RESUMO: O presente artigo tem o mote de demonstrar os princípios que norteiam o Direito do Trabalho e sua importância para a construção, comportamento e molde das relações de emprego.
Palavras-chave: Princípios; Normas; Direito do Trabalho.
SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. Conceito e noções gerais do direito do trabalho. 3. Conceito de Princípios. Os Princípios do Direito do Trabalho. 3.1 Princípio da proteção. 3.2 Princípio da aplicação da fonte jurídica mais favorável. 3.3 Princípio da condição mais benéfica. 3.4. Princípio do in dubio pro misero. 3.5 Princípio da imperatividade das normas trabalhistas. 3.6. Princípio da irrenunciabilidade ou da indisponibilidade dos direitos trabalhistas. 3.7. Princípio da primazia da realidade dos fatos. 3.8. Princípio da continuidade da relação de emprego. 4. Princípios gerais do direito. 5. Conclusão. 6. Referências.
1. INTRODUÇÃO
Neste trabalho, faz-se uma reflexão acerca da aplicação dos princípios no âmbito Direito do Trabalho, trazendo, inicialmente, noções básicas deste ramo do Direito.
Posteriormente, conceitua-se princípios, os quais passam a ser analisados individualmente, para a correta compreensão da incidência de cada um deles neste ramo Especializado.
2. CONCEITO E NOÇÕES GERAIS DO DIREITO DO TRABALHO
Direito do Trabalho, segundo Mauricio Godinho Delgado, é o complexo de princípios, regras e institutos jurídicos que regulam a relação empregatícia de trabalho e outras relações normativamente especificadas, englobando, também, os institutos, regras e princípios jurídicos concernentes às relações coletivas entre trabalhadores e tomadores de serviços, em especial de suas associações coletivas.
O que difere o Direito do Trabalho do Direito Civil é precipuamente o tratamento diferenciado dispensado ao empregado, em virtude do reconhecimento da sua posição de hipossuficiência frente ao empregador, em decorrência da natureza salarial do objeto contratual.
Em que pese a grande quantidade de normas cogentes, voltadas ao equilíbrio contratual, o Direito do Trabalho é ramo do direito privado, que regula a relação de emprego e outras a ela equiparadas, tanto no campo individual quanto no coletivo.
Ademais, o reconhecimento da precarização geral das relações de trabalho e a tentativa constante de reduzir os custos da prestação de serviços fizeram com que a competência da Justiça do Trabalho alargasse com a EC 45/2004. Este aumento está associado, portanto, ao aumento da exploração do trabalho, o que atrai a proteção desse ramo especializado do Poder Judiciário, razão pela qual se faz imperioso o estudo dos princípios aplicáveis no seu âmbito de atuação.
3. CONCEITO DE PRINCÍPIOS. OS PRINCÍPIOS DO DIREITO DO TRABALHO
Antes de adentrar na temática dos princípios, faz-se necessário traçar uma distinção teórica entre os princípios e as regras.
A partir do reconhecimento da força normativa dos princípios, que passaram a ser vistos como espécie do gênero “norma”, juntamente com as regras, os princípios assumiram posição de grande relevância na aplicação do Direito como um todo.
Segundo Robert Alexy, princípios são “mandamentos de otimização”, ou seja, são normas que exigem que algo seja cumprido na maior medida possível, de acordo com as possibilidades fáticas e jurídicas existentes. Diferem-se das regras, portanto, que sempre devem ser satisfeitas ou não (lógica do “tudo ou nada”).
Uma segunda diferença que vai decorrer da distinção entre princípios e regras é a natureza das razões. Enquanto os princípios fornecem razões “prima facie”, as regras fornecem razões definitivas.
As razões “prima facie” são aquelas que podem ser afastadas por outras razões de peso maior.
Nesse sentido, o princípio, como comando de otimização, sujeita-se a circunstâncias fáticas e jurídicas, segundo as quais pode ser que haja a prevalência de um grupo de princípios sobre outro.
Por sua vez, as regras fornecem razões definitivas para as decisões. As razões de uma regra são consideradas “decisivas” (Peczenik) por serem conclusivas para se chegar a uma determinada solução.
Assim, diferentemente do que ocorre no conflito entre regras, a colisão de princípios é resolvida por meio do sopesamento, vale dizer, pela dimensão da importância, de maneira que, quanto maior o grau de afetação ou de não satisfação de um determinado princípio, maior deve ser o grau de satisfação do princípio oposto.
