RESUMO: Ao longo do último século, a maioria dos países industrializados experimentou um aumento progressivo da idade materna na primeira gravidez e uma redução da taxa de fertilidade, com importantes consequências sociais e econômicas. Além disso, no Brasil, existem uma série de resoluções do Conselho Federal de Medicina e normas, algumas ainda em discussão no Congresso Nacional que restringem o uso de obre tecnologias de reprodução assistida. Um projeto de lei de 2003 ainda não foi aprovado, mesmo assim limita sua eficácia e causa um forte debate público que, infelizmente, se concentrou mais nas implicações políticas e éticas da lei do que nos aspectos médicos e técnicos da reprodução assistida. O presente estudo teve como objetivo geral analisar a ideia no Direito Fundamental a saúde para justificar a existência de um direito a reprodução humana assistida cuja finalidade é possibilitar a fecundação diante da patologia, direito esse que não é absoluto e deve sofrer restrições diante de conflitos com outros direitos, além de especificamente conhecer se há o direito a reprodução, derivado do direito ao planejamento familiar e quais restrições pode sofrer; determinar que o direito a reprodução assistida pode encontrar limites no direito da criança que vai nascer, em respeito ao direito da personalidade; e, analisar se existem direitos ou merecem respeito, os direitos da personalidade mesmo não tipificado no ordenamento jurídico. O estudo pretendeu também esclarecer como a questão da reprodução assistida pode afetar as opiniões e conhecimentos nesta área. Conclui-se que a paternidade é uma parte importante da vida, mas o conhecimento sobre a fertilidade humana e as normas legais que regulam a reprodução assistida são bastante escassos e muito pouco discutidos na doutrina nacional.
Palavras-Chave: Bioética. Reprodução assistida, Legislação.
ABSTRACT: Over the past century, most industrialized countries have experienced a progressive increase in maternal age at first pregnancy and a reduction in the fertility rate, with important social and economic consequences. In addition, in Brazil, there are a series of resolutions of the Federal Council of Medicine and rules, some still under discussion in the National Congress that restrict the use of assisted reproductive technologies. A 2003 bill has not yet been approved, yet it limits its effectiveness and causes a strong public debate that, unfortunately, focused more on the political and ethical implications of the law than on the medical and technical aspects of assisted reproduction. The present study had as general objective to analyze the idea in the Fundamental Right to health to justify the existence of a right to assisted human reproduction whose purpose is to enable fertilization in the face of pathology, a right that is not absolute and should suffer restrictions in the face of conflicts with other rights, in addition to specifically knowing whether there is a right to reproduction, derived from the right to family planning and what restrictions it may suffer; determine that the right to assisted reproduction can find limits in the right of the child to be born, with respect to the right of the personality; and, analyze whether there are rights or deserve respect, the rights of the personality even if not typified in the legal system. The study also intended to clarify how the issue of assisted reproduction can affect opinions and knowledge in this area. It is concluded that paternity is an important part of life, but knowledge about human fertility and the legal norms that regulate assisted reproduction are quite scarce and very little discussed in national doctrine.
Keywords: Bioethics. Assisted reproduction, Legislation.
1 INTRODUÇÃO
Durante o último século, um aumento progressivo da idade materna na primeira gravidez e uma redução simultânea da taxa de fertilidade (número de filhos por mulher durante a idade fértil) foram observados na maioria dos países industrializados. Na Europa, as taxas de fertilidade mais baixas são relatadas na Lituânia, Hungria, Polônia, Portugal, Romênia e Eslováquia. Nas Américas isso tem ocorrido nos Estados Unidos, Canadá, Brasil e Argentina. As consequências sociais e econômicas dessa tendência são de grande importância (MOREIRA FILHO, 2012).
No que diz respeito ao Brasil, a queda taxa de fertilidade observado nos últimos anos (de 2,91 em 1990 para 2,23 no ano 2000; 1,80 em 2010 e está em 1,74 em 2017) deve-se provavelmente a nascimentos ocorridos entre casais que no Norte e Nordeste do país e ao número de adolescentes grávidas (ainda entre os maiores do mundo); na verdade, 15,3% dos recém-nascidos no Brasil agora pertencem a mães adolescentes, enquanto a taxa de natalidade entre maiores de 18 anos no mesmo período não aumentou (BRASIL, 2018).
De acordo com dados epidemiológicos do banco de dados nacional brasileiro do Ministério da Saúde a idade média materna ao nascimento do primeiro filho era, em 1980, de 23,5 anos de idade. No entanto, até 2000, houve declínio caindo para 23,1 anos em 1991 e 22,9 anos em 2000 em 2017 de 21.6 anos (BRASIL, 2018).
Além disso, é bem conhecido que a fertilidade feminina diminui a partir dos 30 anos (chance de gravidez 25% ao mês) e diminui mais acentuadamente após os 35 anos de idade, atingindo uma chance de concepção cumulativa anual que não excede 20% após os 40 (CRM, 1992).
Nas últimas décadas, o uso da tecnologia de reprodução assistida se espalhou amplamente por todo o mundo. Foi estimado que o número de ciclos de tratamento no mundo aumentou de 89.000 em 1989 para 600.000 em 2006. No entanto, é provável que o valor fornecido esteja subestimado porque os registros incluem apenas dados dos EUA e da Europa (CRM, 2015).
