RESUMO: O presente estudo trata de um passeio pelos sistemas eleitorais empregados atualmente no Brasil, tecendo considerações acerca dos pontos positivos e negativos dos sistemas majoritário e proporcional. A fórmula complexa adotada nas eleições legislativas viabiliza a ausência de representatividade, uma das maiores responsáveis pela falência do sistema político-eleitoral. Diante disso, faz-se pertinente suscitar uma verdadeira reforma política, incluindo novos métodos de eleição que alcancem a sociedade de forma a representá-la não só formalmente, mas principalmente nos pleitos materiais. Para tanto, desenha-se modelos alternativos adotados por outras democracias representativas, apontando as vantagens e desvantagens de importá-los, a fim de alcançar um sistema eleitoral mais justo, eficiente e representativo.
PALAVRAS-CHAVES: Sistemas eleitorais. Sistema proporcional. Sistema majoritário. Sistema distrital misto. Eleições. Representação política.
SUMÁRIO: 1. Introdução 2. Sistema majoritário. 3. Sistema proporcional 4. Sistema distrital. 4.1 sistema distrital misto. 5. Sistema proporcional em dois turnos 6. Breves retoques. 7. Considerações finais.
1.Introdução
“As únicas coisas eternas são as nuvens”. A beleza da poesia de Mário Quitana quase que por um instante pode nos roubar da realidade de perceber que, exceto as nuvens, tudo ao nosso redor é efemeramente findo. Todos os objetos, costumes e modelos atualmente conhecido por nós possuem prazo de validade. Isso ocorre porque o ser humano é adaptável e está sempre em busca do aperfeiçoamento, portanto, é natural que no processo de evolução tenhamos alguns valores e estruturas agregadas, e outras, abandonadas.
O Sistema Eleitoral, enquanto método utilizado para a escolha dos representantes da população, não foge à regra. A estruturação e mudança inerente à matéria eleitoral é fruto de conflitos e negociações políticas, tentando equacionar uma fórmula que traduza de forma perfeita as ambições de crescimento, atenda às necessidades da sociedade, seja justa, eficiente e econômica.
As eleições fazem parte da arquitetura política de uma sociedade democrática em busca da tentativa de materializar o princípio da soberania popular. Por se tratar de um tema tão caro, há um debate secular sobre a melhor forma de fazê-lo e, em que pese a longa jornada para tanto, a solução encontra-se distante.
Algumas premissas, no entanto, parecem consolidadas e são unânimes aos diversos modelos propostos: a necessidade de ouvir as minorias políticas é uma delas.
Afirmar que a votação é a expressão da voz da maioria é uma noção simplista. A contrário senso do que propôs Luís Virgílio Afonso da Silva, o sistema eleitoral vai muito além de transformar votos em mandatos. Há muitos critérios que envolvem uma eleição a depender do cargo que está sendo disputado. Porventura, a principal questão ao adotar um sistema é definir que a maioria política exerça seu governo, aplique suas diretrizes e ideais, permitindo que a minoria política (oposição) também seja representada.
Um sistema em que os vencedores exercem o poder e o não-eleitos tampouco exercem participação no sistema político, está fadado ao fracasso. De acordo com a história, a consequência de um modelo anti-representativo é a disputa anti-democrática pelo poder. Isso porque, diante da inviabilidade de ser ouvido, o grito mudo das minorias se materializa através de métodos arbitrários de fomentar mudanças, incluindo extirpação - furiosa - do poder.
Percebe-se, portanto, que para haver um exercício saudável do poder, o sistema político, ao mesmo tempo que prestigia a maioria, precisa acolher as minorias políticas. A maneira como ocorre tal acolhimento é motivo de alguns debates acerca da sua eficiência, sobretudo diante do cenário atual em que se vive uma crise de confiança na política nacional. Diante disso, é possível estudar modelos alternativos para o sistema eleitoral brasileiro, com a finalidade de alcançar um sistema mais justo, representativo, econômico e eficiente.