Essa noção ajuda a compreender todas as situações em que há prevalência de um princípio em detrimento de outro, principalmente, aqui, na Justiça do Trabalho, tendo em vista a sua natureza de justiça especializada dotada de princípios que lhes são próprios e peculiares em relação aos demais ramos do Direito.
3.1 PRINCÍPIO DA PROTEÇÃO
O Direito do Trabalho tem como base o princípio da proteção, do qual defluem todos os demais.
Este princípio, base do Ordenamento Trabalhista, está ligado à ideia de igualdade material. Por meio dele, se reconhece que, na relação de trabalho, há uma parte vulnerável, hipossuficiente, em relação à outra e que, justamente por isso, não consegue impor a sua vontade com a mesma força que a parte contraposta.
Nesse sentido, é a lição do magistrado do trabalho Luciano Martinez[1]:
Há relações jurídicas em que os sujeitos estão em postura de igualdade substancial e, consequentemente, em posição de equivalência contratual. Diante dessas relações, a atuação estatal esperada é exatamente a de não privilegiar um contratante em detrimento de outro. Esse figurino contratual, entretanto, não pode ser conservado quando evidente a dessemelhança de forças ou de oportunidades entre os sujeitos das relações contratuais.
Em tais hipóteses, cabe ao Estado criar mecanismos de proteção aos vulneráveis, sob pena de compactuar com a exploração do mais forte sobre o mais fraco. Como bem detectou o professor Luiz de Pinho Pedreira, “o motivo dessa proteção é a inferioridade do contratante amparado em face do outro, cuja superioridade lhe permite, ou a um organismo que o represente, impor unilateralmente as cláusulas do contrato, que o primeiro não tem a possibilidade de discutir, cabendo-lhe aceitá-las ou recusá-las em bloco”.
No entendimento da desembargadora Vólia Bomfim[2]:
O princípio da proteção ao trabalhador está caracterizado pela intensa intervenção estatal brasileira nas relações entre empregado e empregador, o que limita, em muito, a autonomia da vontade das partes. Dessa forma, o Estado legisla e impõe regras mínimas que devem ser observadas pelos agentes sociais. Estas formarão a estrutura basilar de todo o contrato de emprego.
Dessa forma, é conferido tratamento igual aos iguais e desigual aos desiguais. Trata-se, como dito alhures, de manifestação do princípio da igualdade substantiva ou proporcional em aplicação específica para o Direito do Trabalho.
Américo Plá Rodrigues divide o princípio da proteção em três regras, as quais são consideradas por outros doutrinadores, como princípios autônomos: norma mais favorável, condição mais benéfica e in dubio pro misero. Já para Godinho, o princípio abrange todos os outros do Direito do Trabalho.
3.2 PRINCÍPIO DA APLICAÇÃO DA FONTE JURÍDICA MAIS FAVORÁVEL
O princípio da aplicação da fonte jurídica mais favorável é aplicável nos casos em que há conflito de normas. Vale dizer, quando há mais de uma norma trabalhista válida aplicável ao caso concreto, deve-se sempre optar pela norma mais favorável ao trabalhador.
O Direito do Trabalho, afinal, surgiu com o objetivo de assegurar o mínimo necessário à manutenção da dignidade, para concretizar os direitos humanos, não permitindo que haja retrocessos.
Tal princípio está positivado no art. 620 da CLT, segundo o qual condições estabelecidas em convenção, quando mais favoráveis, prevalecerão sobre as estipuladas em acordo.
Desta maneira, a norma mais favorável figura no topo da pirâmide normativa. Contudo, para isso, é necessário que ela tenha validade. A norma não pode, por exemplo, contrariar a Constituição.
Apesar da aparente facilidade, dispõe Martinez[3] que:
[...] há uma dúvida que atormenta os juslaboralistas: dentre as várias fontes com vigência simultânea, qual seria a mais favorável ao trabalhador?
Para obter essa resposta, consoante mencionado no primeiro capítulo dessa obra, o aplicador do direito deve orientar-se em conformidade com um dos seguintes métodos de determinação da fonte mais favorável: a acumulação/atomística, o conglobamento/incindibilidade ou o conglobamento por institutos.
Segundo a teoria do conglobamento, que é a majoritária, para verificar qual a norma mais favorável, deve-se analisar o conjunto das normas, de maneira a preservar o caráter sistêmico do direito.
