RESUMO: O presente artigo tem como principal objetivo uma minuciosa análise acerca do crime de maus-tratos aos animais domésticos, o qual também será discutido sobre a atual proteção jurídica dos animais à luz da legislação protetiva, do âmbito do Direito Constitucional, Penal e do Direito Animal, realizando uma análise e breve considerações sobre as leis existentes. Ademais, com base nessa análise será abordado sobre a eficácia da lei de proteção aos animais e a urgente necessidade de uma mudança de paradigmas com relação a esses seres vivos, para que sua proteção dentro do nosso ordenamento jurídico possa surtir maiores efeitos, já que não é de hoje que a proteção jurídica dos animais domésticos vem sendo violada. Por fim, pode-se afirmar que este tema revela-se de grande importância, pois, como será demonstrado os animais também são passíveis de direitos e merecem tanto respeito quanto o próprio homem.
PALAVRAS-CHAVE:Direito dos Animais. Animais Domésticos. Lei. Maus Tratos.
ABSTRACT: The main objective of this article is a thorough analysis of the crime of mistreatment of domestic animals, which will also be discussed on the current legal protection of animals in the light of protective legislation, the scope of Constitutional, Criminal and Animal Law , carrying out an analysis and brief considerations on the existing laws. Furthermore, based on this analysis, the effectiveness of the animal protection law and the urgent need for a paradigm shift in relation to these living beings will be addressed, so that their protection within our legal system can have greater effects, since it does not it is today that the legal protection of domestic animals has been violated. Finally, it can be said that this topic proves to be of great importance, because, as will be demonstrated, animals are also subject to rights and deserve as much respect as man himself.
KEYWORDS: Animal Rights. Domestic animals. Law. Mistreatment.
INTRODUÇÃO
Atualmente, não é raro as pessoas tomarem conhecimento ou até mesmo presenciarem a prática de maus-tratos contra animais domésticos, e, na maioria das vezes por receio, medo ou até mesmo por falta de direcionamento e conhecimento acabam deixando de comunicar essa prática ilícita às autoridades competentes.
Todavia, como é de conhecimento de todos os animais não possuem meios de se defender, nem tampouco de procurar os seus direitos. Sendo realmente necessário o empenho da sociedade para lutar contra a prática ilícita dos maus tratos e tortura contra os animais, a fim de que sejam evitados a prática desses atos inaceitáveis.
Insta ressaltar, que apesar dos animais não serem detentores da nossa racionalidade humana, segundo diversos estudos científicos, eles possuem capacidade de sentir e certo grau de cognição, o que os torna passíveis de dor e sofrimento. O que por si só demonstra que os animais merecem ser tutelados pela nossa legislação pátria, devendo ter seus direitos e dignidade garantidos na forma da lei.
Desta forma, o primeiro item do artigo em apreço abordará sobre o conceito de animais domésticos, aprofundando ainda sobre o direito dos animais sob a ótica da nossa Constituição Federal de 1988.
Já no segundo item será devidamente analisado e minuciosamente explanado sobre o crime de maus tratos contra animais domésticos, o qual também será demonstrado algumas espécies de práticas ilicitas que são consideradas como maus tratos e tortura aos animais domésticos, e ainda a sua punibilidade.
No terceiro item será demonstrado a legislação vigente acerca de crimes praticados contra animais, não deixando de abordar e pontuar sobre a entrada em vigor da novíssima Lei n. 14.064/20 de 29 de setembro de 2020 denominada de “Lei Sansão”, o qual será discutido acerca de quais possíveis os benefícios trará a referida lei aos animais domésticos, não deixando de explanar sobre o projeto de lei complementar n. 27/2018 que versa sobre a natureza jurídica dos animais não humanos.
O quarto item trata de uma breve discussão acerca da ineficácia da lei de proteção aos animais como um todo. Por fim, o tema do presente artigo justifica-se devido à sua importância e a real necessidade de existir uma legislação completa e eficaz no que se refere ao crime de maus tratos aos animais domesticados, que ainda nos dias de hoje são praticados de forma reiterada por boa parte da nossa população, como será demonstrado ao longo deste trabalho.