Originalmente, encontra-se na seara do Direito Eleitoral, três modelos de sistemas eleitorais conhecidos: o majoritário (subdividindo-se em simples e absoluto), o proporcional (que pode ser de listas abertas ou de listas fechadas) e o distrital (podendo ser simples ou misto).
2.Sistema Majoritário
A origem do sistema majoritário advém das práticas da Igreja Católica para determinar os representantes das circunscrições administrativas na Idade Média.
No Brasil, o critério majoritário absoluto é utilizado para as eleições de cargos executivos (presidente, governador e prefeitos de municípios que possuam mais de duzentos mil eleitores). A sua forma de contagem é muito simples, vence o candidato que supere 50% dos votos válidos[1]. Os britânicos costumam usar uma expressão comum às corridas de cavalo: first past the post,[2] ou, vence que obtiver 1º lugar na votação.
“É baseado na ideia que a opinião da comunidade deve ser expressada simplesmente pela maioria apurada".[3]
O critério majoritário relativo, por sua vez, é aplicado aos senadores e às eleições de prefeitos cujos municípios possuam menos que duzentos mil eleitores. O critério definidor aqui não será a maioria dos votos em relação ao total, mas a maioria dos votos em relação aos outros competidores: vence quem tem mais voto que o outro. Já houve eleição no Brasil em que – diante de um cenário pulverizado - o candidato foi eleito com 15% dos votos, o que é um número ínfimo considerando uma eleição majoritária, mas ele havia sido o mais votado em relação aos outros, portanto, não havia qualquer irregularidade no seu pleito.
A perspectiva do critério majoritário não é eleger um candidato em razão do seu número de votos ter sido maior que o do outro tão somente. Mas, sob outro ângulo, materializar a vontade da maioria da população, materializar aquilo que a sociedade espera do resultado eleitoral.[4]
O sistema majoritário não guarda grandes polêmicas.
3.Sistema Proporcional
Nascido na Bélgica[5], em meados do séxulo XIX, tem como ideia matriz defender a liberdade de a minoria possuir representação política. Historicamente, surge como oponente ao sistema majoritário, em uma tentativa de melhor atender ao imperativo democrático, com o intuito de formar um governo estável.
No Brasil, um dos proponentes defensores do sistema proporcional foi José de Alencar[6]
“(...) É evidente que um país estará representado quando seus elementos integrantes o estiverem na justa proporção das forças e intensidade de cada um. (...) É essencial à legitimidade dessa instituição (o governo representativo) que ela concentre todo o país no Parlamento, sem exclusão de uma fração qualquer da opinião pública.”
O sistema proporcional rege as eleições dos vereadores e deputados federais, estaduais e distritais. A razão de ser do sistema proporcional pressupõe uma lógica completamente diferente do sistema majoritário. Aqui não vence apenas quem foi mais votado, pois isso geraria uma homogeneização da assembleia legislativa ou câmara dos deputados. O sistema proporcional assegura a oportunidade de a oposição estar inserida nesses ambientes, propõe uma verdadeira representação de minorias, proporcionando um verdadeiro mosaico social[7].
De acordo com Bonavides, a busca por este sistema (proporcional) retraça no órgão coletivo a diversidade de correntes populares, em proporção às forças de cada uma delas. A proporcionalidade pressupõe a multiplicação de partidos que têm interesse em sublinhar os pontos de divergências em relação aos outros.[8]
A democracia precisa de oposição para sobreviver, do contrário, apenas ecoariam as vozes dos muitos que legislam para poucos.
“[...]a base sobre a qual se assenta é desfazer valer válidos todos os sufrágios,não deixar restos sem eficácia,não dar tudo vencedor,como no sistema majoritário,onde o eleitorado vencido perdeu o seu voto porque não elegeu ninguém"[9]
No sistema proporcional de lista aberta o que interessa é o voto depositado ao partido[10]. Em primeiro plano, o que determina quem vencerá as eleições é o quociente eleitoral e o quociente partidário. Somente em segundo plano é que será considerado o voto em candidato específico. Se o total de votos válido foi 100mil e há 10 vagas na disputa, o quociente eleitoral é 10 mil votos válidos. Se o partido X consegue 50 mil votos, ele garantirá 5 vagas, ainda que somente seu primeiro candidato tenha garantido 40 mil votos, por exemplo. Essa dinâmica do sistema proporcional gera uma particularidade bastante polêmica que é a eleição de “caronistas”.