Para essa teoria, a análise de meros excertos de normas quebraria não apenas a sistemática do direito, como também o espírito da negociação coletiva, que envolve concessões mútuas.
A segunda teoria é a “atomística” ou “da acumulação”. Ela defende que se deve analisar item por item de cada norma e selecionar o que há de melhor em cada uma. Tal teoria quebra a sistemática do direito e o espírito da negociação coletiva, além de surpreender o empregador. Ademais, a proteção excessiva, ao criar um ambiente de direitos em demasia aos empregados, pode ser prejudicial, resultando em sua dispensa.
Já a teoria dos institutos, da incindibilidade dos institutos, da acumulação por institutos, do conglobamento por matéria ou intermediária, defende que as normas devem ser comparadas com relação a cada instituto isoladamente. Compara-se o instituto salário, o instituto duração do trabalho e assim por diante.
Além dessas teorias, há duas mais recentes:
A teoria da adequação, mais recente, sustenta que, assim como no âmbito das normas heterônomas, há normas coletivas que são gerais e outras que são específicas. Dessa maneira, da mesma forma que a lei especial não derroga a geral e vice-versa, isso também deveria ser aplicado à negociação coletiva.
Nesse sentido, a convenção coletiva seria norma geral, aplicável a toda a categoria, enquanto o acordo coletivo seria norma específica, adequando a realidade da convenção por empresa. O acordo, assim, seria aplicável apenas com relação à matéria específica sobre a qual versa, aplicando-se às demais a convenção.
Por fim, a teoria do aspecto cronológico utiliza do momento social e político para determinar a norma que deve ser aplicada, defendendo que a norma coletiva mais recente deve ser a aplicada. Essa é a mais frágil das teorias.
3.3 PRINCÍPIO DA CONDIÇÃO MAIS BENÉFICA
A relação de trabalho é de trato sucessivo, se estende no tempo, e os direitos conquistados pelo trabalhador em seu curso não podem ser ulteriormente suprimidos.
É neste cenário que atua o princípio da condição mais benéfica, relacionando-se com as ideias de preservação de direito adquirido e de incorporação de direitos.
Há, para os direitos trabalhistas, três bases jurídicas essenciais: uma primária, caracterizada pelos direitos mínimos assegurados por lei; uma secundária, composta pelos direitos previstos em normas coletivas, sobre as quais deve se fundar a livre pactuação entre empregado e empregador, que é a base jurídica terciária.
No que se refere à base jurídica primária, o princípio da condição mais benéfica não se aplica. Isso porque a mudança de normas heterônomas estatais, se válida, aplica-se aos trabalhadores, ainda que os prejudique. A norma alterada passa a regular a relação a partir de sua entrada em vigor, tendo efeito imediato e não retroativo. Então, os direitos assegurados por lei, pela Constituição, ou, inclusive, por sentença normativa ficam condicionados à vigência da fonte formal que os prevê.
Diferentemente, quanto à base jurídica terciária, segundo o art. 444, as relações contratuais de trabalho podem ser objeto de livre estipulação das partes interessadas em tudo quanto não contravenha às disposições de proteção ao trabalho, aos contratos coletivos que lhes sejam aplicáveis e às decisões das autoridades competentes.
No que concerne às normas coletivas, base jurídica secundária, que têm prazo de vigência de, no máximo, dois anos, há três teorias:
Para a primeira teoria, da incorporação ou da aderência total, a norma coletiva que cria um direito sempre se torna direito adquirido do trabalhador, incorporando-se ao seu contrato de trabalho e devendo ser assegurado independentemente de ultrapassado o seu prazo de vigência. Essa teoria utiliza como fundamento o art. 468 da CLT[4], que veda alterações contratuais lesivas, e as Súmulas 51[5] e 288[6] do TST.
É importante pontuar, porém, que o art. 468 não se aplica a normas coletivas, mas sim a cláusulas firmadas entre empregado e empregador. Às normas coletivas, aplica-se o art. 619[7]. Assim, os direitos previstos em normas coletivas assemelham-se aos decorrentes da base primária, vale dizer, são imperativos, cogentes, independem da vontade de empregado e empregador e, não podendo ser tratados como direitos puramente contratuais, de modo que a eles não se aplica a ideia de incorporação.
