RESUMO: O presente trabalho propõe-se a analisar a relação jurídica entre o trabalhador motorista de aplicativo e as empresas detentoras do aplicativo, de maneira que se pretende verificar a situação jurídica formal destes trabalhadores. Durante o decorrer desta pesquisa, verificou-se que os motoristas de aplicativo são reconhecidos pelo Superior Tribunal de Justiça e pelo Tribunal Superior do Trabalho como trabalhadores autônomos, inexistindo então, no entendimento destes tribunais, a questão do vínculo empregatício entre as partes. O principal fator que diminui a possibilidade deste reconhecimento encontra-se na aparente falta de subordinação do motorista de aplicativo ao aplicativo de transporte, de maneira que os tribunais superiores entenderam que este reconhecimento jurídico seria inviável. A presente pesquisa deu-se pelo método de revisão de literatura, e trata-se de uma pesquisa qualitativa. Concluiu-se que os motoristas de aplicativo não tem dentro das atuais leis trabalhistas do direito brasileiro, amparo legal para o reconhecimento de vínculo empregatício para com as empresas de aplicativo.
Palavras-Chave: Motoristas de Aplicativo; Vínculo Empregatício; Direito do Trabalho
INTRODUÇÃO
A modernidade e o advento da criação de novas tecnologias trouxeram como uma de suas consequências a modificação da relação de trabalho, com possibilidade da ampliação dos postos de trabalho aproveitando-se da utilidade e facilidade dessas tecnologias.
A cada dia, novos sites e aplicativos para dispositivos móveis são criados, com a ideia de facilitar ao consumidor o acesso à comércios como restaurantes, compras em supermercados, serviços de motorista e entrega de diversos produtos delivery, como os comprados em sites estrangeiros e nacionais.
Essas novas oportunidades trazem também a modificação das relações de trabalho, com a necessidade de pessoas para concretizar as oportunidades oriundas dos aplicativos e sites. A modificação nas relações de trabalho se dá porque os aplicativos não tem a figura do patrão ou outro superior hierárquico para dar as ordens, porém elas são feitas por meio do telefone/celular – é dito ao entregador como e onde entregar os produtos ou onde pegar os passageiros, por exemplo.
Sobre o último exemplo, a falta do patrão físico causa também uma insegurança jurídica a respeito da existência ou não de trabalho e qual seria a espécie de trabalho dos motoristas de aplicativo.
É interessante salientar que tal controvérsia – que ainda divide a doutrina e a jurisprudência – tem causado intenso debate nos juízos singulares e superiores. Pensando nisso, o presente trabalho tem por objetivo discutir a existência (ou não) de vínculo empregatício dos motoristas de aplicativo.
No primeiro item, buscou-se a discussão a respeito de como as novas tecnologias afetam as relações de emprego e trabalho, de uma maneira geral. Buscou-se a explicação de alguns autores a respeito deste fenômeno e dentro do item foram feitas algumas considerações que serão importantes ao propósito deste trabalho.
No item dois, pretende-se falar do assunto propriamente dito deste trabalho: a relação entre os motoristas de aplicativo e a Consolidação das Leis do Trabalho, de maneira que se procura visualizar os requisitos formais do vínculo empregatício e como os requisitos não eventualidade, pessoalidade, subordinação, onerosidade e alteridade são definidos legalmente.
Além disso, serão analisadas e explicadas as decisões jurisprudenciais do Tribunal Superior do Trabalho e do Superior Tribunal de Justiça a respeito da inexistência de vínculo empregatício para com os trabalhadores motoristas de aplicativo.
Por fim, o presente trabalho mostrará as suas conclusões e espera-se que a contribuição desta pesquisa a sociedade venha por meio de dados ou argumentos que podem ser utilizados em eventual peça jurídica ou em argumentos em outros debates.
1 NOVAS TECNOLOGIAS E AS RELAÇÕES DE TRABALHO – COMO FICAM AS RELAÇÕES DE EMPREGO?
As tecnologias empregadas hoje, tais como o uso de celulares, internet e computadores de maneira mais recorrente, mudou em muito a maneira que as relações de trabalho e emprego se comportam em nosso dia a dia.
Isso porque o mercado de capitais, a partir desta mudança, mudou também a sua maneira de se comportar mediante a transformação do dia a dia do seu consumidor, como veremos a seguir.