“A proporcionalidade não devia ser considerada um problema aritmético e sim político, o importante era que as oposições se sentissem representadas. A consideração da quantidade é muito secundária em certas medida indicada pela natureza das coisas; é quase indiferente a elas e o é de todo à regularidade da evolução política, que o número de seus parciais seja mais ou menos volumoso. Para a maioria sim, a quantidade assume as proporções de uma exigência virtual.”[11]
Na eleição de 2002 no Estado de São Paulo houve um fato que chamou atenção da população: um candidato obteve uma eleição estrondosa (com mais de 1 milhão e meio de votos), garantindo que mais 5 deputados do partido fossem eleitos junto com ele, dentre eles um candidato que conseguiu pouco mais de 200 votos. Esse fato causou desde curiosidade até indignação, sobretudo porque muitos eleitores não compreendiam como era possível que outro candidato que angariou 90mil votos não conseguiu se eleger.
A falência de todo sistema político-eleitoral desponta daqui.
A estrutura eleitoral no Brasil é muito complexa e não é ensinada de forma adequada para a população, além disso, as eleições majoritárias e proporcionais sendo realizadas conjuntamente não colabora para os esclarecimento das regras do jogo. A informação mais popularmente difundida sobre democracia e exercício de voto é de que a população tem poder de escolher os seus representantes e é responsável pelos ideais que são irradiados pelo legislativo. Essa premissa é verdade, porém nem tanto.
O sistema proporcional não garante que o candidato mais aclamado pela população será o candidato eleito, pois a votação não depende somente do candidato, mas também do partido.
“A proporcionalidade não devia ser considerada um problema aritmético e sim político, o importante era que as oposições se sentissem representadas. A consideração da quantidade é muito secundária em certas medida indicada pela natureza das coisas; é quase indiferente a elas e o é de todo à regularidade da evolução política, que o número de seus parciais seja mais ou menos volumoso. Para a maioria sim, a quantidade assume as proporções de uma exigência virtual.”[12]
Os dados são reveladores. Ao analisarmos a Câmara dos Deputados atual, o número de parlamentares os quais obtiveram votação pessoal (quociente eleitoral) suficiente para estar lá não alcança 15%: a maioria (85%) foi eleita devido aos votos obtidos pelos candidatos do respectivo partido. Esse é o sistema proporcional de lista aberta, vigente no Brasil.
Há um fenômeno comum no Brasil que é a terceirização da culpa. Absolutamente todas as esferas da sociedade que não funcionam pressupõe a culpa do outro, não minha. O outro não segue a lei. O outro não sabe votar. O outro não é educado o suficiente. Trata-se de um fenômeno comum aos países subdesenvolvidos que custam a aceitar que as mazelas da sociedade pertencem a todos.
No entanto, talvez o único espaço que esse discurso não soe arrogante, mas carente de conhecimento, é aqui. A população não se reconhece nessa formação de um legislativo de competência e procedência ética duvidosas e esse hiato entre “quem a população vota” e “quem é, efetivamente, eleito” explica muita coisa acerca da crise de representação no Brasil.
Antes de tudo porque os eleitos não traduzem os ideais e anseios da população e nem sequer se preocupam em fazê-lo, pois não há um real compromisso com a sociedade; e também porque esse candidato preocupa-se tão somente a legislar para o partido e para os poucos votos que o elegeram. Ou seja, não é só porque os eleitos não legislam para a sociedade, mas sobretudo porque eles legislam terminantemente contra ela.