Com fulcro nos arts. 9º e 619 da CLT, qualquer ato praticado em contrariedade à base jurídica primária ou secundária, respectivamente, é nulo de pleno direito[8]. Dessa maneira, observa-se que a lesão a direito de proteção mínima tem a mesma consequência que a lesão a direito previsto em norma coletiva. Já no que concerne aos direitos livremente pactuados no âmbito da relação individual, a proteção é mais branda. Nesse sentido, de acordo com o art. 468 da CLT, o empregador pode alterar as cláusulas, por mútuo consentimento, e desde que não haja prejuízo ao empregado, sob pena de nulidade.
Segundo a teoria da não incorporação ou da vigência, por sua vez, os direitos previstos em norma coletiva apenas são aplicáveis durante seu prazo de vigência, não se incorporando ao contrato de trabalho. Essa teoria foi adotada até 27/09/2012 pela Súmula 277 do TST. Isso porque o referido verbete passou por uma das alterações realizadas pelo Tribunal Superior do Trabalho (TST) durante a II Semana do TST e, a partir desta data, entrou em vigor a nova redação da Súmula nº 277, segundo a qual as normas estabelecidas nas negociações coletivas de trabalho se incorporam aos contratos individuais de trabalho, projetando-se no tempo, ainda que contenham prazo estipulado de vigência, devendo ser respeitadas e aplicadas mesmo depois do término da vigência da norma coletiva e, somente através de um novo acordo ou convenção coletiva, poderão ser modificadas ou suprimidas.
Essa concepção tem como principal pilar o princípio da ultratividade das normas coletivas, pelo qual as condições mais favoráveis estabelecidas por convenção ou acordo coletivo de trabalho incorporam-se aos contratos de trabalho dos empregados e não podem mais ser suprimidas.
Com isso, deixou-se de aplicar a teoria da não incorporação ou da vigência para adotar a teoria da aderência condicionada ou da ultratividade. Tal teoria era adotada pela Lei n. 8.542, foi revogada pela Súmula 277, II, do TST e voltou a viger com a alteração dessa mesma súmula. Eis a sua redação atual, in verbis:
CONVENÇÃO COLETIVA DE TRABALHO OU ACORDO COLETIVO DE TRABALHO. EFICÁCIA. ULTRATIVIDADE (redação alterada na s na sessão do Tribunal Pleno realizada em 14.09.2012) - Res. 185/2012, DEJT divulgado em 25, 26 e 27.09.2012
As cláusulas normativas dos acordos coletivos ou convenções coletivas integram os contratos individuais de trabalho e somente poderão ser modificados ou suprimidas mediante negociação coletiva de trabalho.
Ocorre que, por meio da ADPF 323, decidiu o STF, em sede liminar, pela suspensão da aplicação da referida súmula, voltando a situação anterior, ou seja, a não aderência da regra coletiva ao contrato individual, e portanto a não obrigatoriedade de sua aplicação quando terminada a vigência de tal norma. Tal feito não foi ainda julgado em seu mérito, no entanto, nova legislação foi promulgada, agora com diretriz específica sobre a ultratividade.
Isso porque, em novembro de 2017, entrou em vigor a reforma trabalhista, que, em seu artigo 614, teve alterado seu parágrafo 3º, que passa a vedar expressamente a aplicação da ultratividade da norma.
Dessa forma, a ultratividade deixa de ser aplicada por força de lei, e, portanto, a rigor, neste momento, voltam as regras convencionais a ter validade no prazo de sua vigência, que por força de lei é de no máximo de 2 anos não aderindo ao contrato de trabalho.
3.4. PRINCÍPIO DO IN DUBIO PRO MISERO
A primeira observação a ser feita acerca desse princípio refere-se à sua aplicação.
O princípio do in dubio pro misero, em verdade, aplica-se à interpretação de normas e não nos casos de dúvidas no julgamento de casos concretos. Nestes casos, devem-se aplicar as regras do ônus da prova.
Nesse sentido, se uma norma puder ser interpretada de mais de uma forma, deve prevalecer a interpretação que confira mais direitos ao trabalhador. Observe que esse princípio também não se confunde com o princípio da norma mais favorável; O primeiro aplica-se quando uma norma comporta mais de uma interpretação; O segundo, quando há mais de uma norma trabalhista válida aplicável ao caso concreto.
Isso se dá em decorrência do princípio da proteção, norte das normas trabalhistas.
