GENE MARQUE DOS SANTOS SILVA [1]
(coautor)
George Jales Barbosa de Carvalho [2]
RESUMO: A acumulação de cargos é um dos temas mais controversos que existe no âmbito jurídico. Durante muito tempo houve divergência doutrinária acerca da possibilidade de acumular cargos com carga horária igual ou superior a 60 horas semanais. Como objetivo geral e visando responder à problemática, analisar-se-á os posicionamentos doutrinários e jurisprudenciais acerca do tema. Concluindo-se, ao final dessa pesquisa, pela possibilidade da referida acumulação, desde que haja compatibilidade de horários. Tal acumulação, segundo a jurisprudência brasileira, não viola os princípios da eficiência e moralidade administrativa. Utilizou-se o método de abordagem dedutivo, embasado no estudo bibliográfico.
Palavras-chave: Acumulação de Cargos. Servidor Público Federal. 60 (sessenta) horas semanais. Compatibilidade de Horários.
ABSTRACT: Accumulation of positions is one of the most controversial issues in the legal field. For a long time, there was doctrinal disagreement about the possibility of accumulating positions with a workload of 60 hours or more per week. As a general objective and aiming to answer the problem, the doctrinal and jurisprudential positions on the theme will be analyzed. Concluding, at the end of this research, for the possibility of said accumulation, as long as there is compatibility of schedules. Such accumulation, according to Brazilian jurisprudence, does not violate the principles of efficiency and administrative morality. The deductive approach method, based on the bibliographic study, was used.
Keywords: Accumulation of Positions. Public federal server. 60 (sixty) hours per week. Timetable compatibility.
SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. Da administração pública. 3. Noções gerais sobre servidores públicos. 3.1 Servidores públicos. 3.2 Cargo, emprego e função. 3.3 Direitos e deveres. 4. A acumulação de cargos públicos. 4.1 Possibilidade de acumulação. 4.2 Direito subjetivo do servidor em acumular cargos públicos. 4.3 Interesse da administração pública. 4.4 Posicionamentos favoráveis à acumulação de cargos. 5. Conclusão. Referências.
1 INTRODUÇÃO
A administração pública significa o conjunto de atividades administrativas exercidas pelo Estado em benefício da sociedade. Para gerir os interesses da coletividade o Estado se manifesta por meio de seus agentes, estes atuam em seu nome, munidos de poderes oriundos da esfera pública. São os servidores públicos sujeitos que servem ao poder público como instrumentos expressivos da sua vontade. A Constituição Federal de 1998, na seção I e II do capítulo relativo à Administração Pública, emprega a expressão servidores públicos em sentido amplo e restrito, respectivamente.
Em sentido amplo, engloba todas as pessoas físicas que prestam serviços, com vínculo empregatício, ao Estado e às entidades da Administração Indireta. Em sentido restrito, afasta os que prestam serviços às entidades com personalidade jurídica de direito privado. Tema de extrema relevância, tanto para o operador do direito, como para a sociedade em geral, pois diz respeito à possibilidade de um servidor público federal acumular cargos por um período superior a 60 (sessenta) horas semanais. Ainda há muitas controvérsias acerca do tema, tanto no âmbito doutrinário como na jurisprudência.
Diante de tal constatação, a problemática deste trabalho está em torno do seguinte questionamento: É possível ao servidor público federal acumular mais de um cargo público com uma carga horária superior a 60 (sessenta) horas semanais? Como objetivo geral e visando responder à problemática, tem-se: Analisar os posicionamentos doutrinários e jurisprudenciais acerca do tema. E, especificamente, estudar a administração pública; definir servidores públicos; distinguir cargo, emprego e função e; analisar a possibilidade de acumulação de cargos.
No primeiro capítulo serão abordados os conceitos e as características dos principais institutos jurídicos da administração pública. No segundo capítulo serão analisados os aspectos gerais dos servidores públicos federais. Por fim, no terceiro capítulo será abordada a problemática acerca da acumulação dos cargos públicos por parte dos servidores públicos federais, em carga horária superior a 60 (sessenta) horas semanais.
Utilizou-se o método de abordagem dedutivo, embasado no estudo bibliográfico. As informações bibliográficas foram coletadas em referenciais específicos sobre o tema em questão, como livros, artigos científicos, revistas especializadas de Direito Constitucional e Administrativo, sítios eletrônicos, pareceres da Advocacia Geral da União - AGU, doutrina e posicionamento jurisprudencial dos Tribunais de Justiça, bem como dos Tribunais Superiores.
2 DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
A definição de Administração Pública deve partir do conceito de Estado em seu sentido mais amplo, no qual o Estado é considerado pessoa jurídica territorial soberana, dotada de personalidade jurídica própria e pessoa de direito público, cujos elementos são originários e indissociáveis: o povo, o território e o governo soberano. Nele engloba o entendimento moderno de organização e funcionamento das atividades públicas fornecidas aos administrados.
A administração pública engloba um aglomerado de ações que se interligam de forma direta com o cumprimento de tarefas que são consideradas de interesse público. Apresenta um caráter funcional variado que proporciona estruturas complexas e envolvem objetivos como: atender os interesses públicos e prover os bens e serviços (PAULA, 2005).
Segundo Marinela (2018), a administração Pública pode ser definida como uma atividade neutra, habitualmente ligada à lei ou à norma técnica, cuja conduta é interposta em hierarquia, sem responsabilidade constitucional e política, no entanto, com responsabilidade técnica e legal pela execução.
Mesmo apresentando objetivos definidos, os conceitos são amplos devido ao campo de atuação e este pode ser definido pelo âmbito a ser estudado. Portanto, segundo Di Pietro (2019, p. 181) pode ser caracterizado em dois sentidos:
a) em sentido subjetivo, formal ou orgânico, ela designa os entes que exercem a atividade administrativa; compreende pessoas jurídicas, órgãos e agentes públicos incumbidos de exercer uma das funções em que se triparte a atividade estatal: a função administrativa;
b) em sentido objetivo, material ou funcional, ela designa a natureza da atividade exercida pelos referidos entes; nesse sentido, a Administração Pública é a própria função administrativa que incumbe, predominantemente, ao Poder Executivo.
