KARINE MELO DOS REIS SOUSA[1]
(coautora)
JULIANO DE OLIVEIRA LEONEL[2]
(orientador)
RESUMO: O presente artigo teve como objetivo geral realizar um estudo na doutrina e legislação brasileira sobre a inconstitucionalidade do art. 492 do CPP, já que este prevê a execução provisória da pena no Tribunal Popular do Júri. São seus objetivos específicos: conhecer o que é execução provisória da penal em sede do tribunal popular do júri; investigar o que diz a doutrina sobre a constitucionalidade do artigo 492 do CPP; analisar se o art. 492 do CPP, ao prever a execução provisória da pena no tribunal do júri é inconstitucional por violar a presunção de inocência prevista na Constituição Federal de 1988. Para sua viabilização empregou-se como metodologia a pesquisa bibliográfica com abordagem de natureza qualitativa. Nessa perspectiva, pretendeu responder ao seguinte questionamento: o que diz a doutrina sobre a inconstitucionalidade do art. 492 do CPP, uma vez que ele prevê a execução provisória da pena no tribunal popular do júri? Conclui que a doutrina majoritária entende que o art. 492 do CPP, alterado pela Lei 13.964/2019, é inconstitucional porque promove uma forma de execução da pena com início em pleno tribunal do júri nos casos específicos elencados na alínea “e”, inciso I, afrontando diretamente o princípio da presunção de inocência, previsto no art. 5º, LVII, da Constituição Federal de 1988. Sugere a provocação ao Supremo Tribunal Federal (STF) para que sane a questão da inconstitucionalidade desse artigo, no que se refere à execução provisória da pena.
PALAVRAS-CHAVE: Constitucionalidade. Execução Provisória. Pena. Tribunal do Juri.
ABSTRACT: The present article had as its general objective to carry out a study on Brazilian doctrine and legislation on the unconstitutionality of art. 492 of the CPP, since it provides for the provisional execution of the sentence in the Popular Court of the Jury. Its specific objectives are: to know what is the provisional execution of the criminal case at the jury's popular court; investigate what the doctrine says about the constitutionality of article 492 of the CPP; analyze whether art. 492 of the CPP, when providing for the provisional execution of the sentence in the jury court, is unconstitutional for violating the presumption of innocence provided for in the Federal Constitution of 1988. For its viability, bibliographic research with a qualitative approach was used as methodology. In this perspective, he intended to answer the following question: what does the doctrine say about the unconstitutionality of art. 492 of the CPP, since it provides for the provisional execution of the sentence in the jury's popular court? It concludes that the majority doctrine understands that art. 492 of the CPP, amended by Law 13,964 / 2019, is unconstitutional because it promotes a form of execution of the sentence starting in the jury's court in the specific cases listed in item “e”, item I, directly confronting the principle of the presumption of innocence, provided for in art. 5, LVII, of the Federal Constitution of 1988. Suggests provoking the Federal Supreme Court (STF) to resolve the question of the unconstitutionality of this article, with regard to the provisional execution of the sentence.
KEYWORDS: Constitutionality. Provisional Execution. Feather. jury court
SUMÁRIO: 1 INTRODUÇÃO. 2 GARANTISMO NO PROCESSO PENAL. 3 O PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA. 4 ALTERAÇÕES TRAZIDAS PELA LEI 13.964/2019. 4.1 Alterações da Lei nº 13.964/2019 no Código de Processo Penal. 5 INCONSTITUCIONALIDADE DO ARTIGO 492 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. 6 CONCLUSÃO. REFERÊNCIAS.
1 INTRODUÇÃO
Em todas as sociedades humanas existem crimes, que devem ser considerados uma conduta humana positiva ou negativa que se adéqua a um modelo definido em lei, cuja natureza antijurídica é penalmente reprovável. Nesses termos, a culpabilidade é o juízo de reprovação direcionado ao agente por ter praticado um fato típico e antijurídico, quando podia compreender o caráter ilícito deste, e se motivar a agir conforme institui o direito.
Não há qualquer dúvida que o crime sempre foi combatido ao longo da história da humanidade e, para isso, foram impostas as penas aos criminosos. Desse modo, percebe-se que a pena é um instituto usado já há muito tempo, sendo uma consequência jurídica do crime cometido. Nos países cujo Direito Penal é positivado a pena é uma sanção grafada na lei e decorre da violação de norma penal, sendo dessa maneira que o Estado reage contra o violador da norma incriminadora.
Note-se que as transformações sociais, políticas, econômicas, tecnológicas, vivenciadas nas últimas décadas vem influenciado o sistema penal do Brasil, fazendo com que os legisladores busquem o substrato do dever ser para criar figuras típicas que forneçam controle social dos novos bens jurídicos, máxime os de caráter coletivo, como a ordem socioeconômica e o meio ambiente. Exemplo emblemático é a instituição da Lei 13.964, de 24 de dezembro de 2019, que busca aperfeiçoar a legislação penal e processual do país.
Também conhecida como “Pacote Anticrime”, essa lei trouxe modificações significativas na compreensão de diversos institutos do Direito Penal, exigindo atenção na utilização e leitura dessas alterações na rotina jurídica dos casos em que se aplicam. Dentre as inúmeras mudanças promovidas pela Lei 13.964/2019 aponta-se aquela promovida no artigo 492, I, alínea “e” do Código de Processo Penal (CPP), que tem causado no âmbito jurídico penal verdadeiro debate acerca da constitucionalidade da execução antecipada da pena em sentenças do Tribunal do Júri, uma vez que parece ferir o princípio da presunção da inocência, garantido na Constituição Federal brasileira de 1988, em seu art. 5º, inciso LVII.
Tendo em vista essa observação, o presente estudo teve como objetivo geral realizar um estudo na doutrina e legislação brasileira sobre a inconstitucionalidade do art. 492 do CPP, já que este prevê a execução provisória da pena no Tribunal Popular do Júri. São seus objetivos específicos: conhecer o que é execução provisória da penal em sede do tribunal popular do júri; investigar o que diz a doutrina sobre a constitucionalidade do artigo 492 do CPP; analisar se o art. 492 do CPP, ao prever a execução provisória da pena no tribunal do júri é inconstitucional por violar a presunção de inocência prevista na Constituição Federal de 1988.