A rápida difusão da tecnologia e sua eficácia continuamente crescente são abundantemente relatadas pela mídia e provavelmente induzem grandes expectativas entre as pessoas. No entanto, apesar da melhoria contínua dos resultados, o obstáculo à concepção representado pela idade da mulher não foi superado, pelo menos nos tratamentos homólogos. Na verdade, a probabilidade cumulativa de ter um bebê por fertilização in vitro é de cerca de 50% quando a mulher é submetida ao procedimento aos 30 anos, mas cai para apenas cerca de 5–10% quando ela tem 40 anos (BRASIL, 2018).
O presente estudo teve como objetivo geral analisar a ideia no Direito Fundamental a saúde para justificar a existência de um direito a reprodução humana assistida cuja finalidade é possibilitar a fecundação diante da patologia, direito esse que não é absoluto e deve sofrer restrições diante de conflitos com outros direitos, além de especificamente conhecer se há o direito a reprodução, derivado do direito ao planejamento familiar e quais restrições pode sofrer; determinar que o direito a reprodução assistida pode encontrar limites no direito da criança que vai nascer, em respeito ao direito da personalidade; e, analisar se existem direitos ou merecem respeito, os direitos da personalidade mesmo não tipificado no ordenamento jurídico.
O estudo pretendeu também esclarecer como a questão da reprodução assistida pode afetar as opiniões e conhecimentos nesta área. Conclui-se que a paternidade é uma parte importante da vida, mas o conhecimento sobre a fertilidade humana e as normas legais que regulam a reprodução assistida são bastante escassos e muito pouco discutidos na doutrina nacional.
2 BIOÉTICA
Os padrões para a educação médica no Brasil vão além da ciência básica tradicional e das disciplinas clínicas. Bioética, direito da saúde e economia da saúde são reconhecidas como partes importantes da tradução da competência técnica dos médicos em medicina, pesquisa, administração e assistência médica eficazes para os pacientes (GRACIA, 2019).
Na maioria dos países ocidentais, saúde, direito e bioética estão fortemente interligados. Essa situação pode ser encontrada em várias esferas. No debate público, as questões legais e morais estão conectadas de muitas maneiras. Discussões jurídicas e éticas se influenciam tão fortemente que às vezes dificilmente podem ser distinguidas (MAHOWALD, 2016).
Os especialistas em ética discutem e criticam a lei do aborto ou da eutanásia. Comitês instalados pelo governo presididos por filósofos morais apresentam recomendações sobre a legislação sobre pesquisas com embriões que são amplamente baseadas em análises éticas. Inversamente, os advogados discutem abertamente as questões éticas e intervêm no debate moral público (GRACIA, 2019).
Categorias jurídicas (como doutrinas de autodeterminação e direitos do paciente) às vezes determinam fortemente e até mesmo estruturam o debate público sobre transplantes de órgãos e experiências médicas (MAHOWALD, 2016).
Na lei e na prática jurídica, existem muitas referências à ética e às normas morais. O Conselho da Europa até mesmo elaborou uma Convenção da Bioética (que recentemente foi renomeada como Convenção sobre Direitos Humanos e Biomedicina). Em disposições legais encontra-se referências a normas abertas, como o cuidado de um bom cuidador, que só pode ser comprovada por um apelo à moralidade (SILVA, 2009).
Em decisões judiciais, pode-se encontrar referência explícita a padrões de ética médica, por exemplo, em casos relativos à eutanásia. Agir de acordo com os padrões de ética médica é considerado na Holanda como um dos critérios para um recurso justificado de força maior em casos de eutanásia. Conseqüentemente, os especialistas em ética atuam como testemunhas especializadas em tribunais em casos criminais relativos à eutanásia (GRACIA, 2019).
Um fenômeno muito interessante é o caráter institucionalizado dos comitês de ética e conselhos de revisão ética. Em muitos países, esses comitês e conselhos estão adquirindo uma base legal e seu conselho positivo é (ou espera-se que seja em um futuro próximo) uma pré-condição para a permissão oficial para experimentos médicos e experimentos com animais (MAHOWALD, 2016).
Assim, paradoxalmente, eles têm que fazer julgamentos com base na ética e não no legal, mas esses julgamentos têm status legal. Esse papel semijudicial dos comitês de ética parece confundir radicalmente a distinção entre moralidade e direito (SILVA, 2009).
Por fim, as disciplinas acadêmicas cooperam estreitamente. Doutrinas de eutanásia e aborto, de consentimento informado e direito à privacidade, de restrições a experimentos com embriões, de reprodução assistida foram desenvolvidas em estreita cooperação entre especialistas em ética e advogados (REGO, 2005).
Em livros didáticos de ética, casos jurídicos são usados como exemplos. Os livros didáticos jurídicos referem-se a escritos de filósofos morais para apoiar doutrinas jurídicas, ou mesmo ter ética em seus títulos. Essa forte conexão entre direito e ética é bastante única. Provavelmente, não há outro campo do direito - com exceção talvez do direito animal e da ética animal, que pode ser considerado um subcampo da bioética em um sentido amplo - onde a conexão é tão forte e explícita (GRACIA, 2019).
É notável que este fenômeno possa ser encontrado em muitos países ocidentais, embora não em todos e não em todos os lugares com a mesma intensidade. Como se devemos explicar isso? (MAHOWALD, 2016).