1 ANIMAIS DOMÉSTICOS
1.1. Conceituação de Animal Doméstico
Inicialmente é de suma importância destacar que animais domésticos são aqueles que possuem características apropriadas para a convivência com os seres humanos. Com o passar do tempo, foram sendo domesticados pelos seres humanos e se acostumaram a viver em casas e apartamentos. Em alguns casos, chegam a ser comparados a membros da família, por haver um vínculo afetivo entre o animal e seu dono.
De acordo com o inciso III, do art. 2º, da Portaria Ibama n. 93, de 07 de julho de 1998, animais domésticos são:
III - Fauna Doméstica: Todos aqueles animais que através de processos tradicionais e sistematizados de manejo e/ou melhoramento zootécnico tornaram-se domésticas, apresentando características biológicas e comportamentais em estreita dependência do homem, podendo apresentar fenótipo variável, diferente da espécie silvestre que os originou.
Ao falarmos em animais domésticos, pensamos que este conceito se restringe apenas a cães, gatos, pássaros ou peixes, entretanto, ovelhas, cavalos, galinhas, vacas, entre outras espécies, também fazem parte deste grupo de animas domésticos.
O que pode inclusive ser observado através da lista completa dos animais considerados domésticos para fins de operacionalização do IBAMA, é aquela constante do Anexo I da Portaria Ibama n. 93/1998, e inclui espécies não tão comuns no dia a dia como as citadas acima.
No entanto, as espécies que têm maior convívio com os donos, as que convivem no seio familiar, e possuem maior vínculo afetivo são os cães, gatos e peixes.
Em todos os casos citados acima, pode se observar que, além de desempenhar uma função especifica no lar, ou vida dos donos, os animais de companhia fazem parte de suas rotinas, e desta forma, é de se esperar que ambos criem laços afetivos respectivamente.
1.2 Direito dos animais e a Constituição Federal de 1988
Inicialmente, é necessário esclarecer que o presente estudo não visa realizar uma análise minuciosa da constituição federal, e sim discutir e evidenciar a evolução da importância da proteção ambiental, e, consequentemente, da proteção dos animais, dentro do nosso ordenamento jurídico pátrio. Ressalta-se ainda, que devido ao processo de evolução das necessidades da nossa sociedade, a consciência ambiental, protegida atualmente pelo texto constitucional, foi resultado de uma gradativa construção social, e que, ainda nos dias de hoje, se encontra em fase de aprimoramento.
Registre-se ainda, que a tutela constitucional do meio ambiente no Brasil, teve seu marco inaugural com a Constituição Federal de 1988. Aliás, segundo os ensinamentos de Paulo Affonso Leme Machado (2014, p. 147), esta é “a primeira Constituição brasileira em que a expressão “meio ambiente” é mencionada”.
Aliás, é válido mencionar que o tema meio ambiente encontra-se disposto na Constituição Federal de 1988 em seu artigo 225 e seus parágrafos, que encerra o Capítulo VI, inserido no Título VIII, que trata da Ordem Social. No entanto, segundo afirma Machado (2014, p. 147) “as disposições acerca do meio ambiente permeiam todo o texto constitucional, estando inseridas em vário títulos e capítulos”.
Assim, a Constituição Federal de 1988, prevê em seu artigo 225, §1º, inciso VII o seguinte:
Artigo 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao poder público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.
§1º- Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao poder público:
VII- proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais à crueldade.
Por outro lado, apesar de trazer essa proteção valiosa, o caput do referente artigo solidifica um posicionamento antropocêntrico, no qual ratifica o homem como centro do benefício dessa proteção, sendo o meio ambiente de todos, erga omnes, e devendo este ser protegido e cuidado a fim de ser usufruído ser pelo ser humano no presente e por suas futuras gerações, para uma plena e digna existência dos mesmos, tipificando um direito de terceira geração ou novíssima dimensão, como afirma Medeiros (2013, p. 49 e 50).
No que se refere a tutela constitucional dos animais, é importante destacar o posicionamento doutrinário de Fernanda Luiza Fontoura de Medeiros, Jayme Weingartner Neto e Selma Rodrigues Petterle (2017, p. 85):
A Constituição brasileira de 1988 foi vanguardista ao estabelecer um capítulo especifico à proteção do ambiente e avançou, ainda mais, ao estabelecer uma corajosa proteção aos animais pois, pela primeira vez,foi reconhecida constitucionalmente uma norma de proteção à vida dos animais. Além disso, para além do fato de proteger a vida, se buscou, simplesmente, garantir a vedação de maus tratos e a vedação à crueldade.