Segundo Albuquerque Neto, Silva e Portugal (2019) a existência dos aplicativos de transporte nos dias de hoje deu-se graças a avanços tecnológicos ocorridos ainda durante os anos 60, de maneira que houve a possibilidade da evolução das tecnologias, permitindo desenvolvimento maior das cidades:
A oferta de serviços de transporte individual remunerado em veículos particulares através do uso de aplicativos de empresas de tecnologia são modelos de negócios modernos com foco na mobilidade do indivíduo, visto como potencial cliente. Esses tipos de serviços inovadores surgiram graças aos avanços tecnológicos dos microprocessadores desde a década de 60, e posteriormente com a evolução das TICs, que permitiram novas oportunidades de organização e desenvolvimento das cidades (Barbosa et al., 2017).
Ainda segundo Albuquerque Neto, Silva e Portugal (2019), a partir do desenvolvimento das cidades, foi sendo necessário cada vez mais as melhorias em relação a mobilidade urbana, que se aliaram aos avanços tecnológicos como o uso de smartphones, que possibilitaram, entre outras coisas, o fornecimento de dados como a localização do usuário, por exemplo, a estes serviços de mobilidade urbana:
Dessa forma, a necessidade de alcançar melhorias na mobilidade urbana se alia com aos avanços tecnológicos que estão surgindo. Os smartphones tornaram-se progressivamente uma ferramenta essencial para ajudar as pessoas a produzir ou alcançar mobilidade, fornecendo informações contextuais e servindo como um recurso ideal para permitir novos serviços de mobilidade. Usando dados cada vez mais robustos e facilmente interpretáveis sobre várias opções de transporte, os usuários de smartphones podem escolher entre um número amplo e crescente de serviços de transporte para planejar suas viagens e facilitar o seu processo de mobilidade. De modo geral, as TICs foram responsáveis pelo surgimento de novas oportunidades para a criação de novas opções de transporte que inclui serviços como compartilhamento de carros, compartilhamento de bicicletas, serviços de transporte individual remunerado, dentre outros serviços (Davidson et al., 2016).
Para Mattoso (2000), a relação de emprego e a tecnologia é regida pelo mercado de capitais. Nesse sentido, períodos de expansão e de depressão econômica afetariam diretamente a estes colaboradores:
A inovação tecnológica assumiria uma dupla dimensão: por um lado, poderia favorecer o emprego em períodos de expansão do ciclo econômico e, por outro, poderia ser fator de agravamento durante as depressões, quando emergiria o desemprego tecnológico, como parte do desemprego cíclico (Schumpeter, 1968). A expansão das atividades produtivas apareceria, então, como um processo de destruição criadora, em que um ciclo contínuo mais ou menos intenso de desestruturações e reestruturações criaria e destruiria empresas, atividades, empregos.
O autor entende também que o aparecimento de novas tecnologias pode destruir antigos produtos ou serviços para construir outros, de maneira em que há revolução, por exemplo, no campo da criação de novos produtos, serviços, empresas, setores, empregos e atividades econômicas:
A inovação tecnológica, no entanto, ao mesmo tempo que destrói produtos, empresas, atividades econômicas e empregos, também pode criar novos produtos, novas empresas, novos setores e atividades econômicas e, portanto, novos empregos. Em outras palavras, a inovação tecnológica, embora possa modificar a qualidade e a quantidade do emprego, não determina a priori seu resultado, sobretudo quando observada a economia nacional.
O resultado das mudanças quantitativas do emprego não precisa necessariamente transformar-se em mais desemprego. Pode ser mais emprego, consumo, tempo livre ou desemprego e essa é uma escolha social, historicamente determinada pelas formas de regulação do sistema produtivo e de distribuição dos ganhos de produtividade.
No quadro atual da economia mundial ¾ sob domínio dos credores, da estabilidade a qualquer custo e do capital sem fronteiras e regulações ¾, os efeitos das tecnologias da info-comunicação sobre a desordem do mundo do trabalho podem parecer maiores do que efetivamente são, sobretudo quando ignoradas as atuais relações macroeconômicas, sociais e institucionais mais amplas. Nos dias que correm, a redução da capacidade de gasto e regulação do Estado, a concentração dos ganhos de produtividade nas mãos do capital financeirizado, a estagnação e até elevação do tempo de trabalho e, não menos importante, o relativamente menor crescimento do produto, da demanda e do investimento são elementos determinantes no entendimento do desemprego e da precariedade das condições e relações de trabalho.