Uma explicação superficial pode ser que o campo da biomedicina é extremamente sensível do ponto de vista moral. Embora haja um núcleo de verdade nisso no sentido de que, mais do que em outros campos, percebe os problemas normativos explicitamente como problemas morais (SILVA, 2009).
As questões ambientais também têm uma forte dimensão moral - dizem respeito literalmente a questões de vida e morte, especialmente para as gerações futuras; no entanto, o direito ambiental geralmente tem um caráter muito mais instrumental e não está, ou está apenas ligeiramente, vinculado à disciplina de ética ambiental (REGO, 2005).
A estrutura do sistema de bem-estar e seguridade social e a estrutura tributária básica são de grande importância moral, embora alguns teóricos raramente as discutam - e se o fazem, seu trabalho é considerado sem relevância jurídica (SCHRAMM, 2018).
A forte conexão entre o direito da saúde e a bioética é apenas relativamente recente; parece ser o resultado de um conjunto de fatores muito específicos que, nos primeiros anos dessas disciplinas, facilitaram o rápido desenvolvimento de ambas (GRACIA, 2019).
Três modelos de bioética são substanciais. O primeiro deles é o denominado modelo moralista-paternalista que até os 1960, a bioética ou o direito da saúde ainda não existiam como disciplinas independentes na maioria dos países ocidentais. Isso não significa, é claro, que a profissão médica era amoral, mas a normatividade estava implícita na prática médica, em vez de ser extensivamente elaborada por advogados e especialistas em ética (MAHOWALD, 2016).
A ética médica era a ética da boa prática médica, de ser um bom médico. Para isso, não havia um corpo elaborado de diretrizes e regras, nem na filosofia moral, nem na lei. A reflexão teórica ou filosófica sobre questões médicas geralmente não se dirigia ao público em geral. A prática profissional era fortemente paternalista (SILVA, 2009).
Esperava-se que os médicos agissem pelo bem do paciente e soubessem o que era esse bem, tanto no sentido moral quanto no não moral da palavra. Freqüentemente, os pacientes não recebiam informações completas sobre o diagnóstico de suas doenças, especialmente se o prognóstico fosse sombrio (REGO, 2005).
Na medida em que a determinação do bem do paciente exigia avaliação moral, isso raramente era reconhecido explicitamente, nem precisava ser, porque as normas morais eram consideradas não controversas, sendo baseadas em uma moralidade tradicional (geralmente religiosa) que era amplamente aceita por tudo na sociedade, ou por todos no subgrupo ao qual pertenciam médico e paciente (SCHRAMM, 2018).
Em certo sentido, pode-se até dizer que moralismo e paternalismo não eram claramente distinguidos, simplesmente porque as avaliações morais, envolvidas em julgamentos sobre o paciente eram tão incontroversas que em grande parte permaneceram implícitas (FONTES, 2009).
O segundo é o denominado modelo liberal que ao contrário do modelo paternalista-moralista sugere, em contraste, características de um modelo alternativo. Tanto a crítica do antipaternalismo quanto a do antimoralismo sugerem um modelo que reconhece e protege explicitamente a autonomia e os direitos do paciente, e que se baseia em uma relação mais igualitária entre médicos e pacientes (GRACIA, 2019).
Como a autonomia e os direitos são tão dominantes neste novo modelo (em parte como uma reação contra o antigo paternalismo e moralismo). O modelo anterior (moralista-paternalista) era muito estático, porque era baseado em uma moralidade profissional implícita que só pode muito gradualmente se adaptar às novas circunstâncias (MAHOWALD, 2016).
Este ponto sugere que a moralidade profissional deve ser tornada mais explícita e deve ser objeto de reflexão ética, discussão e reformulação à luz das circunstâncias em mudança. Mudanças na sociedade, na tecnologia e na prática assistencial resultam na necessidade da bioética como disciplina que sustenta esse processo contínuo de reflexão, discussão e reformulação. Além disso, mudanças na prática da saúde exigem que a ética médica seja ampliada para a bioética ou ética da saúde, e que a lei médica seja ampliada para a lei da saúde, de modo que ambos incluam todas as profissões da saúde (como enfermeiras) e a organização da saúde sistema de cuidados como um todo (SILVA, 2009).
Mudanças na sociedade exigem que as discussões bioéticas não se limitem aos profissionais de saúde, mas que os consumidores de saúde também estejam envolvidos, o que significa a sociedade como um todo (REGO, 2005).
Todas essas mudanças rápidas e radicais, mas especialmente aquelas na tecnologia, claramente exigem mais do que análises éticas superficiais, o que significa que precisa-se de especialistas para fazê-las; em outras palavras, precisa-se da bioética como uma disciplina independente (filosófica ou teológica) (SCHRAMM, 2018).
Ainda que o modelo moralista-paternalista não oferecesse mecanismos adequados de controle e correção, muito menos a proteção de pacientes e terceiros. A instituição de controle mais óbvia é a lei. Isso significa que novas legislações e regulamentações são necessárias em uma prática que, até agora, não tem sido usada para muita regulamentação externa (FONTES, 2009).
Isso leva quase que automaticamente ao estabelecimento de um novo campo do direito com seus próprios especialistas em direito da saúde como uma nova disciplina profissional (KOTTOW, 2015).
O terceiro modelo é o modelo pós liberal. Esse é um modelo alternativo ao modelo liberal ainda que esteja apenas em um estado emergente e implícito como um esboço provisório é possível (MAHOWALD, 2016).