Sendo assim, podemos observar com clareza que a nossa Constituição Federal de 1988 dispõe sobre a proteção dos animais contra, quais sejam: os maus tratos e contra o seu abandono. Existem várias leis para coibir tais condutas, mas, ainda assim, os crimes não param de crescer e os animais ficam cada vez mais vulneráveis. Não bastam só as Leis para evitar tais crimes, pois não são satisfatórias; é necessário a conscientização, sendo está a melhor forma para diminuir a prática de tais delitos.
Seguindo essa mesma linha de raciocínio o doutrinador Celso Antônio Pacheco Fiorillo (2012, p. 16) afirma que: “a tutela constitucional ambiental preocupa-se com a vida, em todas as suas formas ou manifestações”.
Portanto, conclui-se que independentemente de repartição de competências, incumbe ao Estado a tutela dos animais, sem distinções em razão de sua função ecológica, sendo-lhes garantida proteção jurídico-constitucional.
2 CRIMES DE MAUS TRATOS E TORTURAS AOS ANIMAIS
Para que possamos melhor entender sobre a temática abordada, se faz necessário expor o conceito de maus tratos, que segundo os ensinamentos de Delabary (2012, p. 835), “entende-se por maus tratos o ato de submeter alguém a tratamento cruel, trabalhos forçados e/ou privação de alimentos ou cuidados. No que diz respeito aos animais, a variedade de maus tratos vai bem além dessa definição. É importante saber que maltratar animais é crime”.
Isto é, trata-se de uma prática covarde, antissocial, abominável e perfeitamente passível de punição quem comete maus-tratos e crueldade contra animais domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos. E essas agressões praticadas pelo ser humano contra os animais podem ocorrer de diversas formas.
Apesar de ser um ato lamentável e extremamente triste, o fato é que os maus tratos aos animais domésticos ainda existem e em grande proporção no nosso país, e como exemplo podemos destacar como uma das principais ocorrências de maus tratos, o abandono de animais de estimação. Dentre as causas para tal abandono, à doutrinadora Elga Helena de Paula Almeida (2014, p. 22) destaca as seguintes circunstâncias:
Quando o animal, por ser muito novo e ainda não adestrado faz bagunças pela casa, ou brinca o tempo todo, e algumas pessoas não tem paciência e os largam nas ruas; quando se tornam adultos e os donos simplesmente perdem o interesse e o abandonam; ou quando ficam velhos demais e incapacitados para o trabalho forçado a que eram submetidos, e como não servem mais para satisfazer as necessidades de seus donos, são soltos na rua ou nas estradas.
Seguindo essa mesma linha de raciocínio Custódio (1997, p. 61) dispõe que:
A crueldade contra animais é toda ação ou omissão, dolosa ou culposa (ato ilícito), em locais públicos ou privados, mediante matança cruel pela caça abusiva, por desmatamentos ou incêndios criminosos, por poluição ambiental, mediante dolorosas experiências diversas (didáticas, científicas, laboratoriais, genéticas, mecânicas, tecnológicas, dentre outras), amargurantes práticas diversas (econômicas, sociais, populares, esportivas como tiro ao voo, tiro ao alvo, de trabalhos excessivos ou forçados além dos limites normais, de prisões, cativeiros ou transportes em condições desumanas, de abandono em condições enfermas, mutiladas, sedentas, famintas, cegas ou extenuantes, de espetáculos violentos como lutas entre animais até a exaustão ou morte, touradas, farra de boi, ou similares), abates atrozes, castigos violentos e tiranos, adestramentos por meios e instrumentos torturantes para fins domésticos, agrícolas ou para exposições, ou quaisquer outras condutas impiedosas resultantes em maus tratos contra animais vivos, submetidos a injustificáveis e inadmissíveis angústias, dores, torturas, dentre outros atrozes sofrimentos causadores de danosas lesões corporais, de invalidez, de excessiva fadiga ou de exaustão até a morte desumana da indefesa vítima animal.