Nesse sentido, as novas tecnologias como o uso de aplicativos de transporte entraram nesta previsão, ainda que não totalmente. Embora para o direito brasileiro não haja o vínculo empregatício, como veremos posteriormente no decorrer deste artigo, as empresas detentoras dos aplicativos dão uma opção de complemento de renda ou de única renda ao trabalhador que se sujeita a este trabalho, de maneira que pode ser visualizado a sua importância na economia brasileira e mundial.
Feitas estas considerações, o presente artigo passará a discussão a respeito da Consolidação das Leis do Trabalho – CLT e o caso dos motoristas de aplicativo, explicando conceitos basilares tais quais o que seria o vínculo empregatício e como reconhece-lo, além de verificar quais seriam os seus requisitos para o seu reconhecimento formal perante o Poder Judiciário.
2 A CONSOLIDAÇÃO DAS LEIS DO TRABALHO E OS MOTORISTAS DE APLICATIVO
Como vimos, o uso de novas tecnologias, como a difusão do uso dos smartphones e da internet, criaram situações totalmente novas de trabalho, como é o caso dos trabalhadores motoristas de aplicativo.
Estes trabalhadores, inicialmente, poderiam entender que sua situação de trabalho encontra respaldo legal entro da Consolidação das Leis do Trabalho, uma vez que, em uma primeira análise, aparentemente encontram-se a mercê das empresas detentoras dos aplicativos de transporte.
Nesse sentido, é útil analisarmos a definição legal de empregado e a partir desta definição, começarmos a tecer nossas considerações a respeito da situação do motorista de aplicativo.
A Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) por meio do artigo 3º, define o empregado como “toda pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante salário”. A partir daqui, pretende-se traçar a relação entre o caso do motorista de aplicativo, a definição legal e doutrinária a respeito dessa questão.
Dentro do direito do trabalho há, entre outros estudos, o estudo da relação de emprego. Aqui, é importante lembrar que a relação de trabalho é um conceito amplo, que engloba também aos trabalhadores avulsos, eventuais e autônomos, por exemplo (PINTO, 2019).
Já a relação de emprego é a que gera o vínculo empregatício, que por sua vez gerará um contrato de trabalho – se estivermos falando da situação ideal, com o trabalho exercido de forma regular por parte do trabalhador e do empregador.
No Direito do Trabalho, há princípios norteadores da prática trabalhista, que auxiliarão o juiz e os demais operadores do direito nas suas interpretações. Talvez um dos mais importantes princípios a se observar nessa situação seja o princípio da primazia da realidade, que significa que na discrepância entre o contrato de trabalho (verdade formal) e o que ocorre na prática, deve-se entender favorável pela situação que trata da realidade vivida pelo trabalhador.
Para PLÁ RODRIGUEZ (2015, p. 339 APUD TERCIOTI, 2017), o princípio da primazia da realidade significa que “(...) em caso de discordância entre o que ocorre na prática e o que emerge de documentos ou acordos, deve-se dar preferência ao primeiro, isto é, ao que sucede no terreno dos fatos”. Aqui, pretende-se discutir como esse princípio seria aplicado ao motorista de aplicativo e em qual contexto.
Para que aja ao menos o vislumbre da possibilidade de formação de um contrato de trabalho, há alguns pressupostos que devem ser observados. Entre eles, talvez o mais importante seja a necessidade de que o objeto do trabalho não seja de caráter ilícito. MARTINS (APUD RIBEIRO e RIBEIRO, 2016) ensina que “o trabalho ilícito pressupõe a ilicitude do objeto e nenhum efeito produz na órbita do direito do trabalho”.
Em relação ao vínculo empregatício, temos cinco requisitos para que ele seja reconhecido. Com o reconhecimento do vínculo empregatício, há a possibilidade de o empregado entrar na justiça do trabalho por demandas como a falta de pagamento de salário e outras verbas trabalhistas.
Os requisitos são: não eventualidade, pessoalidade, subordinação, onerosidade e alteridade. É importante salientar que, segundo MAZARÃO (2016), na falta de qualquer desses requisitos, inexiste a relação de emprego. Trataremos sobre esses requisitos a seguir.