Da mesma forma que foi possível prever o esboço do modelo liberal em parte a partir dos padrões de seu predecessor moralista-paternalista, é possível prever o esboço do modelo pós-liberal em parte a partir dos padrões de seu predecessor liberal (SILVA, 2009).
A extrapolação da crítica deve ser fortemente avaliativa, porque a crítica pode ser respondida de várias maneiras. Antes de entrar em detalhes, no entanto, algumas observações preliminares devem ser feitas (MAHOWALD, 2016).
Um primeiro ponto é que, apesar das críticas, as vantagens do modelo liberal são substanciais. Não deve-se abandonar a ideia de autonomia do paciente e voltar ao paternalismo e ao moralismo; de qualquer forma, não é provável que seja uma alternativa viável. Portanto, o novo modelo deve incluir o modelo liberal, elaborá-lo e, talvez, em algumas pequenas maneiras, corrigi-lo, em vez de substituí-lo por um modelo completamente novo. Assim, o novo modelo deve ser pós-liberal em vez de antiliberal (SILVA, 2009).
É muito provável até que as críticas levem a reações diferentes para o direito da saúde e para a ética. Por exemplo, o direito da saúde deve, em grande parte se ater ao minimalismo liberal e, em alguns aspectos, tornar-se ainda mais minimalista, de modo a deixar mais espaço para o perfeccionismo no exercício da profissão de forma autônoma, enquanto a bioética deve incorporar ideias perfeccionistas de forma mais direta. A resposta às críticas será diferente, justamente porque o direito da saúde e a bioética são diferentes, e uma das críticas ao modelo liberal é que ele não reconhece adequadamente essas diferenças (REGO, 2005).
A lei e a ética devem se tornar mais independentes e distintas. As razões para cooperar tão intensamente tornaram-se menos importantes e as desvantagens da conexão estreita estão se tornando mais visíveis. Isso significa que a reflexão crítica e o estudo empírico dos papéis distintos do direito e da moralidade tornaram-se mais urgentes e que somente com base nisso pode-se ser capazes de fazer julgamentos adequados sobre as relações desejáveis entre o direito e a moralidade (MAHOWALD, 2016).
3 REPRODUÇÃO ASSISTIDA E EVOLUÇÃO DA LEGISLAÇÃO NO DIREITO COMPARADO
Em sua visão geral da legislação existente sobre tecnologia de reprodução assistida (RAT), Jones e Cohen (2007) levantaram duas questões importantes: por que a sociedade deseja supervisionar a RAT em vez de outros procedimentos médicos? E o que exatamente a sociedade quer supervisionar? (MOREIRA FILHO, 2012).
No passado, o interesse da sociedade e dos legisladores pela RAT era, em grande parte, gerado por grupos religiosos com forte interesse na proteção do embrião humano. A RAT leva direta e indiretamente à criação e possível destruição de embriões (MOREIRA FILHO, 2012).
Mais recentemente, algumas legislações foram acionadas por um motivo negativo: o medo do abuso e de uma tecnologia que descarrila. Os legisladores querem evitar a aplicação de algumas técnicas em determinadas circunstâncias por considerá-las moralmente inaceitáveis. Uma das ilustrações mais claras dessa tendência é a tentativa de introduzir uma proibição mundial da clonagem reprodutiva. A França e a Alemanha, que originalmente sugeriram esta iniciativa no momento em que algumas figuras duvidosas anunciaram o nascimento do primeiro clone humano, queriam evitar a aplicação da clonagem em qualquer parte do mundo (GAMA, 2003).
Não surpreendentemente, alguma legislação é acionada por reportagens da mídia sobre mães de mais de 60 anos, pós-paternidade mortem e seleção de sexo. O velho ditado ‘casos difíceis geram leis ruins’ parece ser verdade (MOREIRA FILHO, 2012).
O foco em casos individuais específicos dificulta a formação de um quadro mais amplo do problema. Isso também leva a uma legislação principalmente restritiva porque os casos geralmente chegam aos noticiários quando geram reações negativas e porque o objetivo original é evitar abusos e aberrações futuras, cobrindo todas as lacunas possíveis (GAMA, 2003).
A maioria da legislação sobre RAT é baseada em valores ou princípios morais fundamentais, como a proteção da vida humana, a não comercialização do corpo humano e a reprodução, e a paternidade responsável. No entanto, embora todos concordem com os princípios gerais, as divergências começam assim que esses princípios são aplicados e especificados em situações da vida real (MOREIRA FILHO, 2012).
A Rede Globo de Televisão exibiu de 20 de agosto de 1990 a 01 de junho de 1991 uma novela denominada de ‘Barriga de Aluguel’, onde se discutiu todas as questões relacionadas à questão da RAT, como direito de personalidade, bioética, mas principalmente se discutiu o direito natural da maternidade. 10 anos depois exibiu outra novela, com as mesmas discussões, agora sobre a clonagem. A novela foi exibida de 1 de outubro de 2001 a 1’4 de junho de 2002 (GAMA, 2003).
Nas duas telenovelas, as questões jurídicas foram amplamente discutidas, é claro resguardando o direito sagrado de criação dos autores. Mas uma coisa as duas novelas deixaram evidente: foi à constatação da análise da legislação e regulamentação sobre RAT é o mosaicismo[1] jurídico existente. Há uma enorme variedade e diversidade de leis sobre todos os diferentes aspectos do RAT. Para estender ainda mais a observação, se alguém fizesse uma biópsia da situação legal em um país da América Latina ou na Europa, não saberia nada sobre a situação legal nos países vizinhos ou a legislação dos dois continentes com um todo (LEITE, 2015).