Para Meirelles (2015), a definição de Administração Pública consiste em critérios específicos, tal como a formalidade, materialidade e operacionalidade. Ou seja, formal porque conceitua a Administração como um conjunto de órgãos criado para execução dos objetivos do Governo; material porque estabelece um grupo de funções indispensáveis para os serviços públicos e; operacional, cujo desempenho é perene e sistemático, assim como legal e técnico no que concerne aos serviços que são próprios do Estado ou por ele assumidos em prol da coletividade.
Quando nos referimos à Administração Pública é por obrigação tratar dos princípios que a regem. Tais princípios da Administração Pública, os quais se apresentam na Constituição Federal de 1988, regulamentam a administração pública e são evidenciadas no caput do artigo 37:
Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte (BRASIL, 1988).
Para realizar a execução de suas atividades o Estado tem como base os princípios, devendo ser ético o comportamento de tal ente no intuito de proporcionar transparência e transpor credibilidade aos administrados. Neste diapasão, Lima (2007, p. 45) aduz sobre os princípios que regem a Administração Pública:
Legalidade: toda ação da Administração Pública de ser regulamentada por lei, ou seja, o administrador somete poderá realizar as atividades dentro da legalidade, caso contrário será injurídica sua ação. Moralidade: na gestão pública é exigido o elemento ético onde inclui decisão entre o honesto e desonesto. Impessoalidade: aceite apenas de um atendimento imparcial, onde realizar o ato apenas pelo determinado em lei. Publicidade: aponta o dever ao ente de manter a transparência. Eficiência: a realização do trabalho da administração pública direcionado ao bem comum de forma eficaz.
Estes princípios são mandamentos cujo fulcro é a otimização no sentido de melhor ordenação da aplicação das ações públicas, indubitavelmente dentro das possibilidades jurídicas e realísticas.
Na busca por aperfeiçoamento a administração pública, o Brasil passou por várias mudanças com o intuito de ter um modelo eficiente para o país. Passamos por um modelo patrimonialista, onde o governante tinha o Estado como próprio patrimônio. E, no intuito de proteger o patrimônio público, surge o modelo burocrático, apresentando essa dissociação. No entanto, o mesmo tornou-se inflexível e entrou em choque com as inovações da gestão que buscam o cidadão, surgindo o modelo gerencial, que visa oferecer serviços de qualidade (MARINELA, 2018).
Desta forma, todas essas mudanças de modelo sempre visaram de forma criteriosa a transparência e clareza do ente público nos seus atos. Tais atos são de extrema importância para a verificação da sociedade sobre a eficiência e eficácia dos serviços prestados, para tal a Administração Pública subdivide-se em administração pública indireta e administração pública direta.
A administração pública indireta tem como composição entidades que possuem personalidade jurídica própria, e estas são responsáveis pela execução de atividades administrativas que necessitam ser desenvolvidas de maneira não centralizada. As entidades componentes da administração indireta são: autarquias, fundações públicas e as empresas estatais, de forma mais específica, as empresas públicas e as sociedades de economia mista (MARINELA, 2018).
No entanto, o Estado ao desenvolver a função executiva em exercício próprio se refere à administração pública centralizada ou direta. Tal definição é caracterizada como direta ou centralizada, porque a atividade é exercida diretamente pela União, ou seja, a realização da função é exercida pela própria União, através de seus Ministérios, Estados membros, Munícipios e Distrito Federal. O Estado transfere a execução de determinada atividade às pessoas jurídicas por ele criadas ou a particulares (MARINELA, 2018).
Desta forma, é necessário frisar que os entes componentes da administração direta, pessoa jurídica dotada de direito público, estão submetidos às prerrogativas e obrigações pertinentes a este regime e isso se estende aos seus órgãos.
3 NOÇÕES GERAIS SOBRE SERVIDORES PÚBLICOS
3.1 Servidores Públicos
Servidores públicos são os sujeitos que servem ao poder público como instrumentos expressivos da sua vontade. A Constituição Federal de 1998, na seção I e II do capítulo relativo à Administração Pública, emprega a expressão servidores públicos em sentido amplo e restrito, respectivamente.
Em sentido amplo, engloba todas as pessoas físicas que prestam serviços, com vínculo empregatício, ao Estado e às entidades da Administração Indireta. Em sentido restrito, afasta os que prestam serviços às entidades com personalidade jurídica de direito privado (DI PIETRO, 2019).
Para Carvalho Filho (2019), a expressão servidores públicos não alcança às empresas públicas, sociedades de economia mista e fundações de direito privado, referindo-se apenas aos agentes que servem, em caráter definitivo e em decorrência de relação de trabalho, as pessoas federativas, autarquias e fundações públicas de natureza autárquica.
Servidores Públicos são todos os agentes que exercendo em caráter permanente uma função pública em virtude de um vínculo de trabalho, constituem o cenário das pessoas federativas, das autarquias e das fundações públicas de natureza autárquica (CARVALHO FILHO, 2019).
A Constituição Federal define servidor público como agente que mantém vínculo de trabalho profissional, em caráter não eventual, sob vínculo de dependência, com as entidades governamentais, integrados em cargos ou empregos da União, Estados, Distrito Federal, Municípios, respectivas autarquias e fundações de Direito Público. Os servidores estatutários são ocupantes de cargos públicos e têm seus direitos e deveres disciplinados em lei, denominada estatuto. Este estatuto poderá ser alterado sem a anuência do servidor, desde que respeitados os direitos já adquiridos.