Segundo esclareceu o ministro Ricardo Lewandowski (2011, p. 326) o crime de maus tratos contra os animais é uma prática inaceitável, vejamos:
Proibiram-se agora as touradas em Barcelona. A Europa está preocupada com o tratamento desumano, cruel e degradante que se dá aos animais domésticos, sobretudo nos abatedouros e também nos criadouros. Por quê? Porque está em jogo exatamente esse princípio básico da dignidade da pessoa humana. Quando se trata cruelmente ou deforma degradante um animal, na verdade está se ofendendo o próprio cerne da dignidade humana.
Ademais, é de suma importancia salientar que a maior parte dos crimes contra animais domésticos nem sequer chega ao conhecimento das autoridades competentes, seja em razão ao medo de denunciar, ou por ignorância de grande parte da população que considera tal fato como “normal”, ou até mesmo por desconhecerem os corretos procedimentos e a legislação.
Importante ainda frisar, que muitos são os atos de violência, maus tratos e tortura praticados contra os animais domésticos. A exemplo podemos apontar, os seguintes:
a) Bater, maltratar ou machucar animais domésticos, a exemplo: chutar o animal, jogar água quente, manter o animal preso dias e dias com fome, ou exposto a sol e chuva;
b) Outra prática também considerada como uma espécie de maus tratos é a Rinha que nada mais é que a “famosa” briga de galos, passarinhos, cachorros que são levados a um confronto proposital, deixando-os feridos ou cegos, podendo até matá-los.
c) A Farra do boi: que é uma prática brasileira, portuguesa e espanhola que consiste em submeter o animal a fobia pública, soltando-o no meio de uma multidão, que o persegue e o machuca, durante o trajeto, para depois ser sacrificado. A farra do boi, em nosso país, é uma adaptação da tourada à corda dos Açores (Portugal), que acontece durante a semana santa e consiste em amarrar um touro a uma corda, sem qualquer tortura contra o animal, que, em regra, desvencilha-se das amarras e corre enfurecido pelas ruas, seguido da população em festa. O sacrifício de bois na sexta feira tem o sentido simbólico de transformá-los em portadores dos pecados humanos. A farra do boi em Santa Catarina se dá durante o ano todo se caracteriza pela tortura animal.
d) O envenenamento, chibatadas, açoites, mutilação, enforcamento, queimaduras, abandono, encarceramento em ambiente sem higiene ou de dimensões inadequadas, entre diversas outras práticas ilicitas.
Segundo afirma Delabary (2012, p. 837), “muitos praticam maus-tratos sem perceber que o fazem, pois quando um animal fica preso, sem água e alimento ou se fica debaixo do sol ininterruptamente, isso também é considerado crime e deve ser denunciado e punido. Outra prática recorrente de maus-tratos é a eutanásia, quando existe tratamento para o animal”.
De outra forma, cumpre esclarecer que a Lei de Crimes Ambientais foi criada para regulamentar a disposição do artigo 225, §3º da Constituição Federal, o qual passou a prever uma série de sanções penais e administrativas para aqueles que praticarem atos lesivos ao meio ambiente.
Com o passar dos anos e o consequente avanço da sociedade, o uso indiscriminado e lesivo dos animais domésticos, sempre utilizados para diversos fins, fez com que estes se tornassem vítimasde crueldades, maus tratos, abandonos por parte do ser humano.
Nas palavras de Xavier, (2013, p. 1602) os animais tornaram-se, ao longo dos anos, vítimas silenciosas da violência perpetrada pelos seres humanos, que lhes impingem sofrimento desnecessário, através de maus-tratos, abate indiscriminado, exploração do trabalho, utilização dos produtos de origem animal e uso em experimentos de caráter científico em laboratórios. O modo como são tratados os animais contrasta com o nível de inteligência da sociedade pós-moderna, que se proclama uma civilização avançada, a ter por parâmetro seu progresso intelectual, moral, social e tecnológico.
Portanto, é cristalino que houve uma notória regressão do ser humano no que diz respeito aos animais domésticos, o que além de tratar-se de uma prática ilícita também pode ser considerado uma prática covarde, pois, os animais não possuem capacidade de defesa perante o homem, precisando deste para que possa ser preservado e cuidado.
3 A LEGISLAÇÃO ACERCA DE CRIMES PRATICADOS CONTRA ANIMAIS
Verifica-se que no Brasil, a primeira norma que abordou a cerca da proteção aos animais foi o Decreto n. 16.590/1924. Este decreto coibia as corridas de touros, rinhas de galos e de canários, e outras atividades que pudessem causar sofrimento aos animais.