Um exemplo é a legislação sobre anonimato do doador. Todo o espectro de possibilidades está presente, variando do anonimato completo em sistemas de trilha dupla até a identificação completa. França, Dinamarca, Grécia, Espanha, Portugal e Noruega na Europa, México, Argentina, Uruguai e Brasil impuseram legalmente o anonimato (MOREIRA FILHO, 2012).
A Islândia na Europa, Peru, Costa Rica e Colômbia na América Latina possui um sistema double track, que permite identificar informações a serem divulgadas à criança aos 18 anos, se o doador consentir. Alguns países tornaram o anonimato obrigatório, mas permite doações conhecidas quando o doador e o receptor concordam e, em outros aceitam apenas doadores identificáveis (GAMA, 2003).
O segundo exemplo é mais crucial para a prática de RAT, ou seja, as leis e regulamentos sobre transferência de embriões também variam. A partir de 2003, alguns países como o Reino Unidos limitaram o número de embriões para transferência a dois em mulheres com menos de 40 anos e a três em mulheres mais velhas (LEITE, 2015).
Outros países como a Bélgica e a Colômbia introduziram um sistema de reembolso em 2003 que vincula o financiamento de seis ciclos ao uso obrigatório de transferência única de embrião eletiva no primeiro ciclo para mulheres com menos de 36 anos (JONES e COHEN, 2007).
O número de embriões transferidos nos ciclos seguintes depende da idade da mulher e da qualidade dos embriões. A maioria doa países escandinavos e dos países baixos não têm regulamentação sobre o assunto; no entanto, as clínicas mudaram com sucesso para a aplicação generalizada d transferência única de embrião eletiva (MOREIRA FILHO, 2012).
Subjacentes a essas leis estão vários princípios morais relacionados ao valor da vida, ao bem-estar da criança, às boas práticas clínicas e à segurança. A maioria dos países considera todos os valores e princípios morais gerais importantes. A diferença entre os países é atribuída principalmente a uma classificação diferente desses valores (GAMA, 2003).
Em alguns casos, isso leva a políticas bastante diferentes ou mesmo opostas. Enquanto alguns países introduzem regras para prevenir a gravidez múltipla, outros adotaram leis que aumentam o risco de ter vários nascidos vivos. Estes últimos são baseados em um status moral muito mais elevado do embrião in vitro em comparação com o bem-estar da(s) futura(s) criança(s) e a saúde da mãe (LEITE, 2015).
A legislação sobre RAT dentro de um país raramente é um conjunto monolítico e coerente de regras. Existem várias explicações possíveis, por exemplo, outros fatores além da coerência substantiva desempenham um papel determinante. Uma coalizão política diferente, por exemplo, pode levar a legislações diferentes (ALBUQUERQUE FLHO, 2018).
A situação econômica geral pode afetar as regras de acesso e reembolso. Existem também várias causas internas para a complexidade. Em primeiro lugar, vários critérios se aplicam simultaneamente. Os legisladores querem promover o bem-estar do futuro filho, custo-benefício, segurança e equidade no acesso. Equilibrar esses critérios pode levar a compromissos complexos (MOREIRA FILHO, 2012).
Em segundo lugar, o campo da RAT é amplo e é preciso ser um especialista para supervisionar todas as regras existentes. Contudo, uma vez que os membros do parlamento mudam regularmente e as comissões preparatórias nem sempre se comunicam entre si, isso pode significar que as novas leis contradizem ou pelo menos não se ajustam às leis existentes (GAMA, 2003).
No Brasil, por exemplo, as disposições para consentimento informado para a doação de embriões crio preservados para pesquisa, na resilição do Conselho Federal de Medicina - CRM sobre reprodução e medicamente assistido, combinadas com as cláusulas na lei sobre pesquisa em embriões in vitro de 2005 (Lei n.º 11.105, de 24 de março de 2005, conhecida como Lei de Biossegurança) criou consideráveis práticas e não intencionais dificuldades (CRM, 2015).
A referida lei estabelece que todo casal ou paciente antes do início do tratamento deve indicar a disposição de seus embriões ao final do período normal de armazenamento (5 anos). Mas dizia anteriormente, porém, diz que os pacientes que desejam doar seus embriões para pesquisa deviam receber informações completas sobre o projeto de pesquisa (LEITE, 2015).
Uma vez que quase todos os projetos de pesquisa no Brasil são executados por um período de 4 anos, as duas cláusulas não podem ser cumpridas simultaneamente (JONES e COHEN, 2007).
3.1 A interação entre direito e ética
A lei de um país expressa a posição moral da maioria dos cidadãos sobre a construção familiar aceitável (inseminação post-mortem e casais de lésbicas), a segurança dos pacientes (regulamentação dos centros e padrões de qualidade), justiça e igualdade (reembolso do tratamento) e o bem-estar da criança (anonimato da doadora, saúde e transferência de embriões) (ALBUQUERQUE FLHO, 2018).
O problema básico para todas as democracias é como lidar com as visões morais da minoria. Como deve o legislador em uma sociedade pós-moderna, caracterizada por uma multiplicidade de grupos com diferentes perspectivas morais, reagir aos conflitos morais? Duas posições gerais podem ser adotadas quanto ao direito da maioria de expressar suas opiniões em uma lei vinculativa. A primeira posição afirma que a legislação em uma sociedade pluralista não deve refletir a posição moral substantiva de um grupo (BRAUNER, 2011).