Para sua viabilização empregou-se como metodologia a pesquisa bibliográfica com abordagem de natureza qualitativa. O estudo encontra-se ancorado em doutrinadores como: Campos (2010), Frozi e Pessi (2020), Lopes Junior (2020) e Procópio (2020) dentre outros de igual importância. Nessa perspectiva, pretende-se responder ao seguinte questionamento: o que diz a doutrina sobre a constitucionalidade do art. 492 do CPP, uma vez que ele prevê a execução provisória da pena no tribunal popular do júri?
2 GARANTISMO NO PROCESSO PENAL
O ser humano não consegue conviver sozinho, apartado de seus parentes, vizinhos e da sociedade em geral. Essa necessidade de viver em sociedade faz com que ele seja conhecido como um animal social. Essa característica de viver em sociedade tem trazido muitos avanços para a humanidade como um todo. No entanto, também é verdade que:
[..] o homem é um animal insatisfeito, insatisfeito precisamente em relação aos que convivem com ele, e isso arranca-lhe uma série de atitudes sociais, de conflitos sociais. Esses conflitos intersubjetivos de interesses devem ser regulados pelo Direito, sob pena de colocar em risco a própria manutenção da vida em sociedade. Tal conflito vem caracterizado como uma colisão de atividades entre os diversos membros da comunidade, ou seja, como uma incompatibilidade exteriorizada entre várias atitudes dinâmicas assumidas pelas partes que dão lugar ao conflito (LOPES JÚNIOR, 2012 p. 1).
Para solucionar esses conflitos foi instituído ao longo do tempo o sistema penal, que tem em sua configuração dois que são considerados os mais relevantes no decorrer da história do processo penal, são eles: o sistema inquisitório, e o sistema acusatório.
O primeiro tem sua origem na Antiguidade, solidificando-se na Idade Média, compelido pela expansão da Igreja Católica. Teve o seu ápice na Santa Inquisição (Santo Ofício), que tinha a função de investigar e punir hereges; o segundo teve sua origem na Grécia Antiga, época em que o povo tinha participação direta no processo penal. Esse último é considerado o pilar de todos os sistemas processuais penais democráticos (GOMES, 2016, p. 1).
Observe-se que para a execução do processo penal se faz necessária a existência do direito penal, o qual pode ser definido na atualidade como “[...] o conjunto de normas jurídicas que regula o poder de punir do Estado por meio da tipificação de crimes e da cominação de penas” (MORAES; CAPOBIANCO, 2010, p. 21).
Esse instituto foi erigido como instrumento da paz social, ocorre que o Direito Penal “[...] é despido de coerção direta, não tem atuação nem realidade concreta fora do processo correspondente. Para que possa ser aplicada uma pena, não só é necessário que exista um injusto típico, mas também que exista previamente o devido processo penal” (LOPES JÚNIOR, 2012 p. 1).
Vale frisar que, essa relação intima entre direito penal e processo penal é uma evolução que busca solucionar os conflitos existentes em sociedade por meio da aplicação de uma sanção, mas que não fica limitada a ela. “Daí já se poderia suscitar o caráter instrumental do processo, já que sem ele não é possível a aplicação de uma pena, nem mesmo com o consentimento do acusado, o qual não pode se submeter voluntariamente à sanção sem a prévia manifestação judicial” (BARBOSA, 2018, p. 1). Nesse contexto, tem real importância frisar que:
A evolução do processo penal está intimamente relacionada com a evolução da pena, que por sua vez é reflexo da estrutura do Estado em um determinado período. O processo surge com o terceiro estágio de desenvolvimento da pena, agora como “pena estatal”, que vem marcada por uma limitação jurídica do poder de perseguir e punir. A pena somente pode ser imposta mediante o processo judicial e pelo Estado (LOPES JÚNIOR, 2012 p. 3).
Tendo em vista essa observação é que se deve dizer que “[...] a instrumentalidade do processo não significa que ele seja um instrumento a serviço de uma única finalidade, qual seja, a satisfação de uma pretensão (acusatória) (LOPES JÚNIOR, 2013, p. 19). Ele também serve para resguardas as garantias individuais da pessoa que se vê submetida a uma acusação. Isso é assim por que:
É inconcebível a aplicação de uma pena sem a existência de um processo penal valido, onde o Estado cumula as figuras de imputar um crime ao suposto autor, bem como a de garantir que o mesmo tenha a título de defesa todas as garantias materiais e processuais, ainda que saibamos que a relação jurídico-processual seja verticalizada (RODRIGUES, 2020, p. 1).
Nesse sentido é que surge o garantismo no processo penal, objetivando a proteção dos direitos fundamentais instituídos pela Constituição Federal (CF) brasileira de 1988, como, por exemplo, o direito à vida, liberdade, dentre outros de igual importância. Em sua atribuição garantista o processo penal tem como objetivo assegurar ao réu todos os direitos instituídos na Casta Maior.
Nesse passo, vale destacar que no devido processo penal, o contraditório, e a ampla defesa são os princípios primordiais, e que são seis os princípios básicos e norteadores do sistema garantista, sendo descritos aqui apenas cinco, ficando o princípio da presunção da inocência para ser discutido em seção própria, como segue:
Jurisdicionalidade: Não só como necessidade do processo penal, mas também em sentido amplo, como garantia orgânica da figura e do estatuto do juiz; inderrogabilidade do juízo. Separação das atividades de julgar e acusar: configura o Ministério Público como agente exclusivo da acusação, garantindo a imparcialidade do juiz e submetendo sua atuação a prévia invocação por meio da ação penal. Contradição: é um método de confrontação da prova e comprovação da verdade, fundando-se não mais sobre um juízo potestativo, mas sobre o conflito, disciplinado e ritualizado, entre partes contrapostas: a acusação e a defesa; fundamentação das decisões judiciais: Para o controle do contraditório e da racionalidade da decisão, isto é, sobre a existência de provas suficientes para derrubar a presunção de inocência (LOPES JÚNIOR, 2012, p. 4).
