insuficientes para coibir a infração, assim como para punir condutas consideradas mais gravosas com penas que restringem mais direitos individuais. (MILARÉ, 2011)
Nos crimes contra o ambiente, o bem jurídico tutelado é o meio ambiente, que é um bem jurídico essencial à vida, à saúde e à felicidade dos indivíduos (MILARÉ, 2011). Quanto ao crime, a teoria atual estudada pelo Direito Penal utiliza o conceito análitico e tripartido de crime, que o define como conduta típica, antijurídica e culpável (BITENCOURT, 2011). Há que se ressaltar, por outro lado, que autores como Capez (2012) entendem que a culpabilidade não integra o conceito de crime, de modo que o crime seria fato típico e ilícito.
De início, em análise ao fato típico, são necessários quatro elementos para configuração: a conduta, o resultado, o nexo causal e a tipicidade. Em apertada síntese, a “conduta penalmente relevante é toda ação ou omissão humana, consciente e voluntária, dolosa ou culposa, voltada a uma finalidade, típica ou não, mas que produz ou tenta produzir um resultado previsto na lei penal como crime” (CAPEZ, 2012, p. 128).
Já o resultado, segundo a teoria naturalística “é a modificação provocada no mundo exterior pela conduta” e, de acordo com a teoria jurídico ou normativa, “é toda lesão ou ameaça de lesão a um interesse penalmente relevante” (CAPEZ, 2012, p. 164-165). No que toca ao nexo causal é o elo concreto, físico, material e natural existente entre a conduta do agente e o resultado naturalístico (CAPEZ, 2012). Por último, o tipo é o “modelo descritivo das condutas humanas criminosas, criado pela lei penal, com a função de garantia do direito de liberdade” (CAPEZ, 2012, p. 208).
Conforme analisa Bitencourt (2011), posteriormente estuda-se o instituto da antijuridicidade, que busca determinar se a conduta típica é contrária ao Direito ou, em outras palavras, se a ação ou omissão é injusta. Já a culpabilidade, é definida sinteticamente como a reprovabilidade pela prática de um ato ilícito (CAPEZ, 2012).
No entanto, conforme interpretação de Figueiredo (2011), quando da análise de existência do ilícito não se pode querer aplicar a responsabilidade objetiva do Direito Civil no Direito Penal, uma vez que culpabilizar alguém que não praticou um ato por dolo ou culpa seria um grave retrocesso, sobretudo na área dos direitos humanos.
Em se tratando da responsabilidade penal da pessoa jurídica, Fiorillo (2012) aponta que, seguindo países como França, Noruega, Portugal e Venezuela e, percebendo que as maiores degradações ao meio ambiente são provocadas por corporações, a Constituição Federal instituiu a responsabilidade penal da pessoa jurídica em razão de danos ambientais.
Há três modalidades de penas que podem ser aplicadas às pessoas jurídicas que cometam ilícito ambiental: a) multa; b) restritiva de direitos: que pode ser a suspensão, parcial ou total, das atividades da empresa, a interdição temporária de estabelecimento, obra ou atividade e a proibição de contratar com o Poder Público e de obter subsídios, subvenções ou doações; c) prestação de serviços à comunidade: que pode ser por meio do financiamento de projetos ambientais, da execução de obras com a finalidade de recuperar áreas degradadas, da manutenção de espaços públicos e da contribuição a entidades ambientais ou culturais (FIGUEIREDO, 2011, p. 150).
Sobre o sujeito ativo dos crimes ambientais, estipula o art. 2º da Lei 9.605/1998 que:
Quem, de qualquer forma, concorre para a prática dos crimes previstos nesta Lei, incide nas penas a estes cominadas, na medida da sua culpabilidade, bem como o diretor, o administrador, o membro de conselho e de órgão técnico, o auditor, o gerente, o preposto ou mandatário de pessoa jurídica, que, sabendo da conduta criminosa de outrem, deixar de impedir a sua prática, quando podia agir para evitá-la.