3.2 Cargo, emprego e função
A Constituição Federal de 1988, através do legislador constituinte originário, quando trata das regras de acumulação, não cuidou em definir os conceitos jurídicos de cargo, emprego e função. Assim, cabe à legislação infraconstitucional e a doutrina tais definições.
Quando se fala em cargo público o art. 3º, caput, da Lei nº 8112/1990 aduz que é “o conjunto de atribuições e responsabilidades previstas na estrutura organizacional que devem ser cometidas a um servidor” (BRASIL, 1990). Para Di Pietro (2019) cargo seria, de forma simplista, a unidade de poderes e deveres realizados por um agente em nome do Estado. Ainda segundo Di Pietro (2019, p. 1233) as várias competências que estão positivadas na Constituição Federal de 1988 tanto para a União, Estados e Municípios são distribuídas:
[...] entre seus respectivos órgãos, cada qual dispondo de determinado número de cargos criados por lei, que lhes confere denominação própria, define suas atribuições e fixa o padrão de vencimento ou remuneração. Durante muito tempo, essa unidade de atribuições correspondia ao cargo e era atribuída ao funcionário público sob regime estatutário.
Assim, o cargo é o lugar ocupado por um agente que tem funções específicas e remuneração fixadas em lei ou diploma a ela equivalente. Importante destacar que só existe o cargo na administração pública direta, nas autarquias e fundações públicas, já que existe uma regra na Carta Magna que afirma que apenas os integrantes do direito público é quem recebem o nome de servidores públicos. (CANOSA, 2016).
Dentro dos cargos públicos temos as classificações que têm embasamento na durabilidade do provimento, são estas: a) cargos vitalícios; b) cargos efetivos e c) cargos em comissão. Canosa (2016, p. 28) faz as seguintes considerações:
Os cargos vitalícios ou de provimento vitalício são aqueles que asseguram aos seus titulares, uma vez vitaliciados, a garantia de poderem ser destituídos apenas por sentença judicial transitada em julgado. A vitaliciedade é conferida ao titular do cargo após dois anos de exercício do cargo ou imediatamente à posse, nas hipóteses de nomeação direta para Magistrado de Tribunal (art. 84, incisos XIV e XVI) ou para cargo de Ministro do Tribunal de Contas. Por sua vez, os cargos efetivos são aqueles que asseguram aos seus titulares, uma vez adquirida a estabilidade, o direito de permanência no cargo, do qual só poderá ser destituído por: I) sentença judicial transitada em julgado (art. 41 §1, I, da CRFB/88); II) processo administrativo em que seja assegurado a ampla defesa (art. 41 §1, II da CRFB/88) e; III) procedimento de avaliação periódica de desempenho, na forma de lei complementar, assegurada ampla defesa (art. 41 §1, III, da CRFB/88). os cargos em comissão são aqueles ocupados em caráter transitório, e cuja nomeação independe de prévia aprovação em concurso público, necessitando apenas da confiança da autoridade competente.
Desta forma, conforme classificação constitucional os cargos vitalícios asseguram o servidor e o mesmo só pode ser destituído do cargo por sentença transitado em julgado. Já nos cargos efetivos a destituição é mais abrangente, pois além da possibilidade de destituição por sentença transitada em julgado, existem também a por processo administrativo e por procedimento de avaliação periódica de desempenho. Por fim, os cargos em comissão são transitórios e a sua nomeação não depende de aprovação prévia em concurso, mas sim a simples nomeação de autoridade competente.
Quando se trata de emprego público, falamos de contratação sob a égide da relação trabalhista. Segundo Di Pietro (2019), o emprego público começou a partir do momento em que houve a possibilidade de contratação sob o regime da Legislação Trabalhista, é uma expressão paralela a cargo público, onde a distinção entre cargo e emprego se dá apenas pelo vinculo contratual com o Estado, já que o empregado público tem um vínculo contratual advindo da CLT (Consolidação das Leis Trabalhistas) e o servidor público (cargo) tem vínculo estatutário que tem a sua regência no Estatuto dos Funcionários Públicos, como aduz Carvalho Filho (2019, p. 865):
Servidores públicos estatutários são aqueles cuja relação jurídica de trabalho é disciplinada por diplomas legais específicos, denominados de estatutos.(...) A segunda categoria é a dos servidores públicos trabalhistas (ou celetistas), assim qualificados porque as regras disciplinadoras de sua relação de trabalho são as constantes da Consolidação das Leis do Trabalho.(...) A última categoria é a dos servidores públicos temporários, os quais, na verdade, se configuram como um agrupamento excepcional dentro da categoria geral do servidores públicos. A previsão dessa categoria especial de servidores está contemplada no art. 37, IX, da CF, que admite a sua contratação por tempo determinado para atender à necessidade temporária de excepcional interesse público.
A função pública, conforme aduz Carvalho Filho (2019) é a atividade em si mesma, pois explica que função é o mesmo que atribuição, isto consiste e corresponde às mais variadas tarefas que são objetos dos serviços prestados por servidores. Para Cunha Júnior (2012, p. 256):
[...] todo cargo ou emprego público tem função, mas pode haver função sem cargo e sem emprego. A função sem cargo ou emprego é denominada de função autônoma, que, na forma da Constituição atual, abrange: a) A função temporária – Exercida por servidores temporários nos termos do art. 37, IX da CF e; b) A função de confiança – Prevista no art. 37, V, da CF e exercida exclusivamente por servidores públicos titulares de cargos efetivos e que se destinam apenas às atribuições de direção, chefia e assessoramento.
Assim, verifica-se que a função, diante da Constituição Feral de 1988, remete de forma restrita a duas condições específicas, a prevista pelo art. 37, IX que trata da contratação temporária e a prevista no inciso V do mesmo artigo, que trata das funções de confiança.
