No contexto da reforma da previdência capitaneada pela Emenda Constitucional nº 103/2019, foi editada a Lei 13.954/2019, que promoveu uma reforma no Sistema de Proteção Social dos militares, trazendo em seu bojo, dentre diversas outras medidas, norma prescritiva para incidência de contribuição social previdenciária sobre a totalidade da remuneração dos militares dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios, ativos ou inativos, e de seus pensionistas, com alíquota igual à aplicável às Forças Armadas. Vejamos, então, a redação dada ao artigo 24-C, do Decreto-Lei nº 667, de 2 de julho de 1969:
“Art. 24-C. Incide contribuição sobre a totalidade da remuneração dos militares dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios, ativos ou inativos, e de seus pensionistas, com alíquota igual à aplicável às Forças Armadas, cuja receita é destinada ao custeio das pensões militares e da inatividade dos militares.
De seu turno, a Lei nº 3.765, de 4 de maio de 1960, que trata das pensões dos militares das Forças Armadas, instituiu as contribuições dos inativos e pensionista militares da seguinte forma:
“Art. 1º São contribuintes obrigatórios da pensão militar, mediante desconto mensal em folha de pagamento, os militares das Forças Armadas e os seus pensionistas.
“Art. 3º-A. A contribuição para a pensão militar incidirá sobre as parcelas que compõem os proventos na inatividade e sobre o valor integral da quota-parte percebida a título de pensão militar.
§ 1º A alíquota de contribuição para a pensão militar é de sete e meio por cento. (Renumerado do parágrafo único pela Lei nº 13.954, de 2019)
§ 2º A alíquota referida no § 1º deste artigo será: (Incluído pela Lei nº 13.954, de 2019)
I - de 9,5% (nove e meio por cento), a partir de 1º de janeiro de 2020; (Incluído pela Lei nº 13.954, de 2019)
II - de 10,5% (dez e meio por cento), a partir de 1º de janeiro de 2021.
Neste contexto, considerando que o artigo 40, § 18, da Constituição Federal, prescreve que incidirá contribuição previdenciária sobre os proventos de aposentadorias e pensões concedidas pelo regime próprio dos servidores civis que superem o limite máximo estabelecido para os benefícios do regime geral de previdência social de que trata o art. 201, com percentual igual ao estabelecido para os servidores titulares de cargos efetivos, passou-se a se questionar a constitucionalidade da tributação da totalidade dos proventos de inatividade dos militares.
No bojo dessa discussão, muitos militares da inatividade e pensionistas passaram a questionar judicialmente a tributação da totalidade de seus proventos e pensões em função do que prescreve o artigo 40, § 18, da Constituição Federal, defendendo a aplicação de tal dispositivo também para os servidores militares, inclusive com indicação do princípio da isonomia como lastro da tese.
Todavia, data máxima vênia, a pretensão de se estender a não incidência de tributação sobre a faixa remuneratória correspondente até o limite máximo estabelecido para os benefícios do regime geral de previdência social aos militares não se sustenta juridicamente, seja em razão da norma estabelecida artigo 40, § 18, da Constituição Federal, não se aplicar aos servidores militares, seja em razão da inexistência de ofensa à isonomia.
Neste contexto, é necessário observar que o regime de proteção social dos militares não se confunde com o que é aplicável aos servidores públicos civis (RPPS). São regimes de previdência distintos, cada um com suas regras próprios.
Em verdade, a Constituição Federal conferiu tratamento especial aos servidores militares em relação aos demais servidores públicos, tratando dos servidores públicos no seu Capítulo VII, com a Seção II dedicada às regras aplicáveis aos servidores civis e a Seção III cuidando das normas relativas aos Militares dos Estados e do Distrito Federal.
A norma veiculada no 40, §18, da Constituição Federal, é inquestionavelmente aplicável ao regime próprio de previdência social dos servidores titulares de cargos efetivos, que não se confunde com o sistema de proteção social a que se submetem os militares.