A não eventualidade trata-se da continuidade da prestação do serviço, de acordo com BARROSO (2016). Aqui, falamos de regularidade no desenvolvimento da atividade, a benefício do empregador – que usufruirá do trabalho do empregado de forma habitual.
Sobre a pessoalidade, MAZARÃO (2016) esclarece:
O requisito da pessoalidade se refere ao fato de que o empregado, e somente ele, é quem pode prestar o serviço contratado, ou seja, se João foi admitido nos quadros de determinada empresa para exercer a função de carpinteiro, somente João é quem poderá fazê-lo, não podendo pedir para que um terceiro trabalhe em seu lugar.
Logo, para a autora não pode haver a situação de “terceirização” de trabalho, nesse sentido entendido por nós como a delegação do trabalho por parte do empregado a um terceiro estranho a relação. Aqui, é necessário deixarmos claro que o empregado pode ser apenas pessoa física, logo não há situação em que seja admitida a contratação de pessoa física como empregado.
Em relação à subordinação, para BARROSO (2016), caracteriza-se pela “submissão às diretrizes do empregador”. Aqui, o autor entende também que se derivam da subordinação a determinação do lugar, forma e modo que o trabalho será prestado.
A onerosidade refere-se ao fato de que o trabalho deve ter como contraprestação do empregador o pagamento de salário. Aqui, cabe lembrar que em regra é assegurado ao empregado o salário-mínimo, com algumas exceções trazidas pela reforma trabalhista.
Finalmente, a respeito da alteridade, BARROSO (2016) entende que “(...) o empregador assume os riscos decorrentes do seu negócio, mas não os repassa ao empregado. Isto é, se o negócio vai bem ou mal, o salário do empregado será garantido”. Logo, aqui há a garantia do salário ao empregado. O autor entende que esse requisito divide a doutrina com relação à consideração dele como essencial ao vínculo empregatício.
Aplicando os requisitos exigidos para que exista o vínculo empregatício no caso concreto no caso dos motoristas de aplicativo, podemos pensar inicialmente que se tratam de empregados trabalhando em situação informal – imaginando que esses trabalhadores talvez percam alguns direitos que são assegurados aos demais trabalhadores como o direito a férias e decimo terceiro, por exemplo. No entanto, este trabalho científico não compreende a relação dos motoristas de aplicativo – empresas como sendo uma relação com vínculo empregatício.
Para HOFFMAN (2018), “é preciso ter cautela em relação ao impacto da decisão ao modo como a relação entre motoristas particulares e aplicativos como a Uber é enxergada no Brasil”. Isso porque algumas pessoas acreditam que enquadrar o vínculo empregatício dessas empresas de tecnologia poderia fazer com que elas saíssem do país, deixando muitas pessoas sem fonte de renda.
Ao analisar primeiramente o nome da categoria – “motoristas de aplicativo”, podemos depreender que essa categoria não presta serviços a unicamente uma empresa (não são só motoristas Uber, motoristas 99 pop ou motoristas In Driver, por exemplo) mas sim atendem ao chamado de todos os aplicativos em que surgirem oportunidades para corridas.
A segunda análise que pode ser feita a fim de comprovar a inexistência do vínculo empregatício é verificar se existem todos os requisitos necessários à caracterização deste no caso concreto: pessoalidade, não eventualidade, subordinação, onerosidade e alteridade. É importante lembrar que a falta de qualquer destes descaracteriza o vínculo empregatício.
No caso dos motoristas de aplicativo, é difícil caracterizar a subordinação, uma vez que a subordinação também pode ser interpretada como a impossibilidade do motorista em escolher o passageiro aceitando ou não a solicitação de corrida, por exemplo.
Nesse sentido, MEROLA (2017) entende que as regras dos termos de uso dos aplicativos de transporte não caracterizam a subordinação do empregado à empresa, uma vez que se trata de termos vagos, que tem fundamento em obrigações contratuais:
No caso dos motoristas do Uber, não temos a presença da subordinação jurídica, pois a empresa não dá ordens aos motoristas, e nem coordena a prestação do serviço. O motorista liga seu aplicativo, a hora que bem entender, e faz as suas corridas, na hora que quiser e pelo tempo que quiser.