3.3 Direitos e deveres
Os regimes jurídicos modernos, quando tratam dos direitos e deveres dos servidores públicos, impõem certos deveres que visam o bom desempenho de seus encargos e funcionamento regular dos serviços considerados públicos. Inclusive, existe lei que aplica sanções àqueles que atentam contra os princípios da administração pública, a Lei de Improbidade Administrativa. Segundo Carvalho Filho (2014, p. 607):
Exercer com zelo e dedicação as atribuições do cargo; 2) Ser leal às instituições a que servir; 3) Observar as normas legais e regulamentares; 4) Cumprir as ordens superiores, exceto quando manifestamente ilegais; 5) Atender com presteza: 5.1) ao público em geral, prestadas as informações requeridas, ressalvadas as protegidas por sigilo; 5.2) à expedição de certidões requeridas para a defesa de direito ou esclarecimento de situações de interesse pessoal; 5.3) às requisições para a defesa da Fazenda Pública. 6) levar ao conhecimento da autoridade superior as irregularidades de que tiver ciência em razão do cargo; 7) zelar pela economia do material e pela conservação do patrimônio público; 8) guardar sigilo sobre assunto da repartição; 9) manter conduta compatível com a moralidade administrativa; 10) ser assíduo e pontual ao serviço; 11) tratar com urbanidade as pessoas; 12) representar contra ilegalidade, omissão ou abuso de poder.
Qualquer agressão aos deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade e lealdade são passíveis de punição, se pressuposto que o agente tenha agido dolosamente, ou seja, que tenha consciência da ilicitude. A Constituição Federal, ao ter um olhar sobre o servidor público o concedeu direitos. Inclusive, em seu art. 37, VI, admitiu o direito de greve que agora é definido por lei específica (CANOSA, 2016).
Assegura também o direito de receber salários ou vencimentos pelo labor exercido, aos mesmos estende o direito de salário mínimo e décimo terceiro ou gratificação no natal. Além do vencimento do cargo ocupado, o servidor tem direito a receber adicionais de indenizações. Possui o direito de irredutibilidade do vencimento (CF, art. 37, XV) que consiste na não redução do valor do vencimento do cargo exercido com acréscimo das vantagens permanentes (CANOSA, 2016).
4 A ACUMULAÇÃO DE CARGOS PÚBLICOS
4.1 Possibilidade de acumulação
O acúmulo é a situação em que um determinado servidor público ocupa mais de um cargo, emprego ou função pública ou, ainda, quando o servidor recebe proventos de aposentadoria concomitante com a remuneração de cargo, emprego ou função pública. Tais servidores são obrigados a declarar, assim que estiverem no momento de sua investidura, sob as penas da lei, quais os cargos exercem, devendo fazer prova de exoneração ou demissão, no dia da investidura, caso a hipótese de acumulação seja vedada pela Constituição Federal de 1988. Desta forma, em regra, é proibida a acumulação remunerada de cargos públicos. No entanto, conforme art. 37, XVI da Carta Magna, é autorizada a acumulação de:
a) 2 (dois) cargos de professor; (Redação EC nº 19/1998)
b) 1 (um) cargo de professor com outro técnico ou científico. (Redação EC nº 19/1998).
c) 2 (dois) cargos ou empregos privativos de profissionais de saúde, com profissões regulamentadas; (redação EC nº 34/2001).
Aos juízes é proibido exercer, ainda que em disponibilidade, outro cargo ou função, salvo uma de magistério (art. 95, parágrafo único, inciso I, da Constituição Federal de 1988).
Aos membros do Ministério Público é proibido exercer, ainda que em disponibilidade, qualquer outra função pública, salvo uma de magistério (art. 128, §5º, II, “d”, da Constituição Federal de 1988).
De acordo com Meirelles (2015), por reconhecer a conveniência de melhor aproveitamento da capacidade técnica e científica de determinados profissionais, a Constituição Federal permitiu algumas exceções quanto a regra de não acumulação.
Na hipótese de acúmulo na função de professor há uma possibilidade de maior flexibilidade e jornada de trabalho diferenciada, permitindo que um mesmo profissional atue em mais de uma unidade escolar. No entanto, tal jornada fica condicionada ao acúmulo quanto à compatibilidade de horário. Com relação aos professores de dedicação exclusiva da rede pública, não será admitido o duplo vínculo laboral, estando desautorizado de lecionar em outra unidade de ensino.
No caso dos juízes, a limitação é mais abrangente, pois não poderá exercer nenhum cargo ou função, ainda que esteja disponível. Cabendo exceção, se o cargo a ser exercido pelo juiz seja o de magistério, conforme art. 95, § único, I, da CF/88. A mesma restrição aplica-se aos promotores ou procuradores, autorizados a exercer outra função pública se esta for de magistério.
Importante destacar que a acumulação restringe-se ao limite máximo de dois cargos, empregos ou funções públicas, não sendo possível a acumulação tríplice de vencimentos e proventos. (MARINELA, 2018)
Vale salientar que, embora um ou alguns dos cargos acumuláveis sejam em situação de inatividade, a regra permanecerá, permitindo apenas dois vínculos públicos (CARVALHO FILHO, 2019). Dessa maneira, a título de exemplo, não seria possível acumular três cargos, mesmo que dois em situação ativa e um em estado inativo.
O tratamento constitucional dado ao tema acumulação remunerada de cargos públicos revela a sua importância, por isso, a Carta Magna brasileira fixou duas restrições à acumulação em comento, quais sejam: (i) a necessária compatibilidade de horários (art. 37, XVI) entre os vínculos públicos e (ii) atendimento ao teto remuneratório do funcionalismo público, concernente ao vencimento mensal de um ministro do Supremo Tribunal Federal (art. 37, XI e XVI).