Como se observa da citação, os princípios elencados acima são os fundamentos norteadores do sistema garantista processual penal. Logo abaixo discute-se detidamente o princípio da presunção de inocência, que se entende ter sido violado pelo art. 492 do CPP, após sua alteração pela Lei 13.964/2019, passando a prever a execução provisória da pena no tribunal do júri, indo frontalmente de encontro ao art. 5º, LVII, da Constituição Federal brasileira de 1988.
3 O PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA
É ponto convergente o de que o termo princípio sempre leva à ideia de fase inicial ou de fundamento de algo. No que tange aos princípios jurídicos gerais do direito deve-se entender que são premissas éticas, sociais, jurídicas que influenciam na elaboração das normas jurídicas (MORAES; CAPOBIANCO, 2010).
Desse modo, é possível dizer que estes são reflexos da cultura sociojurídica de uma dada sociedade, em um determinado momento, ou do desdobramento de sua história. Além disso, que os conteúdos éticos e morais que lhe perfazem denotam valores superiores que são aceitos como fundamentos para a elaboração e instituição da legislação tornando-se mandamentos nucleares e fundamentais do sistema jurídico ao qual diz respeito (SILVA, 2003). Tem excepcional importância salientar que os princípios norteadores da norma jurídica são tão importantes que já se disse que:
Violar um princípio é muito mais grave que transgredir uma norma qualquer. A desatenção ao princípio implica ofensa não apenas a um específico mandamento obrigatório, mas a todo o sistema de comandos. É a mais grave forma de ilegalidade ou inconstitucionalidade, conforme o escalão do princípio atingido, porque representa insurgência contra todo o sistema, subversão de seus valores fundamentais, contumélia irremissível a seu arcabouço lógico e corrosão de sua estrutura mestra (MELLO, 2000, p. 478).
Conforme se observa, os princípios jurídicos devem ser respeitados porque se revestem de verdadeiros sistemas de comandos interligados que perfazem o instituto jurídico do país. A desobediência a um princípio jurídico fere toda a cadeia de comandos afetando sua juridicidade. Nesse passo, é oportuno dizer que a grande fonte da qual surgiram os princípios que fundamentam a legislação brasileira é o art. 5º da Constituição Federal de 1988, que
[...] elencou ideais básicas orientadoras de todos os ramos do direito brasileiro, tais como: preservação da vida, da dignidade da pessoa, isonomia jurídica entre os cidadãos, igualdade entre homens e mulheres, defesa da diversidade de gênero sexual e cultural, liberdade de expressão e manifestação religiosa, combate ao racismo e ao preconceito, presunção da inocência, entre outros (MORAES; CAPOBIANCO, 2010, p. 22).
Como se verifica na citação supra, dentre os princípios emanados da Constituição Federal está o princípio da presunção da inocência, o que leva ao entendimento de que não é possível realizar um estudo acerca da inconstitucionalidade do art. 492 do Código de Processo Penal (CPP), sem fazer uma abordagem sobre o princípio da presunção de inocência erigido no art. 5º, inciso LVII, da Constituição Federal brasileira de 1988.
Isso é assim porque o referido princípio traz grafado que: “Ninguém será considerado culpado até trânsito em julgado de sentença penal condenatória” (BRASIL, 1988, p. 1). Como se constata o princípio da presunção de inocência ou da não culpabilidade reflete o entendimento de que o indivíduo é importante para o Estado e a sociedade, pois a garantia ostentada no art. 5º, inciso LVII, da Constituição Federal de 1988, indica que as normas processuais serão aplicadas levando em consideração o referido princípio. Nessa linha de entendimento é possível destacar que:
A presunção de inocência é uma garantia concebida a partir do princípio da dignidade da pessoa humana e desenvolvida a partir do devido processo legal que se encontra abrigada nos principais diplomas internacionais e nas constituições de praticamente todo mundo. A partir de sua positivação pela Constituição de 1988 (art. 5º, LVII), iniciou-se um processo interpretativo dos tribunais, principalmente no Supremo Tribunal Federal – o Guardião da Constituição, no sentido de determinar a influência desta, agora, norma constitucional (BARBAGALO, 2015, p. 11).
Cumpre notar que a presunção de inocência estampada no art. 5º, inciso LVII, da Constituição Federal (CF) brasileira de 1988, não traz em sua redação o termo “inocência”, como se pode verificar em seu texto magno: “Ninguém será considerado culpado até transito em julgado de sentença penal condenatória” (BRASIL, 1988, p. 1).
Está claro que o legislador brasileiro seguiu a trilha do art. 27.2 da Constituição Italiana, que em vez do termo “ninguém” emprega “imputado” para dizer que só será condenado quando da condenação definitiva. Nesses termos, é possível dizer que quando o constituinte não colocou o termo inocência no art. 5º, inciso LVII da Constituição Federal ela não reconheceu expressamente uma presunção de inocência, mas sim apenas uma presunção de não culpabilidade (BARBAGALO, 2015).
Há entre os doutrinadores, aqueles que entendem que: “A escolha do constituinte brasileiro merece aplausos, pois, em verdade, nenhum país adota propriamente o princípio da inocência, porque isto inviabilizaria por completo o sistema processual, especialmente quanto às medidas de natureza cautelar” (SILVA JUNIOR, 2018, p. 150).
Em que pese a falta desse termo para conferir a cobertura da garantia do princípio da presunção da inocência ou não culpabilidade, o que se verifica é que o legislador pátrio instituiu a Lei 13.964/2019, cujo art. 3º determina que o artigo 492 do Código de Processo Penal (CPP) passe a vigorar com as seguintes alterações:
Art. 492 […] - I, [...] e) mandará o acusado recolher-se ou recomendá-lo-á à prisão em que se encontra, se presentes os requisitos da prisão preventiva, ou, no caso de condenação a uma pena igual ou superior a 15 (quinze) anos de reclusão, determinará a execução provisória das penas, com expedição do mandado de prisão, se for o caso, sem prejuízo do conhecimento de recursos que vierem a ser interpostos; (Redação dada pela Lei nº 13.964, de 2019) (BRASIL, 1941, p. 1).