Por este dispositivo já fica clara a possibilidade de responsabilização da pessoa física quando esta participa de alguma forma das condutas que causam lesão aos bens jurídicos ambientais. Corroborando com esta tese, o art. 3º , parágrafo único, observa que “a responsabilidade das pessoas jurídicas não exclui a das pessoas físicas, autoras, co-autoras ou partícipes do mesmo fato”.
Nesse sentido, Machado (2008) cita modelos acerca da imputação de responsabilidade penal à pessoa jurídica: a) fato de referência: o fato de referência é aquele que liga a pessoa física que causa o dano e gera a responsabilidade da pessoa jurídica, em outras palavras, a pessoa física atual pela pessoa jurídica; b) responsabilidade indireta: a pessoa jurídica é criminalizada em razão da conduta da pessoa física, como se aquela fosse apenas objeto desta; c) responsabilidade direta: a pessoa jurídica deve responder por sua ação independentemente da análise da conduta da pessoa física; e d) funcionalismo: que se subdivide em: d.1) a concepção de Tiedemann: se não há organização da pessoa jurídica, a infração é atribuída à coletividade, sendo punições paralelas; e d.2) a concepção de Heine: a própria atividade empresarial aumenta o risco de dano, sendo irrelevante o comportamento individual errôneo.
Isso posto, Machado (2008) analisa a posição da jurisprudência brasileira, que adere ao sistema da dupla imputação: é reconhecido o fato protagonizado pela coletividade da pessoa jurídica e, por outro lado, a responsabilidade das pessoas físicas que integram a pessoa jurídica.
Reforçando esta tese está o pensamento de Milaré (2011, p. 1289), uma vez que a responsabilidade penal dos administradores e sócios é limitada porque:
deve haver, entre a ação ou omissão do dirigente e o fato danoso, um nexo de causalidade. Ausente tal liame, não há como imputar ao dirigente o cometimento de crime ambiental, pelo só fato de integrar ele o corpo diretivo do ente moral, sob pena de se estar contemplando a responsabilidade penal objetiva a pessoas físicas.
Desse modo, nem toda lesão causada pelo sócio ou administrador provoca sua responsabilização penal, visto que sua conduta deve, minimamente, influenciar o resultado. (MILARÉ, 2011). Sob este prisma, já foi decidido pelos tribunais brasileiros:
“(...). CRIME AMBIENTAL (ARTIGO 40 DA LEI 9.605/1998). INEXISTÊNCIA DE NEXO CAUSAL ENTRE A CONDUTA DO PACIENTE E A OCORRÊNCIA DE DANO À UNIDADE DE CONSERVAÇÃO PERMANENTE. DENÚNCIA QUE NÃO DESCREVE A RELAÇÃO ENTRE A CONDUTA DO PACIENTE E O DANO AMBIENTAL OCORRIDO. CONSTRANGIMENTO ILEGAL EVIDENCIADO. CONCESSÃO DA ORDEM DE OFÍCIO. 1. A mera condição de sócio, diretor ou administrador de determinada pessoa jurídica não enseja a responsabilização penal por crimes praticados no seu âmbito, sendo indispensável que o titular da ação penal demonstre uma mínima relação de causa e efeito entre a conduta do réu e os fatos narrados na denúncia, permitindo-lhe o exercício da ampla defesa e do contraditório. Doutrina. Jurisprudência. 2. No caso dos autos, da leitura da exordial acusatória percebe-se que ao paciente foi imputada a prática de crime contra o meio ambiente pelo simples fato de exercer o cargo de Diretor Presidente da Companhia Paranaense de Energia Elétrica - COPEL, não tendo o órgão ministerial demonstrado a mínima relação de causa e efeito entre os fatos que lhe foram assestados e a função por ele exercida na mencionada pessoa jurídica, pelo que se mostra imperioso o trancamento da ação penal contra ele instaurada. (...) (BRASIL, 2013b)
APELAÇÃO CRIMINAL. AMBIENTAL. ARTIGO 60 DA LEI Nº 9.605/98. INÉPCIA QUANTO ÀS PESSOAS FÍSICAS. DENÚNCIA QUE NÃO DESCREVE A RELAÇÃO CAUSAL ENTRE A CONDUTA DOS SÓCIOS E/OU ADMINISTRADORES E O DANO. INÉPCIA MANTIDA. PESSOA JURÍDICA. LEGITIMIDADE. CAMINHÃO DE RESPONSABILIDADE DA APELADA QUE OCASIONOU DERRAMAMENTO DE GRÃOS EM VIA PÚBLICA, CONFORME AUTO DE INFRAÇÃO. PRESENTE A JUSTA CAUSA E DEMAIS CONDIÇÕES PARA O PROSSEGUIMENTO DA AÇÃO PENAL. IMPOSSIBILIDADE DE REJEIÇÃO DA DENÚNCIA. ANULAÇÃO DA SENTENÇA QUANTO À PESSOA JURÍDICA. RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO. (BRASIL, 2015) (grifou-se)
Dessarte, para ser possível responsabilização dos sócios e administradores na esfera penal, é necessário analisar a existência de dolo ou culpa de forma minuciosa com individualização da conduta praticada, sob pena de suprimir os direitos fundamentais do indivíduo e provocar grande abalo aos direitos humanos como um todo.