Além disso, o próprio trunfo do sistema proporcional, qual seja, a vasta gama de possibilidades de votos, acaba por ser também seu próprio percalço: o número excessivo de legendas partidárias compondo o parlamento dificulta a governabilidade, pois para atingir concesso dentro desse congresso, faz-se pertinente fazer concessões, ceder ministérios, entre outros arranjos que visam satisfazer interesses pessoais em detrimento dos interesses da sociedade.
É pensando em uma alternativa a esse modelo anti-representativo, que surge o sistema proporcional de listas fechadas ou preordenadas. Neste sistema, o responsável por essa ordenação é o partido. Ele apresenta a lista de candidatos preordenados (primeiro, segundo, terceiro, quarto, quinto...) e a eleição dependerá dos votos que o partido obtém e os candidatos serão eleitos na ordem da lista que o partido apresentou.
Esse sistema possui diversas vantagens.
A primeira delas é de se ter conhecimento de quem são os possíveis candidatos eleitos, portanto, denota previsibilidade para o eleitor. Apesar de na lista aberta você também ter a possibilidade de saber quem são os candidatos do partido, não há a menor possibilidade de saber quem daqueles tem a possibilidade de receber a carona, é um tiro às escuras.
A segunda vantagem do sistema de lista fechada é diminuir os custos das eleições. Atualmente, a eleição é uma disputa de todos contra todos e é justamente isso que a encarece.
4.Distrital
O sistema distrital já existiu no Brasil, mais precisamente na época do Império. A lógica do que ele adota é que a disputa se dá em uma circunscrição ficta distrital. Por exemplo, o estado de São Paulo poderia ser dividido em 70 distritos e cada um deles elegeria um Deputado Federal (distribuição uninominal) ou até mais de um (distribuição plurinominal), para balancear melhor as eleições. A ideia central do distritão é abolir as eleições proporcionais e adotar o sistema majoritário relativo para as eleições legislativas; isso presume que haverá maior proximidade entre o candidato e seu eleitoral, proporcionando um sistema mais representativo.
De acordo com Paula Lopes [13], colunista da Veja, esse modelo garante autenticidade ao voto e evitaria o fenômeno da amnésia-eleitoral. De acordo com os dados do TSE, 70% da população não lembra em quem votou na eleição anterior[14]. Esse dado revela que não há um compromisso sólido entre eleitor e candidato, o que provavelmente não aconteceria no caso de eleições menos dispersas.
Alguns estudos que analisam a associação entre corrupção e os sistemas eleitorais[15], apontou que no sistema distrital, por haver uma maior identificação com o candidato está mais suscetível à fiscalização dos eleitores e se revela menos vulnerável às práticas corruptas.
No entanto, ele não supera alguns inconvenientes, muitos deles justamente no tocante à representação. Primeiramente, Um deputado eleito pelo distrito acaba por exercer fidelidade aos seus eleitores, produzindo reformas e proporcionando benefícios para uma pequena parcela de eleitores, assemelhando sua função a de um vereador e essa é uma visão deturpada do que significa o sistema representativo na democracia.
A autoridade dos representantes designados é legitimada pela soberania popular, devendo o exercício do poder político ser exercido em prol de todos, não apenas dos que o apoiam. Essa interiorização provocada pelo sistema distrital, preterindo a melhoria em uma perspectiva nacional, estimulando o clientelismo.
Percebe-se, portanto, que a lógica do “the winner takes it all” (ou, o vencedor leva tudo) prejudica a oposição e, consequentemente, a governabilidade.
Assis Brasil contorna essa face inoportuna sugerindo que uma vez eleito, o deputado represente o distrito inteiro, não somente a fração de eleitores simpatizantes. No entanto, abre-se questionamento para analisar: não seria justamente este o problema do sistema proporcional? Ter representantes que não foram necessariamente eleitos é um dos maiores pilares que contribuem para uma casa legislativa pouco representativa, portanto, submeter o sistema eleitoral atual a uma reforma e conservar o problema, parece-me o poético popular trocar seis por meia dúzia.