Esse comando legal tem gerado as mais dispares discussões sobre sua constitucionalidade, uma vez que no entender de diferentes doutrinadores esse inciso fere frontalmente o princípio da presunção da inocência e não culpabilidade erigido no art. 5º, LVII, da CF/88, pois ao prever a execução provisória da pena no tribunal do júri viola a presunção de inocência prevista na Constituição Federal de 1988, o que o tona inconstitucional.
Com efeito, o referido princípio traz implícito o entendimento de caso o juiz queira ou adote providências contrárias ao acusado deve sempre ter em mente que existe a presunção de inocência. Pois como decorre desse princípio, caso o juiz pretenda autorizar qualquer decisão contrária ao acusado, ele precisa estar munido de provas indefensáveis (SILVA JUNIOR, 2018). Sendo assim, enfoca-se logo abaixo as alterações que a Lei 13.964/2019 trouxe para o Código de Processo Penal (Decreto-Lei nº 3.689/41) e que é motivo de discussões no que se refere ao princípio da presunção de inocência ou culpabilidade.
4 ALTERAÇÕES TRAZIDAS PELA LEI 13.964/2019
A lei 13.964/2019 decorre de um Projeto de Lei conhecido como Pacote Anticrime. Essa nova lei alterou o Código Penal (CP), o Código de Processo Penal (CPP), o Código de Processo Penal Militar (CPPM), a Lei dos crimes hediondos, a Lei de Execução Penal, a Lei do Crime Organizado, Lavagem de Dinheiro, além de outras de real importância para o direito brasileiro (PEREIRA, 2020).
Objeto de análise e reflexão dos mais renomados juristas do Brasil, essa lei tem sido discutida na seara jurídica tanto pelo conteúdo do seu texto legal quanto pelas consequências jurídicas que trouxe por meio das suas alterações. Nesse contexto cabe mencionar que:
O Brasil tem mais de 773 mil presos em unidades prisionais e nas carceragens das delegacias. O número de presos nas unidades carcerárias soma 758.676, a maioria, 348.371, no regime fechado, quase a metade do total de aprisionados, 45,92%. Os dados mostram um crescimento dessa população de 3,89% em relação ao apurado em 2018. Os presos provisoriamente - que ainda não foram condenados - constituem o segundo maior contingente, com 253.963, representando 33,47% do total. Os presos no semiaberto, 16,63%, somam 126.146, e os no regime aberto são 27.069, representando 3,57% do total. Já os que estão em medida de segurança ou em tratamento ambulatorial somam 3.127 pessoas. A quase totalidade dos presos é do sexo masculino, representando mais de 90%. As mulheres representam pouco mais de 8%. A maioria dos presos, 39,42%, responde por crimes relacionados às drogas, como o tráfico. Em seguida vem os presos por crimes contra o patrimônio, que respondem por 36,74% do total de crimes. Os crimes contra a pessoa somam 11,38% e os crimes contra a dignidade sexual representam 4,3% (NASCIMENTO, 2020, p. 1).
Observando os dados mencionados acima é possível frisar que a Lei 13.964/2019 atingirá todo o sistema penitenciário nacional. Isso porque ela confere ao magistrado determinar a execução da pena, independentemente de outros recursos que possam estar pendentes, caso o indivíduo seja condenado a uma pena igual ou superior a 15 anos de reclusão.
Nesses termos, vale dizer que a mudança brusca realizada na legislação pela Lei 13.964/2019 vai de encontro a um dos princípios basilares do direito penal, que é a presunção de inocência ou da não culpabilidade ostentada no art. 5º, LVII, da Carta Magna. A preocupação com a afronta desse princípio pauta-se, sobretudo, no entendimento de que a população carcerária no Brasil não é multicultural e que seus direitos se encontram violados sistematicamente, uma vez que o sistema prisional longe de ressocializar o indivíduo preso falha nessa ressocialização, sendo que muitas vezes os próprios presídios tornam-se escolas do crime (CUNHA; CHRISÓFARIO, 2012).
Tem excepcional importância salientar, que existe uma tentativa, via legislação infraconstitucional, do restabelecimento da execução provisória da pena, mediante a Lei nº 13.964/2019, que inseriu no artigo 492 do CPP, a alínea “e” no inciso I, como se verifica:
Art. 492. [...] I - no caso de condenação: [...] e) mandará o acusado recolher-se ou recomendá-lo-á à prisão em que se encontra, se presentes os requisitos da prisão preventiva, ou, no caso de condenação a uma pena igual ou superior a 15 (quinze) anos de reclusão, determinará a execução provisória das penas, com expedição do mandado de prisão, se for o caso, sem prejuízo do conhecimento de recursos que vierem a ser interpostos; (Redação dada pela Lei nº 13.964, de 2019) (BRASIL, 1941, p. 1).
Note-se que a redação da Lei nº 13.964/2019, não para por aí, uma vez que, além de inserir a alínea “e” no inciso I, também insculpiu os §§ 3º, 4º, 5º e 6º no artigo 492 do Código de Processo Penal (CPP), como é possível observar:
Art. 492 [...] § 3º O presidente poderá, excepcionalmente, deixar de autorizar a execução provisória das penas de que trata a alínea e do inciso I do caput deste artigo, se houver questão substancial cuja resolução pelo tribunal ao qual competir o julgamento possa plausivelmente levar à revisão da condenação. (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019) § 4º A apelação interposta contra decisão condenatória do Tribunal do Júri a uma pena igual ou superior a 15 (quinze) anos de reclusão não terá efeito suspensivo. § 5º Excepcionalmente, poderá o tribunal atribuir efeito suspensivo à apelação de que trata o § 4º deste artigo, quando verificado cumulativamente que o recurso: I - não tem propósito meramente protelatório; (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019); e II - levanta questão substancial e que pode resultar em absolvição, anulação da sentença, novo julgamento ou redução da pena para patamar inferior a 15 (quinze) anos de reclusão. § 6º O pedido de concessão de efeito suspensivo poderá ser feito incidentemente na apelação ou por meio de petição em separado dirigida diretamente ao relator, instruída com cópias da sentença condenatória, das razões da apelação e de prova da tempestividade, das contrarrazões e das demais peças necessárias à compreensão da controvérsia (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019) (BRASIL, 1941, p. 1).