O Supremo Tribunal Federal (STF), em decisão com repercussão geral, quanto ao atendimento ao teto remuneratório, entendeu que tal requisito deve ser analisado em relação à remuneração de cada de cada um dos vínculos públicos desempenhados, vejamos:
“TETO CONSTITUCIONAL – ACUMULAÇÃO DE CARGOS – ALCANCE.
Nas situações jurídicas em que a Constituição Federal autoriza a acumulação de cargos, o teto remuneratório é considerado em relação à remuneração de cada um deles, e não ao somatório do que recebido.” (STF, Recurso Extraordinário n.º 602.043/MT, Relator: Ministro Marco Aurélio, Órgão Julgador: Plenário, Publicação: DJe, em 8-9-17.)
Quanto à regra de compatibilidade de horários, aduz Mauro Roberto Gomes de Mattos:
A acumulação de cargos é a possibilidade de duas situações jurídicas concomitantes do servidor (vínculo) perante o Poder Público, em horários que sejam compatíveis. Por compatíveis, entendem-se os horários conciliáveis, aqueles que não prejudiquem a regular prestação do necessário serviço público desempenhado pelo servidor. Essa é a essência da compatibilidade de horários, para fins de acumulação, visto que o servidor público não poderá perceber as suas remunerações se efetivamente os seus horários são comprometidos pela impossibilidade de cumprir a dupla carga horária diária. Por isso é que ressaltamos a primazia da realidade como o fator primordial na busca da aferição da compatibilidade ou não de horários entre os cargos legalmente acumuláveis (MATTOS, 2010, p. 668).
Mister se faz mencionar a inconstitucionalidade de quaisquer outras restrições ao tema que não sejam as apontadas pela Carta Magna Brasileira. Todas as normas infraconstitucionais deverão amoldar os regramentos regentes aos seus servidores públicos às normas da Constituição Federal sobre o assunto (FERREIRA; CORRÊA, 2017).
Diante de tal possibilidade, será analisada, de maneira detalhada, a questão da acumulação dos cargos públicos por parte dos servidores públicos federais, nas situações em que a carga horária ultrapasse 60 (sessenta) horas semanais.
4.2 Direito subjetivo do servidor em acumular cargos públicos
A Constituição Federal de 1988 estabeleceu como regra geral a vedação quanto à acumulação remunerada de cargos públicos. No entanto, em determinados casos, previu algumas exceções, normatizando a ocupação simultânea de dois cargos públicos, empregos ou funções. As exceções à regra geral estão condicionadas ao cumprimento do requisito de compatibilidade de horários, que decorre da necessidade lógica de respeito aos princípios constitucionais administrativos, em destaque o da moralidade e o da eficiência.
A primordialidade de resguardar a moralidade administrativa no serviço público estabeleceu a regra proibitiva de acumular cargos, empregos ou funções, na medida em que comportamentos de apadrinhamento e troca de favores necessitariam ser rechaçadas pelo nosso ordenamento jurídico (CARVALHO FILHO, 2019).
O princípio da moralidade, nesse viés, merece ser levantado como um caminho à verificação da legalidade da acumulação de cargos públicos, uma vez que tal preceito tem a papel de limitar a atividade da administração e daqueles que operam em sua alcunha, os servidores públicos.
Importante salientar que o regime de acumulação de cargos põe em evidência o princípio da eficiência, previsto constitucionalmente, pois se propõe a impedir que um servidor público, através do acúmulo de funções e atribuições, tenha uma performance abaixo daquela exigível em condições normais (SANTOS, 2016).
A respeito do princípio da eficiência, aquele que desempenha um ofício deve aplicar-se com profissionalismo ao labor exercido. Assim, o servidor público deve exercer as suas atribuições com total dedicação. Por esse motivo, impôs o legislador a regra de compatibilidade de horários, contudo, esta é muito mais complexa do que possa parecer, devendo ser avaliada cuidadosamente.
Afirma Gilmar Mendes et al. (2010) que a liberdade é um dos maiores princípios da Carta Magna Brasileira, pois consiste em um dos elementos indispensáveis para a formação do conceito de dignidade da pessoa humana, elevado pelo constituinte como condição de fundamento do Estado Democrático de Direito e vértice do sistema dos direitos fundamentais.
A liberdade caracteriza-se como peça fundamental para a autorrealização do indivíduo, responsável por decidir quais os meios adequados para realizar suas potencialidades. É papel do Estado proteger e estimular às liberdades, garantindo que estas não sejam meramente formais (MENDES; COELHO; BRANCO, 2010).
Consoante os doutrinadores (SARLET; MARINONI; MITIDIERO, 2017), existe um direito geral de liberdade, do qual se originam as demais liberdades, que não estão expressamente previstas na Constituição Federal. “Com efeito, a liberdade, como faculdade genérica de ação ou omissão, concede ao indivíduo um amplíssimo leque de possibilidades de manifestação de suas vontades e preferências e de expressão de autonomia pessoal” que não pode ser limitado apenas às liberdades com previsão expressa em texto da lei.
O direito à liberdade geral encontra definição no conceito de autonomia, figurando como “direito fundamental de resistência”, que materializa o direito ao livre desenvolvimento da personalidade, que já fora positivado na Constituição Alemã (MARTINS, 2012).
Ora, já sabemos que a liberdade pertence à categoria de direitos fundamentais e que estes representam imensurável importância no ordenamento jurídico pátrio. Dessa maneira, é estritamente necessário analisar se a limitação máxima em 60 horas semanais para o acúmulo de cargos públicos condiz ou não com o axioma constitucional supramencionado.
Neste contexto, cumpre analisar a norma exarada pelo Parecer GQ – 145 da AGU, pois esta limita a carga horária laboral do servidor, atentando contra a liberdade, interferindo na decisão racional da autodeterminação e realização do objetivo de vida definido por cada indivíduo.
Neste cenário, se o Estado oportuniza ao servidor a possibilidade de acumular cargos, estabelecendo como principal requisito a compatibilidade de horários, ao indivíduo, enquanto propriedade de si mesmo e de autonomia, será lícito deliberar sobre a quantidade de trabalho que será assumida.