As restrições legais precisam de uma base comum forte na sociedade. A principal solução para os proponentes dessa visão é um compromisso jurídico entre as diversas preferências e interesses. A segunda posição defende que a maioria dos cidadãos tem o direito político de impor a sua visão de boa vida (MOREIRA FILHO, 2012).
Isso deve ser tomado como uma posição teórica, uma vez que o direito, mesmo em democracias que funcionam perfeitamente, não reflete necessariamente a visão da maioria. Países como o Brasil, pequenos partidos políticos com visões morais relativamente extremas podem influenciar a lei muito mais do que seu número justifica, porque são unidades indispensáveis em uma coalizão maior (GAMA, 2003).
No entanto, em geral, a lei é apoiada pela maioria. Isso é perfeitamente aceitável, uma vez que os partidos políticos em um sistema democrático tentam organizar a sociedade de acordo com seus objetivos, valores e princípios. Se um grupo ideológico ou religioso tem a maioria, eles podem, e devem, usar esse poder para moldar a lei de acordo com suas convicções (LEITE, 2015).
A principal causa do atrito entre a ética e o direito é que a democracia se baseia na regra da maioria, enquanto a ética (ou seja, o que é ético) não é decidida pela maioria. No entanto, embora a maioria tenha o direito político de impor seus pontos de vista à minoria, uma série de valores éticos instam a maioria a agir com cautela. Entre esses valores estão à autonomia, a tolerância e o respeito por outras posições morais. A imposição de uma opinião moral a pessoas que não compartilham dessa visão aumenta o risco de conflitos (JONES e COHEN, 2007).
Por exemplo, a lei no Brasil é fortemente influenciada por visões cristãs (católicos, protestantes e evangélicos) sobre a situação do embrião e construção da família. Não é de surpreender que os não religiosos se sintam frustrados, com raiva e tratados injustamente (ALBUQUERQUE FLHO, 2018)
Esses sentimentos da minoria só podem ser evitados se a maioria estiver disposta a levar em consideração sua posição. No entanto, se a maioria mantém sua convicção, isso é lamentável, mas deve ser aceito (BRAUNER, 2011)
Na verdade, a única alternativa seria abolir a democracia e esta provavelmente não é a solução certa. Da mesma forma, os muçulmanos xiitas que desejam usar material genético doado se sentirão frustrados se viverem em países dominados pelos sunitas, que proíbem estritamente todas as formas de doação de gametas (GALO e GRACINDO, 2016).
Uma série de tendências podem ser observadas ao longo da evolução da lei sobre RAT (no Brasil resoluções do CFM). Do ponto de vista substantivo, três tendências podem ser observadas: (i) um maior reconhecimento de mulheres solteiras e casais de lésbicas; (ii) um movimento em direção à identificabilidade do doador de gametas; e (iii) maiores restrições ao número de embriões para transferência (MOREIRA FILHO, 2012).
Em relação aos aspectos formais, duas tendências gerais merecem destaque. Em primeiro lugar, mais e mais países estão adotando leis estatutárias sobre RAT. No entanto, a maioria das pessoas vive em países onde a RAT é regulamentada por diretrizes, que são emitidas por agências quase governamentais, como as sociedades médicas nacionais (no caso do Brasil, o CFM) (JONES e COHEN, 2007).
Em segundo lugar, há uma pressão crescente de sociedades e grupos internacionais para harmonizar (ou uniformizar) a legislação. O último é válido a nível europeu e global. O mesmo não ocorre na América Latina em função das profundas divergências ideológicas entre governos (GAMA, 2003).
Não é de surpreender que harmonia e consenso tenham uma conotação positiva. Alguém pode perguntar por que o consenso e a harmonização são bons e desejáveis. É porque as pessoas pensam que têm mais chance de estar certas quando os outros concordam com elas? É porque as pessoas não querem que outros façam coisas que elas condenam? Ou é porque a existência de diferentes visões desafia as visões pessoais? (LEITE, 2015).
A resposta dependerá em grande parte do que cada pessoa considera como o objetivo da ética: a ética deve revelar a verdade moral ou deve resultar em uma ordem moral viável que permita às pessoas viverem juntas pacificamente? Se alguém acredita no primeiro, então o consenso é apenas um efeito colateral ou consequência da verdade moral (JONES e COHEN, 2007).
Uma regra não é moral porque as pessoas concordam com ela, mas concordam porque é moral. O fato de todos acreditarem que a clonagem reprodutiva é errada não significa que seja errado. Se uma posição construtivista sobre a ética for adotada, o consenso e a harmonização são obviamente recomendáveis, pois aproximam o objetivo. No entanto, isso só é alcançado com a única condição de que o consenso tenha sido alcançado voluntariamente e por meio de persuasão. Duas posições podem ser discernidas em relação à harmonização (ALBUQUERQUE FLHO, 2018)
Um primeiro grupo acolhe a diversidade jurídica. Os cidadãos de cada nação devem ter o poder de decidir sobre as regras que se aplicam ao seu território. Essa autoridade política pode levar à diversidade (BRAUNER, 2011)
Existem vários bons argumentos para defender a diversidade: respeita a especificidade cultural; permite que cidadãos de um país atravessem a fronteira para obter tratamento que não está disponível ou proibido em seu país de origem; e isso cria a possibilidade de direção e progresso informados da lei (GALO e GRACINDO, 2016).
