Na seara do serviço público é cediço que um dos maiores desafios da gestão pública consiste exatamente na articulação entre as exigências do Direito Administrativo, com o regime jurídico público, e as da Administração. É comum, nesse sentido, que haja uma crítica constante no que tange ao excesso de burocracia decorrente do regime público, o qual reflete na criação de entraves ao exercício célere da gestão pública.
Esses cenários díspares acima relatados podem ser exemplificados em alguns binômios, tais como: a) carência de pessoal x exigência de concurso público; b) as obras, serviços, compras e alienações x licitação pública; e c) ato administrativo x responsabilização civil, administrativa, política e criminal.
Em síntese, os principais desafios da gestão pública acima narrados podem ser resumidos em dois eixos, qual sejam: a) o respeito ao ordenamento jurídico; b) a reflexão constante acerca dos meios para se obter as finalidades públicas com a máxima eficiência.
A par disso, também cumpre mencionar que esse desafio para o gestor público não é de fácil deslinde, principalmente devido à complexidade das normas – regras e princípios – vigentes em cada ente federativo, bem como ao elevado número de interpretações que se alteram em função dos órgãos administrativos ou judiciais que as aplicam.
Nesse cenário, o gestor público necessita não só estar atento aos ditames do ordenamento jurídico e dos órgãos de aplicação do direito, mas também consciente da necessidade de boa utilização dos instrumentos de discricionariedade administrativa.
Num cenário onde cabe ao gestor público desemaranhar essa rede complexa de opções normativas, saber manejar o instrumental jurídico com habilidade técnica é um diferencial, principalmente para se evitar consequências jurídicas indesejadas.
Fixadas essas premissas, cumpre analisar a título de reflexão um primeiro desafio ocorrido no âmbito da Procuradoria Geral do Estado de Alagoas (PGE/AL), a qual se desgarrou recentemente do antiquado conceito de legalidade estrita para inovar numa visão moderna de juridicidade.
O texto da Lei Complementar Estadual nº 07/1991 – Lei Orgânica da Advocacia Geral do Estado – previa originariamente como competência da PGE/AL apenas um controle de legalidade em sentido estrito dos atos administrativos.
Recentemente, porém, mediante a Lei Complementar Estadual nº 47/2018 ocorreu alteração legislativa que criou a Câmara de Prevenção e Resolução Administrativa de Conflitos na PGE/AL. Esta passou a ter como diretriz e princípio (artigo 25-G, inciso III e artigo 25-H) a garantia da juridicidade.
Essa primeira novidade legislativa, acaso bem desenvolvida no âmbito da Procuradoria Geral, poderá trazer inúmeros benefícios para a fluidez e a modernidade na atuação do órgão, não apenas no âmbito da citada Câmara, mas também em sentido amplo na necessária superação da legalidade estrita.
Essa juridicidade precisa ser compreendida como um bloco de legalidade onde os atos de controle praticados pela Procuradoria Geral do Estado abarquem não só as leis em sentido estrito, mas as normas jurídicas em geral, sempre sob a égide do fenômeno da constitucionalização do direito administrativo. Por exemplo, é possível que a solução para determinado conflito jurídico não esteja previsto em hipótese taxativa da lei formal, mas decorra de um conjunto de princípios que podem ser aplicados ao caso, como a moralidade.
Outro desafio que se verifica nessa relação entre Direito e Administração é a mudança de paradigma quanto à possibilidade de disposição dos interesses públicos. Tradicionalmente, salvo casos isolados, compreendia-se no âmbito da PGE/AL que não havia campo fértil para a prevenção e a resolução administrativa de conflitos, vale dizer, a solução consensual destes no âmbito administrativo. A citada Câmara rompeu com essa ideia ultrapassada.
Hoje através dessa Câmara vem se mostrando possível: a) a instituição de valores e meios jurídicos que aprofundem o relacionamento dos cidadãos com a Administração Pública; b) a prevenção e a solução de controvérsias administrativas e judiciais entre os cidadãos e o Estado de Alagoas ou entre órgãos da Administração Pública Estadual Direta e Indireta; c) a garantia da juridicidade, da eficácia, da estabilidade, da segurança e da boa-fé das relações jurídicas e administrativas; d) a agilização e a efetividade dos procedimentos de prevenção e solução de controvérsias; e) a racionalização da judicialização de litígios envolvendo a Administração Pública Estadual Direta e Indireta; f) a redução de passivos financeiros decorrentes de controvérsias de repercussão coletiva; e g) a redução de passivos financeiros decorrentes das ações judiciais e dos precatórios devidos pelo Estado de Alagoas, suas autarquias e fundações.
Tudo isto num cenário onde a Câmara de Prevenção e Resolução Administrativa de Conflitos pauta seus atos pelos princípios da juridicidade, da impessoalidade, da igualdade, da moralidade, da imparcialidade, do interesse público, da segurança e da estabilidade das relações jurídicas, da eficiência, da ampla defesa, do contraditório, da motivação, boa-fé, economicidade, publicidade, razoabilidade, oralidade, informalidade e transparência.
Vale ressaltar, inclusive, que essa Câmara foi criada exatamente em função da exigência do atual Código de Processo Civil (CPC) de 2015 o qual prevê:
Art. 174. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios criarão câmaras de mediação e conciliação, com atribuições relacionadas à solução consensual de conflitos no âmbito administrativo, tais como:
I - dirimir conflitos envolvendo órgãos e entidades da administração pública;
II - avaliar a admissibilidade dos pedidos de resolução de conflitos, por meio de conciliação, no âmbito da administração pública;
III - promover, quando couber, a celebração de termo de ajustamento de conduta.
Assim, no ambiente onde o gestor público tem inúmeros desafios para compatibilizar o Direito e a Gestão Pública já foi possível identificar 2 (dois) exemplos claros de mudanças disruptivas de mindset, que, seja pela juridicidade, seja pela cultura de prevenção e resolução administrativa de conflitos, a função de gerir a coisa pública se tornou mais flexível e menos árdua. É preciso, portanto, investir cada vez na modernização do direito administrativo.
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