Conquanto, o Parecer QG – 145 da AGU vai de encontro as premissas de liberdade de autonomia, limitando a carga horária do servidor e restringindo-lhe direitos que não deveria. Pois, se a escolha do indivíduo em acumular carga horária laboral em mais de 60 horas não acarreta em prejuízos à Administração, nada poderá fazer o Poder Público, cabendo-lhe o dever de abstenção de atos atentatórios à liberdade.
Por óbvio, o servidor necessita gozar de boa saúde física e mental para exercer o seu trabalho, o que dependerá de um descanso adequado, o que seria absolutamente improvável se o mesmo está sobrecarregado com tantas atribuições (SANTOS, 2016).
Destaca-se, então, a visão do Superior Tribunal de Justiça que tratou sobre a saúde física e mental do profissional de saúde, na qual houve o real comprometimento da eficiência ao desempenhar as suas funções devido à excessiva carga de trabalho:
DIREITO ADMINISTRATIVO. INADMISSIBILIDADE DE JORNADA SEMANAL SUPERIOR A SESSENTA HORAS NA HIPÓTESE DE ACUMULAÇÃO DE CARGOS PRIVATIVOS DE PROFISSIONAIS DE SAÚDE.
É vedada a acumulação de dois cargos públicos privativos de profissionais de saúde quando a soma da carga horária referente aos dois cargos ultrapassar o limite máximo de sessenta horas semanais. Segundo o que dispõe a alínea c do inciso XVI do art. 37 da CF, é vedada a acumulação remunerada de cargos públicos, exceto, quando houver compatibilidade de horários, observado em qualquer caso o disposto no inciso XI, a de dois cargos ou empregos privativos de profissionais de saúde, com profissões regulamentadas. Por se constituir como exceção à regra da não acumulação, a acumulação de cargos deve ser interpretada de forma restritiva. Ademais, a acumulação remunerada de cargos públicos deve atender ao princípio constitucional da eficiência, na medida em que o profissional da área de saúde precisa estar em boas condições físicas e mentais para bem exercer as suas atribuições, o que certamente depende de adequado descanso no intervalo entre o final de uma jornada de trabalho e o início da outra, o que é impossível em condições de sobrecarga de trabalho. Observa-se, assim, que a jornada excessiva de trabalho atinge a higidez física e mental do profissional de saúde, comprometendo a eficiência no desempenho de suas funções e, o que é mais grave, coloca em risco a vida dos usuários do sistema público de saúde. Também merece relevo o entendimento do TCU no sentido da coerência do limite de sessenta horas semanais - uma vez que cada dia útil comporta onze horas consecutivas de descanso interjornada, dois turnos de seis horas (um para cada cargo), e um intervalo de uma hora entre esses dois turnos (destinado à alimentação e deslocamento) -, fato que certamente não decorre de coincidência, mas da preocupação em se otimizarem os serviços públicos, que dependem de adequado descanso dos servidores públicos (TCU, Acórdão 2.133/2005, DOU 21/9/2005). MS 19.336-DF, Rel. originária Min. Eliana Calmon, Rel. para acórdão Min. Mauro Campbell Marques, julgado em 26/2/2014.
Observa-se que é sempre importante considerar dois aspectos primordiais no que se refere à compatibilidade de horários:
[...] não podem as jornadas de trabalho se sobrepor, tendo em vista que uma pessoa não pode estar em dois lugares ao mesmo tempo; bem como, não pode a jornada ser excessivamente estafante, de forma que haja queda no rendimento do servidor público (SANTOS, 2016, p. 33).
Ressalta-se ainda que caso o servidor exerça cargos em dois lugares ou duas cidades diferentes, deverá ser observado o tempo de locomoção de um ponto ao outro, bem como a distância a ser cursada, se a estrada é boa ou não e qual o transporte disponível para o servidor.
Para o Supremo Tribunal Federal e Tribunal de Contas da União, no que se refere ao inciso XVI do art. 37 da Constituição Federal de 1988, a análise deve ser feita em cima do caso do servidor público, pois somente com os parâmetros da compatibilidade de horários é insuficiente.
Entretanto, é preciso levar em consideração os avanços da tecnologia, sendo possível, por exemplo, que o profissional trabalhe em cidades próximas – ou até estados – no mesmo dia, dispondo de voos com maior frequência e valores acessíveis. Há também a possibilidade de trabalho remoto, através de videoconferências e das inúmeras facilidades oferecidas pela internet.
Entende-se também que a “omissão” constitucional quanto ao conceito de compatibilidade de horários seja proposital, para que o aplicador da lei estude sempre cada caso em concreto e, assim, avalie se o requisito foi respeitado em cada situação prática. O único requisito que poderá ser utilizado como parâmetro pré-definido e passível de aplicação em qualquer hipótese é a impossibilidade de superposição de horários.
Ademais, a norma impeditiva da acumulação de cargos públicos já fora prevista pela Carta Magna, sendo fixado que se verifique na prática o parâmetro da compatibilidade de horários, não sendo possível que o legislador ordinário, através de norma infraconstitucional, imponha nenhuma outra restrição limitadora do assunto.
Outrossim, os preceitos trazidos pela Carta Magna devem ser interpretados sob a luz do princípio da máxima eficácia e efetividade das normas constitucionais, sendo vedada a interpretação vazia do conteúdo da noção de compatibilidade de horários. Isso significa utilizar-se do parâmetro da maneira mais auto executável possível, afastando a possibilidade de edição de regramento ordinário sobre o tema (SARLET; MARINONI; MITIDIERO, 2017).