Outro problema bastante debatido na doutrina é de como seria feita a divisão dos distritos. Nos EUA, a expressão “gerrymandering”, que sugere o redesenho dos limites dos círculos eleitorais para favorecer os candidatos de determinado partido, ficou popular depois do escândalo nas eleições para governadores.
No Brasil, muito provavelmente, demoraríamos décadas até definir uma circunscrição justa e provavelmente ainda assim não a alcançaríamos.
4.1 Sistema Distrital Misto
Uma vertente bastante popular do sistema distrital é o sistema distrital misto ou alemão. Nele, conjuga-se ambos os critério: a divisão do distrito (parte dos parlamentares são eleitos com base na eleição majoritária) e os votos partidários[16]. Em termos simples: ele conjuga uma eleição majoritária com uma reserva da expectativa de vagas que partido tem direito a ocupar de acordo com votação que recebeu no seu conjunto.
O sistema misto nasceu do embate entre dois colossos políticos alemães do pós-guerra: o partido democrata-cristão e o partido social-democrata. Isso porque após a Segunda Guerra a Alemanha vencida viu-se compelida formular uma nova Constituição que superasse o sistema proporcional proposto por Weimar e o modelo de exceção do Nazismo.
O debate acerca da implantação de um sistema distrital misto no Brasil não é exatamente um marco inovador. Desde o século anterior já se debatia a possibilidade da implantação desse sistema. Sob a égide do Ministro Edgar Costa, o projeto previa a divisão da federação em distritos, em os deputados federais e estaduais se elegeriam por meio do voto distrital, mas teriam representação proporcional, mas esse projeto não prosperou.
Em 1964, às vésperas do golpe militar, surgiu uma nova proposta do sistema, elaborada por Franco Montoro, muito mais aproximado ao modelo original alemão, tendo como única diferença o cálculo do quociente eleitoral, feito na Alemanha nacionalmente e no Brasil à nível estadual.
“Montoro apresenta três fundamentos para seu projeto, quais sejam: assegurar a autenticidade da representação popular, combater a influencia do poder econômico nas eleições e fortalecer a vida partidária. O voto em lista aberta, na circunscrição estadual como um todo, parecia-lhe escancarar a porta à influencia decisiva do poder econômico e governamental e impedir a formação de vínculos efetivos entre eleitores e representantes. Sobretudo, parecia-lhe que o sistema proposto estaria mais blindado aos aventureiros, que, com apoio de grupos econômicos, buscam votos em regiões com as quais não tem vínculos."[17]
Recentemente, em meados dos anos 90, o ex presidente Fernando Henrique Cardoso apresentou um projeto de lei ordinária que tinha como objetivo instituir o sistema eleitoral de raízes alemãs aqui no Brasil.
Na Alemanha, adota-se esse sistema e, quando a conta não fecha, amplia-se o número de parlamentares. Com isso, não há exatamente uma definição concreta de quantos parlamentares ocupará as vagas por eleição; faz-se pertinente pontuar, no entanto, que a Alemanha conta com um sistema de dois ou três partidos efetivamente competitivos. Em um sistema como o nosso, com uma pluralidade demasiada de partidos, há grandes chances de desordem.
5.Sistema Proporcional em dois turnos
Proposta apresentada pelo Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE), o sistema proporcional em dois turnos já existiu no Brasil, previsto no Código Eleitoral de 32, mas apresentava um modelo diverso.
Naquele momento, havia dois turnos na mesma ocasião: no dia da eleição, o eleitor recebia uma cédula, preenchia os nomes de candidatos em ordem preferencial e a apuração era feita sobre todos eles. Obviamente, tratava-se de uma apuração tormentosa e que gerava algumas dúvidas.