Do ponto de vista da isonomia, igualmente não há como um sistema ser utilizado como paradigma do outro. Se de um lado os servidores civis aposentados e pensionistas foram beneficiados com uma faixa de não incidência de contribuição previdenciária, correspondente ao limite máximo estabelecido para os benefícios do RGPS, os militares gozam de alíquota tributária reduzida de 9,5%, enquanto os servidores civis são tributados no percentual mínimo de 14%. Da mesma forma, enquanto os proventos de inatividade dos militares são calculados com base no soldo integral do posto ou da graduação que possuíam por ocasião da transferência para a inatividade remunerada, os proventos de aposentadoria dos servidores civis não podem ao limite máximo estabelecido para o Regime Geral de Previdência Social.
A respeito do tema, o Tribunal de Justiça do Estado de Alagoas, em recente julgado, da relatoria do Eminente Desembargador Fábio José Bittencourt Araújo, firmou entendimento no sentido de que após o advento da Emenda Constitucional 18/1998, apenas nos casos expressamente previstos na Constituição é que as disposições dirigidas aos servidores públicos civis podem ser estendidas aos militares, pelo que concluiu ser inaplicável o artigo 40, §18, da Constituição Federal aos militares, nos seguintes termos:
DIREITO CONSTITUCIONAL, ADMINISTRATIVO E PREVIDENCIÁRIO. AGRAVO DE INSTRUMENTO EM AÇÃO ORDINÁRIA. DECISÃO AGRAVADA CUJO TEOR DEFERIU O PEDIDO DE TUTELA PROVISÓRIA, DETERMINANDO QUE O ESTADO DE ALAGOAS E A ALAGOAS PREVIDÊNCIA SE ABSTIVESSEM DE COBRAR/DESCONTAR A CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA NOS PROVENTOS DA PARTE AUTORA SOBRE PARCELA QUE NÃO EXCEDE O LIMITE DO TETO DO REGIME GERAL DA PREVIDÊNCIA SOCIAL. APÓS O ADVENTO DA EC N.º 18/1998, APENAS NOS CASOS EXPRESSAMENTE PREVISTOS NA CONSTITUIÇÃO É QUE AS DISPOSIÇÕES DIRIGIDAS AOS SERVIDORES PÚBLICOS (CIVIS) PODERIAM SER ESTENDIDAS AOS MILITARES. COM A EC N.º 41/2003, NÃO MAIS EXISTE REFERÊNCIA, NA SEÇÃO DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL CORRESPONDENTE AOS "MILITARES DOS ESTADOS, DO DISTRITO FEDERAL E DOS TERRITÓRIOS" DE INCIDÊNCIA DE OUTROS PARÁGRAFOS DO ART. 40 DA CF/88 ALÉM DO §9º. INAPLICABILIDADE DO TEXTO INSCULPIDO NO ART. 40, §18, DA CF/88 PARA OS MILITARES. LEI FEDERAL N.º 13.954/2019 QUE, AO ALTERAR O DECRETO-LEI Nº 667, DE 02 DE JULHO DE 1969, CUJO TEOR REORGANIZA AS POLÍCIAS MILITARES E OS CORPOS DE BOMBEIROS MILITARES DOS ESTADOS, DOS TERRITÓRIOS E DO DISTRITO FEDERAL, PREVÊ EXPRESSAMENTE QUE A CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA DOS MILITARES DOS ESTADOS SERÁ CALCULADA SOBRE A INTEGRALIDADE DA REMUNERAÇÃO. INEXISTÊNCIA DE DIREITO ADQUIRIDO, UMA VEZ QUE O ART. 24-F DO DECRETO-LEI Nº 667/1969, COM A REDAÇÃO ATRIBUÍDA PELA LEI FEDERAL N.º 13.954/2019, AO GARANTIR TAL INSTITUTO AOS MILITARES, PRETENDEU SOMENTE RESGUARDAR OS CRITÉRIOS PARA A OBTENÇÃO DA INATIVIDADE E CONCESSÃO DA PENSÃO MILITAR, ALÉM DA FORMA DE CÁLCULO DOS PROVENTOS E PENSÕES. DISPOSITIVO LEGAL QUE NÃO CONFERIU DIREITO ADQUIRIDO AOS TRIBUTOS QUE INCIDIRÃO SOBRE ESSA REMUNERAÇÃO. PEDIDO DO AGRAVADO DE ARBITRAMENTO DE HONORÁRIOS SUCUMBENCIAIS "PARCIAIS". NÃO ACOLHIDO. AUSÊNCIA DE JULGAMENTO DO MÉRITO DA DEMANDA, A FIM DE AFERIR A PARTE SUCUMBENTE. DECISUM AGRAVADO REFORMADO PARA INDEFERIR O PLEITO DE TUTELA PROVISÓRIA DE URGÊNCIA FORMULADO NO PRIMEIRO GRAU. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. DECISÃO UNÂNIME.