Esse entendimento encontra respaldo, inclusive, no Tribunal Superior do Trabalho, que tem utilizado o princípio para adotar interpretações mais favoráveis ao empregado. É o caso, por exemplo, do art. 71, § 4º, da CLT, que trata do intervalo sem esclarecer se o seu pagamento tem natureza indenizatória ou salarial, bem como se o pagamento deve ser integral ou apenas da parcela não fruída.
3.5 PRINCÍPIO DA IMPERATIVIDADE DAS NORMAS TRABALHISTAS
O Direito do Trabalho é composto, sobretudo, por normas cogentes, vale dizer, que não podem ser derrogadas pela vontade das partes. Isso ocorre em decorrência da sua natureza de ordem pública. A finalidade do referido ramo do Direito é, a partir do reconhecimento da hipossuficiência de uma das partes em face da outra, na relação jurídica travada, conferir uma igualdade substancial e não meramente formal como alhures.
Com carga imperativa, as normas trabalhistas representam verdadeira limitação à autonomia da vontade, com o intuito de proteger garantias fundamentais dos trabalhadores em face do desequilíbrio entre as partes.
Süssekind classifica essas normas imperativas de duas formas. Para ele, existem as impositivas ou proibitivas, que não conferem margem de atuação às partes (ex: assinatura da CTPS); e as complementares, que estabelecem apenas o mínimo, podendo ser complementadas, desde que de forma mais favorável ao trabalhador (ex: adicional de horas extras de 50%).
Seja pelas normas impositivas, seja pelas complementares, pode-se dizer que o contrato de trabalho cumpre importante função social, que pode ser vista sob dois aspectos: intrínseco, correspondente ao equilíbrio entre as partes; e extrínseco relacionado aos benefícios que o contrato acarreta à sociedade.
É justamente essa função social que o contrato de trabalho tem a cumprir que determina o dirigismo contratual.
3.6 PRINCÍPIO DA IRRENUNCIABILIDADE OU DA INDISPONIBILIDADE DOS DIREITOS TRABALHISTAS
O termo “indisponibilidade” é mais apropriado do que “irrenunciabilidade”, visto que abrange não apenas a renúncia, como o último, mas também qualquer outro ato de disposição de direitos trabalhistas.
A renúncia é instituto de direito material que se caracteriza por ser um ato unilateral de extinção do direito, praticado pelo seu titular, que assim manifesta sua vontade. Não se confunde, pois, com a desistência, que é instituto de direito processual, o qual não importa na extinção do direito, mas tão somente de determinada demanda.
A indisponibilidade, além de abranger a renúncia, abarca também a hipótese de transação, que consiste em concessões recíprocas para evitar ou por fim ao litígio. Esse instituto, diferentemente da renúncia, pressupõe bilateralidade, dúvida sobre a titularidade do direito (litígio ou iminência de litígio) e livre vontade das partes.
Como visto, a transação implica na disposição parcial de ambas as partes para se chegar a um acordo. Logo, ela não deve ser confundida com a composição, que tem o objetivo de definir de quem é cada direito, não havendo ato de disposição.
Feitas as devidas distinções, parte-se para a análise do princípio propriamente dito. O princípio da irrenunciabilidade ou da indisponibilidade dos direitos trabalhistas é consequência do princípio da imperatividade.
Os direitos trabalhistas previstos em normas cogentes são irrenunciáveis, não podendo, em regra, ser objeto de negociação entre as partes. A CF, contudo, indica três pontos passíveis de flexibilização: redução salarial (art. 7º, VI), compensação de horários e redução da jornada (art. 7º, XIII) e jornada superior a 6h no trabalho em turnos ininterruptos de revezamento (art. 7º, XIV). A despeito disso, a flexibilização deve ser interpretada de forma restritiva, apenas de acordo com as hipóteses expressamente previstas pelo ordenamento. Observe que se a renúncia fosse possível, certamente, a opressão exercida pelo empregador faria com que o empregado, hipossuficiente, renunciasse a tudo.
Assim, todas as normas que compõem o conteúdo mínimo dos contratos, em decorrência da sua função social e, consequentemente, da limitação da autonomia da vontade, têm carga de ordem pública.
Com efeito, segundo o art. 2.035, parágrafo único, do CC, nenhuma convenção prevalecerá se contrariar preceitos de ordem pública, tais como os estabelecidos para assegurar a função social da propriedade e dos contratos.