4.3 Interesse da administração pública
A nossa Carta Magna colocou como condição para que haja o acúmulo de cargos a compatibilidade de horários, entretanto, deixou a quem interpreta e aplica a lei a possibilidade de determinar seu conceito e alcance. No âmbito Federal, a Advocacia Geral da União (AGU), por meio do Parecer nº GQ – 145, da trata do requisito da compatibilidade de horários e externou como admissível uma jornada máxima de 60 horas semanais, de forma que seja observada a saúde física e mental do servidor assim como o tempo suficiente para locomoção, higiene, alimentação e repouso (SANTOS, 2016).
Comumente autores e julgados dos tribunais pátrios utilizam o princípio da supremacia do interesse público sobre o privado como fundamento para defender a limitação de 60 (sessenta) horas semanais a carga horária laboral na acumulação de cargos.
De acordo com Celso Ribeiro Bastos (1999), a essência da Administração Pública encontra-se na realização de fins previstos em lei para satisfazer os interesses da coletividade, jamais para atender vantagens ou conveniências privadas. Portanto, considerando a satisfação dos interesses coletivos como o principal objetivo da Administração Pública, esses, quando estão em conflito com os interesses particulares, deverão prevalecer (CARVALHO, 2017, p. 62).
No mesmo sentido entende Celso Ribeiro Bastos (1999, p. 29):
Isso faz com que o direito administrativo seja a instrumentação jurídica de interesses de antemão considerados superiores, e é por esta razão que as leis administrativas encarnam esse princípio. Procuram estas exprimir no direito administrativo a posição de superioridade do público sobre o particular, conferindo-lhe uma série de institutos jurídicos que não concede aos particulares.
Entretanto, esclarece Celso Ribeiro Bastos (1999) que a supremacia do interesse público não está fundada em cometer arbitrariedades com os administrados, através de privilégios desarrazoados para o poder público. Pelo contrário, justifica-se em atingir os fins comuns, aplicando apenas os meios extremamente indispensáveis, da maneira menos gravosa possível para o cidadão.
Nesta senda, com clareza leciona Celso Ribeiro Bastos (1999), quando afirma que somente será legítimo sobrepor o interesse público ao particular se não houver “quebra do Estado de Direito”. Desta maneira, não será permitido à administração pública improvisar medidas que sacrifiquem o particular, sob a justificativa da supremacia de seus interesses.
Ademais, o interesse público é também indisponível, visto que, não pertencem aos administradores os bens e direitos da administração. Assim, por atuarem os administradores em nome de terceiros, não lhes é permitido agir ou dispor livremente dos bens e direitos do povo (CARVALHO, 2017).
Para Raquel Melo Urbano de Carvalho (2009), a indisponibilidade do interesse público é sinônimo da impossibilidade de o administrador flexibilizar a aplicação das normas administrativas benéficas ao Estado, sendo vedado dispensar conceitos jurídicos vantajosos para a administração, em detrimento de benefícios a outros interesses.
Dessa forma, o requisito da compatibilidade de horário não poderá ser reduzido à impossibilidade de o servidor laborar em carga horária que exceda a 60 horas semanais, sendo necessário obedecer aos limites da supremacia e indisponibilidade do interesse público.
Para além disso, a condicionante da compatibilidade de horários deverá ser analisada sob o seguinte questionamento: A acumulação de cargos em regime laboral superior a 60 horas semanais, intrinsecamente, traria danos à Administração Pública? Entende-se que não. Assim, restando provada a qualidade dos serviços prestados, estariam resguardados os princípios da supremacia e indisponibilidade do interesse público. Desse modo, a compatibilidade não poderá ser apurada mediante parâmetros pré-constituídos, devendo ser analisada caso a caso.
Conforme defende José dos Santos Carvalho Filho (2019), embora a Constituição Federal não tenha estipulado o limite laboral máximo de horas semanais, nas situações em que a acumulação ultrapassar os limites da possibilidade material e da razoabilidade haverá antijuricidade, o que deverá ser analisado no caso concreto.
Portanto, desde que respeitado o requisito da compatibilidade de horários, não poderá a administração pública impedir o servidor público de exercer seu direito constitucional em acumular cargos públicos, visto que, muitos servidores laboram mais de 60 horas semanais e cumprem suas funções com bom desempenho e êxito. Nesse sentido, o prejuízo alegado pela administração pública deverá ser apurado caso a caso, jamais em abstrato.
4.4 Posicionamentos favoráveis à acumulação de cargos
Há muitos anos, o Supremo Tribunal Federal, a quem incumbe a guarda da Constituição, vem mostrando-se contrário à limitação de 60 horas semanais a jornada total no acúmulo de cargos públicos. O Guardião da Constituição Federal firmou seu entendimento no sentido de proibir a legislação ordinária de interferir em assuntos que não pertencem a sua alçada. Posto que, se o constituinte não impôs limitação de carga horária à acumulação de cargos, nenhuma outra norma poderia restringir-lhe o alcance. Neste sentido são as decisões do Superior Tribunal Federal, vejamos:
ADMINISTRATIVO. CONSTITUCIONAL. SERVIDOR PÚBLICO. ACUMULAÇÃO DE CARGOS. COMPATIBILIDADE DE HORÁRIOS RECONHECIDA. REEXAME DO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO. IMPOSSIBILIDADE. PRECEDENTES. REGULARIDADE CONSTITUCIONAL DE ACUMULAÇÃO. PODER REGULAMENTAR. CRIAÇÃO DE NOVA REGRA. IMPOSSIBILIDAE. AGRAVO IMPROVIDO.
I - Para se chegar à conclusão contrária à adotada pelo acórdão recorrido, necessário seria o reexame do conjunto fático-probatório constante dos autos, o que atrai a incidência da Súmula 279 do STF. Precedentes.
II - Impossibilidade de se criar regra não prevista no texto da Constituição Federal, a pretexto de regulamentar dispositivo constitucional.