O MCCE propõe que a eleição para as Casas Legislativas (Câmara dos Deputados, Assembleias Legislativas, Câmara Distrital, Câmaras de Vereadores) se dê em dois turnos. No primeiro, vota-se no partido, que divulga a relação de candidatos. Há um número de votos por partido (exemplo: de acordo com votos que obteve, tem direito a ocupar 10 cadeiras.) No segundo, partido lança 20 candidatos: 20 candidatos do partido disputam a eleição. Sendo assim, é o eleitor quem ordena a lista. Portanto, elege-se em dois turnos: no primeiro, vota-se no partido – para saber quantas vagas ele ocupará – e, no segundo, escolhe-se quais candidatos do partido se prefere. Seria o método do sistema proporcional em dois turnos.
6.Breves Retoques
O modelo atualmente utilizado pelo Brasil, apenas encontra similitude com o modelo eleitoral da Finlândia, o que demonstra uma certa adinamia desse modelo.
Apesar de acreditar na reforma política como a solução para muitos dos problemas políticos no país, é sabível que se trata de uma arriscada manobra, tão burocrática e delicada que pode demorar séculos para acontecer, ou nunca ocorrer. Portanto, enquanto não são adotados modelos diversos ao sistema eleitoral, são feitos alguns retoques importantes na construção de uma democracia mais representativa aqui no Brasil.
A partir das eleições de 2020, visando evitar a eleição de caronistas com votação ínfima, começa a valer o critério dos 10%. Esse critério é um breve retoque na lei, ressalvando que somente é eleito o candidato que receber votos em número igual ou superior ao quociente eleitoral. A novidade legislativa é um inegável avanço na busca por um processo eleitoral o menos imperfeito possível.
Apesar dos esforços, nem todas as lacunas serão preenchidas e algumas inconsistências ainda perduram. Um exemplo disso que a novidade legislativa dos 10% não atinge os votos remanescentes. Explico: nas eleições os votos raramente são redondos “dez mil votos” (10.000); a regra é que a casa das centenas e dezenas revelem números quebrados de eleitores e esses votos remanescentes são disputados por todos os partidos, mesmo aqueles que não atingiram o quociente.
O STF decidiu em sede de ADI pela constitucionalidade do art. 3º da Lei 13488/17 que fastou a necessidade de que os partidos e as coligações obtenham quociente eleitoral para participar da distribuição dos lugares não preenchidos com a aplicação dos quocientes partidários e em razão da votação nominal mínima de 10%. A justificativa é que a modificação permite que os partidos menores possuam representação parlamentar e que a sociedade seja beneficiada com o pluralismo político.
Em que pese os ajustes ainda não serem a tão ansiada reforma política, trata-se de uma remodelação do sistema vigente para melhor atender às súplicas da democracia representativa, uma grandiosa evolução considerando os resultados das últimas eleições no Brasil.
7.Conclusão
Diante da efemeridade dos eventos fáticos, é compreensível que a sociedade e a comunidade intelectual reúnam esforços para pensar em uma alternativa aos aparatos eleitorais atualmente conhecidos, sobretudo diante da volatidade e inconsistências das forças políticas que ora nos representa.
O fato de a democracia no Brasil ainda ser muito jovem justifica o porquê das instituições do Estado Democrático de Direito ainda não estarem em sua plena sofisticação. É certo, também, que o caminho para construir uma base democrática sólida passa pelo aperfeiçoamento de regras, modelos e sistemas; no entanto, alguns pontos carecem de muito mais do que simples ajustes em suas fórmulas.
O sistema eleitoral proporcional revela muitas inconsistências em sua forma atualmente conhecida. Por essa razão, há poucos países que o adotam como método eleitoral principal. Isso ocorre porque, embora o maior trunfo do sistema proporcional seja a representatividade que ele propicia, ele não cumpre satisfatoriamente sua função.
No Brasil, o sistema proporcional é o que revela maiores problemas. Seja durante as eleições, com seu gastos exorbitantes; seja na sua lógica peculiar que elege um parlamento com 85% de cadeiras não representativas.
Com base nisso, surge um pleito nacional por uma reforma política, a fim de que o sistema eleitoral seja mais justo e eficiente para a população. Em que pese a apresentação de diversas propostas adaptadas das grandes democracias, nenhuma delas obteve robustez suficiente para ensejar uma reforma política, pois todas elas insistem em revelar defeitos nos desempenhos quando pensadas na realidade “Brasil”.