É claro que existem regras por parte da Uber, mas essas regras são obrigações contratuais, e não se pode confundi-las com subordinação jurídica. São termos totalmente diferentes
Também é difícil constatar a pessoalidade, uma vez que a oportunidade da corrida poderia ser aceita por qualquer dos motoristas na região próxima ao local de embarque. O vínculo empregatício poderia ser derrubado, aqui, em inúmeros exemplos. É certo que o tema é novo, gerando controvérsias.
2.1 DISCUSSÕES ACERCA DO VÍNCULO EMPREGATÍCIO
As críticas a falta de caracterização destes trabalhadores dentro do vínculo empregatício não são poucas. Muitos autores falam na “uberização do trabalho”, um termo inventado recentemente em decorrência de um aplicativo que popularizou-se mundialmente e trouxe a discussão a respeito desta nova modalidade de trabalho no mundo globalizado.
Prado (2020) tece duras críticas a este sistema onde, para a autora, os donos de aplicativos ficam cada vez mais ricos e os seus supostos “funcionários” ficam cada vez mais pobres, retórica utilizada para evidenciar as desigualdades sociais que ocorrem no Brasil:
Os que advogam alegando a precarização dessa categoria de profissionais que abarca motoristas de Uber, entregadores de aplicativos como a Rappi, o iFood e o Uber Eats, sustentam o denominado fenômeno da "uberização", termo cunhado exatamente com base na empresa que transmutou o modelo de organização de trabalho reduzindo drasticamente as condições sociais e humanas de trabalho.
Os que são contra a lógica estabelecida por esses aplicativos nos alertam para o fato de que enquanto os idealizadores dos aplicativos ficam cada vez mais ricos, os entregadores sequer possuem qualquer vínculo empregatício, assumindo os riscos na execução da entrega sem que as empresas sejam responsabilizadas, seja na manutenção desse trabalhador com o oferecimento do aparato necessário como celular, bolsa térmica e jaquetas, seja na eventualidade de acidente de trabalho, estando completamente desprotegidos.
Entendemos as críticas trazidas pela contribuição de Prado (2020), onde entende-se haver uma espécie de precarização do trabalho, com inúmeros ganhos a empresas de aplicativo e aparentemente pouco ou nenhum ganho ao motorista parceiro.
Faz-se necessário lembrar o contexto em que a maioria destes trabalhadores autônomos se colocam como prestadores de serviço e a real finalidade dos aplicativos de transporte, enquanto parceiros destes motoristas: a possibilidade de geração de renda extra para este trabalhador, que, em tese, já teria uma fonte de renda.
Existem trabalhadores que se colocam a disposição dos aplicativos por todo o seu tempo de trabalho, porém nesses casos o trabalhador encontra-se desempregado e precisa desta única fonte de renda para alimentar a si e seus familiares. KEntendemos, portanto, que se trata de uma oportunidade de trabalho e não tão somente uma situação de trabalho precário.
É importante, nesse sentido, nos atermos as decisões judiciais a respeito do tema, uma vez que tais decisões buscam ater suas fundamentações legais em dispositivos de leis, costumes ou precedentes que buscam a justiça como um de seus principais objetivos.
2.2 DECISÃO DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Em 2019, o Superior Tribunal de Justiça (STJ), em julgado manifestou-se no sentido de que a relação de trabalho entre os motoristas de aplicativo e os aplicativos de transporte é inexistente
CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. INCIDENTE MANEJADO SOB A ÉGIDE DO NCPC. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER C.C. REPARAÇÃO DE DANOS MATERIAIS E MORAIS AJUIZADA POR MOTORISTA DE APLICATIVO UBER. RELAÇÃO DE TRABALHO NÃO CARACTERIZADA. SHARING ECONOMY. NATUREZA CÍVEL. COMPETÊNCIA DO JUÍZO ESTADUAL. 1. A competência ratione materiae, via de regra, é questão anterior a qualquer juízo sobre outras espécies de competência e, sendo determinada em função da natureza jurídica da pretensão, decorre diretamente do pedido e da causa de pedir deduzidos em juízo. 2. Os fundamentos de fato e de direito da causa não dizem respeito a eventual relação de emprego havida entre as partes, tampouco veiculam a pretensão de recebimento de verbas de natureza trabalhista. A pretensão decorre do contrato firmado com empresa detentora de aplicativo de celular, de cunho eminentemente civil. 3. As ferramentas tecnológicas disponíveis atualmente permitiram criar uma nova modalidade de interação econômica, fazendo surgir a economia compartilhada (sharing economy), em que a prestação de serviços por detentores de veículos particulares é intermediada por aplicativos geridos por empresas de tecnologia. Nesse processo, os motoristas, executores da atividade, atuam como empreendedores individuais, sem vínculo de emprego com a empresa proprietária da plataforma. 4. Compete a Justiça Comum Estadual julgar ação de obrigação de fazer c.c. reparação de danos materiais e morais ajuizada por motorista de aplicativo pretendendo a reativação de sua conta UBER para que possa voltar a usar o aplicativo e realizar seus serviços. 5. Conflito conhecido para declarar competente a Justiça Estadual.