III - Agravo regimental improvido (STF, Agravo Regimental no Recurso Extraordinário n.º 565.917, Relator: Ministro Ricardo Lewandowski, Órgão Julgador: Primeira Turma, Publicação: DJe, em 10-11-10) (Grifo nosso).
AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. ADMINISTRATIVO. CONSTITUCIONAL. SERVIDOR PÚBLICO. ACUMULAÇÃO DE CARGOS. EXISTÊNCIA DE NORMA INFRACONSTITUCIONAL QUE LIMITA A JORNADA SEMANAL DOS CARGOS A SEREM ACUMULADOS. PREVISÃO QUE NÃO PODE SER OPOSTA COMO IMPEDITIVA AO RECONHECIMENTO DO DIREITO À ACUMULAÇÃO. COMPATIBILIDADE DE HORÁRIOS RECONHECIDA PELA CORTE DE ORIGEM. REEXAME DO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO. IMPOSSIBILIDADE. AGRAVO IMPROVIDO.
I - A existência de norma infraconstitucional que estipula limitação de jornada semanal não constitui óbice ao reconhecimento do direito à acumulação prevista no art. 37, XVI, c, da Constituição, desde que haja compatibilidade de horários para o exercício dos cargos a serem acumulados.
II - Para se chegar à conclusão contrária à adotada pelo acórdão recorrido quanto à compatibilidade de horários entre os cargos a serem acumulados, necessário seria o reexame do conjunto fático-probatório constante dos autos, o que atrai a incidência da Súmula 279 do STF.
III - Agravo regimental improvido (STF, Agravo Regimental no Recurso Extraordinário n.º 633.298/MG, Relator: Ministro Ricardo Lewandowski, Órgão Julgador: Segunda Turma, Publicação: DJe, em 14-2-12.) (Grifo nosso)
Os fundamentos contrários à possibilidade de acumulação de cargos vieram a partir de uma presunção de que a jornada de trabalho acima de 60 horas feriria o princípio Constitucional da eficiência. No entanto, a mesma pode ser contestada, pois a presunção não é absoluta, ou seja, admite-se observação de cada caso, assim como prova em contrário.
Outro ponto a salientar é que não existe norma constitucional que tenha determinado presunção da não possibilidade de acumulação de cargos quando a jornada for superior a 60 (sessenta) horas. A acumulação, apesar de ser exceção, é um direito constitucional que é assegurado ao servidor que, provando que possui condições de exercer e desempenhar de forma que não atinja sua saúde física e psíquica, e que isto não prejudique os exercícios das demais funções, poderá exercer as suas funções cumulativamente.
5 CONCLUSÃO
No presente artigo, pesquisou-se acerca das modalidades de acumulação dos cargos públicos por parte do servidor público federal. Observou-se o posicionamento da jurisprudência e da doutrina sobre o tema, bem como da Advocacia Geral da União – AGU, que por meio do parecer AGU AM-04 regulamentou a matéria.
Por muito tempo, vigou o Parecer AGU GQ-145, que acabou por acarretar prejuízos sem precedentes a inúmeros servidores públicos federais, pois limitava a acumulação de cargos públicos a 60 (sessenta) horas semanais. Conforme demonstrado, diversos julgados caminharam no sentido contrário do referido parecer, por entenderem ser possível a acumulação, desde que houvesse a compatibilidade de horário.
Percebeu-se que a mudança do entendimento da Administração Pública Federal, por meio da Parecer AGU AM-04, foi no sentido de permitir a acumulação por período superior a 60 (sessenta) horas semanais, desde que haja compatibilidade de horário, ratificando assim o entendimento que já era dominante nos Tribunais Regionais Federais e no próprio Superior Tribunal de Justiça.
O que há conforme explanação da CF/88 é um limite implícito de grande importância que é o Princípio Constitucional da Eficiência, previsto no caput do art. 37 da Constituição Federal de 1988, que deverá ser observado pelo administrador público para se evitar o comprometimento da prestação do serviço público.
Em resposta à pergunta do problema, conclui-se que é possível a acumulação de cargos cuja carga horária ultrapasse as 60 horas semanais, desde que verificado o requisito da compatibilidade de horários, devendo ser analisada caso a caso a situação de cada servidor. Constatou-se que tal acumulação não viola os princípios da moralidade e da eficiência, desde que esteja comprovado que inexiste sobreposição de jornadas e prejuízo no desempenho de cada umas das funções.
REFERÊNCIAS
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Marques, julgado em 26/2/2014. DIREITO ADMINISTRATIVO. INADMISSIBILIDADE DE JORNADA SEMANAL SUPERIOR A SESSENTA HORAS NA HIPÓTESE DE ACUMULAÇÃO DE CARGOS PRIVATIVOS DE PROFISSIONAIS DE SAÚDE. É vedada a acumulação de dois cargos públicos privativos de profissionais de saúde quando a soma da carga horária referente aos dois cargos ultrapassar o limite máximo de sessenta horas semanais. [...] Disponível em: https://contas.tcu.gov.br/sagas/SvlVisualizarRelVotoAcRtfcodFiltro=SAGASSESSAOENCERRADA&seOcultaPagina=S&item0=562306. Acesso em: 24 nov. De 2020.
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[1] Acadêmica do Curso de Direito do Centro Universitário Santo Agostinho - UNIFSA. E-mail: [email protected].
[2] Orientador, Professor do Curso de Direito do Centro Universitário Santo Agostinho – UNIFSA, Mestre em Direito pela PUCRS. E-mail: [email protected].
Bacharelanda em Direito pela Centro Universitário Santo Agostinho - UNIFSA
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SILVA, Maria Vitória Soares. A acumulação de cargos públicos por parte dos servidores públicos federais no Brasil Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 02 dez 2020, 04:19. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/55748/a-acumulao-de-cargos-pblicos-por-parte-dos-servidores-pblicos-federais-no-brasil. Acesso em: 22 nov 2024.
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