Enquanto não há obtenção de uma fórmula adequada, o Brasil segue refém dos sistemas eleitorais hoje vigentes, sendo possível tão somente realizar breves retoques para minimizar os efeitos contraproducentes que ora estamos submetidos.
REFERÊNCIAS
[1] NICOLAU, Jairo. História do voto no Brasil. Rio de Janeiro: Jorge Zahar. Ed 2000, p. 15
[2] DAHL, Robert A. Sobre a Democracia. Trad. Beatriz Sidu. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2001, p. 148.
[3] SOUZA, Sully Alves de; BARRETO; Vicente. Sistemas eleitorais – Voto e Representação. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1980. P. 31
[4]CINTRA. Antônio Octávio. Majoritário ou proporcional? Em busca do equilíbrio na construção de um sistema eleitoral. In: VIANA, João Paulo Saraiva Leão; NASCIMENTO, Gilmar dos Santos. O sistema político brasileiro: continuidade ou reforma? Porto Velho: Edufro, 2008. P. 18-44
[5] PINHEIROS FILHOS, I. voto distrital misto (proporcional personalizado). Brasilia: Câmara dos Deputados, 1992, p-76
[6] MILL, John Stuart. Considerations on representative government. Londres, 1860.
[7] CARSTAIRS, Andrew Mclaren. A short history of electoral systems in Western Europe. Londres: George Allen & Unwin, 1980
[8] BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Malheiros, 2002. P- 89
[9] BONAVIDES, Paulo. Os sistemas eleitorais. In: Ciência política. 10. ed. cap 17.São Paulo: Malheiros editores, 2002. P. 253
[10] MEZZAROBA, Orides. Direito partidário brasileiro. 2 ed. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2004. P 292
[11] LAMOUNIER, B e NOHLEN, D. Presidencialismo ou parlamentarismo. São Paulo: Loyola, 1993. P. 93
[12] ASSIS BRASIL, J. F. de. Democracia representativa: do voto e do modo de votar. 4ª ed, Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1931, p. 147
[13] LOPES, Paula. Como aumentar o peso do seu voto. Veja, Rio de Janeiro, ano 44, n.36, p.78-84, set. 2011.
[14]TORQUATO, Gaudêncio. A amnésia Eleitoral. O tempo. Belo Horizonte – MG, 07/12/10. Disponível em: < https://www.otempo.com.br/opiniao/gaudencio-torquato/a-amnesia-eleitoral-1.215763> acesso em: 27/09/2020.
[15] (KUNICOVA, ROSE-ACKERMAN, 2003).
[16] CERQUEIRA, Thales Tácito Pontes Luiz de Pádua. Sistema proporcional e quociente eleitoral. Divinópolis: Diex, 2005, p- 34
[17] CAVALCANTI, Themistocles Brandão. O voto distrital no Brasil. Rio de Janeiro: Editora FGV, 1975. P 299-312 (apud CINTRA, Antônio Octávio. Majoritário ou Proporcional?, Fundação Konrad Adenauer Stiftung. P -85 disponível em: < https://www.kas.de/c/document_library/get_file?uuid=53e33a53-f785-85d9-2b9c-a367be5becaf&groupId=265553> visto em: 30/09/2020.
Advogada formada pela Universidade Federal de Pernambuco
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: ANNA ALICE RIBEIRO BRANDãO, . A crise de representação política no Brasil e o anseio por um modelo alternativo para o sistema eleitoral brasileiro Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 23 nov 2020, 04:59. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/55612/a-crise-de-representao-poltica-no-brasil-e-o-anseio-por-um-modelo-alternativo-para-o-sistema-eleitoral-brasileiro. Acesso em: 22 nov 2024.
Por: SABRINA GONÇALVES RODRIGUES
Por: DANIELA ALAÍNE SILVA NOGUEIRA
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