Durante o governo de Getúlio Vargas, o Decreto 24.645/1934, estabeleceu determinadas medidas de proteção aos animais, e especificou algumas espécies de maus tratos aos animais, que por sua vez foram disciplinados pelo Decreto-Lei nº 3.688, de 3 de outubro de 1941 (Lei das contravenções penais) que em seu artigo 64, estabeleceu as seguintes condutas:
Art. 64. Tratar animal com crueldade ou submetê-lo a trabalho excessivo:
Pena – prisão simples, de dez dias a um mês, ou multa, de cem a quinhentos mil réis.
§ 1º Na mesma pena incorre aquele que, embora para fins didáticos ou científicos, realiza em lugar público ou exposto ao público, experiência dolorosa ou cruel em animal vivo.
§ 2º Aplica-se a pena com aumento de metade, se o animal é submetido a trabalho excessivo ou tratado com crueldade, em exibição ou espetáculo público
Importante salientar que no decorrer do tempo, também houveram outros Decretos e Leis que tinham como finalidade a real proteção do animal, sendo alguns destes: o Decreto-Lei n. 221/1967 (Código de Pesca); Lei n. 5.197/1967 (Lei de Proteção a Fauna); Lei n. 6.638/1979 (Lei da Vivissecção); Lei nº 7.173/1983 (que dispõe sobre o estabelecimento e funcionamento de jardins zoológicos); Lei nº 7.643/1987 (proíbe a pesca de cetáceo nas águas jurisdicionais brasileiras, e dá outras providências).
Já a nossa Constituição Federal de 1988, trouxe a tutela constitucional aos animais, o qual encontra-se dispostoem seu artigo 225, §1º, inciso VII, da seguinte forma:
Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.
§ 1º Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público:
[...]
VII - proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade.
Neste contexto, Ferreira (2014, p. 32) destaca que: “a proteção dos animais não humanos é corolário da chamada proteção ecológica, ou seja, derivada da noção de preservação do meio ambiente como um todo, pela importância que cada ser vivo representa para o bem-estar e o equilíbrio ambiental”. Quer dizer, a edição da norma constitucional que passou a vedar à crueldade trouxe para o nosso ordenamento jurídico a importante discussão acerca do respeito devido aos direitos fundamentais titularizados pelos animais, como a vida, a integridade física e a liberdade.
Já segundo os ensinamentos de Santana (2006, p. 149): “com o advento da Constituição de 1988, o status jurídicos dos animais muda, já que a partir deste momento, eles deixam de ser propriedade do Estado ou bem particular, para serem considerados, nos termos do artigo 225, caput, da Constituição Federal de 1988, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida”.
No que se refere à legislação infraconstitucional, se faz importante mencionar a Lei n. 9.605 de 1998 (Lei dos Crimes Ambientais), que entre os seus 82 artigos tutela direitos básicos dos animais, elucidando alguns tipos específicos de crimes contra a fauna, bem como, acerca das sanções penais e administrativas resultantes de atividades lesivas ao ambiente. Já nos artigos 29 ao 37, estão previstos os crimes dolosos, bem como a modalidade culposa.
Por outro lado, não se pode deixar de salientar a importância do artigo 32 da referida lei, uma vez que tipifica como crime os maus tratos a animais. Sob os seguintes argumentos, vejamos:
Art. 32. Praticar ato de abuso, maus-tratos, ferir ou mutilar animais silvestres, domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos: Pena - detenção, de três meses a um ano, e multa.
§ 1º Incorre nas mesmas penas quem realiza experiência dolorosa ou cruel em animal vivo, ainda que para fins didáticos ou científicos, quando existirem recursos alternativos.
§ 2º A pena é aumentada de um sexto a um terço, se ocorre morte do animal.
O referido artigo é claro ao destacar que aquele indivíduo que ocasionar dano, sofrimento e maus tratos a um animal, cometerá delito previsto em seu artigo 32.
Insta ressaltar, que a Lei n. 9.605/1998 também previu sanções penais e administrativas aplicáveis no caso de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente.O artigo 29 elenca os crimes contra o meio ambiente:
Art. 29. Matar, perseguir, caçar, apanhar, utilizar espécimes da fauna silvestre, nativos ou em rota migratória, sem a devida permissão, licença ou autorização da autoridade competente, ou em desacordo com a obtida.