Assim, há, como regra, indisponibilidade absoluta dos direitos previstos em normas cogentes e indisponibilidade relativa dos direitos previstos contratualmente, os quais podem ser alterados, desde que haja mútuo consentimento e não haja prejuízo. Representam exceção os direitos previstos contratualmente por excepcional interesse obreiro.
.3.7 PRINCÍPIO DA PRIMAZIA DA REALIDADE DOS FATOS
O princípio da primazia da realidade dos fatos, como o próprio nome sugere, é aplicado nos casos em que há uma distinção entre a previsão formal do que foi pactuado e o que ocorreu na realidade.
Segundo esse princípio, nesses casos, deve prevalecer, para o Direito do Trabalho, o que ocorre na prática.
O princípio da primazia da realidade é também decorrência do princípio da proteção. Disso, decorre que ele também não pode ser alegado pelo empregador em prejuízo do empregado, mas apenas por este em prejuízo daquele.
Não obstante tal entendimento, não se deve confundir: em que pese a empresa não poder alegar o princípio da primazia da realidade dos fatos, é possível a alegação por meio desta dos vícios de consentimento, tais como dolo, simulação, dentre outros.
3.8 PRINCÍPIO DA CONTINUIDADE DA RELAÇÃO DE EMPREGO
O princípio da continuidade da relação de emprego surgiu em virtude do reconhecimento da natureza alimentar das verbas trabalhistas, pela qual dificilmente partirá do obreiro a iniciativa pelo rompimento da relação contratual. Assim, presume-se que o término do contrato se deu em virtude de dispensa, visto que interessa ao empregado a sua manutenção.
Com o objetivo de dar segurança ao ser humano e evitar a sua exploração, assegurando um mínimo de dignidade, por este princípio, os contratos de trabalho, como regra, não têm prazo determinado.
Nesse sentido, segundo o art. 7º, I, da CF, é direito dos trabalhadores urbanos e rurais a relação de emprego protegida contra despedida arbitrária ou sem justa causa, nos termos de lei complementar, que preverá indenização compensatória, dentre outros.
Essa previsão acarreta em uma proteção indireta, portanto, contra a dispensa sem justa causa, tornando-a mais onerosa ao empregador, de modo a desestimulá-la e garantir amparo ao empregado dispensado.
Com efeito, para que os contratos de trabalho sejam celebrados com prazo determinado, é necessária previsão legal específica, uma vez que, reitere-se, se presume que os contratos de trabalho têm prazo indeterminado.
Ademais, é justamente pela existência desse princípio que existem momentos no contrato de trabalho, em que ele é mantido, ainda que o trabalhador não preste serviços, como no caso das interrupções e suspensões no contrato de trabalho.
Além disso, o princípio da continuidade da relação de emprego é, também, fundamento das modificações do contrato de trabalho, desde que benéficas; da proteção indireta contra dispensa sem justa causa; e da sucessão trabalhista, permanecendo íntegros os contratos mesmo com a mudança do empregador.
Por fim, ancorada na concepção de que interessa ao obreiro a manutenção do contrato de emprego, há uma distribuição diferenciada do ônus da prova do motivo da dispensa, em razão desta presunção favorável ao empregado, decorrente do princípio da continuidade.
De acordo com a Súmula 212 do TST, o ônus de provar o término do contrato de trabalho, quando negados a prestação de serviço e a dispensa, é do empregador, pois o princípio da continuidade da relação de emprego constitui presunção favorável ao empregado. Assim, se o empregado provar que prestava serviços, presume-se o caráter indeterminado da relação de emprego e seu término por dispensa.
4.PRINCÍPIOS GERAIS DO DIREITO
Além dos princípios específicos vistos acima, também são aplicáveis ao Direito do Trabalho os princípios gerais do direito, como o da lealdade e o da boa-fé.
O princípio da lealdade emana da necessidade de se ter uma conduta moral e ética nas relações; Está relacionado ao princípio da boa-fé, do qual decorrem os deveres anexos de conduta, a exemplo do de transparência, de informação, dentre outros. No entendimento de Luciano Martinez[9]:
Operando sobre o plano dos princípios e sobre a própria lei, a boa-fé é exigida, como dever acessório, na formação dos contratos e protegida durante o transcurso dos ajustes já formados. Por força dela cada um dos sujeitos de uma relação jurídica deve oferecer informação, ampla e irrestrita, sobre os detalhes do negócio a ser praticado ou do ato jurídico que está em desenvolvimento. Alguns desses detalhes podem ser extremamente relevantes a ponto de influenciar a celebração do ajuste ou a continuidade executiva do negócio. Os parceiros contratuais, segundo o princípio da boa-fé, devem atuar com confidencialidade, com respeito, com lealdade e com mútua cooperação.