Não há qualquer dúvida que algumas das alterações introduzidas pela Lei nº 13.964/2019, na legislação penal possui novo intento de “[...] estabelecer a execução provisória da pena, no caso, vinculada ao Tribunal do Júri” (TASSE, 2020, p. 1). Aqui vale consignar que: “A execução provisória da pena é quando o réu começa a cumprir a pena determinada na sentença, ainda que estejam tramitando recursos, como o de apelação por exemplo” (ROCHA, 2020, p. 1).
Assim, essa hipótese já foi rechaçada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no julgamento das Ações Declaratórias de Constitucionalidades (ADCs) 43,44 e 54 referentes à redação dada pela Lei nº 12.403/2011 artigo 283 do CPP. A referida lei “[...] altera dispositivos do Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941 - Código de Processo Penal, relativos à prisão processual, fiança, liberdade provisória, demais medidas cautelares, e dá outras providências” (BRASIL, 2011, p. 1). Pela redação da Lei 12.403/2011, o artigo 283 do CCP passou a ter o seguinte texto:
Art. 283. Ninguém poderá ser preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, em decorrência de prisão cautelar ou em virtude de condenação criminal transitada em julgado. (Redação dada pela Lei nº 13.964, de 2019) (Vigência) § 1 As medidas cautelares previstas neste Título não se aplicam à infração a que não for isolada, cumulativa ou alternativamente cominada pena privativa de liberdade. (Incluído pela Lei nº 12.403, de 2011). § 2 A prisão poderá ser efetuada em qualquer dia e a qualquer hora, respeitadas as restrições relativas à inviolabilidade do domicílio. (Incluído pela Lei nº 12.403, de 2011) (BRASIL, 1941, p. 1).
Cumpre destacar, que a decisão do Plenário do STF julgou procedente as ADC’s para assentar a constitucionalidade do referido artigo. Essas ações possuíam como objeto a discussão sobre a possibilidade da prisão após confirmação em segunda instância, fato que já tinha jurisprudência adotada no ano de 2016 pelo STF (SCHIMITH; MOREIRA, 2019).
Aqui cabe concordar com a decisão do STF no julgamento das ADC’s frisando que ela foi acertada ao atestar “[...] a plena compatibilidade do artigo 283 do Código de Processo Penal com o artigo 5º, LVII, da Constituição Federal, que veda a chamada execução provisória de sentença penal condenatória (ABOUDD, 2019, p. 1). Nesses termos, convém explicitar que a discussão referente às reformas trazidas pela Lei nº 13.964/2019 dizem respeito:
[...] a execução provisória da pena quando o veredicto do Tribunal do Júri for condenatório, resultando a pena fixada em tempo igual ou superior a 15 (quinze) anos. Evidente que se trata de condenação por delito grave, afinal diante de ação que colocou fim à vida humana, com particularidades que resultaram em expressivo apenamento e possibilidade grande de constituir hipótese qualificada, portanto, crime dotado de hediondez. Inobstante, a questão a ser refletida é se, mesmo diante de situação particularmente grave, está o legislador infraconstitucional autorizado a ofertar estrutura jurídica que atinja garantia constitucional, excluindo sua incidência para determinadas hipóteses (TASSE, 2020, p. 1).
Embora a lei em estudo determine a prisão automática do réu que recebe pena igual ou superior a 15 anos, durante sentença do plenário do Tribunal Popular do Júri, cabe questionar se essa prisão possui constitucionalidade ou não, uma vez que se entende que ela fere o princípio da presunção da inocência ou culpabilidade, insculpido no art. 5º, LVII, da CF/88, e que deve ser considerado cláusula pétrea. Pois de acordo com o art. 60, § 4º da Constituição Federal de 1988: “Art. 4º Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: I - a forma federativa de Estado; II - o voto direto, secreto, universal e periódico; III - a separação dos Poderes; IV - os direitos e garantias individuais” (BRASIL, 1988, p. 1).
Sendo o princípio da presunção da inocência ou culpabilidade um imperativo constitucional, resulta saber se o art. 492 do CPP, alterado pela Lei nº 13.964/2019 é constitucional, já que o mesmo prevê a execução provisória da pena no tribunal popular do júri, sem que o réu recorra aos tribunais superiores. Em vista disso, apreciasse algumas alterações trazidas pela Lei nº 13.964/2019, no CPP. Abaixo são apresentadas as alterações realizadas pela Lei 13.964/2019 no Código de Processo Penal brasileiro.
4.1 Alterações da Lei nº 13.964/2019 no Código de Processo Penal
Mais de uma vez já se disse que a Lei 13.964/2019 trouxe alterações em diversas leis. Exemplos emblemáticos são as alterações realizadas por essa lei no contexto do Código de Processo Penal (Decreto-Lei nº 3.698/41). Mais precisamente, pode-se dizer que “[...] houve extensas e diversas alterações e inclusões, nos artigos 3°-A; 3°-B; 3°-C; 3°-D; 3°-E; 3°-F; 14-A; 28; 28-A; 122; 124-A; 133; 133-A; 157; 158-A; 158-B; 158-C; 158-D; 158-E; 158-F; 282; 283; 287; 311; 313; 315; 316; 492; 564; 581; 638” (CARVALHO, 2019, p. 1).