Dentre as inovações trazidas a época pela referida Lei destaca-se a previsão de responsabilização da pessoa jurídica, no âmbito administrativo, civil e penal, pelas infrações cometidas no interesse ou benefício de sua entidade.
Para o nosso Código Civil brasileiro (Lei n. 10.406/2002), os animais são considerados coisas, bem móveis, bens semoventes, com a mesma disciplina jurídica dos bens móveis e com a aplicação das regras correspondentes aos mesmos, artigo 82 do Código Civil, vejamos:
Art. 82. São móveis os bens suscetíveis de movimento próprio, ou de remoção por força alheia, sem alteração da substância ou da destinação econômico-social.
Por seu turno, o doutrinador Machado (2014, p. 148) destaca que: “o artigo 82 do Código Civil estabelece a subjugação dos animais aos interesses humanos no ordenamento jurídico pátrio, que por seu turno sofreu forte influência do direito romano, que considerava os animais como bens, uma propriedade do ser humano”.
Posteriormente, no dia 08 de outubro de 2008 foi editada a Lei nº 11.794/2008, que versa sobre o uso de animais em atividades de ensino e científicas.
No entanto, segundo afirma Machado (2014, p. 961) a Lei nº 11.794/2008: “não apresenta devidamente a eficácia requerida pela Constituição no sentido de proteção e de interdição de práticas cruéis, pois não dispõe de meios de condicionar o uso de animais à observância dos princípios da prevenção e da precaução, como o estudo prévio de impacto ambiental”. No que concerne aos animais domésticos que são de propriedade privada, é dever do proprietário buscar protegê-lo e defendê-lo de condutas criminosas e abusivas, entretanto, há certa limitação uma vez que também são protegidos pela constituição e por legislações disciplinadoras.
Assim, mesmo que o dono do animal doméstico tenha a total propriedade, ele fica condicionado a certas condutas, que se forem abusivas, como por exemplo, os maus-tratos e as condições precárias de vida, podem gerar sanções civis e penais.
Portanto, através deste estudo pôde-se constatar, que todos os animais presentes no Brasil, sem nenhuma exceção, são resguardados pela nossa Constituição Federal, sendo este, um dever do Poder Público e da sociedade como sempre cuidar e protegê-los.
3.1 A nova Lei n. 14.064/20 de 29 de setembro de 2020 “Lei Sansão”
No dia 30 de setembro de 2020 foi publicada a Lei nº 14.064, que é oriunda do Projeto de Lei nº 1.095/2019, de autoria do deputado federal Fred Costa.
Imperioso destacar que a referida lei criou uma qualificadora no artigo 32 da Lei nº 9.605/98, em casos de crimes de maus-tratos se praticados contra gatos e cachorros (animais domésticos), imputando a pena de reclusão de 02 a 05 anos, multa e proibição da guarda, vejamos:
§ 1º -A Quando se tratar de cão ou gato, a pena para as condutas descritas no caput deste artigo será de reclusão de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, multa e proibição da guarda.
Esta nova Lei foi batizada de “LEI SANSÃO” como forma de homenagear o cão vítima de agressão na cidade de Confins, na região Metropolitana de Belo Horizonte, ocasião em que um cachorro Sansão de dois anos, da raça pitbull teve suas patas traseiras decepadas a golpes de foice, por um homem de 44 anos de idade. Fato esse que ocasionou grande repercussão no nosso país, principalmente em razão dos requintes de crueldades e dos atos de tortura praticados pelo criminoso contra o animal que sofreu ao ter suas patas traseiras monstruosamente decepadas.
Por óbvio resta claro que a lei promulgada não resolve os problemas, mas passa a levar mais consciência a sociedade de que se deve tratar bem os animais. Portanto, é importante mencionar que a lei não deixa de ser um avanço para nossa sociedade, vez que,visará inibir práticas criminosas absurdas e cruéis contra cães e gatos.