(STJ - CC: 164544 MG 2019/0079952-0, Relator: Ministro MOURA RIBEIRO, Data de Julgamento: 28/08/2019, S2 - SEGUNDA SEÇÃO, Data de Publicação: DJe 04/09/2019)
A presente decisão teve como fundamento a falta de fundamentos de fato e de direito que comprovassem o vínculo empregatício para com as empresas detentoras dos aplicativos de transporte, não sendo, portanto, possível a obtenção de verbas de natureza trabalhista, tais como a obtenção de férias e décimo terceiro, por exemplo.
Desta forma, o Superior Tribunal de Justiça entendeu que o vínculo entre as partes é contratual, de natureza, portanto, civil. Assim, o tribunal salienta que com a nova modalidade de exploração de capital, a “economia compartilhada”, a prestação de serviços de transporte pelos motoristas de aplicativo é meramente intermediada pela empresa detentora do aplicativo, entre aqueles que precisam do transporte e aqueles que gostariam de transportar. Reconheceu-se, portanto, a inexistência de vínculo empregatício.
É importante salientar que a decisão do presente tribunal não foi a única: também existe decisão do Tribunal Superior do Trabalho – TST no mesmo sentido, conforme veremos no próximo tópico, e que será explicada tal como esta decisão também o foi.
2.3 DECISÃO DO TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO
Para o órgão máximo do Direito do Trabalho, o Tribunal Superior do Trabalho, também há o entendimento de que inexiste vínculo empregatício entre o motorista de aplicativo e o aplicativo de transporte – no caso em tela, o aplicativo Uber.:
AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO PELA RECLAMANTE. ACÓRDÃO REGIONAL PUBLICADO NA VIGÊNCIA DAS LEIS Nºs 13.015/2014 E 13.467/2017. PROCEDIMENTO SUMARÍSSIMO. RELAÇÃO DE EMPREGO. RECONHECIMENTO DE VÍNCULO. TRABALHADOR AUTÔNOMO. MOTORISTA. APLICATIVO. UBER. IMPOSSIBILIDADE. TRANSCENDÊNCIA JURÍDICA RECONHECIDA. NÃO PROVIMENTO. I. Discute-se a possibilidade de reconhecimento de vínculo de emprego entre motorista profissional que desenvolve suas atividades com utilização do aplicativo de tecnologia “Uber” e a sua criadora, Uber do Brasil Tecnologia Ltda. II. Pelo prisma da transcendência, trata-se de questão jurídica nova, uma vez que se refere à interpretação da legislação trabalhista (arts. 2º, 3º, e 6º, da CLT), sob enfoque em relação ao qual ainda não há jurisprudência consolidada no âmbito do Tribunal Superior do Trabalho ou em decisão de efeito vinculante no Supremo Tribunal Federal. Logo, reconhece-se a transcendência jurídica da causa (art. 896-A, § 1º, IV, da CLT). III. Na hipótese, o Tribunal Regional manteve, pelos próprios fundamentos, a sentença em que se reconheceu a condição de trabalhador autônomo do Reclamante. No particular, houve reconhecimento na instância ordinária de que o Reclamante ostentava ampla autonomia na prestação de serviços, sendo dele o ônus da atividade econômica. Registrou-se, ainda, a ausência de subordinação do trabalhador para com a Reclamada, visto que “o autor não estava sujeito ao poder diretivo, Este documento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.tst.jus.br/validador sob código 1003D86623B9B3F95C. Poder Judiciário Justiça do Trabalho Tribunal Superior do Trabalho fls.2 PROCESSO Nº TST-AIRR-10575-88.2019.5.03.0003 Firmado por assinatura digital em 10/09/2020 pelo sistema AssineJus da Justiça do Trabalho, conforme MP 2.200-2/2001, que instituiu a Infra-Estrutura de Chaves Públicas Brasileira. fiscalizador e punitivo da ré”. Tais premissas são insusceptíveis de revisão ou alteração nessa instância extraordinária, conforme entendimento consagrado na Súmula nº 126 do TST. IV. A relação de emprego definida pela CLT (1943) tem como padrão a relação clássica de trabalho industrial, comercial e de