Como se verifica, as mudanças dadas pela mencionada envolvem: o juízo de garantias, o inquérito policial, a ação penal, as provas, a cadeia de custódia, a prisão, medidas cautelares e liberdade provisória, a prisão em flagrante, além dos procedimentos relativos ao processo da competência do tribunal do júri, nulidades e recursos (em sentido estrito e extraordinário). (FROZI; PESSI, 2020).
Vale destacar, que uma das alterações relevantes ocorridas no contexto do Código de Processo Penal (CPP) se deu em relação ao inquérito policial (Art. 14-A), pois a partir dessa reforma: “Agentes públicos investigados em inquéritos policiais por fatos relacionados ao uso da força letal praticados no exercício profissional poderão constituir defensor” (CARVALHO, 2019, p. 1). Aprofundando-se no assunto, revela induvidosa matéria que essa alteração inova no direito processual penal, uma vez que traz:
[...] a possibilidade de defesa e citação do agente policial que tenha feito uso de força letal no exercício da sua função. Caso em terá agilizada e facilitada suas alegações de ato praticado em legítima defesa, exercício regular de um direito, ou outra causa excludente de ilicitude, quando o investigado deverá ser citado da instauração do procedimento investigatório, podendo constituir defensor no prazo de até 48 (quarenta e oito) horas a contar do recebimento da citação (FROZI; PESSI, 2020, p. 1)
Com essa nova feição o art. 14-A do CPP abre precedentes para a defesa do policial que age de modo letal em situação envolvendo o exercício de sua profissão. A Lei 13.964/2019 também promoveu mudanças relacionadas a não persecução penal, inserindo o art. 28-A. Não há qualquer dúvida que esse acordo já era contemplado no ordenamento jurídico pátrio:
[...] a partir da Resolução 181/2017 do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP). No entanto, o tema era mitigado, isso porque, por um lado, entendia-se que apenas mediante lei seria possível a inclusão desse mecanismo de acordo, pois ele relativiza o princípio da obrigatoriedade da ação penal previsto no artigo 24 do CPP. Questionava-se, ainda, a competência do CNMP em editar norma jurídica de caráter abstrato, equivalente à lei. Por outro lado, entendia-se que o dispositivo era constitucional, com escopo no entendimento do STF que reconheceu que os Conselhos Nacionais do Ministério Público e da Justiça podem elaborar normas jurídicas primárias, cuja fonte imediata é a Constituição, uma vez que a Carta Magna os autorizaria a tanto (FERNANDES, 2020, p. 1).
Desse modo, ao ser insculpido o art. 28-A, pela Lei 13.964/2019, o legislador brasileiro denotou que a persecução penal nesses moldes pode ser interpretada como um “[...] mecanismo consensual, em que o imputado se conforma com a imposição de sanção (não privativa de liberdade) em troca de eventual benefício, como redução da pena e a não configuração de maus antecedentes” (VASCONCELLOS, 2019, p. 4).
Cabe adicionar, o entendimento de que “[...] preenchidos os requisitos legais - se trata de um Direito Público subjetivo do imputado, mas há divergência no sentido de ser um "poder do Ministério Público" e não um Direito do imputado” (LOPES JUNIOR, 2020, p. 221). Segue-se nessa trilha de entendimento, sustentando que esse acordo se configura como uma forma de dar uma solução à lide sem que seja dado andamento ao processo, no intuito de desafogar o judiciário (FROZI; PESSI, 2020).
Outra inovação trazida pela Lei 13.964/2019 trata-se da denominada cadeia de custódia, grafada no art. 158-A do CPP, como se verifica in verbis:
Art. 158-A. Considera-se cadeia de custódia o conjunto de todos os procedimentos utilizados para manter e documentar a história cronológica do vestígio coletado em locais ou em vítimas de crimes, para rastrear sua posse e manuseio a partir de seu reconhecimento até o descarte. § 1º O início da cadeia de custódia dá-se com a preservação do local de crime ou com procedimentos policiais ou periciais nos quais seja detectada a existência de vestígio. § 2º O agente público que reconhecer um elemento como de potencial interesse para a produção da prova pericial fica responsável por sua preservação. § 3º Vestígio é todo objeto ou material bruto, visível ou latente, constatado ou recolhido, que se relaciona à infração penal (BRASIL, 1941, p. 1)
Infere-se desse artigo que a cadeia de custódia é um conjunto de procedimentos que envolve a história cronológica do vestígio coletado em locais ou vítimas visando rastrear todos os ventos ocorridos até seu descarte. Em outras palavras “[...] O início da cadeia de custódia dá-se com a preservação do local de crime ou com procedimentos policiais ou periciais nos quais sejam detectadas a existência de vestígio” (FROZI; PESSI, 2020, p. 1).
Outra reforma pertinente feita pela Lei 13.964/2019 é aquela realizada no art. 492 do CCP, mais precisamente o inciso I, alínea “e” referente à execução provisória da pena ao condenado a 15 ou mais anos em sede do tribunal popular do júri que tem a sua prisão realizada de forma imediata e compulsória:
Art. 492. Em seguida, o presidente proferirá sentença que: I – no caso de condenação: e) mandará o acusado recolher-se ou recomendá-lo-á à prisão em que se encontra, se presentes os requisitos da prisão preventiva, ou, no caso de condenação a uma pena igual ou superior a 15 (quinze) anos de reclusão, determinará a execução provisória das penas, com expedição do mandado de prisão, se for o caso, sem prejuízo do conhecimento de recursos que vierem a ser interpostos (BRASIL, 1941, p. 1).
Antes da alteração desse artigo realizada pela Lei nº 13.964/2019 “[...] o réu poderia ser preso após o a condenação do Tribunal do júri, mesmo estando pendente de recurso, caso estivessem presentes os requisitos da prisão preventiva, aqueles presentes nos artigos 312-313 do Código de Processo Penal” (ROCHA, 2020, p. 1). Porém, a nova redação do art. 492 tem trazido acaloradas discussões sobre sua constitucionalidade ou não, uma vez que parece não respeitar o princípio da presunção de inocência insculpido no art. 5º, LVII, da Constituição federal brasileira de 1988.