3.2 A Natureza Jurídica dos animais segundo o Projeto Lei Complementar 27/2018
O Projeto lei n. 27/2018 teve iniciativa do deputado federal Ricardo Izar, e no ano de 2019 foi aprovado no Senado Federal, que acrescentou um novo dispositivo à Lei nº 9.605, de 12 de fevereiro de 1998 (Lei de Crimes Ambientais), o qual dispõe acerca da natureza jurídica dos animais não humanos, determinando assim que esses animais possuem natureza jurídica sui generis e são sujeitos de direitos despersonificados, devendo gozar e obter tutela jurisdicional em caso de violação, sendo, portanto vedado o seu tratamento como coisa.
Importante mencionar que a Lei nº 9.605/1998 trata das sanções penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente, e dá outras providências.
Todavia, o referido projeto foi aprovado no Senado Federal, tendo como principal objetivo fundamental a construção de uma sociedade mais consciente e solidária, reconhecendo assim que os animais não humanos possuem natureza biológica e emocional, sendo seres sencientes, passiveis de sofrimento conforme lhe imputa o artigo 2º inciso III.
De outra forma, o acréscimoda nova forma jurídica dada aos animais não humanos retornou a Câmara dos Deputados para novos tramites jurídicos. O dispositivo atualmente acrescentou a lei de crimes ambientais que os animais não humanos possuem natureza jurídica sui generis e são sujeitos de direitos despersonificados, dos quais devem gozar e obter tutela jurisdicional em caso de violação, vedado o seu tratamento como coisa.
Sendo, portanto, reconhecido que os animais não humanos possuem natureza jurídica “sui generis” e que são sujeitos de direitos despersonificados, devendo obter tutela jurisdicional quando tiver seus direitos violados, sendo vedado seu tratamento como coisa, conforme dispõe artigo 3º, modificou também a aplicação do artigo 82 do Código Civil Brasileiro de 2002, pois mediante o artigo acrescido 79-B da lei 9.605/1998, dizendo não aplicar aos animais não humanos, uma vez que eles ficam sujeitos aos direitos despersonificados, não devendo ser considerados como coisas.
Portanto, este projeto sendo instituído como Lei, proporcionará aos animais o direito à defesa e à proteção jurídica em casos de maus tratos e maior atenção, ética, responsabilidade e cuidados à integridade deles.
4 A INEFICÁCIA DA LEI DE PROTEÇÃO AOS ANIMAIS
Como reiteradamente mencionado, a prática de maus tratos aos animais domésticos é um tema bastante polêmico e que cada vez mais tem sido objeto de debates na nossa sociedade e entre os operadores do direito. Isso porque, há um forte clamor social para que os crimes violentos contra animais não sejam mais tolerados dentro do nosso país.
É fato que anossa Constituição Federal de 1988 preocupou-se em prever o dever de proteção aos animais e para isso criou mecanismos para garantir que esse dever fosse cumprido, por meio da tutela penal.
Todavia, a Lei Crimes Ambientais mostra-se não ser a mais apropriada à tutela penal dos animais, vez que a fixação de penas demasiadamente“leves” não tem atingido o resultado preventivo esperado pelo direito penal, o qual, salienta-se não é a função principal assumida pelo direito penal ambiental, como já destacado.
Nesse viés, o doutrinador Alex Fernandes Santiago (2015, p. 25) se manifesta da seguinte forma:
Cabe ao Direito a difícil decisão de tornar mais rigorosa a legislação penal, como forma de tentar aplicar com efetividade o Direito Penal Ambiental, o qual hoje é tido como simbólico. Caso contrário, deve ser retirada a matéria ambiental do campo da proteção penal, pois inútil. Como efeito, pode-se dizer que a Lei de Crimes Ambientais protege os animais de forma simbólica, principalmente os domésticos, tendo em vista que não se vislumbra real repressão contra a prática do crime de maus-tratos, uma vez que a pena é extremamente baixa e como já tratada, possibilita diversas substituições que visam a reparação do dano ambiental.
Contudo, essa proteção simbólica não está unicamente relacionadaà finalidade da Lei, considerando que há, também, umasérie de causas interligadas que fragilizam a aplicação da penaprevista no dispositivo.
SegundoRODRIGUES (2010, p. 74) para que este problema possa começar a ser sanada: “há a necessidade de um poder coercitivo soberano que imponha um sistema de penalidades como recurso estabilizador contra toda e qualquer violência praticada ao animal e que atue em conjunto com as esferas cíveis e administrativas do país”.