(Número do Processo: 9000077-24.2020.8.02.0000; Relator (a): Des. Fábio José Bittencourt Araújo; Comarca: Foro de Maceió; Órgão julgador: 1ª Câmara Cível; Data do julgamento: 14/10/2020; Data de registro: 14/10/2020)
Na realidade, o que se percebe é que, no bojo do conjunto normativo de cada regime, o sistema de proteção social dos militares, especialmente no que tange à cobertura dos eventos inatividade e morte dos titulares, é muito mais benéfico do que os demais regimes previdenciários existentes no ordenamento jurídico brasileiro. Assim, sob ótica nenhuma se pode cogitar em ofensa à isonomia em função da tributação da totalidade dos proventos de inatividade e pensões militares.
Então, diante das breves reflexões feitas linhas acima, que, evidentemente, estão longe de esgotar a matéria, é possível perceber que o sistema de proteção social aplicável aos militares constitui-se de um arcabouço normativo próprio que não se confunde com os demais regimes previdenciários vigentes no ordenamento jurídico brasileiro, não lhes sendo aplicáveis as normas dos regimes próprios dos servidores civis e muito menos as regras do Regime Geral de Previdência Social.
Assim, é possível concluir que a norma estabelecida artigo 40, § 18, da Constituição Federal, que trata da não incidência de contribuição sobre a faixa remuneratória correspondente até o limite máximo estabelecido para os benefícios do regime geral de previdência social, não se aplica aos servidores militares, de modo que não se verifica qualquer mácula na incidência de contribuição social previdenciária sobre a totalidade da remuneração dos militares, ativos ou inativos, e de seus pensionistas, na forma do artigo 24-C, do Decreto-Lei nº 667, de 2 de julho de 1969, com redação dada Lei 13.954/19.
REFERÊNCIAS
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_______.Teoria do Ordenamento Jurídico. Trad. Maria celeste Cordeiro Leite dos Santos.10ª ed. Brasília: Editora UNB, 1999.
MARTINS, Sérgio Pinto. Direito da Seguridade Social. 24. Ed., São Paulo: Ed Atlas, 2007.
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 29ª ed., São Paulo: Ed. Malheiros, 2004.
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 17ª ed., São Paulo: Malheiros, 2004.
MODESTO, Paulo. “Previdência nos estados e municípios: exercício de autonomia ou reprodução https://www.conjur.com.br/2020-jan-16/interesse-publico-previdencia-estados-municipios-autonomia-ou-reproducao-servil
PIETRO, Maria Sylvia Zanella Di. Direito Administrativo. 18ª ed., São Paulo: Ed. Atlas, 2005.
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 23ª ed., São Paulo: Ed. Malheiros, 2004.
Procurador do Estado de Alagoas, ex-Procurador do Estado de Pernambuco, ex-Analista Judiciário do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região, Pós-Graduado em Direito Público pela Universidade do Sul de Santa Cataria, Pós-Graduado em Direito Administrativo e Direito Processual Civil pela Universidade Anhanguera-Uniderp.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: PEDROSA, Danilo França Falcão. A Inaplicabilidade do Artigo 40, §18, da CF/88, aos Servidores Militares Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 20 nov 2020, 04:26. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/55592/a-inaplicabilidade-do-artigo-40-18-da-cf-88-aos-servidores-militares. Acesso em: 22 nov 2024.
Por: Maurício Sousa da Silva
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Por: DESIREE EVANGELISTA DA SILVA
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