5 INCONSTITUCIONALIDADE DO ARTIGO 492 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL
Como já dito, o Código de Processo Penal sofreu alterações pela Lei 13.964/2019, sobretudo, em seu art. 492. Ocorre que existe a discussão na doutrina se essa alteração realizada no CPP, mais precisamente no inciso I, alínea “e” do art. 492 é inconstitucional, já que prevê a execução provisória da pena no Tribunal Popular do Júri, em detrimento do princípio da presunção de inocência ou culpabilidade.
Quando se fala em inconstitucionalidade se está fazendo referência à legislação que não se subsume aos princípios constitucionais. Por isso se dizer que “[...] a inconstitucionalidade é um estado – estado de conflito entre uma lei e a Constituição” (BITTENCOURT, 1997, p. 38).
A matéria da inconstitucionalidade ou não do referido artigo ao prever a execução provisória da pena no tribunal do júri é inconstitucional por violar a presunção de inocência prevista na Constituição Federal de 1988, promoveu a existência de duas correntes doutrinárias opostas. A primeira defende a constitucionalidade do art. 492 do CPP, é representada por Renato B. de Lima, Leonardo Carvalho, Adel Tasse, e se encontra fundada na convicção da soberania dos veredictos, que basicamente estabelece que o julgamento realizado pelo júri tem proteção constitucional e soberania. Essa corrente encontrou lugar em dois precedentes aqui expostos:
Em um dos casos concretos, o cidadão teria sido condenado pelo Tribunal do Júri a uma pena de doze anos, cinco meses e dez dias de reclusão, em regime inicial fechado, pela tentativa de homicídio qualificado. O Conselho de Sentença, porém, o absolveu da imputação do delito de homicídio consumado. Em sede de apelação, o tribunal de justiça afastou a redução de 2/3 da pena e estabeleceu o patamar de 1/3 para cada uma das condenações, fixando a pena definitiva em dezenove anos, cinco meses e dez dias de reclusão. Determinou a realização de novo júri no tocante à absolvição do crime de homicídio, bem como o início da execução provisória da pena. A Turma asseverou que as decisões do tribunal do júri são soberanas. Por isso, o tribunal de justiça poderia, eventualmente, anulá-las, mas jamais substituí-las (LIMA, 2020, p. 54).
Como se verifica acima há um exemplo de precedentes, no qual se assegura a soberania das decisões em sede de tribunal do júri, inclusive da prisão provisória. Continuando sua interpretação sobre o tema, esse doutrinador adiciona que:
Na dicção do Ministro Barroso, “A presunção de inocência é princípio (e não regra) e, como tal, pode ser aplicada com maior ou menor intensidade, quando ponderada com outros princípios ou bens jurídicos constitucionais colidentes. No caso específico da condenação pelo Tribunal do Júri, na medida em que a responsabilidade penal do réu já foi assentada soberanamente pelo Júri, e o Tribunal não pode substituir-se aos jurados na apreciação de fatos e provas (CF/88, art. 5º, XXXVIII, c), o princípio da presunção de inocência adquire menor peso ao ser ponderado com o interesse constitucional na efetividade da lei penal, em prol dos bens jurídicos que ela visa resguardar (CF/88, art. 5º, caput e LXXVIII e 144). Assim, uma interpretação que interdite a prisão como consequência da condenação pelo Tribunal do Júri representa proteção insatisfatória de direitos fundamentais, como a vida, a dignidade humana e a integridade física e moral das pessoas” (LIMA, 2020, p. 54).
Nesse passo, observa-se que o entendimento da corrente doutrinária a favor da inconstitucionalidade do art. 492 do CPP enxerga que a constitucionalidade da execução provisória da pena, portanto, é pautado na premissa de que não há uma anulação do julgamento que o júri decidiu, mas:
[...] no máximo, com base no CPP, art. 593, inciso III, “a” e “d”), trazer a determinação de que aconteça um: novo julgamento por outro corpo de jurados, seja na hipótese de nulidade posterior à pronúncia, seja, por uma única vez, no caso de a decisão dos jurados ser manifestamente contrária à prova dos autos (LIMA, 2020, p.1539).
Por sua vez, a corrente doutrinária oposta, isto é, que defende a inconstitucionalidade do art. 492 do CPP, devido a violação do princípio da presunção de inocência é representada por doutrinadores como Aury Lopes Junior, Alexandre Rosa, Wagner Frozi e Josian Pessi. Vale dizer, que essa corrente compreende que a inconstitucionalidade do referido artigo é clara, e chega a esse entendimento devido ao fato de que, ao ferir a presunção da inocência, a execução provisória da pena toma um caminho errôneo, trazendo prejuízos irreparáveis ao réu, ainda que existam exceções à regra que traz o art. 492 do CPP.
Observe-se que com as alterações trazidas pela Lei 13.964/2019, ao art. 492 do CCP, verifica-se que ela promove uma forma de execução da pena com início em pleno tribunal do júri nos casos específicos elencados na alínea “e”, inciso I, desse instituto jurídico. Note-se como exemplo, o seguinte caso:
Quando a condenação for por crime doloso contra a vida, a pena será de 15 anos ou mais, no entanto, mesmo tendo respondido a todo o processo em liberdade, o condenado deve ser preso em plenário do Tribunal do Júri, iniciando imediatamente o cumprimento da pena (art. 492, I, “e”, do CPP) (CAMPOS, 2020, p. 01).
Como se verifica, na citação acima ao condenado no tribunal popular do júri, em pena igual ou maior a 15 anos não cabe recorrer em liberdade, devendo ser recolhido instantaneamente ao presídio. Esse exemplo é emblemático porque já aqui se verifica o erro do legislador e sua violação ao princípio da presunção de inocência ou culpabilidade (art. 5º, LVII, CF/88), na medida em que trata o réu como culpado, executando antecipadamente sua pena, sem respeitar o marco constitucional do trânsito em julgado (LOPES JUNIOR; ROSA, 2020, p. 1).