Cada lei, de certa forma, constitui um experimento natural. Ao observar os efeitos das regras legais em países vizinhos, pode-se prever ou estimar os efeitos de uma regra semelhante em seu próprio país. Essas informações têm desempenhado um papel significativo na discussão sobre a abolição do anonimato do doador (MALUF, 2012).
Por outro lado, o segundo grupo se esforça para reduzir ou remover a diversidade jurídica por um processo denominado harmonização. Ao analisar as declarações dos defensores da harmonização, fica claro que o que eles querem dizer é que os outros devem fazer como eles e adotar suas leis, mas não vice-versa. Quando todas as partes partem dessa premissa, a harmonização é um resultado muito improvável. Além disso, a questão crucial passa a ser se a harmonização levará a uma redução da regulamentação ao nível do país mais permissivo ou a mais exclusões até o nível do país mais restritivo (MOREIRA FILHO, 2012).
De um modo geral, os países mais restritivos são muito relutantes em aceitar regras mais brandas, uma vez que acreditam que mais restritivo significa mais moral. Esses países objetivam uma proibição universal de certas técnicas (GAMA, 2003).
4 A AUTO REGULAÇÃO
Os praticantes da RAT estão sempre reclamando que os políticos estão restringindo demais o seu trabalho sem saber como a prática funciona. Isso é correto até certo ponto. No entanto, a solução seria que os profissionais e as sociedades profissionais elaborassem as regras de boa prática clínica. Isso parece razoável, mas tem vários defeitos. Em primeiro lugar, raramente há sanções associadas às violações das diretrizes, tornando as diretrizes profissionais menos poderosas do que os estatutos (LEITE, 2015).
Em segundo lugar, as questões mais polêmicas não são questões médicas e, conseqüentemente, os médicos não têm competência especial para decidir essas questões. Portanto, por que a sociedade deveria deixar para o médico a determinação do status moral do embrião ou do risco aceitável para a criança? (JONES e COHEN, 2007).
Finalmente, a experiência mostra claramente que essa solução falha. O melhor exemplo é a política de transferência de embriões. Embora a maioria das sociedades profissionais tenha diretrizes claras para limitar o número de embriões para transferência, o alto número de nascimentos múltiplos de alta ordem em alguns países, como os EUA, demonstra que um número considerável de profissionais está simplesmente ignorando as diretrizes (ALBUQUERQUE FLHO, 2018)
O exemplo mais conhecido seria coordenação da Organização Mundial da Saúde – OMS. A composição dessa autoridade pode variar dependendo de sua tarefa, mas a idéia de reunir especialistas e leigos tem uma vantagem quando as recomendações devem ser defendidas publicamente (BRAUNER, 2011)
Os benefícios gerais desta solução são: proporciona maior flexibilidade em comparação com a lei estatutária para adaptar a regulamentação a novos desenvolvimentos e técnicas; permite mais regras baseadas em evidências; e funciona como um amortecedor entre os políticos e o povo, evitando assim reações emocionais instintivas. A principal desvantagem é que não é democrático, a menos que a decisão final seja deixada para os parlamentos (GALO e GRACINDO, 2016).
4.1 O direito de personalidade
Com relação à RAT as discussões sobre ética e direito não se extinguem, mas a pergunta é: de quem é a crianças no caso de uma mãe de aluguel? De quem é o filho no caso de doadores? No Brasil essa discussão é muito grande e de muito tempo um Projeto de Lei vem sendo discutida desde o ano de 2003 no Congresso Nacional e, mesmo esse congresso nacional tendo a face progressista ele não foi aprovado até hoje (MALUF, 2012).
E um projeto que possui 8 capítulos e 27 artigos e, é profundamente restritiva. Mas com relação ao direito de personalidade é muito clara. Está disciplinado, e segue os mesmo ditames das resoluções do CFM. Diz o Projeto de Lei como muita propriedade:
Art. 16. Será atribuída aos beneficiários a condição de paternidade plena da criança nascida mediante o emprego de técnica de Reprodução Assistida.
§ 1º A morte dos beneficiários não restabelece o poder parental dos pais biológicos.
§ 2º A pessoa nascida por processo de Reprodução Assistida e o doador terão acesso aos registros do serviço de saúde, a qualquer tempo, para obter informações para transplante de órgãos ou tecidos, garantido o segredo profissional e, sempre que possível, o anonimato.
§ 3º O acesso mencionado no § 2º estender-se-á até os parentes de 2º grau do doador e da pessoa nascida por processo de Reprodução Assistida.
Art. 17. O doador e seus parentes biológicos não terão qualquer espécie de direito ou vínculo, quanto à paternidade ou maternidade, em relação à pessoa nascida a partir do emprego das técnicas de Reprodução Assistida, salvo os impedimentos matrimoniais elencados na legislação civil.
Art. 18. Os serviços de saúde que realizam a Reprodução Assistida sujeitam-se, sem prejuízo das competências de órgão da administração definido em regulamento, à fiscalização do Ministério Público, com o objetivo de resguardar a saúde e a integridade física das pessoas envolvidas, aplicando-se, no que couber, as disposições da Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente).