serviços. As novas formas de trabalho devem ser reguladas por lei própria e, enquanto o legislador não a edita, não pode o julgador aplicar indiscriminadamente o padrão da relação de emprego. O contrato regido pela CLT exige a convergência de quatro elementos configuradores: pessoalidade, onerosidade, não eventualidade e subordinação jurídica. Esta decorre do poder hierárquico da empresa e se desdobra nos poderes diretivo, fiscalizador, regulamentar e disciplinar (punitivo). O enquadramento da relação estabelecida entre o motorista de aplicativo e a respectiva plataforma deve se dar com aquela prevista no ordenamento jurídico com maior afinidade, como é o caso da definida pela Lei nº 11.442/2007, do transportador autônomo, assim configurado aquele que é proprietário do veículo e tem relação de natureza comercial. O STF já declarou constitucional tal enquadramento jurídico de trabalho autônomo (ADC 48, Rel. Min. Roberto Barroso, DJE nº 123, de 18/05/2020), a evidenciar a possibilidade de que nem todo o trabalho pessoal e oneroso deve ser regido pela CLT. V. O trabalho pela plataforma tecnológica – e não para ela -, não atende aos critérios definidos nos artigos 2º e 3º da CLT, pois o usuário-motorista pode dispor livremente quando e se disponibilizará seu serviço de transporte para os usuários-clientes, sem qualquer Este documento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.tst.jus.br/validador sob código 1003D86623B9B3F95C. Poder Judiciário Justiça do Trabalho Tribunal Superior do Trabalho fls.3 PROCESSO Nº TST-AIRR-10575-88.2019.5.03.0003 Firmado por assinatura digital em 10/09/2020 pelo sistema AssineJus da Justiça do Trabalho, conforme MP 2.200-2/2001, que instituiu a Infra-Estrutura de Chaves Públicas Brasileira. exigência de trabalho mínimo, de número mínimo de viagens por período, de faturamento mínimo, sem qualquer fiscalização ou punição por esta decisão do motorista, como constou das premissas fáticas incorporadas pelo acórdão Regional, ao manter a sentença de primeiro grau por seus próprios fundamentos, em procedimento sumaríssimo. VI. Sob esse enfoque, fixa-se o seguinte entendimento: o trabalho prestado com a utilização de plataforma tecnológica de gestão de oferta de motoristas-usuários e demanda de clientes-usuários, não se dá para a plataforma e não atende aos elementos configuradores da relação de emprego previstos nos artigos 2º e 3º da CLT, inexistindo, por isso, relação de emprego entre o motorista profissional e a desenvolvedora do aplicativo, o que não acarreta violação do disposto no art. 1º, III e IV, da Constituição Federal. VII. Agravo de instrumento de que se conhece e a que se nega provimento.
Por meio do presente tópico, pretende-se discutir mais a respeito da presente decisão, demonstrando e explicando os fundamentos utilizados pelo egrégio tribunal quando na tomada da decisão.
O agravo de instrumento discutiu a possibilidade de reconhecimento de vínculo de emprego entre motorista de aplicativo, tendo sido mantido antes de chegar ao julgamento do TST, a sentença em que se reconheceu a sua condição de trabalhador autônomo.
Percebeu-se em primeira instância que o motorista de aplicativo tinha muita autonomia na prestação de serviços, sendo que ele tomava para si o ônus da atividade econômica. Também se verificou que existia a ausência de subordinação do trabalhador para com o aplicativo.
Segundo o entendimento do Tribunal Superior do Trabalho, “a relação de emprego definida pela CLT (1943) tem como padrão a relação clássica de trabalho industrial, comercial e de serviços. As novas formas de trabalho devem ser reguladas por lei própria e, enquanto o legislador não a edita, não pode o julgador aplicar indiscriminadamente o padrão da relação de emprego”.