Além do princípio da lealdade e o da boa-fé, grande norte não só do Direito do Trabalho, mas do ordenamento jurídico como um todo, reflete também na seara trabalhista o princípio da vedação ao abuso de direito, decorrente da vedação da dispensa fundada em discriminação, bem como, a partir dele, pode-se defender a proibição de vedações abusivas, as quais podem ser formas de se perseguir o empregado.
Por fim, aplicam-se, também, ao Direito do Trabalho os princípios da não alegação da própria torpeza, da proporcionalidade e da razoabilidade.
5. CONCLUSÃO
A partir da adoção do Estado Democrático de Direito, em 1988, pela Constituição da República Federativa do Brasil, e do Neoconstitucionalismo, fala-se na supremacia da constituição e na força normativa dos princípios, os quais, ao lado das regras, compõem a gênero norma jurídica, e, portanto, devem ser observados por toda a sociedade e aplicadores do Direito, como parâmetro de validade de todas as normas infraconstitucionais.
Assim, o presente trabalho procurou mostrar que a aplicação dos princípios é de salutar importância, sobretudo no Direito do Trabalho, a partir do reconhecimento da precarização geral das relações de trabalho e da tentativa constante de reduzir os custos da prestação de serviços, nesta relação jurídica fortemente marcada pela hipossuficiência do trabalhador frente ao empregador, em decorrência da natureza salarial do objeto contratual.
[1] MARTINEZ, Luciano. Curso de Direito do Trabalho: relações individuais, sindicais e coletivas do trabalho – 3. Ed. – São Paulo: Saraiva, 2012. p. 131.
[2] CASSAR, Vólia Bomfim. Direito do Trabalho. 5 ed. Niterói: Impetus, 2011. p. 185.
[3] MARTINEZ, Luciano. Curso de Direito do Trabalho: relações individuais, sindicais e coletivas do trabalho – 3. Ed. – São Paulo: Saraiva, 2012. p. 85.
[4] Art. 468. Nos contratos individuais de trabalho só é lícita a alteração das respectivas condições por mútuo consentimento, e ainda assim desde que não resultem, direta ou indiretamente, prejuízos ao empregado, sob pena de nulidade da cláusula infringente desta garantia.
[5] TST Enunciado nº 51 - RA 41/1973, DJ 14.06.1973 - Incorporada a Orientação Jurisprudencial nº 163 da SBDI-1 - Res. 129/2005, DJ 20, 22 e 25.04.2005
Cláusula Regulamentar - Vantagem Anterior
I - As cláusulas regulamentares, que revoguem ou alterem vantagens deferidas anteriormente, só atingirão os trabalhadores admitidos após a revogação ou alteração do regulamento.
II - Havendo a coexistência de dois regulamentos da empresa, a opção do empregado por um deles tem efeito jurídico de renúncia às regras do sistema do outro. (ex-OJ nº 163 da SBDI-1 - inserida em 26.03.1999)
[6] TST Enunciado nº 288 - Res. 21/1988, DJ 18.03.1988 - Mantida - Res. 121/2003, DJ 19, 20 e 21.11.2003
Complementação dos Proventos da Aposentadoria
A complementação dos proventos da aposentadoria é regida pelas normas em vigor na data da admissão do empregado, observando-se as alterações posteriores desde que mais favoráveis ao beneficiário do direito.
[7] Art. 619. Nenhuma disposição de contrato individual de trabalho que contraria normas de Convenção ou Acordo Coletivo de Trabalho poderá prevalecer na execução do mesmo, sendo considerada nula de pleno direito.
[8] Art. 9º Serão nulos de pleno direito os atos praticados com o objetivo de desvirtuar, ou fraudar a aplicação dos preceitos contidos na presente Consolidação.
[9] MARTINEZ, Luciano. Curso de Direito do Trabalho: relações individuais, sindicais e coletivas do trabalho – 3. Ed. – São Paulo: Saraiva, 2012. p. 99.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: BESSA, Amanda Henriques de Oliveira Rocha. Princípios do Direito do Trabalho Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 01 dez 2020, 04:01. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/55747/princpios-do-direito-do-trabalho. Acesso em: 22 nov 2024.
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