No mais, o doutrinador Rodrigues (2010, p. 76) prossegue afirmando que além da notória deficiência de uma punição mais efetiva e severa, a Lei dos Crimes Ambientais, ao tratar de aspetos penais-processuais, apresentou alternativas à pena restritiva de liberdade, prevendo a impossibilidade da aplicação da pena devidaquando houver a recuperação do dano ou pagamento para a sociedade, o que quer dizer que nos casos de crimes de menor potencial ofensivo será aplicada a Lei dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais.
Nesses casos, cabe, portanto, a transação penal ou a suspensão condicional do processo, o que diminui, de fato, a pena de quem pratica a conduta delituosa91. A ausência de um controle moderador realmente eficaz é o reflexo da violação à legislação em vigor e precisa ser revista o mais rápidopossível.
Segundo dispõe Levai (2008, p. 171):
outro problema enfrentado que resulta no sofrimento dos animais é precariedade na fiscalização das leis existentes. Incumbe, principalmente, ao Ministério Público, zelar pelo cumprimento da Constituição, resguardando o meio ambiente e os animais, lutando para que as leis infraconstitucionais que pautem seustextos na norma suprema sejam efetivamente cumpridas, bem como para que nenhuma lei infraconstitucional legitime a crueldade e que nenhum princípio de ordem econômica justifique a barbárie.
Deste modo, é cristalina a real necessidade de reforma das Leis de Crimes Ambientais e do Código Penal Brasileiro, para se verificar qual será de fato, a pena imposta aos indivíduos que insistem em praticar crimes contra os animais, bem como, que esta pena seja eficaz a ponto de coibir esta prática delituosa.
CONCLUSÃO
O presente trabalho buscou analisar e aprofundar sobre os direitos dos animais que sem dúvidas é um assunto vem crescendo cada vez mais, tanto em meio a sociedade, em razão dos diversos casos assustadores que viraram notícia para todo o país, bem como, no âmbito jurídico como um novo ramo do direito, pois abrange além dos direitos e da vida dos animais, como também a proteção ao próprio meio ambiente.
Como pôde-se verificar ao longo deste estudo, as práticas de maus tratos e crueldades imposta pelo homem aos animais, em especial aosdomésticos que são os que mais convivem com os seres humanos tem crescido excessivamente, entretanto a sociedade vem entendendo que os animais realmente devem ser protegidos desses crimes.
Ademais, observou-se que as penalidadesnão têm sido suficientes para extinguir esses atos criminosos, mas também se faz necessária uma reeducação da população. Destaque-se que apesar de haver um crescimento expressivo de pessoas que notoriamente se preocupam com o bem estar dos animais, onde passaram a protegê-los e ajudá-los através de resgates desses animais, campanhas para adoções de animais abandonados, associações protetoras de animais, ONG’s e legislações estaduais e municipais favoráveis aos direitos desses animais.
Em síntese, observou-se que a sanção penal no caso de crimes contra animais domésticos não obtém os efeitos esperados, o que resulta no verdadeiro fracasso da lei por não punir os criminosos com o devido rigor. As penalidades aplicadas continuam sendo absurdamente brandas, tendo em vista a gravidade dos crimes cometidos, que é desconsiderada pela Lei ao desdenhar a vida, integridade e saúde de seres tão inocentes.
Por esta razão, acredita-se ser o conjunto da obra para extinguir a prática desses atos que se encontram enraizadas na nossa população, sendo necessário uma legislação mais eficaz, bem como, uma maior importância e métodos de fiscalização por parte do Estado.
Isto posto, conclui-se o avanço da legislação brasileira no que se refere ao direito dos animais ainda se mostra como um dos grandes desafios da nossa sociedade, já que se espera a mobilização desta contra a crueldade com os animais e para sensibilização do Poder Legislativo, cobrando deles leis mais rígidas a respeito do direito destes e da própria comunidade no processo de elaboração projetos socioambientais para educação ambiental.
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Graduanda do Curso de Direito da Fametro.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: ALMEIDA, Narita Nascimento de. Maus tratos aos animais domésticos e sua proteção jurídica Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 01 dez 2020, 04:23. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/55740/maus-tratos-aos-animais-domsticos-e-sua-proteo-jurdica. Acesso em: 21 dez 2024.
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