Em evidente inconstitucionalidade a premissa em que se baseia o art. 492, I, “e” é a de que, “[...] embora ainda possam vir recursos a integrar o processo, os mesmos não terão, por via de regra, um efeito suspensivo” (FROZI; PESSI, 2020, p. 3). Na esteira da inconstitucionalidade do art. 492, I, “e” e de sua violação do princípio da presunção de inocência, menciona-se também que “[...] só fato de o réu sofrer uma condenação mais ou menos grave não o faz mais ou menos culpado, já que a culpabilidade tem a ver com a prova produzida nos autos e com os critérios de valoração da prova, não com o quanto de pena aplicado” (QUEIROZ, 2020, p. 1). Cumpre notar que no art. 492 do CPP, modificado pela Lei 13.964/2019, se está falando do Tribunal Popular do Júri, que:
[...] é o órgão julgador composto por sete juízes leigos (jurados) que decidirão sobre a conduta de um réu que supostamente tenha cometido os conhecidos crimes contra a vida, homicídio, infanticídio, instigação, induzimento ou auxílio ao suicídio, e aborto. Caso alguém seja suspeito de cometer algum desses crimes, e na fase de acusação tenha indícios suficientes de autoria, e materialidade será pronunciado ao Tribunal do Júri e será julgado por essas pessoas escolhidas na comunidade e não por um juiz (ROCHA, 2020, p. 1).
Em se tratando de inconstitucionalidade do art. 492 do CPP, por se entender que fere o princípio da presunção de inocência, cabe dizer que “[...] a soberania dos jurados não é um argumento válido para justificar a execução antecipada, pois é um atributo que não serve como legitimador de prisão, mas sim como garantia de independência dos jurados (LOPES JUNIOR; ROSA, 2020, p. 1).
Analisando as exceções à regra ostentadas do 3º ao 6º §§ no art. 492, chega-se ao entendimento de que elas não são suficientes para demonstrar a legitimidade da execução provisória e, por isso, esse artigo é inconstitucional, já que não respeita o princípio da presunção de inocência.
Note-se que as exceções à execução provisória em sede de tribunal do júri ocorrem nos casos em que o juiz presidente do júri constatar uma questão de maior importância, como nulidade do julgamento advindo do tribunal do júri, ou tendo sido concedido pelo desembargador-relator efeito suspensivo na apelação promovida pela defesa (PESSI; FROZI, 2020). Aprofundando-se no assunto, cabe mencionar que a visão do absolutismo da soberania dos vereditos do tribunal do júri não encontra lugar num estado democrático de direito, pois ostenta valor meramente relativo, defluindo daí que as decisões emitidas pelo do Conselho de Sentença não devem ser motivos para que defenda a prisão provisória prevista na alínea “e”, inciso I, do art. 492 do CPP, já que esse órgão não é intangível e sua decisão pode muito bem ser cassada pelo Juízo ad quem.
Mesmo sabendo a inconstitucionalidade do referido artigo ainda não foi pacificada, e que há correntes doutrinárias divergentes sobre sua constitucionalidade ou não, segue-se o entendimento de que esse artigo é inconstitucional, uma vez que prevê a execução provisória da pena no Tribunal Popular do Júri, violando frontalmente o princípio da presunção de inocência ou culpabilidade. Ainda que existam argumentos de sua constitucionalidade em razão do princípio da soberania dos vereditos, elencado no art. 5º, XXXVIII, alínea “c”, da Constituição Federal; e no art. 593, III, alínea “d”, e § 3º, do CPP.
6 CONCLUSÃO
Esse trabalho realizou um estudo na doutrina e legislação brasileira sobre a constitucionalidade do art. 492 do CPP, uma vez que o mesmo prevê a execução provisória da pena no Tribunal Popular do Júri, que vai de encontro ao princípio da presunção de inocência ou culpabilidade, ostentada na Constituição Federal DE 1988 em seu art. 5º, inciso LVII.
Constatou-se na literatura pesquisada que esse princípio reflete o entendimento de que o indivíduo é importante para o Estado e a sociedade, uma vez que existe essa previsão constitucional. Constou-se na literatura investigada que a Lei 13.964/2019, a qual fez alterações no art. 492 do Código de Processo Penal (CPP), também fez alterações em outros mecanismos jurídicos, como a Lei dos crimes hediondos, a Lei de Execução Penal, a Lei do Crime Organizado, Lavagem de Dinheiro, além de outras de real importância para o direito brasileiro. Os dados levantados na literatura demonstraram que existem correntes doutrinárias contra e a favor da constitucionalidade do art. 492 do CPP, em especial da aliena “e” do inciso I, e que há os defensores da constitucionalidade desse artigo fundamentando-se princípio da soberania dos vereditos, insculpido no art. 5º, XXXVIII, alínea “c”, da Constituição Federal; e art. 593, III, alínea “d”, e § 3º, do CPP.
Esses resultados permitiram concluir que a doutrina majoritária entende que o art. 492 do CPP, alterado pela Lei 13.964/2019, é inconstitucional porque promove uma forma de execução da pena com início em pleno tribunal do júri nos casos específicos elencados na alínea “e”, inciso I, afrontando diretamente o princípio da presunção de inocência, previsto no art. 5º, LVII, da Constituição Federal de 1988.
Diante dessa conclusão, cabe sugerir que a provocação ao Supremo Tribunal Federal (STF) para que sane a questão da inconstitucionalidade desse artigo, no que se refere à execução provisória da pena.
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[1] Graduanda do Curso de Direito pelo Centro Universitário Santo Agostinho-UNIFISA. E-mail: [email protected]
[2] Prof. Me. Orientador de Trabalho de Conclusão do Curso de Direito do Centro Universitário Santo Agostinho-UNIFSA. E-mail: [email protected]
Bacharelanda do Curso de Direito do Centro Universitário Santo Agostinho.
Por: Gabrielle Malaquias Rocha
Por: BRUNA RAFAELI ARMANDO
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