Como se pode observar nestes artigos (16 a 18) todas as situações possíveis foram pensadas para evitar qualquer tipo de constrangimento e/ou reivindicações indevidas. Assim O projeto de lei concede os mesmos direitos às crianças nascidas sob as técnicas do RAT e às crianças concebidas de forma natural (MALUF, 2012).
Curiosamente, a lei trata de fertilizações ilegais, por exemplo, se a mulher grávida recebe uma doação ilegal de óvulos. Nesse cenário, os direitos paternos pertencem ao cônjuge da mãe, e não ao pai natural. Assim, o cônjuge ou parceiro da mãe que é receptor de uma doação ilegal de espermatozoide ou óvulo não pode exercer seu direito de recusar a paternidade, e o doador não mantém qualquer relação legal com o recém-nascido e não tem direitos paternos nem tem qualquer obrigação. Finalmente, ao contrário do caso da procriação natural ou sexual, o outro não pode permanecer anônimo para a criança (ALVES, 2015).
Mas sem dúvida que uma linha de desenvolvimento posterior do projeto de lei deve ser baseada no desenvolvimento de teorias normativas sobre os limites do estado e da lei. A maioria das teorias atuais concentra-se apenas nos limites morais do direito penal (MALUF, 2012).
A teoria normativa sobre os limites adequados do direito civil ou do direito administrativo ainda não existe. Existem algumas posições políticas fortes, obviamente, mas muitas vezes são altamente ideologicamente coloridas (especialmente por fortes sentimentos ante estaduais) ou meramente pragmáticas (MALUF, 2012).
O que se precisa é de um trabalho teórico mais matizado sobre o que o estado deve ou não deve fazer e o que a lei deve ou não regular se levar a sério ideais como o Estado de direito ou a democracia, e especialmente como isso deve ser feito. Quando é o direito civil e quando o direito penal é adequado? Quando deve-se deixar as questões para a autorregulação interna? (FUJITA, 2011).
O caso da barriga de aluguel é um bom exemplo. Presumivelmente, as sanções criminais não serão apenas parcialmente ineficazes, mas, de acordo com a maioria dos autores, também injustificadas. Como a lei do contrato ou os regulamentos do CFM devem lidar com a questão ainda está em aberto (ALVES, 2015).
5 CONCLUSÃO
Em conclusão, o consenso e a harmonização só têm valor moral quando são produzidos por discussão e persuasão. O uso de restrições coercitivas por organizações ou tribunais internacionais viola a autonomia do povo.
Dada a natureza altamente pessoal da reprodução e construção familiar, e a forte conexão entre as regras morais que regem este domínio e o contexto cultural, deve-se aplicar o princípio da subsidiariedade e deixar a regulamentação dessas questões no nível mais baixo de tomada de decisão, que é, com os parlamentos nacionais.
As regulamentações do Brasil sobre RAT regula um campo de prática médica e pesquisa que não foi regulamentado por anos. O Parlamento proíbe conservadoramente tratamentos como doação de ovócitos e espermatozoides que são legais em várias outras democracias modernas. Além disso, a as regulamentações do CFM proíbe a clonagem reprodutiva mais polêmica e a pesquisa em embriões. As novas disposições levantaram, ao invés de resolver, o debate sobre questões complexas e difíceis.
Nos próximos meses e anos, a comunidade médica implementará esses princípios em sua prática diária. É muito provável que algumas das disposições sejam contornadas na prática diária. Se a eficácia de uma nova lei se tornar uma questão de implementação e de consciência para os médicos que devem tomar decisões no isolamento de seus laboratórios, o futuro da lei será incerto. Embora o Tribunal Constitucional no Brasil não admita as restrições à investigação com células estaminais embrionárias; a exigência de não fertilizar mais de três embriões por tratamento; a exigência de que a transferência de embriões seja obrigatória e, finalmente, a proibição da doação de ovócitos e espermatozoides, talvez a aprovação da do Projeto de Lei pelo parlamento brasileiro sobre estas quatro questões seja uma boa oportunidade para reabrir o debate sobre a resolução de algumas das contradições e lacunas que ainda existirão em algo tão novo no campo doutrinário e jurisprudencial no mundo inteiro.
REFERÊNCIAS
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BRAUNER, M. C. C. Direito, Sexualidade e Reprodução Humana. Artigo, 2011. Disponivel. http://www.ibdfam.org.br/publicacoes/livros/detalhes/289/Direito,%20Sexualidade%20e%20Reprodu%C3%A7%C3%A3o%20Humana Acesso em 01 de nov de 2020.
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CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA. Resolução Nº 1.358/1992. Disponível em: http://www.portalmedico.org.br/resolucoes/cfm/1992/1358_1992.htm. Acesso em 31 de out de 2020.
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[1] Trata-se de uma condição onde o indivíduo recebe dois materiais genéticos no mesmo zigoto, resultando em um tipo de mosaico de genes, por isso o nome. Transportando para co campo jurídico representa uma variedade de normas as respeito do mesmo tema.
Bacharelanda do curso de Direito da Universidade Luterana no Brasil – ULBRA, Campus Manaus-Amazonas.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: DOCE, SUIANE VITORIA DA SILVA. Entidade familiar (reprodução assistida ou conhecida como barriga de substituição) Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 19 nov 2020, 04:25. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/55577/entidade-familiar-reproduo-assistida-ou-conhecida-como-barriga-de-substituio. Acesso em: 26 nov 2024.
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