3. CONCLUSÃO
A Constituição da República Federativa do Brasil garante especial proteção ao meio ambiente, considerando-o como direito fundamental. Dessa forma, conforme a legislação pátria, para qualquer espécie de dano causado ao meio ambiente haverá sanções autônomas nas esferas civil, administrativa e penal. Pela análise doutrinária, verifica-se que cada uma das esferas apresenta requisitos, teorias e, inclusive, sanções diferenciadas.
Na esfera cível, existe responsabilidade objetiva, isto é, independente de culpa e, além disso, entende-se que o ordenamento jurídico filiou-se à teoria do risco integral. Estudou-se, por fim, se a responsabilidade objetiva imputada à empresa também poderia ser esticada aos sócios, concluindo-se que a jurisprudência caminha para o lado da teoria menor da desconsideração da pessoa jurídica, segundo a qual não é necessária a existência de culpa ou dolo dos sócios, pois são estes que devem arcar com os riscos da atividade empresarial.
Já na esfera administrativa, estudados os pressupostos para caracterização da obrigação de reparar, isto é, a conduta ilícita, seguiu-se à análise caso a responsabilidade seria objetiva ou subjetiva. Embora as discussões sobre o tema persistam, denota-se que a jurisprudência segue no sentido de que é necessária a comprovação de culpa ou dolo para que os sócios e administradores possam ser responsabilizados pelo dano provocado.
Por último, constatou-se que a esfera penal é a ultima ratio, o Direito só recorre à sanção penal quando as outras áreas não forem suficientes para punir e prevenir novos crimes ambientais. Dessa forma, tendo em vista que as sanções penais privam o indivíduo de bens mais importantes, como a sua liberdade, é imprescindível a verificação prévia de dolo ou culpa, sob pena de afrontar direitos fundamentais do indivíduo.
Entretanto, extrai-se, por fim, que o tema em questão ainda necessita maior análise pela doutrina e pela jurisprudência pátria para que ocorra pacificação da matéria, sobretudo nos âmbitos civil e administrativo. E, no âmbito penal, os estudos acerca da responsabilização dos sócios também devem prosseguir, sempre levando em consideração o respeito aos direitos inerentes à pessoa humana.
4. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito Ambiental. 7. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005, 1126p.
BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal. 17. ed. São Paulo: Saraiva, 2012.
BRASIL. Código Civil, Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/2002/L10406.htm>. Acesso em: 14 set. 2020.
BRASIL. Lei 9.605, de 12 de fevereiro de 1998. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9605.htm>. Acesso em: 14 set. 2020.
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Acadêmica da décima fase do Curso de Direito da Unisociesc de Joinville.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: MANARIN, Gabriela. A responsabilidade dos sócios e administradores por dano ambiental Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 15 out 2020, 04:22. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/55334/a-responsabilidade-dos-scios-e-administradores-por-dano-ambiental. Acesso em: 26 nov 2024.
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