A decisão salienta, também, importante aspecto: a falta de existência dos elementos do vínculo empregatício, que para a CLT e o Tribunal Superior do Trabalho, seriam apenas quatro: “o contrato regido pela CLT exige a convergência de quatro elementos configuradores: pessoalidade, onerosidade, não eventualidade e subordinação jurídica. Esta decorre do poder hierárquico da empresa (...)”
Outro importante argumento trazido pelo Tribunal Superior do Trabalho é de que não há subordinação ao aplicativo de transporte por parte do motorista de aplicativo, uma vez que “o trabalho pela plataforma tecnológica – e não para ela -, não atende aos critérios definidos nos artigos 2º e 3º da CLT, pois o usuário-motorista pode dispor livremente quando e se disponibilizará seu serviço de transporte para os usuários-clientes, sem qualquer exigência de trabalho mínimo (...)”.
Dessa forma, verificamos que inexiste a relação de emprego entre os motoristas de aplicativo, conforme pode ser visualizado pelas mais recentes decisões jurisprudenciais das maiores instancias do país.
Passamos, então, a conclusão do trabalho, onde verificaremos a existência de possíveis alternativas aos trabalhadores motoristas de aplicativo, também dadas por lei, e que podem facilitar a manutenção do trabalho por parte destes profissionais no Brasil.
CONCLUSÃO
À medida que novas tecnologias vão surgindo, é normal que exista a transformação da realidade social das pessoas, impactada diretamente por estas novas tecnologias.
Quando falamos na situação dos motoristas de aplicativo, a situação é a mesma: trata-se de nova categoria, que hoje o direito – não só brasileiro, como também o estrangeiro – tem dificuldade em analisar.
Isso porque, no decorrer do trabalho, alguns podem entender por haver muita exploração por parte dos aplicativos de transporte, uma vez que a contrapartida dada pelos motoristas é um percentual na sua maioria alto e não existe nenhum tipo de direito a férias, décimo terceiro salário, ou auxílio-doença, por exemplo.
A legislação brasileira atual, como vimos, não entende que o motorista de aplicativo é empregado. Existem jurisprudências que vem se consolidando cada dia mais no dia a dia do meio jurídico neste sentido. Isso não significa, no entanto, que estes motoristas se encontram desamparados por parte do Estado.
A possibilidade de regularização deste profissional como Microempreendedor Individual – MEI, permite a ele a obtenção de algumas contrapartidas por parte do Estado quando delas necessitar: auxílio-doença, auxílio maternidade e este enquadramento auxilia na contribuição para a aposentadoria destes motoristas, em troca de uma contribuição baixa de impostos para o país.
Nesse sentido, é importante salientar que esta é uma das saídas possíveis ao trabalhador motorista de aplicativo, e que a descaracterização deste trabalhador como empregado das empresas de aplicativo pode ocorrer cada vez mais pelos tribunais superiores ou pode haver mudança de entendimento – ainda que, neste último caso, haja o desestímulo a continuidade das operações de empresas do tipo no país, uma vez que, para este modelo de negócios, existe o grande interesse em parceiros comerciais e o mínimo possível em empregados.
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RIBEIRO, R A D; RIBEIRO, T S. Da relação de emprego (trabalho ilícito, trabalho proibido e atividade ilícita do empregador). Jusbrasil, 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/52135/da-relacao-de-emprego-trabalho-ilicito-trabalho-proibido-e-atividade-ilicita-do-empregador
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TERCIOTI, A C G. O princípio da primazia da realidade e a importância de sua aplicabilidade no direito do trabalho. Âmbito Jurídico, 2017. Disponível em: https://ambitojuridico.com.br/edicoes/revista-165/o-principio-da-primazia-da-realidade-e-a-importancia-de-sua-aplicabilidade-no-direito-do-trabalho/
Bacharelanda do curso de Direito do Centro Universitário FAMETRO.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: BARROS, Sabrina do carmo. Motoristas de aplicativo: empreendedores ou empregados? Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 01 dez 2020, 04:08. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/55741/motoristas-de-aplicativo-empreendedores-ou-empregados. Acesso em: 22 nov 2024.
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